Wikinativa/Fernanda Coimbra (vivencia Guarani 2016 - relato de experiência)

Fonte: Wikiversidade

Vivência na Reserva Indígena Rio Silveira

A vivência na Reserva Indígena Rio Silveira ocorrida entre os dias 28 e 31 de outubro de 2016, foi realizada através da disciplina ACH3707 Seminários de Políticas Públicas Setoriais II -Multiculturalismo e Direitos oferecida pelo Prof. Jorge Machado com o intuito de proporcionar aos alunos inscritos na matéria o conhecimento prático da realidade de tribos indígenas atualmente, suas rotinas, onde estão localizadas, seus costumes, hábitos, a cultura em si através de uma imersão na cultura do povo originário Guarani. O propósito de adquirirmos esse conhecimento é importante para que entendamos suas lutas políticas, ideológicas, suas percepções de Estado, a importância para os mesmos de suas culturas, crenças, entre outros.

EXPERIÊNCIA INDIVIDUAL

Nossa chegada à Reserva foi recepcionada por indígenas de todas as idades, nos alocamos primeiramente, montamos nossas barracas, conhecemos o espaço e logo a troca de culturas e conhecimento sobre seus costumes nos deu energia para essa experiência que viria ser muito enriquecedora.

Como uma dos membros do grupo de esportes e gincanas, nos organizamos durante esses dias para realizarmos com as crianças atividades como jogar bola, pular corda, roda de ciranda, pinturas com tinta na pele e em papel (inclusive montamos um varal com as diversas artes produzidas pelas mesmas), corrida de saco, entre outros. As percepções que tirei com as atividades com as crianças, foram de total compartilhamento dos instrumentos como bola, papel, pinceis, entre outros por todos eles, o cuidado de umas com as outras, mesmo que não fossem da mesma família, notei essa diferença da individualidade urbana.

Outra observação que fiz durante todos esses dias, foi quem as crianças foram as mais abertas para interação com a gente, o interação com os adultos e principalmente com os adolescentes foi menos intensa. Tivemos momentos como na Casa de Reza e com os adolescente muito pouco. Outro momento que aproximou a todos foi a roda de músicas e instrumentos, uma troca muito legal ,todos tocamos e cantamos.

As refeições no almoço e janta eram preparados pelas mulheres indígenas da aldeia, que prepararam grandes quantidades de comidas para atender todos os presentes, e nesse momento, também eram compartilhados todas as louças, assim como o espaço para alimentação não era necessariamente determinado. O momento da refeição era de integração de todos assim como os espaços para faze-las.

Durante as noites, éramos convidados a assistir os rituais indígenas na Casa de Reza. O Pajé (líder religioso) e o Cacique (Líder político) faziam os cumprimentos e ali assistíamos os seus rituais com os demais indígenas. Ao final, o mesmos abriam para perguntas e esse foi um momento de muito crescimento pessoal e profissional, como futura gestora de políticas públicas. Uma grande discussão, que inclusive conversamos nas aulas preparatórias, foi a questão da PEC 215/2000, que trata de uma proposta elaborada pela Câmara para a determinação de demarcação das terras indígenas e restringe a ampliação dessas terras. Essa PEC coíbe os direitos indígenas conquistados pela Carta de 1988 que garante, entre muitas coisas, terras permanentemente ocupadas por indígenas e quilombolas. Essa Proposta de Emenda Constitucional tramita há 15 anos na Câmara e somente em 2014 ela foi reativada e aprovada a análise da matéria na Comissão Especial.

Além desse momento para discussão da PEC e todos os outros assuntos que tínhamos o interesse de conhecer ou tratar (como hábitos, costumes, crenças, a questão da mulher na tribo, a participação das crianças e a relação delas com a tribo e a sociedade urbana, como funciona a questão do tupi-guarani e o português, entre outros) um momento enriquecedor, foi quando eu e mais dois colegas tivemos um “bate-papo” com um dos adolescentes indígenas, com o Lenilson, que nos contou com mais detalhes sobre o uso da tecnologia, como redes sociais, como instrumento de mobilização e articulação entre as tribos de diversos lugares e também sobre sua rotina e principalmente suas lutas políticas. Esse momento, posso considerar, como um dos mais importantes dessa imersão. Através dessa conversa tive a oportunidade de aprofundar meus conhecimentos e me deparar com outra perspectiva de um adolescente de 17 anos, muito diferente do que temos atualmente na nossa sociedade.

No segundo dia, a atividade proposta por eles, foi uma caminhada monitorada pela mata, para mim, que particularmente gosto de trilhas, vivi uma experiência diferente, andei na mata instruída por pessoas que a conheciam de verdade, que me ensinou, por exemplo, a usar tudo ao meu favor, plantas, pedaços de galhos, folhas, madeira, entre outros, para que minha trilha fosse muito mais interessante e com menos dificuldades. Contando que dias anteriores a nossa chegada, havia chovido muito na região.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Comparando com nossa primeira visita à aldeia no Jaraguá: Tenondé porã, notei que esta, de cultura nômade, vive de forma muito mais precária do que os indígenas da aldeia Rio Silveira. Em um espaço muito pequeno viviam muitas família, a organização da aldeia não condiziam com regras de organização como estamos acostumados na vida urbana, o compartilhamento também era bem marcante. Tivemos a oportunidade de conhecera Casa de Reza e tivemos uma conversa com um membro da aldeia.

Nessa viagem além de conhecer uma cultura diferente da minha, cultura originária do meu país, pude perceber com mais cuidados o desprezo pelos mesmos do Estado atual, de como muitas vezes os indígenas são jogados às margens e desrespeitados. Aprendi sobre a simplicidade, compartilhamento, alegria nas pequenas coisas e gestos.

Fortaleci inclusive meu olha sobre a mulher na sociedade de um modo geral, traduzida em um momento de banho coletivo feminino de desapego do corpo como uma propriedade.

Essa foi uma grande experiência que eu espero que possa ser desfrutada por outros colegas, que as doações que conseguimos sejam cada vez maiores, que os olhares para os indígenas sejam cada vez mais atentos e o respeito cada vez mais fortalecido.