Turma Joc/Número de policiais militares acusados por abuso de força em casos de “morte por intervenção policial” nos últimos cinco anos

Fonte: Wikiversidade

A crise da Transparência[editar | editar código-fonte]

Escrito por Bruna Araújo, Bruna Cambraia, Giovanna Fiorani, Paola Zanon e Stela Zeferino

PARTE UM

Gabriel era um dos poucos alunos do sexto ano B que dava bola para as aulas de Matemática. Fascinado por truques de lógica, pegadinhas numéricas e jogos de Sudoku desde pequeno. Flagrar o menino de onze anos em momentos frenéticos onde a ponta de sua caneta corria ligeira pelas folhas do caderno para transcrever com exatidão todas as equações que preenchiam a extensão do quadro negro era uma coisa comum no dia a dia da Escola Estadual Doutor Francisco Brasiliense Fusco, localizada na zona sul da Capital paulista. Embora a pré-adolescência e seu jeito brincalhão e extrovertido não o deixassem admitir tal paixão na frente dos amigos, sua proximidade com os números nunca foi uma surpresa para aqueles que o cercavam. “Sempre achei que esse daí levava jeito pra ser engenheiro, bancário, arquiteto”: foi assim que começou a fala da professora que, horas mais tarde, ilustraria diversas reportagens a respeito de uma intensa perseguição policial que, em uma quarta-feira de agosto, terminou na morte de um menor de idade no Jardim Germânia. Foi uma declaração de peso que, mesmo sendo feita sem essa intenção, acabou por trazer à tona mais uma daquelas tristes e profundas coincidências da vida que sufocam, em um ritmo tortuoso, pequenas parcelas da população que nos cerca. Gabriel Silva Goes esteve na presença dos algarismos até o fim de sua trajetória, onde tiroteios, deslizes e batidas tomaram o lugar dos livros e ele virou número, entrando de uma só vez para mais uma lista imensa de estatísticas. 

A Polícia Civil, envolvida nas investigações do ocorrido, também prefere enxergar o enredo dessa história a partir de uma conta matemática. De acordo com as informações contidas no boletim de ocorrência do caso, que na ocasião foi apresentado e registrado no Departamento de Homicídios e de Proteção à Pessoa (DHPP), tudo não passa de uma equação de primeiro grau: temos um menor infrator sem antecedentes criminais, que se soma a um pequeno furto em um posto de gasolina da região, que também se junta a uma fuga em um veículo roubado, em que se adiciona um revólver calibre 38, uma pista escorregadia, um tiroteio e um óbito. Porém, longe de se tratar de uma mera somatória de fatores, é a subtração que vem para dar o desfecho desta história: sem julgamento até hoje, os três policiais militares envolvidos na perseguição ao carro onde Gabriel estava naquela noite seguem sem culpa, sem dó e, principalmente, sem encarar o sistema de Justiça do país. A natureza do Boletim de Ocorrência (B.O), estampada timidamente no documento, é tão protocolado quanto o resultado dessa conta: “morte decorrente de oposição à intervenção policial”.

Os conhecidos do garoto, entretanto, discordam dessa simplicidade: se for para inserir a história de Biel dentro do universo dos números, ela só poderá caber naquele conjunto ilimitado de ligações maiores que terminam, impreterivelmente, nas mais duras consequências sociais. Na época do ocorrido, a imprensa local noticiou de perto o desespero da mãe de Biel, que fazia questão de clamar pela inocência do filho para quem quisesse escutar. Aos sensacionalistas, a reação foi um prato cheio na hora de justificar a índole do suposto menor infrator com o desequilíbrio familiar. Mas para aquela senhora de sessenta e sete anos que acabara de perder o caçula, a única comprovação possível é a de que seu filho acabara de se tornar mais uma vítima. A explicação desse pensamento, que foge do alcance prático da mãe, se desenvolve por meio  de Juliana, que é vizinha da família Silva Goes desde a infância e se permitiu falar além daquilo que todos já estão cansados de ouvir: “Preto, pobre e morador de comunidade. Me diz agora, quantos desses não morrem todos os dias nas mãos dos policiais? Eu vejo isso de monte”. E esse raciocínio, embora completamente baseado em experiências vividas naquele bairro específico da região sul da cidade, não se limita ao mero recorte regional e, em forma de números, acaba por se comprovar em espaços bem mais amplos e distantes: em uma pesquisa rápida pelos relatórios de transparência cedidos pela Secretaria da Segurança Pública de São Paulo (SSP), órgão que responde em nível estadual pelas polícias Militar e Civil. Neste contexto, nos deparamos com uma extensa lista na qual cada intervenção policial com morte é computada por dia, hora, lugar, mês e delegacia. De tantos itens a serem elencados, tal organização é mais do que necessária.

Gabriel está nessa lista. Não com seu nome, mas como Rua Francisco Costabile Paluri no dia dez de agosto. De aluno dedicado, ele passou a suspeito de roubo e, agora, só faz parte de um sistema de prestação de contas que o Estado tem com a sociedade que o cerca. Sua presença ali é representativa - mostra que, apesar das circunstâncias de sua morte não serem tão explícitas quanto sua mãe e amigos merecem, histórias como a dele não são simplesmente varridas para debaixo do tapete e renegadas ao esquecimento imediato. O maior problema aqui, no entanto, é a própria efemeridade da nossa memória: quando não levamos as discussões para frente, o tempo as engole e as transforma em indiferença. Basta olharmos o próprio público: para os espectadores que acompanharam, de perto, o show de comoção bairrista que girou em torno de Biel durante a semana de sua morte, hoje, a história não passa de mais um fato triste e distante.  

A Justiça sabe disso. Tanto que se institucionalizou na burocracia do silêncio. Quando questionado sobre os números de policiais acusados nos últimos cinco anos por abuso de força em intervenções, o Ministério Público se calou e passou a bola para o Grupo de Atuação Especial de Controle Externo da Atividade Policial (GECEP). Este, seguindo o mesmo protocolo, também não forneceu as informações requeridas até o momento. Curiosamente, a mesma situação aconteceu com o Tribunal de Justiça de São Paulo, que ao mesmo tempo em que esclareceu não ser de sua competência a veiculação dos dados, jogou a responsabilidade sobre a Corregedoria da Polícia Militar e não explicitou o teor em que tais oficiais são julgados, condenados e absolvidos diante de suas ações. A última esperança, até então personificada no corpo da Justiça Militar do Estado, deu seu último respiro e, como as outras, acabou morreu na praia após um longo mergulho - e sem as respostas.

Se há alguma conclusão para ser tirada deste vasto nada em que patinam enredos como o de Gabriel Silva Goes, ela sem dúvidas é turva, amorfa, incompreensível e construída apenas no campo fértil das suposições. O campo da imaginação, que é suficiente para o público midiático alimentar coberturas sensacionalistas, golpes de emoção e dedos apontados, não se faz suficiente para aqueles que não aceitam apenas um “não” como resposta. A falta de explicações abdica a necessidade de profundidade – e essa característica, já tornada uma de nossas regras sociais mais importantes, iguala histórias humanas à simples estatísticas e faz com que vidas como as de Biel não passem de tristes eventos cotidianos da cidade grande.

PARTE DOIS

Desde o início das apurações, fomos diretamente movidos por diversos acontecimentos recentes da Capital paulista e suas respectivas retratações pela grande mídia. Através de uma apuração nos conteúdos expostos por tais veículos no primeiro semestre de 2016, por exemplo, percebemos uma grande incidência de casos de abordagens policiais em que, por conta de comportamentos truculentos e intervenções excessivamente agressivas, jovens não tiveram seus direitos à julgamento assegurados e acabaram morrendo, prematuramente, nas mãos da força policial do Estado.

Posto que o tipo de informação escolhido pertence a um recorte regional, no caso o de São Paulo como Estado da Federação, recorremos aos dados disponibilizados pelas entidades que abrangem tal área no quesito Segurança Pública e Proteção ao Cidadão. Antes de checar diretamente com os órgãos, no entanto, também decidimos por realizar uma apuração em movimento expansivo - onde primeiramente consultaríamos os responsáveis mais próximos ao objeto de estudo e, depois, passaríamos para organizações públicas mais gerais e abrangentes no que diz respeito aos assuntos estatais.

Tendo isso em mente, o primeiro órgão que entramos em contato por meio da Lei de Acesso à Informação foi o Tribunal de Justiça (TJ-SP) [1]., que prontamente respondeu à nossa solicitação informando de que os dados requisitados seriam de responsabilidade da própria Justiça Militar – em outras palavras, da Corregedoria da PM e do Grupo de Atuação Especial de Controle Externo da Atividade Policial (GECEP). Assim, logo na sequência, realizamos o mesmo pedido para o órgão e aguardamos por seu retorno. Paralelamente a isso, achamos importante também obter um parecer vindo do Ministério Público de São Paulo (MP-SP)[2], uma vez que a pasta se encarrega de tramitar grande parte das acusações realizadas dentro do Estado. Passadas algumas semanas, tanto o MP quanto a Corregedoria entraram em contato conosco – porém, sem esclarecer dados concretos sobre afastamentos de oficiais por abuso de poder quando em serviço e valendo-se da explicação de que eles não seriam os encarregados de tal veiculação pública.

PARTE TRÊS

Conforme descrito no item acima, a relação com os órgãos que seriam responsáveis pela informação não foi das melhores. A falta de transparência é nítida, a divisão de responsabilidades é confusa, além do não cumprimento da Lei de Acesso à Informação, a qual afirma ser direito de todos os cidadãos ter acesso a informações de órgão públicos.

A irresponsabilidade das administrações públicas, portanto, faz com que não exista a transmissão correta de informações fundamentais à prática jornalística, por exemplo, e em casos (não raros) similares ao de Gabriel, acaba configurando-se como recusa a prestação de contas e identificação de vítimas e culpados.

PARTE QUATRO

Segundo a Lei Nº 12.527, de 18 de novembro de 2011[3], tem-se:

“Art. 3o Os procedimentos previstos nesta Lei destinam-se a assegurar o direito fundamental de acesso à informação e devem ser executados em conformidade com os princípios básicos da administração pública e com as seguintes diretrizes: 

I - Observância da publicidade como preceito geral e do sigilo como exceção; 

II - Divulgação de informações de interesse público, independentemente de solicitações; 

III - utilização de meios de comunicação viabilizados pela tecnologia da informação; 

IV - Fomento ao desenvolvimento da cultura de transparência na administração pública; 

V - Desenvolvimento do controle social da administração pública. ”

Partindo do trecho exposto acima, pode-se dizer que a importância da Lei de Acesso à Informação para a prática jornalística é a de assegurar que os cidadãos tenham informações completas sobre assuntos diversos, não devendo ficar à mercê de parcialidade ou impedimento de acesso em qualquer circunstância. Basicamente, a prática jornalística depende da lei em questão, sendo que seus expoentes (comunicadores como um todo) são responsáveis por disseminar dados desconhecidos ou pouco conhecidos à população brasileira.

Intrigante é pensar que a censura ainda existe, com exemplos claros como o ataque a jornalistas em manifestações, palavras de ódio escritas em prédios de veículos, ou pelo fato de os próprios editores e/ou responsáveis por algumas mídias de grande alcance supostamente serem manipulados para atingir o lucro de empresas ou a reputação esperada de pessoas que estão no poder. É imprescindível que a população saiba que o acesso a qualquer tipo de informação pública é um direito, como explicitado no artigo acima da Constituição Federal Brasileira.

Contudo, como trata-se de uma interpretação, não é possível afirmar que o entendimento da lei garanta o acesso à informação, uma vez que essa censura está sempre no limiar de conteúdos polêmicos e que, por diversas vezes, podem acarretar na execução falha da lei em questão. Além disso, como, na maioria das vezes, jornalistas não são detentores dos meios de comunicação (assim como trabalhadores assalariados), a prática do que se prega nas leis pode ficar comprometida.

Entretanto, é de extrema relevância o empenho de magistrados para manter a transparência com relação à Lei de Acesso à Informação, como as atitudes e pronunciamentos da Ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal (STF), defendendo o poder que a lei, em sua essência, traz ao país, conforme matéria divulgada no portal G1 de notícias[4], em junho de 2016:

“A ministra proferiu palestra sobre a liberdade de expressão durante o 11° Congresso Internacional de Jornalismo Investigativo da Abraji, em São Paulo, e foi questionada sobre a série de ações judiciais de juízes do Paraná contra jornalistas após a publicação de uma reportagem sobre salários dos magistrados acima do teto constitucional pagos pelo Tribunal de Justiça (TJ) e pelo Ministério Público do Paraná (MP).

‘Os tribunais têm que ter transparência. Então é curioso. Aquele órgão não estava cumprindo seu dever de transparência? Pois isso não deveria ser novidade’, disse a ministra sobre a publicação dos salários.

‘É mais grave porque é como se estivesse tentando criar um direito à privacidade onde o dever é de publicidade’, completou. ‘Quem pagam [os salários] são vocês. ’ “.

As respostas dos orgãos[editar | editar código-fonte]

Resposta do TJ-SP:

“Protocolo 2016/00183008

Prezada Senhora. Entendemos que o teor desta solicitação que é de competência do Tribunal Militar e/ou da Corregedoria da Policia Militar e não do TJSP, motivo pelo qual, sugerimos consultar aqueles órgãos. Atenciosamente”

Resposta do Corregedoria da Polícia Militar:

Resposta ao Protocolo 2016101917844

Prezada Giovanna. À vista de Vossa solicitação, informamos que o julgamento das ações penais que apuram crimes de Abuso de Autoridade e Homicídio, cometidos por Policiais Militares, é de competência da Justiça Comum e não desta especializada, conforme dispõem as Leis 9.299/96 e 4.898/65. Estamos à disposição para esclarecer eventuais dúvidas. Atenciosamente.”

Resposta do MP-SP:

“P.I. nº 141.956/16-170 - SIC/MPSP

De Ordem da Promotora de Justiça – Coordenadora deste Serviço de Informação ao Cidadão, informamos que seu pedido, registrado sob nº registrado sob nº 141.956/15-170 - SIC/MPSP, foi encaminhado, nesta data, por intermédio do ofício nº 047/16 – SIC/MPSP, ao Grupo de Atuação Especial de Controle Externo da Atividade Policial (GECEP), detentor das informações desejadas, localizado na Avenida Dr. Abraão Ribeiro, 313, Barra Funda, São Paulo/SP, telefones (11) 3392-1034 e 3392-1037, para ciência dos fatos e eventuais providências cabíveis. Ressaltamos que, para obtenção de informações acerca do andamento atualizado de referido expediente, a senhora deverá contatar diretamente a unidade acima referida. Atenciosamente”

  1. http://www.tjsp.jus.br/
  2. http://www.mpsp.mp.br/portal/page/portal/home/home_interna
  3. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/lei/l12527.htm
  4. http://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/2016/06/carmen-lucia-diz-que-acao-de-juizes-do-pr-contra-jornalistas-e-esquisito.html