Wikinativa/Pamela Quevedo Joia Duarte da Costa (vivencia Guarani 2018 - relato de experiência)
Introdução
[editar | editar código-fonte]Ao longo do segundo semestre de 2018, cursei a disciplina "Seminários de Políticas Setoriais VI", ministrada pelo professor Jorge Machado, com o intuito de imergir, dentro das possibilidades que me cabiam, na cultura do povo originário destas terras. Tivemos um preparo ao longo dos meses que nos possibilitou realizar as saídas de campo no Território Indígena do Jaraguá, em 18 de agosto de 2018, e na Aldeia Rio Silveira, entre os dias 11 e 14 de outubro do mesmo ano. No texto, contarei brevemente sobre minha experiência nas duas saídas.
Território Indígena do Jaraguá
[editar | editar código-fonte]A visita ao território, logo no início da disciplina, foi extremamente fundamental para que eu aprofundasse ainda mais a importância que dava pela demarcação de terra indígena. Isso porque o território - considerado a menor reserva indígena do país - abriga uma quantidade de pessoas muito grande para o espaço que realmente a comunidade indígena precisa ter para exercer suas atividades e cultura. Foi muito impactante o primeiro contato com esse ambiente, tive a sensação de que algo estava sendo atrapalhado na exerção de sua própria natureza, e que eu simplesmente passei muitos anos sem dar a devida importância para a causa.
Após esse primeiro impacto, comecei a tentar observar o que de fato acontecia ali. Então, notei que gestos muito genuínos, carregados de gentileza e receptividade, estavam sempre presentes naquele ambiente. Confesso que senti um certo desconforto por não saber exatamente sobre o que conversar com aquelas pessoas, excepcionalmente as adultas. Por isso, decidi conversar com as crianças. Conversei e brinquei com algumas delas, até que finalmente conheci Moisés. Moisés era um garoto de 11 anos, muito falante, que, assim que me apresentei e perguntei seu nome, disse: "como você não sabe quem sou? Sou o mais famoso daqui" e só então me disse seu nome. No momento que ouvi isso, e ainda mais vendo a mascara que Moisés carregava em suas mãos (de fantasma), senti que toda aquela tensão inicial era completamente descartável.
Aprendi muitas coisas com Moisés em menos de uma hora de conversa. Por gostar bastante da temática educação, perguntei muitas coisas para ele sobre a escola que frequentava. Visivelmente ele não gostava daquele ambiente, mas enxergava sua importância. Sentia mesmo era que muitas daquelas coisas não precisavam ser ensinadas - e com 11 anos fez uma crítica que os adolescentes da cidade demoram muito mais para aprender. Moisés compartilhou comigo muitas histórias, mas talvez seja desleal escrever aqui. Posso dizer, no entanto, que em sua essência conseguiu romper qualquer questão que ainda rondava a minha cabeça.
Por mais que não tenha tirado nenhum registro, essa experiência foi uma das mais marcantes da minha vida. Conversar sobre educação com um pré-adolescente que só tem, praticamente, acesso a um exclusivo tipo de educação formal (no entanto, bastante preenchido no acesso a educação não-formal) foi certamente um momento que pretendo carregar por todas as vezes que puder pensar sobre educação. Posso dizer que algumas horas nesse Território, e principalmente essa uma hora acompanhada de Moisés (e outros colegas de turma), puderam valer por anos e anos de estudos.
Aldeia Rio Silveira
[editar | editar código-fonte]A visita à Aldeia Rio Silveira foi um pouco diferente na perspectiva da temporariedade e da vivência em si. Além de estar em um outro ambiente, com muitas outras possibilidades, pude passar 3 dias inteiros no local. Lá se via, além de abundância de sorrisos, um vasto território, uma casa de reza já bem consolidada, e alguns artesanatos.
O primeiro momento que vivenciei no local - e que foi de extremo impacto em minha vida - foi a reza (que se repetiu, em outros formatos, pelas próximas duas noites). O que mais me chamou a atenção, desde então, foi a musicalidade com que tudo acontecia (e que falarei mais para frente nesta escrita). O amor e a dedicação que tinham com tudo que amavam naquele ambiente foi uma das cenas mais bonitas que já tive o prazer de vivenciar. Quando notei que todas as pessoas que ali estavam podiam levantar e dançar aquela música, quase chorei (em um dos dias, cheguei a chorar). Apesar de me sensibilizar, não me juntei à dança no primeiro dia, porque, de tão bonita, parecia que qualquer gesto que eu fizesse seria bruto demais. Bastou-me observar o amor e envolvimento com que todos faziam aquilo; no entanto, por dentro meu corpo, em festa, dançava.
No sábado, dia mais especial de todos para mim, tivemos a oportunidade de visitar a cachoeira localizada no Núcleo 2. Durante a trilha, passamos pelo Rio Jaguareguava, e enquanto caminhávamos por aquelas pedrinhas, só pensava o quão cuidadosos haviam sido com aquele espaço, assim como são com toda a natureza que os circundam. Aquela também foi uma das cenas, dentre as colecionadas, que talvez eu nunca vá me esquecer. Quando chegamos à cachoeira, além daquele ambiente acolhedor, um dos moradores do Núcleo - que infelizmente não perguntei o nome - começou a tocar flauta enquanto observava tudo aquilo. A musicalidade, mais uma vez, fez-se presente e profundamente me tocou.
No mesmo dia, tive a oportunidade de participar da última reza. Dessa vez, já bem mais aberta e me sentindo pertencente àquilo tudo, quando as cordas do violão foram tocadas pelo Pajé, e quase todas as pessoas daquele ambiente se agitavam por conta do som, lembrei do que diz o escritor David Hume sobre a vibração dos instrumentos de corda continuarem mesmo depois de serem tocadas. Naquele momento, percebi que a musicalidade, um dos instrumentos mais poderosos para se mobilizar pessoas, é que me convidava a fazer parte daquela vibração e me envolver, entregue, àquela dança, pois todos nós éramos só a continuidade da vibração emitida por aquelas cordas.
Desde então, eu que sempre fui bastante conectada com a música, me vi agora pertencente a ela. A vivência foi o ambiente que me proporcionou enxergar a continuidade e importância prática da música, acompanhada de muito amor e devoção. Certamente se não tivesse passado por esses dias, nessas experiências, com essas pessoas, não sentiria o amor que eu sinto, ainda maior e mais bonito, pela música e pela vida humana. Hoje a poesia se faz mais presente em minha vida, e essa vivência na Aldeia Rio Silveira foi a atividade que potencializou a minha abertura às cordas vibracionais emitidas pela vida. Aquela dança foi o gatilho para que eu continuasse a minha dança, e espero que essa troca sustente todas as outras danças.