Respeitável público: o mundo da vida interconectado

Fonte: Wikiversidade

Ao falar-se dos efeitos econômicos da Internet, é costume referir-se à queda dos intermediadores, isto é, dos agenciadores e editores centralizados. Mas não somente da informação por si, pois aí inclui-se também uma série de agentes logísticos e comerciais que geriam etapas de mercados de bens materiais. Por trás do surgimento de intermediadores estão os custos de transação, isto é, os custos para realizar operações nos mercados. A vantagem dos intermediadores advém de sua economia de escala e do estabelecimento de relações estáveis com produtores e consumidores, que atenuam esses custos.

Esses custos também são responsáveis pelo surgimento das firmas, onde a hierarquia e os contratos de trabalho buscam estabelecer relações que prescindam de negociar em mercado cada passo dos serviços prestados pelo empregado ao empregador. E da mesma maneira que os intermediadores encontram-se em crise, a redução dos custos de transação torna possível a produção distribuída e desnecessárias muitas dessas hierarquias de autoridade.

Em aparente contradição, vê-se paralelamente um movimento de concentração de mercado, fusões e surgimento de mega-corporações, permitido pelo mesmo ambiente informacional que reduz ineficiências internas às próprias firmas, permite integração de operações transnacionais e cada vez mais favorece o limite extremo de uma economia de escala.

Mas os custos de transação são apenas uma parte da história. Um outro limite para a eficiência de mercados livres que demorou a ser reconhecido é a assimetria de informação. Na sociologia, a percepção desse fato manifestou-se pioneiramente como parte do desenvolvimento da sociologia econômica, que pressupõe que mercados estão sempre constrangidos por estruturas sociais de informação e relacionamento.

Já na própria economia, onde surge o termo, essa dimensão ainda é pouco evidenciada e muitas vezes negligenciada nas análises, apesar de ter rendido grande reconhecimento aos seus proponentes. Contudo, com a informação revelando-se o centro da organização social no século XXI, seu estudo tem se tornado inescapável, até porque grande parte das transformações econômicas observadas são justamente mudanças nessa assimetria provocadas pela Internet.

Nesta aula veremos alguns exemplos de empresas e mercados que despontaram junto à rede e tentaremos entendê-los em termos dessas mudanças. Nisso, encontraremos outros conceitos econômicos importantes como o escambo e vantagem cumulativa, e veremos como na Internet também originam-se e sustentam-se intermediadores próprios desse novo ambiente.

Por fim, as novas relações econômicas respondem também a uma crescente preocupação e conscientização com o meio-ambiente e o impacto da atividade humana sobre este. Apresentam-se, pois, inovações e ideias desenvolvidas em respeito dessa questão.

A todas essas mudanças, naturalmente, acompanha uma evolução similar e interagente das relações com o Estado. Esse aspecto político será o tema da aula Cidadãos do mundo: um momento de oportunidade e desafio.

Os novos mercados[editar | editar código-fonte]

Varejo online[editar | editar código-fonte]

O primeiro mercado a migrar significativamente para a Internet foi o varejo de livros, liderado pela inovação da Amazon.com, que hoje negocia em escala global muitas outras famílias de produtos. Muitas condições particulares fizeram o mercado de livros propício a ser a ponta da lança: facilidade de transporte do produto, uso de infra-estrutura logística já instalada, baixo nível de reclamações, padronização e visualidade dos produtos, pequeno preço unitário, a grandeza do mercado nos EUA. E, dentro de tudo isso, a modularidade do empreendimento e os menores custos da operação virtual permitindo preços mais competitivos.

Mas, mais do que discutí-las, cabe aqui entender melhor o que distinguiu a loja entre suas concorrentes.

Nisso, os dois elementos inovadores foram a agregação de avaliação e discussão das ofertas e a exploração analítica desses registros dos usuários. Primeiro, ao oferecer conjuntamente uma loja e um espaço para resenhas, levando até mesmo à formação de comunidades de revisores voluntários de produtos. Segundo, com um sistema de recomendações individuais cada vez mais inteligente, cruzando informações registradas de cada ação de todos os seus clientes, sejam buscas, compras, avaliações, presentes ou mesmo o simples visitar uma página.

Assim, ao entrar na loja, o usuário é automaticamente exposto a produtos que ele provavelmente deseja e inserido num diálogo sobre cada item, seus prós e contras.

A loja, posicionando-se como intermediador isento ao oferecer a maior opção de produtos possível, estimula os usuários a considerarem-na parceira e contribuirem avaliações voluntariamente, até como forma de auxiliar outros consumidores e pressionar os produtores de cada item. Um caso de produção social, mas onde parte do valor das resenhas compartilhadas é apropriada por um grupo privado, que disponibiliza e controla o ambiente de colaboração.

Organizando a circulação entre indivíduos[editar | editar código-fonte]

Outras iniciativas, com e sem finalidade de lucro, focam no desenvolvimento de ambientes favoráveis ao comércio e troca direta entre indivíduos.

Circulando bens[editar | editar código-fonte]

O exemplo mais famoso são os sítios de leilão virtual, como eBay e MercadoLivre. A inovação destes foi criar um sistema de reputação e regras de negócio que informem ao máximo a confiabilidade das partes envolvidas. O sistema é alimentado pelos próprios usuários, não somente com produtos mas também com avaliações, novamente dispondo de um forte componente de produção social.

A Internet também facilita a formação de mercados de escambo, que florescem onde este é economicamente vantajoso. Por exemplo, para a circulação de produtos para os quais os custos de transação e ausência de padrões e previsibilidade desfavorecem a opção por um mercado comercial. É o caso de produtos usados, materiais para reuso e reciclagem, ou mesmo que os donos não estejam preocupados com o valor. Sítios como o Freecycle são exemplos de comunidades de escambo com essas características, que via de regra também promovem a prática da dádiva.

Compartilhando bens[editar | editar código-fonte]

Algo semelhante ocorre no setor de turismo e hospedaria, com o fenômeno do CouchSurfing, onde indivíduos oferecem receber viajantes gratuitamente em suas casas, e CarPooling, onde viajantes organizam-se para compartilhar caronas. ainda que nestes casos a mudança possa ser interpretada mais na direção do compartilhamento de bens e não do estabelecimento de mercados de escambo. Aí, também, continuam tendo um papel fundamental os sistemas de reputação, resenha e referência.

Circulando mão de obra[editar | editar código-fonte]

Em paralelo à circulação de bens, os próprios sítios de leilão virtual já incluem categorias para a circulação de serviços, que seguem uma lógica semelhante, baseada na avaliação e reputação dos mesmos.

Em sequência, também a formação de comunidades para a permuta de trabalho tem se fortalecido junto à de bens. Tecnologias sociais como bancos de tempo, time banks, despontam como instrumentos econômicos em regiões de pobreza e desarticulação comunitária, crise financeira e escassez de crédito.

Essa troca de trabalho vem frequentemente acompanhada de algum tipo de moeda alternativa, que serve de facilitadora das relações. Esses sistemas são amplamente beneficiados pelo uso das redes de computadores, que reduzem seu custo operacional.

A valorização do escambo e dádiva para reutilização de bens, assim como seu uso compatilhado, e a troca de serviços, estão profundamente relacionados aos movimentos de economia sustentável que discutiremos mais adiante.

Troca empresarial[editar | editar código-fonte]

E não apenas entre indivíduos o fenômeno da troca tem se fortalecido. Com a facilidade de articulação proporcionada pela tecnologia, muitas empresas tem praticado uma modalidade conhecida por troca empresarial, onde, analogamente à permuta, produtos e serviços são trocados diretamente entre as empresas, sem a necessidade de dinheiro. E, aqui também, moedas alternativas podem ser empregadas para facilitar o processo de troca.

Serviços virtuais[editar | editar código-fonte]

O exemplo máximo de negócio virtual é o Google, no desenvolvimento do qual houve duas grandes idéias. Primeiro, identificar a forma de interpretar adequadamente a vasta quantidade de informação que já se sabia estar codificada na estrutura de ligações da web, construindo uma máquina de busca que mudou o paradigma da área e esmagou a concorrência.

Segundo, perceber que era possível reciclar o tradicional modelo de financiamento dos jornais e revistas, por venda de anúncios, mas com enormes vantagens. Pois na Internet, seja por uma busca ou qualquer outro acesso de informação, o usuário revela ativamente o contexto em que está interessado, permitindo ao anunciante atingir de forma muito mais eficiente seu público alvo.

Gigantes de duas caras[editar | editar código-fonte]

Assim, o Google tornou-se o principal intermediador na circulação de um dos principais bens rivais na economia da informação: o tempo de atenção das pessoas. Ele adquire esse tempo através do escambo, trocando-o por serviços como a busca e e-mail, através dos quais também acessa um outro bem valioso, a privacidade dos usuários. Alternativamente, obtém a atenção dividindo os ganhos com terceiros, que incluem as propagandas do Google em seus sítios.

De possa da atenção e privacidade dos usuários, o Google negocia esses bens num mercado de leilões que mais aparenta uma bolsa de valores, vendendo-os com altíssima eficiência econômica.

Ou seja, compra-se a atenção das pessoas no mercado mais primitivo possível, o escambo, obtendo enorme vantagem ao trocar um serviço homogêneo pelo tempo e privacidade de pessoas diferentes, e vende-se essa atenção no mercado mais moderno possível, onde a diversidade de seu valor é reconhecida e explorada, como resultado disso obtendo lucro no mais típico modo de um intermediador.

Do ponto de vista do usuário, dessensibilizado pelos abusos de anúncios na mídia de massa, esse comércio passa despercebido e, assim, segue totalmente desregulado. O tempo de atenção e privacidade dos indivíduos, sem que eles percebam, é negociado como commodity, mas apenas quando conveniente. Na compra paga-se o mesmo pelo tempo de um indivíduo rico e habilidoso e pelo de um sem capacitação nem poder de compra, enquanto na venda o preço é determinado pelas regras da oferta e demanda dos diversos perfis individuais.

Esse tipo de custo progressivo faz sentido quando o serviço prestado é um bem público, mas não quando esse é proprietário e controlado por interesses particulares, com único objetivo de lucro. A desregulamentação desse mercado, ao menos na teoria mais completa que na mídia de massa, agrava a ineficiência configurada em relações comerciais abusivas.

Isso não significa que o Google é nocivo, mas sugere que existam alternativas mais interessantes à sociedade que o modelo que o sustenta. Essa observação é particularmente pertinente por existirem outras empresas, como o Facebook, utilizando deste mesmo modelo de negócio, mas que não se comprometem com nenhuma ética — coisa que o Google ao menos propõe-se a fazer.

Serviços distribuídos[editar | editar código-fonte]

A alternativa mais simples e eficiente a essa forma de exploração é utilizar o próprio potencial da Internet para eliminar intermediários. Como ocorre no serviço de e-mail e potencialmente em aplicativos de escritório, pode-se organizar os serviços de forma distribuída. Numa das aulas anteriores, sobre Software Livre, discutiu-se a importância de serviços distribuídos com relação à autonomia informacional. Aqui, contudo, trata-se de promover alternativas a um modelo de negócios ineficiente e dependente de um intermediário.

Isso também não significa destruir tal modelo, mas apenas permitir que indivíduos possam optar por ter os mesmos serviços sem participar desse tipo de mercado. Novamente, o caso do serviço de e-mail é emblemático. O próprio Google, de fato, favorece esse ponto de vista em boa medida, ao optar por padrões abertos em seus aplicativos, permitindo ao mercado desenvolver alternativas não apenas técnicas mas também econômicas, viabilizando a competição.

Nisso, é preciso fazer apenas um aparte para o serviço de busca, pois trata-se de um problema dificílimo de ser abordado de forma não centralizada. Uma boa solução distribuída nesse caso ainda não é conhecida, apesar de experimentos promissores estarem em curso, como o projeto YaCy.

Externalidade de rede[editar | editar código-fonte]

O problema econômico mais grave dos serviços centralizados é a exploração de externalidades de rede, ou seja, situações onde o valor de um serviço é proporcional ao número de pessoas utilizando-o. Elas são frequentes em sistemas de comunicação e, na ausência de padrões abertos e regulamentações que permitam a concorrência e interoperabilidade, sua consequência natural é gerar e manter monopólios.

É o caso do Facebook, que domina o mercado muito mais por essa característica econômica do que por suas qualidades particulares. Na ausência de padrões de interoperabilidade, a tendência é que assintoticamente exista apenas um único provedor de serviço. Hoje vê-se mesmo o Orkut, tradicional reduto de brasileiros, perder espaço para o líder mundial.

Pressões criadas por externalidades de rede, numa planeta interconectado, favorecem monopólios globais, o que implica estagnação econômica e abuso comercial. Temos hoje, portanto, a necessidade urgente de desenvolvimento, investimento e mobilização por alternativas descentralizadas como StatusNet e Diaspora.

Identidade[editar | editar código-fonte]

Como discutimos na aula sobre economia da informação, a identidade, o bem rival fundamental dessa economia, está na base de todos os mercados aqui discutidos. Seu papel é permitir a organização dos sistemas de reputação e dos catálogos de perfis de uso privado e, portanto, dos sistemas de recomendação em geral e a venda da atenção associada a esses perfis.

Atualmente há uma disputa entre organizações que buscam balancear os benefícios de compartilhar identidades únicas entre si com a vantagem para cada uma delas de ter o controle sobre o sistema de identidade. Iniciativas distribuídas, como o OpenID, já foram incorporadas por alguns provedores de serviços, porém os maiores, como Google e Facebook, insistem em empurrar cada qual o seu sistema de identidade centralizado.

Para o usuário, isso significa ser levado a gerenciar múltiplas identidades incomunicantes, o que reforça as externalidades de rede, e abrir mão da sua privacidade em mais do que o necessário para os fins das próprias empresas.


As novas idéias[editar | editar código-fonte]

Consumidores participantes[editar | editar código-fonte]

Comunidades em torno de empresas e marcas[editar | editar código-fonte]

Crowdsourcing[editar | editar código-fonte]

Quando produção social é exploração do trabalho?[editar | editar código-fonte]

Economia sustentável[editar | editar código-fonte]

Responsabilidade social e comércio justo[editar | editar código-fonte]

Agroecologia, permacultura e cooperativas[editar | editar código-fonte]

Cooperativas e coletivos em outras atividades[editar | editar código-fonte]

Sustentabilidade na produção de informação[editar | editar código-fonte]

Perspectivas de regulamentação[editar | editar código-fonte]

Terra de gigantes: a corporação pervasiva[editar | editar código-fonte]

E o tal mercado de ações...[editar | editar código-fonte]

  • Transparência e participação social ou especulação e imediatismo?