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Turma Joc/A fundação Cásper líbero é uma fundação?

Fonte: Wikiversidade

A instituição transita entre o lucro e o não-lucro para obter benefícios do setor público.

Fachada do Prédio da Gazeta

Escrito por Ana Júlia Cano, Ana Julia Mezzadri, David Jaffe Cartum e Hênio Urtado


No dia 29 de agosto, os estudantes de graduação da Faculdade Cásper Líbero paralisaram as aulas e iniciaram uma maratona de assembleias e ações que se estendeu por uma semana. O motivo são os aumentos abusivos da mensalidade que vem acontecendo ano após ano: de 2014 para 2015, o aumento foi de 13%, e de 2015 para 2016, de 16%. Segundo a Fundação, os reajustes foram feitos de acordo com a inflação do setor educacional e não possuem nenhum cifrão fora da normalidade.

Os alunos, no entanto, pouco estão afinados com as questões financeiras e jurídicas da Fundação, que se mostra pouco aberta a apresentar os documentos e muito menos em discuti-los com os estudantes. Esse fato dificulta qualquer investigação para avaliar se os reajustes estão dentro da normalidade ou não. O posicionamento oficial da instituição, dado em resposta a uma carta de reivindicações elaborada pelos alunos, é o seguinte: “A Fundação Cásper Líbero divulga seus demonstrativos contábeis anualmente em jornais de grande circulação”. Levando em conta esse cenário, escolhemos para a execução da Lei de Acesso à Informação, a Fundação Cásper Líbero, dado que em seu site institucional a mesma se intitula "uma instituição sem qualquer finalidade lucrativa", aspecto essencial para que a Lei Nº 12.527 - LAI - de 18 de novembro de 2011 pudesse ser aplicada.

Nesse sentido, requisitamos saber quantos ex-alunos da graduação da Faculdade Cásper Líbero pleitearam bolsa-auxílio entre os anos de 2014 e 2016 e rescindiram contrato com a mesma instituição após o pedido da bolsa ser negado. No entanto, obtivemos a seguinte resposta:

"A Lei 12.527/2011 é aplicada às instituições públicas e as entidades privadas sem fins lucrativos que recebem recursos públicos para o desenvolvimento de suas atividades, nos termos dos artigos 1º e 2º, sendo que a FCL não se enquadra em nenhuma dessas hipóteses."

Esta resposta soa contraditória se pensarmos na auto-intitulação no site institucional da FCL sobre a questão dos lucros, e imprópria quando confrontada com uma notícia publicada em 24 de agosto de 2009, no site da Câmara de São Paulo sob a manchete "Três dos dez maiores devedores do IPTU prestam esclarecimentos na Câmara". Segue trecho:

"A Cásper Líbero, que tem dívida de IPTU com o município de aproximadamente R$ 24 milhões alega imunidade tributária e atividade beneficente. Paulo Camarda, presidente do conselho diretor da instituição, explicou que desde 2001 perderam a imunidade, e que os lançamentos, a partir daí, estão em contestação judicial. A Fundação explicou que até 2001 pagava IPTU somente das áreas locadas e, desde então, houve lançamento para toda área; o que os motivou a recorrer judicialmente. O vereador Wadih Mutran (PP) questionou “qual é ajuda à população que a Fundação presta?”, ao se referir ao processo de imunidade tributária. Representantes disseram aplicar mensalidades baixas, subsidiar bolsas de estudos, e patrocinar eventos como São Silvestre, torneios de boxe e natação. O vereador ressaltou que “mensalidade mais barata não é atividade filantrópica. A Fundação fatura R$ 120 milhões anuais, com receitas da faculdade, TV, rádio, site e locação de imóveis. Marcelo Rodrigues, advogado da Cásper Líbero, disse que há uma súmula do Superior Tribunal Federal (STF) que isenta as áreas totais. “Antes a Fundação aceitava a isenção parcial, agora, baseando-se nessa nova súmula, a Fundação quer a inteira isenção.”

O vereador Adilson Amadeu (PTB) contestou a imunidade: “Eu, particularmente, não reconheço a imunidade da Cásper Líbero; eles [fundação] têm aluguel de antena para a TV Globo e TV Gazeta, e de espaço para o Colégio Objetivo. Faturam milhões de reais e ainda querem ficar imunes de imposto?”, enfatizou."

Em uma notícia mais recente, veiculada pelo Diário de Notícias em 2015, a Fundação moveu uma ação na justiça que resultou em uma imunidade de IPVA sobre 23 veículos em posse da entidade. Embora a 11ª Câmara de Direito Público do TJSP tenha acolhido o recurso que confere a isenção fiscal, a Fazenda do Estado, com o intuito de anular a decisão, argumentou: “ficou comprovado que ela constituiu outra empresa com objeto social diverso das atividades sem fins lucrativos imprescindíveis para ser beneficiária da imunidade fiscal”. Segundo o órgão estadual, a interpretação do artigo 111 do Código Tributário Nacional deveria ser mais “restritiva”. Em outros termos, para a Fazenda do Estado, a Fundação Cásper Líbero não se enquadra nos preceitos constitutivos de uma fundação. Como consta na reportagem, por exemplo, duas empresas, BestshopTv e uma de telemarketing, estão vinculadas a Fundação e têm como finalidade o lucro.

A justificativa é a de que os encargos sobre os veículos recaem sobre seu possuidor, a Fundação, e não sobre as instituições financeiras que usufruem de seu uso. Como é o caso da BestshopTv e da empresa de telemarketing. A decisão da justiça “salientou que não há lei complementar nacional a estabelecer normas gerais a respeito do IPVA” e, assim, a imunidade de IPVA foi concedida a 23 dos veículos em posse da Fundação Cásper Líbero. A ação jurídica, originalmente, reivindicava o benefício fiscal sobre 26 veículos.  

Em meio ao embate jurídico, a questão pertinente é o que se conceitua, legalmente, como fundação ou “entidade privada sem fins lucrativos”. Segundo Maria Nazaré Lins Barbosa, advogada e Procuradora Municipal da Câmara de São Paulo, “o que a entidade não pode fazer é distribuir qualquer parcela de sua receita a título de lucro ou participação nos resultados a seus sócios”. Ou seja, caso haja lucro ela tem uma aplicabilidade pré-determinada dentro de uma fundação. Tal uso dos recursos deve se destinar à manutenção e desenvolvimento dos objetivos sociais.

Devido a esta incerteza diante da caracterização da Fundação Cásper Líbero, fica imprecisa a aplicabilidade da Lei de Acesso à Informação neste caso. É preciso reforçar, no entanto, a quais empresas a Lei pode ser aplicada e quais informações podem ser extraídas de cada uma através dela: “Art. 2o  Aplicam-se as disposições desta Lei, no que couber, às entidades privadas sem fins lucrativos que recebam, para realização de ações de interesse público, recursos públicos diretamente do orçamento ou mediante subvenções sociais, contrato de gestão, termo de parceria, convênios, acordo, ajustes ou outros instrumentos congêneres.” Como fica claro acima, a isenção de IPVA se encaixa nos tipos de auxílios públicos que configuram o gênero de empresas que devem responder a LAI.

A partir desta análise, concluímos que a resposta recebida da Fundação Cásper Líbero diante do protocolo de requerimento da informação pode e deve ser rebatida, pois a justificativa dada não condiz com as condutas reais da empresa. Sendo assim, enviaremos um novo pedido e encaminharemos ao Ministério Público um pedido de investigação da instituição. Por fim, pontuamos: o uso deste instrumento legislativo, a Lei de Acesso à Informação, foi essencial para os questionamentos trazidos à tona. É uma via a ser considerada não só no exercício do jornalismo, mas, principalmente, em benefício da sociedade civil como um todo. O ideal é a democratização progressiva de seu uso.