Velhice

Fonte: Wikiversidade

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Introdução[editar | editar código-fonte]

Velhice: “construção social da última etapa do curso de vida[1]

A etapa da vida caracterizada como velhice, com suas peculiaridades, só pode ser compreendida a partir da relação que se estabelece entre os aspectos cronológicos, biológicos, psicológicos e sociais. Essa interação institui-se de acordo com as condições da cultura na qual o indivíduo está inserido. Condições históricas, políticas, econômicas, geográficas e culturais produzem diferentes representações sociais da velhice e também do idoso. Há uma correspondência entre a concepção de velhice presente em uma sociedade e as atitudes frente às pessoas que estão envelhecendo.

A idade considerada idosa pela Organização Mundial da Saúde (OMS) é estabelecida conforme o nível sócio econômico de cada nação. Em países em desenvolvimento, é considerado idoso aquele que tem 60 ou mais anos de idade, enquanto que nos países desenvolvidos, a idade se estende até os 65 anos.

O conceito de idade, por sua vez, é multidimensional e não é uma boa medida do desenvolvimento humano. A idade e o processo de envelhecimento possuem outras dimensões e significados que extrapolam as dimensões da idade cronológica [2].

Pode-se dizer que, diversas são as áreas do conhecimento que desenvolvem estudos e lidam com questões sobre a velhice e o envelhecimento são elas: a geriatria, a gerontologia, as ciências sociais, a educação, a psicologia, o serviço social, o direito, entre outras.

Dentre os documentos que merecem destaques e que tratam dos direitos dos idosos temos, a Política Nacional do Idoso, lançada em 1994, o Estatuto do Idoso de 2003 e a Convenção Interamericana Sobre a Proteção dos Direitos Humanos dos Idosos, de 14 de junho de 2015.

Envelhecimento e Longevidade [editar | editar código-fonte]

O envelhecimento é o “processo gradual que se desenvolve durante o curso de vida e que implica alterações biológicas, fisiológicas, psicossociais e funcionais de várias consequências, as quais se associam com interações dinâmicas e permanentes entre o sujeito e seu meio”[1] . Isto posto, de acordo com um dos últimos dados divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística[3], a expectativa de vida do brasileiro ao nascer é de 75,5 anos. Na separação por sexo, as mulheres apresentam uma expectativa de vida ao nascer de 79,1 anos e os homens de 71,9 anos. Por consequência, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), no Brasil, os idosos passarão de 24,4 milhões para quase 70 milhões em 2050[4].

O aumento da longevidade na população mundial, embora seja aplicável a ambos os sexos, não acontece de forma idêntica, pois é mais significativo para as mulheres do que para os homens, corroborando com o panorama da "feminização" do envelhecimento, que tem sido atribuído à menor exposição das mulheres a determinados fatores de risco relacionados ao ambiente de trabalho, morte por causas externas, menor prevalência de tabagismo e uso de álcool, diferenças quanto à atitude em relação a doenças e incapacidades e pela maior cobertura da assistência gineco-obstétrica[5].

Assim sendo, os dados nos mostram que, como as pessoas estão vivendo mais, este será um acontecimento histórico que vai gerar uma transformação muito importante nas esferas social, política e econômica do nosso País, a começar pelos impactos na previdência social e na área da saúde. Pois, esses são dos mais recentes “problemas sociais” e no centro deles estão afinal, os velhos. A “geração” que inquieta, enquanto vai se desdobrando em anos e diversidade, e enseja uma nova e interessante questão teórica, também existencial e política: entre 60 e 110 anos de vida, que percurso geracional pode ser traçado? Quantas “gerações” de velho estão coexistindo neste novo espaço cronológico e social de 50 anos? Qual a “contemporaneidade[6] possível entre elas? 

Velhice e as Relações Familiares[editar | editar código-fonte]

O envelhecimento populacional, associado às modificações econômicas e sociais que acompanham a industrialização e a modernização das sociedades, tem afetado a constituição das famílias, independente do contexto cultural. A estrutura familiar está em constante transformação e modificou-se, principalmente, em relação à composição, ao tamanho, aos papéis sociais tradicionais e a algumas funções familiares[5]. Nesse contexto de mudanças no entorno familiar decorrentes do processo de envelhecimento populacional, destaca-se a conformação de um novo arranjo familiar, as famílias intergeracionais, ancoradas na (co)residência. Assim sendo, a (co)residência é entendida como a coabitação de duas (ou mais) gerações dentro de uma mesma família, especificamente idosos, filhos e netos - coabitação intergeracional - a qual tem se tornado uma prática comumente observada entre idosos, sendo uma forma importante de estabelecimento de relações familiares intergeracionais[6].

Dessa forma, a crescente longevidade atual enseja menos substituições “naturais”, o que é muito perceptível no âmbito da família: os indivíduos permanecem muito mais tempo em seus papéis geracionais – de avós, pais, netos etc. –, além de atingirem um número maior de papéis, de certa forma superpondo-os. Sendo-se, simultaneamente (e por mais tempo) bisavô, avô, pai, filho… E o ser tudo isto é também uma condição que evidentemente se desenvolve na dimensão de gênero e conforme o habitus de classe de Pierre Bourdieu, em determinado tempo social. Ora, exatamente por essa amplitude ou heterogeneidade identitária é que podemos repetir, com Mannheim, que “o mesmo tempo” histórico não é igual para todos. O que significa que as unidades de geração poderão apresentar características diferentes também segundo as várias pertinências identitárias de gênero e de classe social dos que as compõem[6].

Assim, se de um lado existe o conflito devido à intensa convivência entre várias gerações, de outro, existe a solidariedade e o amparo mútuo dos familiares. Os idosos trabalhadores ocupam papel econômico central na vida das famílias em que os mais jovens estão desempregados ou subempregados, e, assumindo o papel de provedores do domicílio, os idosos mantêm o poder de negociação com as demais gerações com que convivem. Neste sentido, “houve uma redistribuição intergeracional da renda do idoso. Assim, é possível observar que famílias pobres ou que se aproximam da linha de pobreza que convivem com seus idosos, dependem diretamente da renda destes para obterem melhores condições econômicas”. Pois, “devido aos altos índices de desemprego, nascimento de filhos fora do casamento, divórcios, etc., os filhos têm permanecido ou retornado para a casa dos pais, mantendo-se assim o idoso ou a idosa como chefe de família e com novos encargos que até duas décadas atrás não eram tão expressivos[7].

Desse modo, percebe-se que, permanecendo como chefe de domicílio, seja devido ao desemprego dos filhos ou à insuficiência da pensão ou aposentadoria para arcar com o orçamento doméstico, os idosos têm buscado no mercado informal (porque enquanto aposentados raramente são admitidos no mercado formal) uma forma de complementar os ganhos [5]. Nesta perspectiva, Camarano e El Ghaouri destacam que o papel do idoso na família tem se alterado, pois este tem passado da condição de dependente para a de provedor, chefe ou pessoa de referência no domicílio, principalmente nas famílias de baixa renda[5]. Estes idosos e idosas experimentam em seus domicílios situações difíceis no convívio diário com filhos e netos adultos que vivenciam a instabilidade do mercado do trabalho. Falando dos netos com carinho, estas pessoas usufruem um período da vida contrário à situação de isolamento, porém se confrontam no dia-a-dia com o cansaço, as preocupações, os afazeres de casa e o cuidado da família. O trabalho neste contexto torna-se uma distração e até mesmo uma fuga de uma realidade de dificuldades de várias ordens, constituindo-se em uma forma bastante peculiar de passar o tempo[7].

É importante ressaltar ainda que também tem havido o aumento do número de mulheres idosas chefiando o domicílio (o que ocorre também com as não idosas), demonstrando que as mulheres, tradicionalmente levadas a viver com os filhos, principalmente em situações de viuvez e separação, têm se mantido em sua própria residência, e mais, consideram-se chefes de domicílio[8]. Além disso, durante a velhice, as mulheres estariam livres de uma série de convenções e restrições sociais, profissionais e sexuais, normas essas que teriam experimentado ao longo de sua vida, e a liberdade recém-adquirida lhes permitiria desfrutarem de uma velhice ainda mais prazerosa e satisfatória pessoalmente. E, inclusive por isso, elas dominariam a participação em grupos de convivência, bailes e universidades para a terceira idade[8].

Dentro desta perspectiva, a velhice passaria a ser considerada uma fase boa da vida, não rotulada apenas pelas perdas, mas também reconhecida pelos ganhos e pela administração das transformações, cabendo ao idoso potencializar os próprios recursos e atuar na autoconstrução da subjetividade e da identidade[9].

Verbete[editar | editar código-fonte]

Esse verbete foi escrito como etapa obrigatória de conclusão da disciplina de “Transmissão Intergeracional, Educação e Trabalho” no Programa de Pós-graduação em Educação da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo. Todos aqueles que participaram do curso, matriculados ou não, contribuíram com a construção de um verbete. Assim sendo, aos estudantes (reais autores do texto) à totalidade dos agradecimentos pelo saber compartilhado. 

Referências Bibliográficas[editar | editar código-fonte]

  1. 1,0 1,1 Cfe. O Tratado da Convenção Interamericana Sobre a Proteção dos Direitos Humanos dos Idosos, de 14 de junho de 2015.
  2. BOURDIEU, Pierre, Questões de Sociologia, trand. Miguel Serras Pereira, Lisboa: Fim de Século, 2003, p.151. 
  3. http://g1.globo.com/bemestar/noticia/expectativa-de-vida-do-brasileiro-ao-nascer-e-de-755-anos-diz-ibge.ghtml
  4. https://noticias.uol.com.br/saude/ultimas-noticias/redacao/2015/09/30/populacao-com-mais-de-60-anos-sera-de-7-milhoes-no-brasil-em-2050.htm
  5. 5,0 5,1 5,2 5,3 SILVA, Doane Martins da. A Família Intergeracional na ótica de idosos. Jequié/BA. 2013. UESB. p 18
  6. 6,0 6,1 6,2 MOTTA, Alda Britto da. A atualidade do conceito de gerações na pesquisa sobre o envelhecimento. Sociedade e Estado. Brasília. 2010, v. 25, n. 2, p. 234. 
  7. 7,0 7,1 COUTRIM, Rosa Maria da Exaltação. Idosos trabalhadores: perdas e ganhos nas relações intergeracionais. Sociedade e Estado.  Brasília. 2006, v. 21, n. 2, p. 367 e p. 368. 
  8. 8,0 8,1 SILVEIRA, Luciana e NADER, Maria Beatriz. Envelhecimento e gênero: construções sociais que orientam práticas violentas.  Saberes e Práticas Científicas.   Rio de Janeiro. 2014. p.5 e p.6
  9. SCHNEIDER, Rodolfo Herberto e IRIGARAY, Tatiana Quarti. O envelhecimento na atualidade: aspectos cronológicos, biológicos, psicológicos e sociais. Estudos da Psicologia [online]. Campinas. 2008, vol.25, n.4, p.586, p 587 e p.593.