Portal:Produção de texto: dicas e reflexões para movimentos sociais

Fonte: Wikiversidade

O Fundo Brasil de Direitos Humanos, no contexto da 3a Oficina de Redes, produziu o caderno "Escrever para transformar: dicas e reflexões para movimentos sociais". A oficineira Bianca Santana preparou o texto-base do caderno, editado e revisado por Taciana Gouveia, Élida Miranda, Débora Borges, Gabriel Salgado e Rônei Rodrigues, publicado aqui para ser aprimorado e modificado de forma aberta e coletiva.

Introdução[editar | editar código-fonte]

Todas as pessoas constroem textos, sejam eles orais, gestuais ou escritos. Imagine quem participa ativamente de movimentos sociais! Narrativas fazem parte do cotidiano da militância e aprendemos, na prática, a utilizar a linguagem de muitas formas.

De que serve, então, este caderno para quem já está habituado a articular palavras? Ele é um convite a confrontar nossa prática com outros modos de fazer, refletir sobre ela e aprimorar nossas habilidades de comunicação escrita.

A palavra texto vem do latim: textum, mesma origem etimológica da palavra tecido. Tal qual a manipulação dos fios em um tear, a escolha e o posicionamento das palavras é um tecer artesanal. Demora, é minuciosa, algumas vezes dá pra corrigir no meio, outras vezes tem que desmanchar e começar de novo. Pegar uma pena (ou um teclado) e escrever um texto lindo do começo ao fim é uma imagem romântica distante da realidade. Escrever é muito mais transpiração que inspiração!

Um tecido em cada situação[editar | editar código-fonte]

Quem se sente confortável vestindo lã no verão? Tampouco um algodão fino dá conta do inverno no sul. Cada tecido para um clima, cada texto para uma situação.

A abordagem, o tom, a escolha e o encadeamento de palavras precisam mudar de acordo com o objetivo de quem escreve e do público leitor. Se escrevemos sempre da mesma forma, dialogamos sempre com as mesmas pessoas, inevitavelmente.

Para ampliar nossa capacidade de diálogo é preciso compreender quem é a pessoa ou o grupo com o qual queremos nos comunicar. O segredo está em adaptar nossa linguagem ao universo do outro, simplificando conceitos, eliminando jargões, tentando acessar pontos de abertura e criando empatia. Caso contrário, é um discurso, um monólogo. Sem diálogo, não há comunicação.

Ensinou Paulo Freire:

“E que é o diálogo? É uma relação horizontal de A com B. Nasce de uma matriz crítica e gera criticidade (Jaspers1). Nutre-se do amor, da humildade, da esperança, da fé, da confiança. Por isso, só o diálogo comunica. E quando os dois pólos do diálogo se ligam assim, com amor, com esperança, com fé um no outro, se fazem críticos na busca de algo. Instala-se então, uma relação de simpatia entre ambos. Só aí há comunicação”

Paulo Freire em “Educação como prática da Liberdade”

Antes de escrever, portanto, é preciso perguntar sempre: para quem é esse texto? Qual é o objetivo? E a partir das respostas, planejar formas de dialogar “com amor, com esperança, com fé um no outro”.


O molde de cada texto[editar | editar código-fonte]

Como vimos, a abordagem, o tom, a escolha e o encadeamento de palavras, para gerar empatia, depende do público e dos objetivos. Só assim existe diálogo e a comunicação é possível.

Mas conhecer características comuns a alguns gêneros pode ajudar. É como um molde de camisa que pode ser adaptado por uma costureira ou ser utilizado sem modificação por outra. Podemos olhar os formatos como parâmetros que nos ajudam a escrever para cumprir determinado objetivo, e que podem ser alterados de acordo com a nossa avaliação.

1. Panfleto Palavras de ordem acompanhadas de um curto texto que as expliquem. Independentemente do objetivo específico, que deve ser definido previamente, o objetivo geral de um panfleto é informar e/ou mobilizar. Algo muito curto que possa ser lido facilmente por qualquer pessoa. Ao final, dá pra colocar o endereço de um site que explique melhor o tema a quem quiser se aprofundar.

2. Tutorial Uma explicação passo-a-passo de como executar uma tarefa, como uma receita. Utilize verbos no imperativo (a flexão “utilize” no verbo utilizar, por exemplo). Poucas palavras podem explicar bem cada uma das ações, mas você não pode pular nenhuma ação. Nada é óbvio demais que não precise ser dito se o objetivo é ensinar o caminho pra alguém. Para quem não tem o hábito de cozinhar, por exemplo, uma receita de arroz que não recomenda colocar sal, deve ter um resultado insosso.

3. Artigo de opinião Persuasão. O objetivo geral ao compartilhar uma opinião é convencer o leitor. Para tanto, explique muito bem seu argumento, como se pegasse a pessoa pela mão e mostrasse a ela, em detalhes, uma sequência de informações que sustenta sua ideia. Alguns artifícios podem ajudar: comparação com o que já aconteceu no passado; relatos e depoimentos que sustentem sua posição; ditado popular ou citação famosa relacionada ao tema; estatísticas (números costumam ser convincentes); exemplos.

4. Reportagem Aqui, o texto começa pela apuração: pesquisa ou entrevista que permite reunir fatos. “O quê? Quem? Como? Onde? Quando? Por quê?” essas são as perguntas básicas que precisam ser respondidas. Depois, é preciso checar: conferir com outras fontes se as informações são verdadeiras. Apenas após apurar e checar você começa a escrever. Iniciar o texto com algo de impacto que prenda a atenção do leitor ou colocar as informações mais importantes no início é recomendado. No jornalismo, a imagem é a da pirâmide invertida: o mais importante no topo e o que pode ser cortado no pé. O chamado lide nada mais é que dar resposta àquelas perguntas básicas da apuração logo no primeiro parágrafo do texto. Outro ponto importante: em vez de adjetivos, descrição. A intenção, afinal, é reportar acontecimentos não emitir opinião sobre eles.

5. Entrevista As entrevistas podem ser subsidio para a escrita de reportagens e outros textos ou podem ser publicadas no formato pingue-pongue, com perguntas e respostas. É muito importante preparar-se antes de entrar em contato com o entrevistado para que se possa formular perguntas relevantes. O que já está respondido em outras entrevistas ou textos escritos pela pessoa, por exemplo, pode ser checado, validado ou servir como provocação, mas não precisa ser feito como pergunta outra vez. Perguntar a uma cantora o título do último álbum gravado por ela, por exemplo, faz pouco sentido em uma entrevista por se tratar de algo factual, uma informação que pode ser encontrada e checada com facilidade. As impressões, sensações e experiências em relação ao fato de gravar o álbum, por exemplo, podem gerar perguntas interessantes dependendo, obviamente, dos objetivos da entrevista. Perguntas curtas e objetivas são compreendidas com maior facilidade. No momento da entrevista, peça licença para tomar notas ou gravar. Se a opção for publicar no formato pingue-pongue, escreva uma introdução que apresente a pessoa e destaque pontos relevantes da conversa antes de iniciar a sequência de perguntas e respostas.

6. Depoimento pessoal Histórias de vida são muito potentes para criar empatia. Uma reportagem sobre abuso sexual, por exemplo, por mais que traga algum trecho de entrevista, mantem o leitor em um certo distanciamento. Já um depoimento de abuso, em primeira pessoa, aproxima muito quem lê de quem escreve. Uma pessoa se coloca no lugar da outra e se sente mobilizada com muito mais facilidade. É comum existir identificação em relação a alguns sentimentos ou experiências que abrem um caminho de empatia para a compreensão de conceitos mais áridos ou polêmicos.

7. Release Ao enviar um release para a imprensa, o objetivo é ter uma reportagem sobre determinado tema publicado naquele veículo. Portanto, astúcia! Principalmente quando se tratar de veículos que não têm compromisso com movimentos sociais. Que abordagem daquele tema é, de fato, interessante para o veículo? Infelizmente a denúncia de um problema social muitas vezes não é considerada como sendo interessante , mas resultados de uma nova pesquisa relacionada a esse problema, ou o lançamento de um livro que trate do assunto podem ser. Pense de forma estratégica e coloque todas as informações importantes, mesmo as que parecerem óbvias, de forma objetiva e concisa. Florear ou dar muitas voltas pode significar “lixeira”. Pense em quantos releases essa pessoa recebe por dia. Exatamente por isso dê um bom título ao release e o coloque no assunto do e-mail. Não se esqueça de dizer quem você é, como indivíduo ou organização, coloque seus contatos e fique à disposição.

8. Post de blog Já foi analisado como uma página de diário publicada na internet. Hoje, é visto como uma forma de publicação cronológica de qualquer texto, o mais recente fica no alto. Quanto mais curto, maior a chance de ser lido.

9. E-mail Comunicação concisa e direta. O tom, como em qualquer texto, depende do destinatário e dos objetivos da mensagem. Evite utilizar CAIXA ALTA que costuma ser interpretada como grito e falta de educação. Lembre-se de que o campo CC significa com cópia e CCo é cópia oculta, ou seja, ninguém mais vê que a mensagem foi enviada para aquela pessoa. Se você recebeu um e-mail, o botão “responder” envia sua resposta somente para a pessoa que escreveu e não para as copiadas, enquanto o “responder para todos” replica para todos os que estão em cópia. Atenção para o assunto, muitas vezes ele determina se a mensagem será aberta ou se vai para a lixeira.

10. Postagem em redes sociais (Facebook e Twitter) No Twitter você tem poucos caracteres. No Facebook, mesmo podem postar mais, menos é mais. A comunicação é rápida e pode ser eficaz, mesmo em uma frase. De novo, qual é o objetivo? Se for chamar a atenção para uma questão complexa, o melhor é compartilhar o link de um site ou blog, acompanhado de uma boa chamada, para que usuários se sintam atraídos a ler o texto completo. Criar uma periodicidade para postar, algo como uma postagem por dia, é interessante para manter um ritmo presente. Muitas postagens pode desestimular a conexão com aquele perfil. Mas só poste quando for, de fato, interessante. Um “bom dia” ou informação qualquer, polui e pode dar a entender que aquele perfil não é relevante.


O bonito sempre começa feio![editar | editar código-fonte]

Vale repetir: escrever é transpirar. Isso de sentar e escrever um texto lindo numa tacada só é fantasia. Uma fantasia que costuma travar a escrita. Quem nunca rabiscou um parágrafo e depois amassou o papel (ou apagou da tela pra começar tudo de novo)? Uma, duas, dez vezes? E o tal do texto perfeito nunca veio? É porque texto só fica bonito depois de lapidado.

Jogar ideias no papel, sem culpa, sem vergonha, sem problema, ajuda muito a não travar. E nessa de “escrever qualquer coisa” as ideias vão se organizando. Uma vai pra cima, outra é reescrita, outra fica para depois e o texto vai surgindo. E quando chegamos ao fim, voltar, ler tudo de novo e ajustar é parte do processo. Ler em voz alta ou mostrar pra alguém também ajuda a perceber o que pode ser melhorado. E assim, com muito trabalho, o texto vai ficando bonito - e dialógico, e comunicativo, e eficiente...

A seguinte sequência pode ajudar:[editar | editar código-fonte]

1º escreva em tópicos, sem se preocupar em explicar muito ou com a conexão entre eles;

2º quando as ideias centrais estiverem no papel (ou na tela), organize: agrupe as que forem parecidas e jogue pra cima o que for mais importante, isso ajuda a criar hierarquia (aqui, fuja da tentação de dizer que tudo é igualmente importante, afinal, em um texto linear há o que vem antes e o que vem depois);

3º coloque o recheio. Desenvolva cada uma das ideias, explique o que for necessário, contextualize e tente dar liga às ideias que você agrupou. Quanto mais simples melhor: frases com sujeito verbo de ação e predicado são muito boas para informar com clareza.

4º leia em sequência e identifique onde não há liga, perceba os pontos em que a transição é bruta ou não faz sentido;

5º faça as costuras necessárias, escreva, apague ou reordene o que for preciso para que os parágrafos estejam conectados uns com os outros.

6º leia em voz alta ou pra outra pessoa e faça os ajustes necessários.

A figura do editor, que propõe ou faz modificações no texto, ajuda muito. Alguém para revisar normas gramaticais também é importante.


Dicas para conquistar corações e mentes[editar | editar código-fonte]

1. Simplicidade! Frases com sujeito verbo de ação e predicado comunicam muito bem, são escritas com mais facilidade e diminuem a chance de cometer erros gramaticais. Quanto menos floreios na linguagem, maior o foco para a informação que você quer comunicar.

2. Leia. Leia. Leia. Leia. Quanto mais você lê, mais fácil é a escrita. Além de um vocabulário maior, a leitura permite conquistar repertório e apropriar-se de diferentes narrativas, criando intimidade com a linguagem escrita. E é mais fácil apropriar-se de algo que já existe do que construir do zero.

3. Escreva. Escreva. Escreva. Escreva. Quanto mais praticar, mais fluida e eficiente será a escrita.

4. Exerça a autocrítica e esteja aberto a críticas. Elas podem ajudar a melhorar o texto.

5. A imitação é um poderoso recurso para treinar a escrita.

6. Respeite prazos. Se você faz parte de um grupo e prometeu entregar um texto, é provável que muitas pessoas dependam do seu texto para realizar seu trabalho: ilustração, fotografia, edição, revisão, diagramação. Cumprindo os prazos corretamente, você não afeta negativamente ninguém que esteja nessa cadeia produtiva.

Além dessas, vale conferir as seis preciosas regras2 sobre como escrever bem do escritor inglês George Orwell, famoso pelo livro 1984:

1. Não use uma palavra longa se uma palavra curta resolve. 2. Se der para retirar alguma palavra, retire. 3. Não use a voz passiva quando der pra usar a ativa. 4. Nunca use figuras de linguagem que você esteja acostumado a ler por aí. Elas viraram lugar-comum. Perderam a graça. 5. Não use um jargão quando você puder imaginar uma palavra do dia-a-dia. E finalmente: 6. Quebre qualquer uma dessas regras antes de escrever algo que soe tosco.

Boa transpiração!

Como saber mais?[editar | editar código-fonte]

Referências bibliográficas:

BAKHTIN, Mikhail. Estética e criação verbal. Trad. do russo por Paulo Bezerra. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

BURKE, Peter. A história dos acontecimentos e o renascimento da narrativa. In: BURKE, P. (Org). A escrita da história: novas perspectivas. São Paulo: Unesp, 1992.

CASTELLS, Manuel. Communication Power. Oxford, 2009.

FERRARI, Pollyana. A força da mídia social: interface e linguagem jornalística no ambiente digital. São Paulo, Factash, 2010.


FRANCO, Guillermo. Como escrever para a web: elementos para a discussão e construção de manuais de redação online. .Uma iniciativa do Centro Knight para o Jornalismo nas Américas, da Universidade do Texas em Austin. Disponível em: https://knightcenter.utexas.edu/como_web_pt-br.pdf


FREIRE, Paulo. Educação como prática da liberdade. São Paulo, Editora Paz e Terra, 1967. Disponível em:http://www.dhnet.org.br/direitos/militantes/paulofreire/livro_freire_educacao_pratica_liberdade.pdf

JENKINS, Henry. Cultura da Convergência. Editora Aleph, 2008.

PERUZZO, Cicilia M. K. Comunicação nos movimentos populares: a participação na construção da cidadania. 3a .ed. Petrópolis: Vozes, 2004.

___________________. Direito à comunicação comunitária, participação popular e cidadania? Artigo apresentado no CELACOM/ENDICOM 2004 (VII Colóquio Internacional sobre a Escola Latino-Americana de Comunicação / V Encontro de Ensino e Investigação da Comunicação nos Países do Mercosul). São Bernardo do Campo, Universidade Metodista de São Paulo. Disponível em: http://encipecom.metodista.br/mediawiki/images/5/57/GT2Texto011.pdf