Introdução ao Jornalismo Científico/Metodologia e Filosofia da Ciência/A metáfora científica/script

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O coloquialismo, o discurso jornalístico e a linguagem científica não são universos isolados. Os três interagem entre si, frequentemente, a fim de facilitar a transmissão de determinada mensagem[1]. Uma das formas de tornar o conteúdo mais palatável adotada, em especial, pelo jornalismo é por meio de metáforas. A definição de metáfora aqui adotada segue a teoria de Lakoff e Johnson[2]. Nesse sentido, não entende esse recurso somente em nível linguístico, mas também em nível cognitivo. Os autores apontam que a essência da metáfora é “experimentar um tipo de coisa em termos de outra”, ou, em outras palavras “mapear um domínio abstrato em um domínio concreto da experiência”.

Metáforas comuns e metáforas cientificamente inspiradas[editar | editar código-fonte]

A literatura sobre o ensino de física agrupa uma série de trabalhos que indicam o uso de metáforas e analogias como recurso pedagógico. Um exemplo desse uso seria uma analogia (parcial) entre corrente elétrica em um fio condutor e corrente de água dentro de um cano. Nesse caso, a relação de semelhança se daria, ao apontar paralelos entre a diferença de pressão ao longo do cano e a diferença de voltagem ao longo do fio entre outros aspectos. No entanto, esse tipo de analogia pedagógica não é o que aqui consideramos “metáfora científica”.

Além desse uso, há também um processo de criação de conceitos científicos a partir do uso metafórico de expressões da linguagem comum. Ainda recorrendo ao exemplo anterior, termos como “fio”, “corrente”, “campo” etc são etimologicamente anteriores ao seu uso científico. São metáforas da linguagem comum que passaram a ser aplicadas à terminologia científica. Esse percurso de uma expressão da linguagem comum à linguagem científica pode trazer vantagens no que se refere à visualização, memorização e associação de assuntos. Mas também pode acarretar desvantagens por remeter sentidos que fogem do desejado. Alguns desses termos que se popularizaram pelo senso comum e podem prejudicar o ensino de física são: “calor”, “trabalho”, “peso” e “energia”.

As metáforas cientificamente inspiradas realizam o percurso oposto ao descrito anteriormente. Utilizam-se de expressões consolidadas pela ciência para construir um discurso coloquial. Essa estratégia quando praticada pelo jornalismo ajuda a analisar sistemas complexos e, muitas vezes, abstratos, como a economia, psicologia e até mesmo questões que dizem respeito ao cérebro humano.

O uso de metáforas físicas nas ciências sociais, por exemplo, é corrente desde no mínimo o século XIX. A sociologia, a ciência política e a economia incorporaram de forma metafórica termos proveniente, principalmente, da física newtoniana. Na linguagem jornalística, é comum encontrar o emprego de termos derivados da física mecânica, tais como: correlação de forças, movimentos sociais, deslocamento do centro de gravidade do poder, fase do ciclo econômico, equilíbrio fiscal, pressão social, tensão social entre outros.

Metáforas visíveis, invisíveis, derivadas e básicas[editar | editar código-fonte]

Algumas expressões metafóricas estão presentes na linguagem comum há tanto tempo que carecem de um grande impacto de novidade semântica. Essas são denominadas "metáforas mortas" e podem ser confundidas com catacreses (metáforas já absorvidas no uso corrente da linguagem utilizadas para suprir a ausência de vocábulos específicos, exemplo "pés da mesa", "braços de poltrona", etc). Em concordância com Lakoff e Johnson, também podem ser descritas como "metáforas invisíveis", o oposto de "metáforas visíveis", expressões que ainda produzem um choque semântico consciente.

O uso de termos da geometria euclidiana para designar metáforas invisíveis é comum, como nos exemplos a seguir:

  1. Ponto de vista
  2. Linha de raciocínio
  3. Traçar um paralelo
  4. Analisar por outro ângulo
  5. Volume de conhecimento
  6. Plano pessoal
  7. Círculo de amizades
  8. Triângulo amoroso
  9. Esfera de influência
  10. Pirâmide social

Seguindo nesse mesmo sentido de criação de metáforas, a metáfora cognitiva básica "conhecer = ver" pode ser derivada em uma série de outras expressões que relacionam o conhecimento à visão e à óptica. Alguns exemplos são: "esclarecer uma dúvida", "visão de mundo", "Iluminismo" e "refletir sobre um assunto".

Ampliação de redes metafóricas cognitivas[editar | editar código-fonte]

Se a teoria cognitiva das metáforas estiver correta, então a capacidade de nos expressarmos e pensarmos está limitada ao repertório de metáforas disponíveis. Esta limitação afeta a maneira como tratamos determinados sistemas, como os entendemos e interagimos com eles. A divulgação científica atual, mesmo que involuntariamente, propõe a construção de novas metáforas sociais e psicológicas que podem ser mais adequadas que as metáforas da mecânica do século XVIII ou mesmo da termodinâmica do século XIX, presente na conceptualização socioeconômica feita por Karl Marx.

Substituir certas concepções metafóricas sobre o processo histórico, bem como sendo o resultado da ação de grandes personagens (metáfora da "política como a ação de única partícula") ou de conflitos de classes sociais (metáfora da "política como forças de ação e reação entre agregados de partículas"), ajuda a tornar essas metáforas mais complexas e descritivas. Nessa perspectiva de divulgação científica, jornalistas e público deixam de ocupar a posição de receptores passivos para participarem da criação de metáforas cientificamente inspiradas que serão usadas como ferramentas de pensamento e expressão.

"Neste processo, não são os conteúdos científicos literais que são primariamente transmitidos, mas sim o conjunto de metáforas científicas que constituem a cultura (ou visão de mundo) científica de uma época. Nesse sentido, não apenas o meio é a mensagem, mas a metáfora é a mensagem." Kinouchi et al.

No âmbito da educação formal, o uso metafórico pode gerar um efeito ambíguo. Ao mesmo tempo que pode contribuir para ampliar o conhecimento da população a respeito de um termo científico, pode ensejar o uso equivocado desses termos em um contexto de aprendizagem científica.


Crédito: O conteúdo desta aula foi baseado em uma entrevista feita com Osame Kinouchi, pesquisador associado do NeuroMat, e em um de seus estudos publicado na Revista Brasileira de Ensino de Física.

Referências[editar | editar código-fonte]

  1. KINOUCHI, Osame; KINOUCHI, Juliana M.; MANDRÁ, Angélica A. Metáforas científicas no discurso jornalístico. Revista Brasileira de Ensino de Física, São Paulo, v. 34, n. 4, p. 4402-1-4402-12, 2012. Disponível em: < http://www.scielo.br/pdf/rbef/v34n4/a20v34n4.pdf > DOI: 10.1590/s1806-11172012000400020.
  2. LAKOFF, G. e JOHNSON, M. Methaphors We Live By. University of Chicago, Chicago, 1980.