Introdução ao Jornalismo Científico/História da Ciência e da Tecnologia/O Islã e a Ciência grega/script

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O Império Romano do Ocidente chegou ao fim em 476 d.C., quando os bárbaros chegaram à Roma e depuseram Rômulo Augusto, o último imperador, dando início a um período de reis bárbaros. Enquanto, o Império Romano do Oriente mantinha-se firme e sua capital, Constantinopla - hoje Istambul -, era rica e próspera. A queda do lado Oriental aconteceu em 1453 com a invasão dos turcos otomanos. A Ciência, como vimos, não evoluiu nas mãos dos romanos, a quem faltou espírito crítico e imaginativo para incrementar o conhecimento alcançado pelos gregos.

Sem o controle de Roma, o comércio entre as sociedades do Ocidente e do Oriente se intensificou. O contato entre os dois lados se dava pela Península Arábica, e também por meio da conexão entre o Mediterrâneo e o oceano Índico, onde os árabes viviam nas áreas férteis cerceadas pelo deserto da região. Esse fator geográfico os ajudou a permanecer praticamente imune à invasões de outros povos. O comércio, então, tornou-se a principal fonte econômica dos árabes e ascendeu os comerciantes às posições de governança. Acima deles, estavam apenas os Xeques, líderes das várias tribos que viviam na região, e os sacerdotes, que ditavam as atividades religiosas, como o culto à Pedra Negra de Caaba, costume que continuou com o islamismo.

Brevíssima História do Islã[editar | editar código-fonte]

Para contextualizá-lo sobre como a Ciência evoluiu com os muçulmanos, apresentaremos de forma resumida essa parte da história do Islã, que começa em 622, com a Hégira de Maomé, até 1460, com a destruição do observatório de Samarcanda, onde hoje é o Uzbequistão. A "trajetória" da Ciência nesse período será abordada a partir de três tópicos: Criação e Expansão; Bagdá, o Centro da Ciência e A dissolução do Califado.

Criação e Expansão (622 - 768):[editar | editar código-fonte]

Considera-se, de acordo com o islamismo, 16 de julho de 622 como a data de sua criação, quando ocorreu a Hégira de Maomé, a saída dele de Meca com destino a Iatreb, cidade que depois receberia o nome de Medina. Com a proteção dos beduínos, Maomé lutou para expandir o islamismo (a jihad) por toda a Península Arábica, que unificou-se politicamente em torno da mesma religião. Maomé morreu em 632 sem deixar um sucessor de sangue. Houve discordância entre os muçulmanos sobre quem deveria ser o novo líder. A maior parte, os sunitas, dizia que Maomé não nomeou ninguém para sucedê-lo e que Abu Bakr, eleito pela comunidade islâmica, deveria liderá-los. Em menor número, os xiitas defendiam que Maomé havia apontado Ali, seu primo e genro, como sucessor. O Califado começou com a vontade da maioria, Abu Bakr (632-634), o único que não foi assassinado. Depois dele vieram Omar (634-644), Otman (644-656) e, então, Ali (656-661).

Mapa da expansão do Islã e dos califados.

O Islã teve uma forte expansão nos trinta anos seguintes à morte de Maomé, mesmo em áreas dominadas pelos bizantinos e persas, como Síria, Mesopotâmia e Egito. Ou seja, a conversão ao Islã não esteve, num primeiro momento, atrelada à conquista de territórios. Diversos fatores contribuíram para a expansão do islamismo, entre os quais a ausência da obrigatoriedade de segui-la, ao contrário do que faziam os Impérios Bizantino e Persa, religiosamente intolerantes. Além disso, os árabes prometiam segurança às propriedades e davam isenção de impostos aos muçulmanos, inclusive os convertidos, considerados guerreiros e funcionários do Islã, o que lhes garantia o recebimento de soldo.

Foi nas terras conquistadas tanto dos bizantinos quanto dos persas que os muçulmanos tiveram contato com o conhecimento dos gregos. A absorção do conhecimento grego pelos muçulmanos se deve, em parte, à perseguição contra os "hereges", sábios que não abandonaram a criticidade inerente ao espírito científico. Em geral, eles eram neoplatônicos e cristãos nestorianos que encontraram refúgios no Império Sassânida (último Império Persa antes da tomada islâmica, em 654), Lá, traduziram para o árabe e para o siríaco diversas obras de autores gregos, como fez o sacerdote Sérgio de Ras el-Ain com textos de Aristóteles e Galeno. Houve também um contato com a ciência hindu, o que colaborou para que fosse incrementado os conhecimentos sobre astronomia e Matemática.

Em 661, o Islã havia ampliado os limites de seu território para além da Península Arábica. Naquele ano, Ali foi assassinado, dando início à dinastia Omíada. Seu primeiro califa, Moaviá, governador da Síria, transferiu a capital de Medina para Damasco, manteve-se como líder religioso mas, curiosamente, não misturou questões do Estado com a religião. Nas décadas seguintes, mais territórios foram incorporados aos árabes, como Chipre, Malta e Sicília, ilhas do Mediterrâneo que reforçaram o controle comercial marítimo. As culturas locais eram assimiladas, não destruídas, o idioma árabe e o Islã mantinham as populações em unidade.

Contudo, havia um certo descontentamento com o ganho de influência dos sírios com a governança dos Omíadas. Os sírios controlavam as rotas comerciais, enriqueceram com isso, e controlavam a política. Persas e xiitas se rebelaram, enfrentaram e massacraram os Omíadas, cujo último líder, Abd al-Rahman, escapou para a Península Ibérica, onde criou o Emirado de Córdova, em 756. A dinastia Omíada caiu e começou a dinastia Abássida, cujo primeiro líder, Abul al-Abbas, tinha o apoio de persas e xiitas. Uma de suas primeiras decisões foi a construção de uma nova capital, Bagdá, que marcaria o início do período de ouro para a Ciência e o Islã.

Bagdá, o Centro da Ciência[editar | editar código-fonte]

Mapa da extensão do califado Abássida em seu auge, estima-se que em 850 d.C.

As rotas comerciais haviam se intensificado, exploradores, cientistas e comerciantes viajavam do Oeste, na Espanha, até ao Leste, na China, passando pela Índia. Na metade do caminho estava Bagdá, o maior centro urbano da época, que tornou-se um "ponto de encontro" entre as culturas e ciências. O poder administrativo estava centralizado na nova capital. Além disso, a dinastia Abássida trouxe outras significativas mudanças para a sociedade árabe. Quando os Omíadas governavam, o Estado era relativamente laicizado, embora as decisões políticas fossem influenciadas pela religião islâmica, da qual a maioria era adepto. O Islã voltou a ter um papel central dentro na dinastia Abássida, cujos laços com os persas, que os ajudaram na tomada do poder, eram malquistos pelos árabes. É razoável afirmar que os Abássidas deram um caráter teocrático à sociedade que comandavam.

Não obstante, foi durante a Dinastia Abássida que estabeleceu-se o elo entre o conhecimento dos gregos com outras culturas orientais, processo fundamental para a retomada da Ciência no século XV. Tanto a dinastia Omíada quanto a Abássida valorizava a Ciência. As escolas das cidades conquistadas não eram destruídas, mas mantidas e valorizadas. Os Califas apoiavam a busca pelo conhecimento e a produção científica desde que estivessem de acordo com os ensinamentos do Corão. Ou seja, não havia a completa liberdade crítica em relação aos dogmas da religião, tanto que não há registros de que os sábios especularam sobre os princípios do Universo, mote principal da Filosofia Natural. Para tal investigação, recorria-se ao Corão.

Mapa da cidade de Bagdá entre os anos 767 e 912.

Bagdá era o centro do mundo. A cidade tinha um grande hospital, talvez o primeiro do porte a ser construído, além da Casa da Sabedoria (Bayt al-Hikmah), uma instituição com observatório e biblioteca onde estudiosos traduziam obras do grego antigo, latim, sânscrito e persa para o árabe; faziam anotações sobre o firmamento para projeções do calendário; checavam as anotações de Ptolomeu sobre os astros; projetavam construções de pontes e prédios; estudavam o corpo humano e, principalmente, passavam o conhecimento para os discípulos. O auge da Casa da Sabedoria veio com o califa Al-Mamun (786 - 833), que aumentou o investimento destinado à escola. Ele era adepto a uma linha do Islã chamada de Mutazilismo, em que a Razão seria outra fonte para a compreensão da vontade de Deus além do Corão e da Sunnah. Inspirado no racionalismo dos filósofos gregos, o Mutazilismo era pouco ortodoxo para os padrões islâmicos da época e até contemporâneos, tanto que são poucas as correntes pós século XI, além dos xiitas, que mantiveram ideias do Mutazilismo.

O Califado tinha um intenso comércio, tanto interno quanto externo, com outras sociedades. Esse fluxo permitiu que outras cidades islâmicas, como Sevilha, Mossul, Cairo e Samarcanda, tivessem contato com o conhecimento de outros lugares, além do trabalho feito pelos cientistas que estabeleceram-se nelas. Havia um grande interesse pela cultura grega, devido aos benefícios que ela trazia para o desenvolvimento das cidades e do comércio, algo que tinha o apoio de boa parte dos muçulmanos. Deste modo, o apoio às pesquisas científicas era forte e a religião islâmica pouco interferia nos trabalhos. Contudo, al-Mamun quis impor o racionalismo por meio da Mihna, uma campanha de inquisição contra aqueles que discordavam dos conceitos do Mutazilismo, dentre os quais destaca-se a noção de que o Corão foi criado. Aos olhos ocidentais, pode parecer óbvio que houve um ato de criação. Isso, porém, contradiz a ideia primordial de que o Corão sempre existiu e é eterno assim como Deus. Tal conceito se deve, em parte, à lógica, pois Deus seria anterior ao seu discurso.

Desenho de uma biblioteca com mestre e aprendizes encontrado em Maqamat, livros com pequenas histórias de al-Harari.

A Mihna desagradou os muçulmanos não seguidores do Mutazilismo. Os dois Califas que sucederam al-Mamun após a morte deste eram alinhados ao Mutazilismo e mantiveram o aporte de recursos à Casa da Sabedoria. Entretanto, isso mudou em 847 com ascensão de Al-Mutawakkil, um Califa ortodoxo e aparentemente desinteressado a respeito da Ciência, compreendendo-a como anti-islâmica. A instabilidade política e social causada pela Mihna, somada ao início da deterioração de uma economia baseada no comércio e na produção de nível artesanal, fez com que a sociedade islâmica se afastasse gradativamente da Ciência e dos conceitos gregos. Além disso, a população não percebia a melhoria proporcionada pela Ciência, o que de fato praticamente não existia, pois foram poucos os campos em que a pesquisa trouxe benefícios à sociedade. O conhecimento não se refletiu em melhoria técnica.

A dissolução do Califado[editar | editar código-fonte]

A dimensão territorial do Califado atingiu a maior extensão com a dinastia Abássida. Todos os povos que estavam sob seu controle, desde que seguidores do Islã ou de religiões “aceitas”, teriam direito a uma série de privilégios, outrora restritos somente aos árabes muçulmanos. O Califa era a autoridade máxima, comandava a parte administrativa e religiosa do Califado. Essa posição de poder, contudo, foi alterada com a criação do Vizir, um cargo político similar ao de Primeiro-Ministro do parlamentarismo contemporâneo. Os Vizires foram distribuídos para governar regiões administrativas espalhadas ao longo do território muçulmano e logo tornaram-se as autoridades de fato ao passo que o Califa virou um líder espiritual sem poder prático que se limitava à aparecer em festividades.

Ademais, criou-se a Guarda Pessoal do Califa, um tipo de exército de elite que deveria proteger o Califa. Este, no entanto, era quase que um refém da Guarda Pessoal, que depois entraria de vez na política. Em 936, os Vizires brigavam constantemente para decidir quem seria o líder. Quando um vencia, os outros governantes das províncias derrotadas negavam-se em obedecê-lo, ao passo que a economia ia de mal à pior. A disputa interna era intensa e, em 946, os buídas assumiram o comando e relegaram ao Califa um salário anual, tal qual um funcionário do Estado. O Califa havia perdido de vez seu poder e o Califado começou a se desintegrar em reinos menores, governados por dinastias locais.

Na sociedade islâmica, o conhecimento científico das outras culturas era absorvido pelos sábios, que traduziam as obras, faziam comentários sobre e, quando possível, testavam as afirmações e as contas que tinham acesso. A Ciência como a conhecemos teve contribuição islâmica muito além da mera tradução. Por outro lado, o conhecimento científico não propiciou desenvolvimento técnico e melhora do sistema de produção. Entre os motivos está o uso de mão de obra escravizada, o que eliminava o problema da oferta de trabalhadores, e excluía a necessidade de incrementar a produtividade através da inovação técnica. As ferramentas usadas na agricultura eram as mesmas que os povos da Mesopotâmia e do Egito usavam, como o foice e o arado. A produção era, portanto, de nível artesanal.

Animação que mostra a expansão mongol.

A decadência do império islâmico aconteceu com movimentos autônomos em regiões como Marrocos, Tunísia e na parte leste da Pérsia, além de invasões como as dos Seljúcidas na Síria e Anatólia, ou de exércitos católicos em nome das Cruzadas, como a tomada de Córsega e Malta no ano 1099. Os sucessivos ataques mantiveram-se e vinham de todos os lados, inclusive no campo filosófico. No século XII, Al-Razali (ou Al-Ghazali), considerado pelos historiadores contemporâneos talvez o mais importante muçulmano depois de Maomé, publicou a obra "A Incoerência dos Filósofos", na qual ele recusa os conceitos de Aristóteles e Platão e os textos dos islâmicos que neles se basearam, como Avicena e Al-Farabi, que eram chamados de "falsafa". Quanto às guerras, o ano de 1258 foi fatídico para a dinastia Abássida. O exército mongol, liderado por Hulagu, neto de Genghis Kahn, tomou Bagdá e depôs Al-Mustasim, o último Califa da dinastia Abássida. A chegada dos mongóis matou aproximadamente 2 milhões de muçulmanos, destruiu palácios e mesquitas e arrasou com laboratórios e instituições científicas.

No século XIII, a desintegração da sociedade islâmica estava próxima de ser completa. Os mongóis dominavam a Ásia, os otomanos ocupavam cada vez mais os territórios que antes eram do Califado, que se tornara um sultanato cujas fronteiras se limitavam a Bagdá. O comércio declinou, a agricultura estava destruída e longe de se modernizar, a sociedade mantinha-se distantes das inovações e arredia à reformas, restando o artesanato à população. Neste cenário escasso em recursos, a Ciência não conseguiu manter suas atividades. Ainda assim, foram construídos alguns observatórios, mas que não tiveram vida longa. Samarcanda teve um centro de estudos e observatório, criado em 1420, mas que seria destruído em 1460, o ano que muitos autores afirmam ser o fim do período de ouro da Ciência árabe islâmica.

Os principais cientistas muçulmanos[editar | editar código-fonte]

Trataremos aqui de alguns dos principais sábios islâmicos, homens em geral polímatas e tradutores que contribuíram para o desenvolvimentos da Ciência. Eles traduziam principalmente obras dos gregos antigos e dos neoplatônicos, aos quais acrescentavam comentários e até misturavam com o conhecimento adquirido das culturas orientais, como a persa e a hindu.

Selo iraniano com desenho de Al-Biruni.

Al-Biruni (973 - 1050)[editar | editar código-fonte]

Desenho de Al-Biruni das fases lunares.

Al-Biruni era um homem multidisciplinar. Em suas obras, falava de matemática, astronomia, física e ciências naturais, além de ter sido um historiador com ênfase nas religiões. Viajou pela Índia diversas vezes e com o apoio do rei Mahmood Gahznavi, muçulmano e que governava a região. De sua experiência de idas e vindas ao longo de vintenos, Al-Biruni escreveu "Kitab al-Hind", um livro sobre aspectos da sociedade indiana: línguas, religiões e costumes até a geografia da região. Poliglota, traduziu para o árabe obras em grego, sânscrito e sírio.

Pesquisava com escrutínio. Em uma obra sua, Al-Biruni escreveu que a consulta às fontes originais era fundamental para a pesquisa, e que a investigação devia ser objetiva e por observação direta. Sobre a rotação da Terra, não tomou partido no debate, mas mostrou-se favorável à ideia de a Terra move-se. No campo da história, um de seus mais importantes trabalhos chama-se "Os vestígios dos séculos passados", no qual ele apresenta um estudo comparativo dos calendários de diferentes grupos e os aspectos matemáticos, astronômicos e históricos. Na física, Al-Biruni falou da velocidade da luz e, muito antes de Galileu Galilei, do princípio de invariância. Ele até teorizou, em "Codex Masudicus", sobre existir uma massa de terra entre a Ásia e a Europa, uma ideia que baseava-se em um cálculo, feito por ele mesmo, que estimava que os dois continentes conhecidos cobriam dois quintos da circunferência da Terra.

No desenho ao lado direto, as fases lunares, há um parte escrita, na qual Al-Biruni pergunta-se o por quê da luz da Lua variar enquanto a das estrelas mantêm-se a mesma. Ele responde logo em seguida: "a luz das estrelas é delas próprias".

Ilustração do rosto de Alhazen.

Ibn al-Hayzam ou Alhazen (965 - 1040)[editar | editar código-fonte]

As luas de Alhazen. As partes em azul somadas têm mesma área que a parte verde.

Alhazen é o nome latinizado de Ibn al-Hayzan, um pioneiro no campo da óptica ao explicar que a visão ocorre quando a luz bate em um objeto que a reflete e a redireciona para o olho. Nascido em Basra, passou a maior parte de sua vida no Cairo. Alhazen é considerado um dos primeiros a dizer que uma hipótese deve ser provada por meio de experimentos feitos com procedimentos passíveis de reprodução ou por meio da Matemática.

Quando morou no Egito, propôs ao Califa Al-Hakim a construção de uma barragem no lado sul do Nilo para controlar o fluxo do rio. Alhazen, contudo, percebeu que a ideia era tecnicamente inviável. O projeto só foi desenvolvido nos anos 1960, pelo governo do Egito com o auxílio da União Soviética. Reza a lenda que Alhazen, ao perceber a impossibilidade do que havia prometido e por ter receio da raiva do Califa, ele se declarou como louco para que ficasse em prisão domiciliar ao invés de ser morto. Neste período, de 1011 a 1021, Alhazen escreveu "Livro da Óptica", seu mais influente trabalho, um tratado de sete volumes onde ele fala a favor da tese da entrada de luz no olho, ao passo que argumentava contra a tese da Emissão, defendida por Euclides, Galeno e Aristóteles e que dizia que o olho emitia luz para iluminar os objetos. Ele saiu da custódia com a morte do Califa. Pouco restou dos estudos astronômicos que fez. Entre eles está um danificado manuscrito de "Modelo do Movimento de Cada um dos Sete Planetas", e "A Determinação Exata do Meridiano", onde levanta a questão sobre onde estaria localizada a Via Láctea. O mais curioso trabalho de Alhazen, mas que não restou nenhuma cópia, é "Tratado Sobre a Influência de Melodias na Alma dos Animais", em que ele investiga se os animais reagem ou não à música, como um camelo, se ela anda mais rápido ou devagar de acordo com a música.

Selo soviético em homenagem a Al-Khwarizmi.
Página do livro Algebra.

Al-Khwarizmi ou Algoritmi (780 - 850)[editar | editar código-fonte]

Algoritmi, o nome latinizado de Al-Khwarizmi, já indica a área que estudava. Nasceu em território que pertencia ao Império Persa, onde hoje é a cidade de Khiva, no Uzbequistão. Depois, morou em Bagdá e dava aulas na Casa da Sabedoria. Considerado um dos fundadores da Álgebra, ele escreveu "Livro da Restauração e do Balanceamento", onde apresenta os princípios da Álgebra e as equações lineares e quadráticas (ax2 = bx, ax2 + bx = c). Boa parte do saber de Al-Khwarizmi vem da cultura hindu, que conhecia e usava os números negativos, ignorados pelos muçulmanos. Álgebra vem do árabe "al-jabr", que significa "restauração", e é usado na Matemática para excluir quantias negativas das contas. Por exemplo, de x2 = 40x − 4x2 para 5x2 = 40x. Já a parte do "balanceamento", conforme presente no título, é jogar o "x" para o mesmo lado, falando em termos básicos. Por exemplo, de x2 + 5 = 40x + 4x2 para 5 = 40x + 3x2.


Ibn Sina ou Avicena (981 - 1037)[editar | editar código-fonte]

O persa Avicena é um dos mais relevantes pensadores islâmicos. Sabe-se que ele escreveu cerca de 400 obras, das quais 240 existem, sendo que 150 são sobre filosofia e 40 sobre medicina, área em que mais se destacou. Em determinado momento de sua infância, por volta dos 10 anos, havia memorizado o Corão e lido "Metafísica", de Aristóteles, mas não compreendera totalmente até encontrar um livro com os comentários de Al-Farabi sobre os conceitos apresentados pelo grego. Aventurou-se na medicina logo aos 16, uma área que, segundo ele, não seria mais difícil e espinhosa que outras ciências, como matemática e metafísica.

Após tornar-se médico de fato, Avicena teve como primeiro paciente o emir Nuh II, que foi curado de uma doença e, em troca, permitiu que Avicena tivesse acesso à biblioteca real dos Sassânidas. Contudo, a dinastia chegou ao fim e ele, acusado de ter queimado o acervo bibliotecário, fugiu e passou de cidade em cidade até encontrar um lugar em que pudesse desenvolver suas pesquisas. Em Gorgan, perto do mar Cáspio, achou um amigo que lhe ofereceu abrigo. Como recompensa, Avicena escreveu ao amigo uma série de tratados, como "O Cânone da Medicina", que tem perto de um milhão de palavras distribuídas por cinco volumes: I- Generalidades, II- Matéria médica, III- Doenças da cabeça aos pés, IV- Doenças não específicas de órgãos, V- Drogas compostas.

Pode-se atribuir grande parte do desenvolvimento da metafísica, dentro da filosofia muçulmana, ao legado de Avicena, que baseou-se em Aristóteles para teorizar sobre a existência e a essência do homem. Para ele, a existência se encontra no campo do contingencial (aquilo que não é necessário mas não é impossível) e do acidental (o efêmero, o transitório), enquanto a essência do ser vai além do acidental, ou seja, além da vida passageira. Existir, de acordo com o filósofo árabe, ocorre pela necessidade de um agente causador (no caso, Deus) de acrescentar existência a uma essência. Não é dos temas mais fáceis e fala-se dele aqui para mostrar a capacidade especulativa de Avicena, que queria aproximar a filosofia racional à teologia islâmica por meio da razão e da lógica.

Fotografia de uma ilustração que retrata Al-Kindi.

Al-Kindi (801 - 873)[editar | editar código-fonte]

Nascido e criado em Kufa, atual Iraque, Al-Kindi passou a maior parte da vida adulta estudando na Casa da Sabedoria de Bagdá, onde tornou-se figura destacada. Como vários outros sábios árabes, era polímata e começou a ter contato com as obras da Grécia Antiga ao traduzi-las. A "filosofia dos antigos", como os muçulmanos se referiam ao conhecimento dos filósofos gregos, despertou nele a curiosidade sobre campo diversos, da ética à farmacologia, os quais abordou em seus livros. Al-Kindi também teve papel fundamental para a Matemática, pois ele incorporou os numerais indianos à cultura islâmica e cristã.

Al-Kindi era figura proeminente com o califa Al-Mamun e tornou-se ainda mais com o califa seguinte, Al-Mutasim, que o colocou como tutor de seu filho. Porém, nos anos finais de sua vida, seu status diminuiu. Os califas seguintes eram arredios à Ciência, pois seguiam correntes islâmicas mais ortodoxas, ao contrário do mutazilismo de Al-Mamun. Especula-se os motivos que diminuíram sua notoriedade, como ascensão na Casa da Sabedoria de intelectuais alinhados ao Islã praticado pelos governantes, ou até a perseguição contra muçulmanos não-ortodoxos e seguidores de outras religiões. Antes morrer, 873, teve sua biblioteca apreendida e sofreu agressões físicas. A produção de Al-Kindi caiu em esquecimento nos séculos seguintes.

Al-Kind quase sempre citava como influência Platão e Aristóteles, cujas obras ele traduziu ou corrigiu traduções feitas para o árabe. No campo da filosofia, conseguiu adaptar os pensamentos aristotélicos e neoplatônicos sobre a origem da vida (causa primeira) com o conceito islâmico de revelação. Na astronomia, usou o sistema de Ptolomeu, no qual a Terra ficaria no centro, enquanto os outros planetas seriam entidades racionas que circulam a Terra como obediência a Deus. A produção mais curiosa de Al-Kindi foi sobre Criptografia, um campo em que foi pioneiro ao publicar "Sobre Decodificar Correspondências Codificadas". Este manuscrito falava da análise de frequência para decodificação de textos codificados.

Retrato de Abulcasis.

Al-Zahrawi ou Abulcasis (936 - 1013)[editar | editar código-fonte]

Al-Zahrawi é considerado o maior cirurgião da época medieval e chamam-no de "pai de cirurgia". Nascido em Al-Andalus na Península Ibérica, perto de onde hoje é Córdoba, na Espanha, Al-Zahrawi escreveu "O Método da Medicina", uma enciclopédia de trinta volumes que levou três décadas para ficar pronta em que ele fala sobre doenças, sintomas e tratamentos, descreve procedimentos cirúrgicos e cerca de 200 instrumentos para cirurgia, muitos dos quais ainda são usados até hoje. No século XII, o compêndio foi traduzido para o Latim e foi a principal referência sobre medicina na Europa durante cinco séculos, tanto que ele foi usado como base dos cursos de medicina das primeiras universidades europeias.

Em termos práticos, as contribuições de Al-Zahrawi se estendem da odontologia à obstetrícia, como suas indicações sobre o que fazer caso a mulher sofra de gravidez ectópica, uma complicação em que o embrião se forma fora do útero. Al-Zahrawi descreveu como colocar um ombro deslocado de volta ao lugar, técnica hoje conhecida como "método de Kocher", mostrou as conexões das veias sanguíneas e, caso necessário, como juntá-las, além de ter falado da hemofilia e sua possível hereditariedade, uma característica que veio a ser confirmada. O "pai da cirurgia" falou sobre a relação com o paciente, que deveria ser tratado independente de seu status social.

Foto de uma ilustração soviética de Al Khayyam.

Al Khayyam (1048 - 1131)[editar | editar código-fonte]

Khayyam, o sobrenome de Omar, significa em persa "aquele que faz barracas", ramo em que sua família atuou. Khayyam nasceu em Nishapur, uma cidade dos arredores de Coração e que seria destruída pelos mongóis em 1220. Depois, na mesma região, passou pelas cidades de Balkh e Isfahan, onde começou estudando antes tornar-se professor de álgebra e geometria. Durante a noite, dedicava-se à astronomia, estudo que lhe serviu de base para a elaboração do calendário Jalali, que foi usado entre 1079 a 1911. O calendário iraniano atual é uma versão modernizada e simplificada do Jalali. As principais obras de Khayyam são tratados sobre álgebra e geometria, nos quais ele escreve sobre equações cúbicas, como elas podem ser resolvidas apenas com régua e compasso e outros tópicos. Khayyam escreveu poemas que lhe deram um certo reconhecimento no Ocidente. Um trecho dele, inclusive, foi citado por Christopher Hitchens no livro "O Ateu Portátil". As interpretações e as traduções dos poemas de Khayyam incutiram-lhe um caráter hedonístico, de uma pessoa que gostava de vinho, pessimista e com possivelmente agnóstica, embora não haja consenso nesse ponto. Curiosamente, diversas casas noturnas de Irã levam seu nome.