Utilizador:Solstag/Capítulo para Ciência Aberta, Questões Abertas

Fonte: Wikiversidade

Título

Direções para uma academia contemporânea e aberta

Contexto pessoal[editar | editar código-fonte]

Como pesquisador interessado em valer-me das possibilidades atuais para trabalhar de forma mais harmoniosa com os princípios efetivos da própria academia - a crítica, a verificabilidade, a incrementalidade, a recombinação, a replicabilidade - e da sociedade - o diálogo, a participação, o uso racional dos recursos - enfrento frequentemente desamparos ou obstáculos para o bom aproveitamento do meu trabalho. Muitas vezes essas dificuldades vêm da própria falta de técnica e hábito para pesquisar com tais possibilidades em mente, mas também há muito que as instituições acadêmicas podem fazer por quem está já lutando contra a inércia cultural de uma profissão.

Introdução[editar | editar código-fonte]

Universidades, institutos e agências de pesquisa, particularmente os brasileiros, vivem há ao menos uma década em estado de contradição. Por um lado, é inadiável um movimento por maior compartilhamento e colaboração sobre o conhecimento mantido e produzido, e dos recursos disponíveis, aplicando-se na academia as inovações propocionadas pela tecnologia e cultura da colaboração e compartilhamento que já transformaram e dinamizaram a sociedade e a economia.[1] Até nos aspectos administrativos há uma necessidade urgente de projetar luz sobre as contas e contratos dessas instituições. Por outro lado, uma atitude corporativa, de muros e de "donos do conhecimento", incide na contra-mão dessas inovações. Desconectada da contemporaneidade e mantida pelo hábito e para a sustentação, justificada, do modo de vida de uma parcela da academia, essa atitude manifesta-se em diversos aspectos da vida acadêmica, aparecendo também por vezes entrincheirada em ciclos viciosos de privilégios e interesses anacrônicos. Esses precisam ser superados para que, aos poucos, a academia possa dar espaço a novas experimentações em seus modos de produção.

Infraestrutura, treinamento e política científica - essa em termos de financiamento, reconhecimento, diretrizes e incentivos - são aspectos da prática acadêmica onde apoio institucional pode fazer diferença na adoção de inovações operacionais. Cruzando-os com os eixos de práticas da ciência aberta, do acesso aberto à ciência cidadã, podemos montar um esquema do que precisa ser feito para posicionar uma instituição como mobilizadora de um pesquisar mais efetivo e promotor de desenvolvimento.

Este texto não pretende justificar o posicionamento por uma ciência aberta, que acreditamos já extensamente justificado em tantos outros.[2][3] Assim, partimos do princípio de que o acesso universal e imediato aos produtos do proceso científico, viabilizando a participação colaborativa nesse processo e estimulando uma competição que recompense a capacidade de inovação e não o acesso aos meios, é ponto pacífico no detalhamento das ações descritas.

Infraestrutura[editar | editar código-fonte]

Repositórios[editar | editar código-fonte]

O trabalho de pesquisa tem inúmeros produtos que numa perspectiva de ciência aberta desejamos compartilhar. Teses, artigos, livros, recursos educacionais, objetos multimídia, dados, protocolos, designs (documentação de instrumentos), software e materiais fazem parte desse universo. Repositórios institucionais são importantíssimos para reduzir o trabalho do pesquisador em preservar e compartilhar tais produtos do seu trabalho para que outros possam estudá-los e trabalhar sobre eles. Para maximizar seu impacto de abertura, esses repositórios devem ser interoperantes com outras instituições, replicáveis e agregáveis em centros de referência. Devem também ser eles mesmos desenvolvidos abertamente, e identificar em seus conteúdos as licenças e demais permissões associadas.

Esses repositórios não precisam ser próprios de cada instituição, mas podem resultar de consórcios delas ou financiamentos diretos para repositórios compartilhados por diversas organizações.

No Brasil, um número significativo de instituições dispõe de repositórios para teses e artigos, contudo pouquíssimas apresentam ou participam de repositórios para as demais categorias. Notavelmente, durante um período a partir de 2003, houve o desenvolvimento e disponibilização de um repositório de software dentro à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), como parte do projeto da Incubadora Virtual[4], que acabou encerrada por dificuldades econômicas após o término do seu projeto guarda-chuva, o TIDIA (Tecnologia da Informação para o Desenvolvimento da Internet Avançada). Vale também mencionar que há no país alguns repositórios dedicados à sistematização de dados de redes de colaboração tamáticas, como o SinBiota, ainda que sejam restritos.

Na prática, pesquisadores brasileiros que por interesse próprio ou exigência da sua área utilizam algum repositório, recorrem a repositórios públicos, de base acadêmica ou não, mantidos sem a participação de insituições nacionais. É o caso de repositórios de dados (Dataverse, GenBank, Figshare, PaleoBioDB), software (Sourceforge, Gitorious, Github), de objetos multimídia (Wikimedia Commons, Flickr, YouTube), de artigos (arXiv), de designs (CERN Open Hardware Repository, Instructables), de materiais (iGem Registry of Standard Biological Parts, DNASU Plasmid Repository, Addgene, repositórios agregados no Specimen Central, EuroBioBank, Cooperative Human Tissue Network) etc.

Porém é preciso cuidado, pois esses repositórios a princípio não tem vínculo ou responsabilidade para com o pesquisador ou sua instituição. Assim, salvo nos casos em que são geridos por iniciativas de sólida base acadêmica, tais repositórios não suprem a carência de repositórios institucionais e não devem ser confiados para a preservação dos seus conteúdos, pois seus modelos de negócio, políticas de acesso e até mesmo existência estão sujeitos a mudanças sem compromisso público.

Plataformas de comunicação científica[editar | editar código-fonte]

Além de repositórios, a comunidade acadêmica precisa de plataformas para a gestão dos seus processos de comunicação. Aí se incluem a revisão por pares e a publicação de periódicos, a organização de congressos e a publicação de anais, como também canais para colaboração e exposição a, ou prospecção de, colaboradores de dentro e fora da academia. Além disso, podemos contemplar o registro de cadernos de pesquisa, destacadamente na prática de cadernos de pesquisa abertos.

No Brasil enquadram-se nessa categoria, dentre outras, o SciELO, a Plataforma Lattes, a rede Stoa e a encerrada Incubadora Virtual da Fapesp.

O SciELO, cuja finalidade é a publicação de periódicos em acesso aberto, tem demonstrado interesse em disponibilizar ferramentas mais dinâmicas que apoiem a execução do processo editorial, como o software Open Journal Systems, e recentemente há sinais na direção de abrir suas bases através de interfaces programáticas que permitiriam acesso aos dados por aplicativos de terceiros (APIs), abrindo caminho para usos inovadores.

Já a Plataforma Lattes, do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), um banco nacional de currículos acadêmicos que tem por fim facilitar a avaliação e o contato com colaboradores, opera exclusivamente de forma estática, não interoperando com outros instrumentos nem tornando seus dados descarregáveis, mesmo quando a Lei de Acesso à Informação o exigiria, dificultando muito qualquer uso inovador para avaliação ou colaboração científica.

Um caso interessante é a criação da rede Stoa na USP, em 2007, que provê ambientes virtuais de aprendizagem baseados no software Moodle, mais um espaço wiki, para produção colaborativa de páginas web, baseado no software MediaWiki, e a criação blogs e organização de comunidades e eventos baseada no software Noosfero.

Anterior a essa iniciativa, durante um período a partir de 2004, houve já o desenvolvimento e disponibilização de uma plataforma para portais de colaboração, baseado no software Plone, dentro do projeto da Incubadora Virtual[4] da Fapesp, já mencionada neste texto.

Outros ambientes de comunicação e colaboração são hospedados por organizações estrangeiras, mas utilizados no Brasil. O exemplo mais importante desses é a Wikipédia, utilizada diariamente tanto por parte dos acadêmicos desenvolvendo seu trabalho e estudos, como pela população lusófona para aprendizado e cultura geral, e sendo construída por contribuições voluntárias da parte de ambos esses grupos.

Um projeto irmão da Wikipédia, também é adotado por pesquisadores brasileiros, a Wikiversidade. Ela hospeda páginas wiki para grupos e projetos de pesquisa profissionais, ou aprendizes e amadores, que ali podem criar espaços para apresentar seu trabalho, organizar colaborações e manter registros de estudo ou pesquisa, como cadernos de pesquisa abertos, podendo com isso receber contribuições ou apenas garantir a transparência do trabalho.

É notável que o uso e participação nessas wikis pela academia brasileira carece de reconhecimento ou apoio institucional. Apesar disso, há casos interessantes de acadêmicos individualmente as utilizando, tanto em sala de aula como em projetos de pesquisa, para promover formas colaborativas de aprendizagem e investigação. Destaca-se aí o caso do programa Wikipédia na Universidade.

Ainda internacionalmente, temos outras wikis como a OpenWetWare, ambientes para criação e recombinação de material didático como o Connexions, mídias sociais voltadas para acadêmicos como academia.edu, e também o uso, orientado para fins de pesquisa, de outras mídias sociais e plataformas inespecíficas como Wordpress, Twitter e RedMatrix.

Laboratórios de fabricação[editar | editar código-fonte]

Se considerarmos a possibilidade de colaboração sobre designs compartilhados de instrumentos científicos, um requisito para o aproveitamento total dessas oportunidades é a disponibilização, nas instituições de ensino e pesquisa, de equipamentos para sua fabricação. Se possível, eles próprios abertos e utilizando software livres. Aí se encontram impressoras 3D, cortadoras laser, tornos, fresadores a afins, controlados via Controle Numérico Computadorizado (CNCs).

Nessa linha, instituições como o Centro de Tecnologia Acadêmica da UFRGS já estão buscando construir e padronizar um conjunto básico de fabricadoras abertas que permitam produzir a maior parte dos instrumentos científicos a partir da documentação de seus designs, além de inovar aprimorando designs existentes e concebendo novos instrumentos.

Computação livre[editar | editar código-fonte]

Ao utilizar ou colaborar com o uso e desenvolvimento de software de aplicação científica, os integrantes de uma instituição acadêmica beneficiariam-se de realizar seu aprendizado e trabalho em ambientes computacionais livres, de código aberto. Cabe assim às instituições disponibilizar e promover computadores com sistemas operacionais livres e linguagens de programação livres onde utilizar e desenvolver esses software.

Para esses fins, instituições têm implantado Centros de Competência em Software Livre, como a USP nos campi do Butantã e São Carlos, e o IFRN no campus Caicó

Equipamentos multi-usuário[editar | editar código-fonte]

A prática da construção de equipamentos multi-usuário viabiliza não apenas o uso racional dos recursos, permitindo acesso mais amplo e justo, como também estimula a colaboração entre os pesquisadores utilizando esses equipamentos. Entram nesse processo desde a disponibilização de recursos computacionais, caso da Nuvem USP, a instalações laboratoriais, a exemplo do Laboratório Nacional de Nanotecnologia, e equipamentos científicos de grande porte, como o Laboratório Nacional de Luz Síncrotron.

Treinamento[editar | editar código-fonte]

Equipes de apoio[editar | editar código-fonte]

A fim de orientar e auxiliar pesquisadores e grupos de pesquisa na adoção de diversas práticas de ciência aberta, considere-se a organização de equipes de apoio técnico, formadas ou apoiadas por bibliotecários e pesquisadores com experiência relevante. A essas equipes cabe uma série de ações.

No que diz respeito a publicações, cabe produzirem e encaminharem indicações personalizadas sobre os periódicos de acesso aberto mais indicados para a área de cada pesquisador da instituição. No que diz respeito aos dados, cabe ajudar os pesquisadores a preservar e compartilhar seus dados, agregando os metadados e anotações adequadas, e a escolher os meios e o repositório onde compartilhá-los. No que diz respeito a designs, materiais e outros objetos da pesquisa, cabe guiar os pesquisadores a encontrar os formatos, licenças e procedimentos apropriados para preservá-los e compartilhá-los, identificando os melhores repositórios ou, se indisponíveis, instituições ou soluções para tal.

Em todos os casos, é preciso que esses profissionais tenham o entendimento básico sobre as licenças para público geral e formatos de armazenamento aplicáveis a cada tipo de objeto, compreendam a importância das licenças livres e formatos abertos para a preservação e compartilhamento, e saibam buscar orientação para si próprios quando surgirem questões de maior complexidade.

Além de apoio à preservação e compartilhamento, essas equipes podem também ajudar os grupos de pesquisa a comunicar-se efetivamente online, seja em contatos que levem a colaborações, seja no organização das informações e processos do grupo, até na produção de cadernos de pesquisa abertos.

Junto às comunidades de ciência aberta já existentes, essas equipes podem formar espaços permanentes de referência para aprendizado e aprimoramento de práticas.

Cursos e oficinas[editar | editar código-fonte]

Adotar práticas abertas na pesquisa requer um aprendizado de conceitos e procedimentos que ainda estão sendo incorporados à cultura geral acadêmica. Tendo isso em vista, as instituições podem, junto de seus integrantes mais informados e das comunidades de ciência aberta já existentes, organizar oficinas e produzir materiais sobre novas práticas de compartilhamento e colaboração no trabalho acadêmico. Além disso podem, em outras atividades de treinamento cujos temas toquem as inovações da ciência aberta, incluir considerações pertinentes a tais inovações. Por exemplo, oficinas para capacitar pesquisadores em escrita e publicação de artigos devem levantar a importância do acesso aberto, e indicar orientações e recursos para publicar nos periódicos que o praticam.

Outro ponto é que as práticas acadêmicas abertas frequentemente envolvem o uso da computação. Considerando que a qualidade geral da compreensão e prática da computação ainda é muito precária na maior parte da academia, mesmo onde ela é cotidiana e fundamental na produção de conhecimento, é duplamente benéfico promover cursos para elucidar pesquisadores sobre o funcionamento e uso prático dos computadores. A iniciativa Software Carpentry, que está também atuante no Brasil, tem um trabalho exemplar nesse sentido.

Material de aprendizado[editar | editar código-fonte]

É importante que se produzam manuais e guias para aprendizado, de apoio ou auto-didático, e as instituições podem conferir a esses materiais maior qualidade, produção profissional e reconhecimento. Vídeos, textos e recursos multimídia de alto padrão, disponibilizados com licenças livres e formatos abertos, melhoram a capacidade de aprendizado local e ainda podem ser adotados e adaptados em outros contextos, promovendo o reconhecimento da instituição criadora.

Política científica[editar | editar código-fonte]

Com relação a políticas institucionais, é possível sugerir ações em vários níveis que beneficiariam e qualificariam a produção científica ao incentivar e viabilizar maior abertura.

Publicação[editar | editar código-fonte]

Financiar os custos de publicação em periódicos de acesso aberto, como já fazem algumas instituições. Paralelamente, investir na qualidade e reconhecimento de periódicos de acesso aberto organizados pelas próprias instituições, associações científicas e outros grupos sem fins lucrativos. Esses atores são particularmente importantes para que se admita não cobrar a publicação quando o pesquisador não tiver recursos, como faz a Public Library of Science. Com isso, pressionar atores com fins lucrativos a adotar políticas semelhantes, como a do PeerJ.

Deve-se prever que os resultados de pesquisas realizadas na instituição ou com seu apoio sejam publicados em acesso aberto.

Reconhecer e premiar pesquisadores que optam por publicar em acesso aberto.

Reforçar o consenso da Iniciativa de Budapeste pelo Acesso Aberto, particularmente a necessidade de utilizarem-se licenças livres e formatos abertos. Isso implica evitar licenças com restrições incompatíveis, como as que limitam finalidade comercial.

Dados[editar | editar código-fonte]

Instituições devem prever que dados produzidos em pesquisas nelas realizadas ou com seu apoio sejam depositados em repositórios públicos de acesso aberto, ou no mínimo disponibilizados para preservação institucional.

Periódicos devem prever que dados inéditos utilizados em artigos sejam publicados junto a este, disponibilizados em repositório confiável de acesso aberto. Quanto a dados de pesquisas anteriores, é preciso que seja devidamente referenciada a forma como um ouro pesquisador pode obtê-los.

Devem ser estimulados periódicos especializados em publicar e dar reconhecimento à produção de dados, documentando essa produção, indexando-a e tornando-a citável.

Reconhecer e premiar pesquisadores que optam por publicar seus dados abertamente.

Reforçar a adesão às orientações de formatos e licenças constantes nos Panton Principles for Open Data in Science, assim como as referentes à citação de dados na Joint Declaration of Data Citation Principles.

Instrumentos[editar | editar código-fonte]

Deve-se prever como requisito funcional e de financiamentos, disponibilizando recursos para tal, que pesquisadores documentem seus designs de instrumentos científicos e aprimoramentos, tornando-os disponíveis em repositórios abertos, assim como publiquem os software desenvolvidos para pesquisa com o código disponível sob uma licença livre, como as GNU-GPL ou MIT.

Da mesma forma, que se privilegie o uso de instrumentos disponíveis nesses repositórios a alternativas não compartilhadas.

Grupos de pesquisa que se utilizam dos mesmos ou semelhantes instrumentos devem ser incentivados a colaborar na sua produção e aprimoramento.

Deve haver investimento para a produção de designs abertos de instrumentos em substituição a alternativas não compartilhadas. Pode-se realizar um levantamento de quais instrumentos trariam maior impacto se abertos, e formar forças tarefas para produzí-los.

Reconhecer e premiar pesquisadores que optam por publicar seus designs abertamente.

Reforçar a adesão a licenças livres, como a CERN Open Hardware License, adotada pelo repositório de designs de equipamentos do CERN.

Materiais[editar | editar código-fonte]

Deve-se prever como requisito funcional e de financiamentos que os protocolos e documentação de materiais obtidos no trabalho de pesquisa, e os póprios materiais quando cabível, sejam compartilhados em repositórios abertos, disponibilizando recursos para isso.

Reconhecer e premiar pesquisadores que optam por compartilhar seus materiais abertamente.

Reforçar a adesão a bancos e procedimentos bem estruturados de cada instituição ou área.

Processo de pesquisa[editar | editar código-fonte]

Reconhecer e premiar pesquisadores que optam por conduzir suas pesquisas abertamente, compartilhando seus cadernos de pesquisa para colaboração, usualmente em wikis ou blogs acadêmicos.

Divulgar essas pesquisas para motivar a colaboração de pesquisadores em outras áreas ou grupos e instituições.

Financiar esforços concentrados de pesquisa aberta e massivamente colaborativa em áreas onde essa transparência e colaboração podem ser críticas para o avanço do conhecimento.

Promover a investigação e aprimoramento de ambientes virtuais que favoreçam a colaboração científica.

Inovação[editar | editar código-fonte]

Dentro das políticas de inovação deve existir a possibilidade de o pesquisador optar por um paradigma de inovação aberta, livre de patentes ou, se necessário registrar a patente para reconhecimento ou defesa, publicando-se a inovação com licenças que permitam o uso livre de royalties, mas exigindo o compromisso do usuário reciprocar essa liberdade caso distribua modificações da mesma. Um instrumento que atinge esse objetivo é a CERN Open Hardware License, já mencionada neste texto.

É importante notar que no discurso hoje vigente de inovação, a busca por mapear e tornar mais visíveis as contribuições inovadoras confunde-se com uma visão da exploração monopolística de patentes como destino principal dessas inovações. Essa é uma perspectiva ideológica e desconectada do que a própria ciência econômica tem a dizer sobre o assunto, em particular na perspectiva dos países em desenvolvimento. É urgente experimentarmos novas formas de abordagem à inovação que se distanciem do reforço a monopólios.

Educação[editar | editar código-fonte]

As instituições devem reconhecer e incentivar contribuições em espaços de conhecimento onde predomina uma lógica de abertura e espírito público, como a Wikipédia, Wikilivros e Wikiversidade, além dos blogs de ciência.

Deve ser presumido que todo material de aprendizado produzido ou financiado por instituições públicas seja depositado em repositórios abertos nas condições de Recursos Educacionais Abertos.

Reconhecer e premiar pesquisadores que optam por compartilhar seus recursos educacionais abertamente. Como exemplo, no Brasil, a Universidade Federal do Paraná (UFPR) concede na pontuação docente um acréscimo de 25% ao valor de publicações quando forem Recursos Educacionais Abertos.[5]

No tempo de aula presencial, devem ser estimuladas dinâmicas de ensino baseadas em metodologias de aprendizagem ativa, como peer-learning e SCALE-UP, reorientando o papel das aulas expositivas para vídeos e outros recursos assíncronos.[6]

As editoras universitárias devem ser provocadas a renovar seus modelos econômico e intelectual, trabalhando para produzir Recursos Educacionais Abertos, focando na publicação digital, investindo em ambientes que permitam a adaptação desses recursos, e reorientando a impressão para uma atividade sob demanda dos clientes ou requisito do produto.

Reforçar a Declaração de Cidade do Cabo para Educação Aberta, em particular no que diz respeito a licenças livres e formatos abertos para recursos educacionais.

Ciência cidadã[editar | editar código-fonte]

A academia deve reconhecer espaços de produção de conhecimento não profissionais ou não vinculados às suas instituições tradicionais, sejam esses virtuais - comunidades em torno de wikis, grupos de discussão, repositórios colaborativos, mídias sociais e outros ambientes - ou físicos - como hackerspaces, makerspaces, pontos de cultura e similares organizações. Ademais, deve haver registro e avaliação do intercâmbio entre universidades e esses espaços comunitários de produção de conhecimento, para compreender a importância desse intercâmbio no desenvolvimento social e na inovação, e sugerir com isso melhorias de orientação à universidade. Espaços cidadãos mais estruturados devem ser entendidos como pontos de produção de conhecimento e admitidos para receber financiamento à pesquisa como institutos de pesquisa.

Ações de extensão, mais do que compartilhamento de conhecimento, devem expandir o local da universidade, estendendo-a a todas as pessoas e todo o território, numa perspectiva máxima de engajar a totalidade da população na produção acadêmica e sua aplicação.

É preciso promover ainda a investigação e o aprimoramento de instrumentos que permitam à população contribuir com computadores e outros recursos, ou executando coletas e atividades cognitivas, para projetos acadêmicos de forma distribuída. Por exemplo os instrumentos BOINC e PyBossa. Além da sua adoção por grupos de pesquisa.

Ademais da contribuição com tarefas ou recursos, deve-se reconhecer e incentivar, na produção acadêmica, a participação dos cidadãos na condição de colaboradores plenos em iguais condições aos colaboradores profissionais, seja essa participação cidadã originada de iniciativas de grupos nas instituições acadêmicas ou pelos próprios cidadãos atuando em espaços não profissionais.

Avaliação e reconhecimento[editar | editar código-fonte]

Como destacado nos casos específicos, instituições podem dar reconhecimento e incentivos a seus integrantes ou beneficiários que optem por práticas abertas. Mas mais do que isso, muitas práticas abertas podem, de forma imediata ou numa transição acordada, ser incorporadas nas exigências dos trabalhos acadêmicos. E isso pode ser feito em níveis de granularidade: do orientador, do grupo de pesquisa, do departamento, do instituto ou área, da universidade ou agência.

A proposta de uma academia aberta ainda exige e permite que se aprimorem os próprios sistemas de avaliação. Ao tornar possível indexar e referenciar o que antes eram entranhas do processo de produção, abre caminho para expressões de reconhecimento mais significativas que simples citações. Essas novas formas nem mesmo precisam se enquadrar no esquema autor de artigo, nem precisam restringir-se a um processo de revisão linear. Há aí necessidade e oportunidade de investimento institucional em formas mais informativas de avaliar o trabalho de pesquisa, entendendo que uma pesquisa com práticas abertas facilita essa avaliação aprimorada, e privilegiando-a também por isso.

A avaliação de pesquisadores, dada essa riqueza de informação, também se beneficiará quanto mais se basear em transparência e explicitação das suas razões, sem comitês opacos decidindo a distribuição dos méritos e recursos acadêmicos, ou apelação à numerologia para esquivar-se de desenvolver processos apropriados e assumir responsabilidades.

Especificamente sobre práticas abertas, pode-se promover o estudo, teórico e experimental, das suas vantagens e dificuldades ante modelos correntes de produção, orientando com isso políticas mais eficazes para estimular a abertura e colher seus benefícios. Nesse espírito de experimentação, como também num sentido de vanguarda, é cabível e esperável que instituições criem linhas de financiamento especiais com previsão de abertura completa do trabalho acadêmico.

Rumo à desmistificação do conhecimento[editar | editar código-fonte]

De mãos dadas com a abertura de suas práticas, cabe ainda às instituições acadêmicas contribuir para a desmistificação do processo científico. Entenda-se que está em curso uma desmistificação geral das instituições, públicas e privadas. Exigências de transparência e participação nunca foram tão intensas e com adesão tão numerosa. E, junto a isso, corre um processo de substituição de funções sociais, onde a Wikipédia, o YouTube e também os Cursos Massivos Online são representantes da reinvenção da organização e transmissão do conhecimento e da cultura a partir de relações mais transparentes e participativas.

No Brasil, vale lembrar o contexto dessas ocorrências: uma comunidade acadêmica saída de um período de ditadura e ainda lutando com a herança cultural e institucional desse período, levada então a uma expansão mal preparada e sendo exposta ao poder que o diálogo foi adquirindo na transição para uma sociedade democrática, poder que foi multiplicado na sociedade interconectada. Assim, a primeira reação dessa comunidade pode ter sido se proteger desse diálogo, através da ferramenta de que dispunha, a manutenção da mistificação herdada da ditadura, com o isolamento e pouco diálogo sobre seus processos e instituições. Tornou-se assim pouco capaz de inteligência no coletivo, sofrendo de paralisia criativa diante das novas possibilidades para difusão e produção de conhecimento, salvo raras imposições esclarecidas. Essa irracionalidade, essa postura mística das instituições e comunidade acadêmica, tem atrasado avanços e, à medida que esses atrasos são superados sem sua participação, cedem-se a credibilidade e o papel social da academia para outros atores. Contam-se, ainda, consequências econômicas, políticas e administrativas desse fenômeno, mas não cabe discutí-las aqui.

Cabe, sim, propormos que se tomem medidas para mudar essa postura das instituições e da comunidade acadêmica, expondo-se e fazendo conhecer para si mesmas e para a sociedade as dinâmicas e os objetos das pesquisas, da sua organização, e da distribuição de recursos, sua natureza social e as redes de colaboração entre pares que fundamentam sua confiabilidade, e também suas fragilidades e os erros cometidos. Isso vai desde uma reformulação de materiais didáticos escolares para desmontar o mito do cientista individual e estimular uma aproximação com a prática da pesquisa; ao estímulo nas graduações à reflexão conjunta sobre a ciência; à adoção crítica de práticas abertas na pesquisa, como as discutidas neste texto; até, por fim, o uso intensivo de informações e registros de pesquisa, do nível individual ao institucional, para refundar a ciência da ciência, tornando o repensar dos processos um fato cotidiano e integral - o que só será possível sob um paradigma de práticas abertas.

Hoje, não há mais necessidade de traçar limites para a participação da sociedade na produção de conhecimento. Em breve, é possível que tais limites nem sequer sejam aceitos, pelo prejuízo que causam. Seguindo os avanços do acesso a tecnologias e da disponibilidade de informação, a cada dia cabe mais ao indivíduo pesquisador, profissional ou cidadão, optar pelo grau de participação que deseja, do que às instituições acadêmicas e pesquisadores profissionais da área modulá-lo. Desses últimos, a responsabilidade passa a ser arquitetar a produção de conhecimento para que acomode o máximo de contribuições.

Referências[editar | editar código-fonte]

  1. The Wealth of Networks. Yochai Benkler. 2006. Yale University Press. ISBN: 9780300110562.
  2. Michael Nielsen. Reinventing Discovery: The New Era of Networked Science. 2011. Princeton University Press. ISBN: 9780691148908.
  3. Gustavo Cardoso, Pedro Jacobetty e Alexandra Duarte. Para uma Ciência Aberta. 2012. Editora Mundos Sociais. ISBN: 978-989-8536-07-5.
  4. 4,0 4,1 A Incubadora Virtual da FAPESP. Imre SImon. 2004. Apresentação. Disponível em http://www.ime.usp.br/~is/aula/incubadora-2004/incubadora-2004.pdf (acessado em 2014-12-03)
  5. UFPR é pioneira na valorização de Recursos Educacionais Abertos (REA). Assessoria de Comunicação Social da UFPR, 2014. Notícia. http://www.ufpr.br/portalufpr/noticias/ufpr-e-pioneira-na-valorizacao-de-recursos-educacionais-abertos-rea/ (acessado em 2014-12-03)
  6. Editorial convidado: Aprendizagem ativa. Vera B. Henriques, Carmen P.C. Prado e André P. Vieira. Revista Brasileira de Ensino de Física. v. 36, n. 4, 4001 (2014) <http://www.sbfisica.org.br/rbef/pdf/364001.pdf>