Wikinativa/Vivência na aldeia Guarani Rio Silveiras 2019-2/Relatório do Grupo Alimentação saudável (2019-2)

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Apresentação[editar | editar código-fonte]

O presente relatório refere-se à descrição das atividades desenvolvidas pela viagem de campo na aldeia Rio Silveira promovida pela disciplina Seminário de Políticas Públicas Setoriais III. Essas atividades foram executadas no período de 15 a 17 de Novembro de 2019 no Parque Estadual da Serra do Mar em Bertioga, São Paulo. Os estudantes e o professor responsável pela disciplina, Jorge Machado, e o professor convidado, André Simões, da Universidade de São Paulo vivenciaram experiências em parceria com os líderes políticos, religiosos e a população em geral da Aldeia. O relatório buscou analisar as percepções da viagem, relacionado com os conceitos vistos em aula e abordar o aspecto alimentar e nutricional.

O relatório foi elaborado pelo grupo responsável pela atividade Alimentação Saudável, composto por:

  • Carolina Thalya da Silva Paulino (10283263)
  • Jessica Pereira Rosa
  • José Vicente de Arruda Junior (10282794)
  • Julia do Nascimento de Sá (9780689)
  • Maíra Teixeira de Ataide (11271442)
  • Mariana Farias de Araújo (9845663)
  • Mariana Zanotti (9780651)
  • Marina Kiyoko (10282835)
  • Paloma Ferreira Martins (9780501)
  • Rafael Justino Monteiro (10258215)

Introdução[editar | editar código-fonte]

A aldeia fica localizada na divisa dos municípios de Bertioga e São Sebastião, as terras indígenas da aldeia demarcadas ocupam cerca de 948 hectares em área adjacente ao Parque Estadual da Serra do Mar. O território abriga cerca de 130 famílias, ou aproximadamente 700 indígenas da etnia tupi-guarani. O local encontra-se em equilíbrio com a natureza e está repleto de cultura e história. O objetivo da disciplina é analisar a história e reconhecimento do estabelecimento dos direitos dos povos indígenas e suas práticas tradicionais, o que permitirá o aprofundamento nos conceitos de diversidade e multiculturalismo. Os participantes da viagem incluíam os alunos da disciplina ACH3648 - Seminários de Políticas Públicas Setoriais III e convidados externos. Constatou-se que o público envolvido eram em sua maioria alunos do curso de Gestão ambiental e Gestão de Políticas Públicas, entretanto, contou com a participação de alunos de outros cursos.

Atividades[editar | editar código-fonte]

Além do cronograma de atividades da viagem que visa vivenciar determinadas práticas tradicionais indígenas, como cerimônias espirituais e passeios em meio a natureza, o projeto teve também a organização interna realizada pelos próprios alunos da disciplina que se dividiram em grupos responsáveis por determinadas atividades internas da viagem, esses grupos tinham como temas: alimentação saudável, brincadeiras e esportes, arte e música, foto e vídeo e infraestrutura. Esse relatório é referente ao grupo da alimentação saudável, responsável pelas refeições na viagem. 

Análise teórica e percepções da vivência[editar | editar código-fonte]

Os direitos constitucionais dos índios são reconhecidos pela Carta Magna Brasileira estabelecida na Constituição Federal (CF) de 1988. Nesse contexto de garantia de direitos fundamentais, principalmente da garantia a terra, criou-se um cenário propício para demarcação de terras.  É dentro deste contexto que a Aldeia Rio Silveiras, apesar de sua existência anterior a Carta Magna, consegue a demarcação e reconhecimento de seus direitos como forma de resistência.

A vivência propiciada pela viagem de campo foi capaz de desencadear o questionamento sobre diversos conceitos pré-existentes na sociedade brasileira e do modo de vida capitalista. A primeira questão, foi o conceito de etnocentrismo, discutido no texto de Paulo Meneses, representa as narrativas e visão do mundo que fica delimitado a perspectiva particular de um povo e a cultura que à pertence. A sociedade brasileira possui vestígios da sua lógica de exploração colonial, escravista e agrária (PRADO, Caio. 1942). Tendo, portanto, impactos da relação Colônia-Metrópole que caracteriza uma relação etnocêntrica voltada ao eurocentrismo. Os colonizadores buscavam homogeneizar às populações e as diferenças tornaram-se meio de legitimação da dominação e exploração. Os relatos dos povos originários durante as conversas com o cacique denunciam essa dinâmica.

Surge também o conceito de relativismo cultural, a perspectiva antropológica em que busca compreender diferentes culturas de forma livre de uma visão etnocêntrica, evitando julgamentos do outro, a partir de uma visão própria e experiência particulares.

Por outro lado, o relativismo cultural é teoria: instrumento de análise e meio de produção de conhecimentos, que, aplicando-se a outros conhecimentos (etnográficos, históricos, etnológicos), produz conhecimentos novos, fazendo avançar a ciência como tarefa humana jamais concluída, de tornar inteligível a totalidade do real (Meneses, Paulo. 1999, pg 21)  

Dessa forma, a disciplina busca realizar por meio da viagem, e com pressuposto no relativismo cultural, a compreensão do conhecimento do outro e pelo entendimento das diversas narrativas históricas, costumes e tradições dos povos originários, por meio da cooperação e trocas do pensamento acadêmico com o povo da aldeia, também teve o intuito de produzir novos conhecimentos.  

Durante a conversa na cerimônia religiosa constatou-se que os guaranis possuem uma visão que o tempo apresenta caráter de ciclo, (nascer-morrer; dia-noite, plantar-colher) tal fato é importante para o entendimento do início da reza, momento espiritual sagrado para os povos originários, que se iniciava somente com o pôr do sol.

O povo indígena da Aldeia Rio Silveira, assim como tantos outros, resiste a fatores sociopolíticos que tentam a séculos, retirar seu direito de exercer seus modos de vida, sua cultura e alimentação. Em decorrência da localização, há um obstáculo existente em relação a produtividade da terra, por estar sob um solo bastante arenoso e, embora haja plantio de subsistência em métodos agroflorestais, os alimentos produzidos ainda não são capazes de atender a demanda alimentar da comunidade. Portanto, por necessidade e muitas vezes facilidade, aos poucos foram sendo incluídos em suas refeições alimentos pouco nutritivos, com alto teor de açúcar, sal e gorduras que desencadeou doenças que até então não eram comuns, como diabetes e hipertensão.

Por fim, outra questão levantada durante a viagem foi a naturalização da relação com a terra, desconstruindo preconceitos pré-estabelecidos onde a terra é considerada “sujeira”, e levando ao entendimento de que a terra é elemento natural e entendimento do seu aspecto sagrado tanto para os povos originários quanto para a importância para a sociedade no geral, porque é a partir da terra que são colhidos os alimentos e obtida a energia essencial para sobrevivência humana.

Relatos do grupo[editar | editar código-fonte]

Como mencionado no início deste relatório, estudantes da disciplina se dividiram entre diversos grupos com diferentes propostas visando colocar em prática os aprendizados adquiridos em sala de aula, interagir com a comunidade indígena e também formular estratégias de troca cultural.

Nosso grupo ficou responsável por realizar as tarefas relacionadas a alimentação na viagem. Os integrantes foram incumbidos de pensar o cardápio para as refeições, a produção da lista de compras e calcular a quantidade de alimento para satisfazer todos(as) estudantes e convidadas(os) da disciplina, além de manter a organização e limpeza da cozinha, assim como comunicar os horários das refeições.

Tínhamos planejado realizar uma atividade sobre alimentação e nutrição para os habitantes da aldeia e todos mais que se interessassem pelo tema que pretendia prover informações básicas sobre os temas de alimentação e nutrição aos indígenas e poderia ser segmentado em grupos, isto é, crianças, jovens, adultos, gestantes etc. Porém, ao longo do planejamento de tarefas percebemos a impossibilidade de nos dedicarmos também a criação dessa atividade, considerando a quantidade de trabalho que teríamos com as demais tarefas e a dificuldade em fazer com que as/os indígenas se reunissem em um mesmo horário.

Inicialmente, nossa divisão foi feita considerando o interesse das(os) estudantes em participar de cada atividade, sendo dividido em três linhas principais (além do grupo de atividade sobre alimentação e nutrição, que desconsideraremos pois a atividade não se concretizou), são elas: i) produção do cardápio, ii) produção da lista de compras e iii) auxílio às cozinheiras indígenas.

Foram planejadas 8 refeições, contando almoço, jantar, desjejum, lanches durante a viagem de ônibus -sendo esta, a primeira viagem que este lanche foi disponibilizado- e lanche para trilha. O cardápio construído foi integralmente vegano, seguindo os princípios da própria disciplina de adoção de práticas anti-sistêmicas e de boicote a indústria pecuária, uma das maiores forças que ameaçam o meio ambiente e a própria existência dos povos indígenas.

Em seguida, abordamos tópicos específicos gerados a partir de reflexões do grupo sobre a vivência e também sobre a nossa atuação nesta viagem.

Planejamento de refeições[editar | editar código-fonte]

O grupo reuniu uma série de receitas veganas que poderiam fazer parte das refeições na viagem. Para citar algumas delas, temos: caponata de berinjela e abobrinha, moqueca de banana da terra e palmito, farofa de cenoura com cebola, macarrão integral com bolonhesa de lentilha etc. Nem todas puderam ser feitas por conta de tempo para preparação das receitas, falta de utensílios de cozinha e demais imprevistos.

Também foi feita uma lista de alimentos que não deveriam ser utilizados, e outra com ingredientes e temperos recomendados. Essas listas serviram de orientação para a preparação dos cardápios.

Fontes de proteína Carboidratos Lipídeos Outros
Quinoa Arroz integral Óleo de girassol Tapioca
Grão de bico Feijões Azeite de oliva Granola
Lentilha Batata doce Manteiga (?) Leite vegetal (de coco pra moqueca)
Ervilha/ervilha partida Mandioca Semente de girassol/abóbora Açúcar mascavo
Semente de abóbora/girassol Frutas Pasta de amendoim Sal
Feijões Macarrão integral Temperos
Abóbora Vinagre
Milho Limão

Tabela 1. Lista básica de alimentos sugeridos a partir de seus principais macronutrientes. Fonte: Elaboração dos autores.

Uma das alunas relatou a falta de familiaridade com o tema de alimentação/nutrição de muitos membros do grupo e o quanto o envolvimento com as tarefas acabaram levando a novos aprendizados. Foi necessário considerar a quantidade de alimentos, sua qualidade, tudo isto feito através da troca de conhecimentos anteriores entre o grupo e tentativas e erros durante o planejamento.

Para cálculo do tamanho da refeições utilizamos parâmetros de nutricionistas encontrados a partir de pesquisas online, a democraticidade dos alimentos escolhidos, a preferência das pessoas e suas restrições alimentares, além de outras recomendações retiradas de uma extensiva pesquisa do grupo sobre o tema. Cada refeição contou com uma planilha própria onde foram inseridas informações sobre ingredientes, quantidade estimada por pessoa e quantidade total, modo de preparo e valor aproximado para compra. Foi necessário também fazer conversões de medidas para assegurar a precisão das estimativas.

Figura 1. Tabela preenchida por membros com detalhes de cada refeição. Fonte: Elaboração dos autores.
Figura 1. Tabela preenchida por membros com detalhes de cada refeição. Fonte: Elaboração dos autores.

Figura 1. Tabela preenchida por membros com detalhes de cada refeição. Fonte: Elaboração dos autores.

Preparação das refeições e separação de atividades[editar | editar código-fonte]

Durante nossa locomoção para a aldeia na sexta-feira, tivemos um atraso na viagem que resultou em menor tempo para preparação do jantar neste dia, algo que pode ter amenizado a fome dos viajantes foram os lanches servidos durante a viagem de ônibus que incluíram um sanduíche e quibe.

Nos demais dias, o problema de falta de tempo para preparo das refeições se repetiu, já que precisávamos acelerar o preparo visando a compatibilidade com o cronograma de atividades que tínhamos com todos os demais grupos, isto gerou algumas tensões no que tange a carga de trabalho dos membros. Alguns integrantes disseram  não ter conseguido usufruir de tempo hábil para se servir em todas as refeições, por isso sugerimos, para as próximas vivências, que o grupo de infraestrutura ampare nos serviços da cozinha, que inclui limpeza e organização do local e servir as refeições, havendo assim uma melhor distribuição de atividades sem que ninguém fique sobrecarregado.

Os membros relataram também que por conta do pouco tempo para o preparo, o espaço pequeno da cozinha, o planejamento que não era de conhecimento de todos os integrantes do grupo e a própria falta de utensílios como facas, panelas, conchas, etc., houve dificuldades na delegação adequada de tarefas entre o grupo. O auxílio do grupo de infraestrutura mais uma vez poderia ter sido acionado para algumas tarefas como lavar a louça, tirar o lixo, cortar alimentos, et cetera, para diminuir o esforço requisitado do grupo que, possivelmente, teria alcançado assim uma melhor organização interna.

Alguns pontos a se destacar foi que a divisão de atividades foi feita de forma orgânica, muitas vezes de acordo com a afinidade do grupo, o que pode ter contribuído para a harmonia do trabalho entre alguns membros.

Relacionamento com as cozinheiras da aldeia[editar | editar código-fonte]

O relacionamento entre o grupo e as cozinheiras foi no geral, bem harmônico, com toda a ajuda delas sendo essencial, sem no entanto resultar em muitas interferências negativas de nenhuma das partes. Em algumas refeições, tivemos ajuda das cozinheiras na preparação de alimentos, como arroz, feijão, grão de bico e até saladas em alguns casos, ficamos assim mais responsáveis pela preparação da guarnição, limpeza da cozinha e comunicação com alunos.

Além disso, aparentemente neste ano houve envolvimento mais próximo com as cozinheiras o que consideramos um avanço na construção do relacionamento entre a comunidade da aldeia e os próprios estudantes. Esta aproximação pode ser feita com mais atenção nas próximas viagens a serem realizadas pela disciplina.

Percepções gerais[editar | editar código-fonte]

Sobre a quantidade de alimentos no geral, estes foram bem aproveitados, sendo constatado que tivemos pouco desperdício e segundo alguns alunos que falaram sobre o grupo de alimentação/nutrição durante a conversa geral com a turma as as pessoas conseguiram se servir bem e até repetir refeições. Relatos de pessoas que já fizeram esta viagem com formato semelhante, apontaram que houve menos desperdício de alimentos nesta edição da disciplina, mostrando que o grupo conseguiu utilizar de métodos adequados para fazer o planejamento das refeições.

Consideramos que houveram problemas de comunicação e organização entre os membros que não puderam estar presentes em todas as etapas e conversas do grupo de alimentação saudável. Um exemplo disso, foi uma escala de preparação das refeições que não foi comunicada no grupo de whatsapp, de forma que diversos membros não sabiam da sua existência, resultando em seu subaproveitamento durante a preparação das refeições. Algumas informações como a saída de pessoas do grupo ou da disciplina acabaram não sendo atualizadas o que pode ter atrapalhado na estimação de esforço de cada membro restante.

Conclusão[editar | editar código-fonte]

O relatório procurou abordar diversos aspectos, tanto o descritivo (sobre as atividades realizadas durante a viagem de campo) e associar os conceitos teóricos. Levar em consideração a atividade de associar os conceitos analisados nas aulas, que envolviam em sua maioria convidados que estudam o tema, permitiu assim estabelecer uma ponte dos conceitos acadêmicos à vivência presencial da viagem de campo, possibilitando maior enriquecimento do conhecimento obtido a partir da experiência.

A metodologia da viagem de campo é extremamente enriquecedora, porque estabelece um ambiente propício para o pensamento crítico, questionamento e compreensão de algumas dinâmicas que regem a sociedade contemporânea, constatou-se que a discussão sobre a questão de dominação, etnocentrismo e disputas de narrativas; continuam atuais.

Todas as etapas para planejamento e execução do cardápio apresentam um alto nível de complexidade, porque envolve agregar a alimentação vegana, saudável e adicionar referências de alimentos tradicionais dos povos originários diante todas às limitações existentes na cozinha da Aldeia. Constatou-se a grande importância de uma boa comunicação interna do grupo, essencial para a efetivação do que foi elaborado previamente a viagem. Portanto, um planejamento detalhado é necessário para permitir a execução de todas as atividades na cozinha de forma eficiente, reduzindo possíveis desperdícios e possibilitando a entrega final das refeições conforme o planejado.

Referências[editar | editar código-fonte]

MENESES, Paulo. Etnocentrismo e relativismo cultural: algumas reflexões. Revista Symposium. Ano 3. Número Especial. 1999. Disponível em: <https://www.maxwell.vrac.puc-rio.br/3152/3152.PDF>.  Acesso em 19 de novembro de 2019.

BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 1990.

MACHADO, Jorge. Reflexões sobre o Tempo Social. Revista Temática Kairós Gerontologia. 2012.

VAPZA. Como calcular porção por pessoa? Criado em 19 de fevereiro de 2018. Disponível em: <https://vapza.com.br/alimentacao-saudavel/como-calcular-porcao-por-pessoa>. Acesso em 28 de novembro de 2019.