Aboliçao da escritura
A história do abolicionismo no Brasil remonta à primeira tentativa de abolição da escravidão indígena, em 1611, e a sua abolição definitiva, pelo Marquês de Pombal, durante o reinado de D. José I, e aos movimentos emancipacionistas no período colonial, particularmente a Conjuração Baiana de 1798, em cujos planos encontrava-se a erradicação da escravidão. Após a Independência do Brasil, as discussões a este respeito estenderam-se por todo o período do Império, tendo adquirido relevância a partir de 1850, e, caráter verdadeiramente popular, a partir de 1870, culminando com a assinatura da Lei Áurea de 13 de maio de 1888, que extinguiu a escravidão negra no Brasil.
José Bonifácio de Andrada e Silva, em sua famosa representação à Assembleia Constituinte de 18231 , já havia chamado a escravidão de "cancro mortal que ameaçava os fundamentos da nação".
O Conselheiro Antônio Rodrigues Veloso de Oliveira foi uma das primeiras vozes abolicionistas do Brasil recém-independente. Nas palavras do historiador Antônio Barreto do Amaral: "Em suas Memórias para o melhoramento da Província de São Paulo, aplicável em grande parte às demais províncias do Brasil, apresentadas ao Príncipe D. João VI em 1810, e publicadas, pelo autor, em 1822, após enumerar e criticar os atos dos capitães-generais que concorriam para entravar o desenvolvimento paulista, passa a tratar do elemento servil e da imigração livre, que poderia concorrer para a vinda das populações europeias flageladas pelas devastações das guerras de Napoleão. Propunha o conselheiro Veloso de Oliveira que, na impossibilidade do estabelecimento de correntes migratórias, prosseguisse o comércio de escravos, mas que a escravidão do indivíduo importado fosse restringida a dez anos e que, no Brasil, nascessem livres os filhos dos escravos"2 .
No Período Regencial, desde 7 de novembro de 1831, a Câmara dos Deputados havia aprovado e a Regência promulgado uma lei que proibia o tráfico de escravos africanos para o país, porém esta lei não foi aplicada.
Em Março de 1845 esgotou-se o prazo do último tratado assinado entre o Brasil e o Reino Unido e o Governo britânico decretou, em agosto, o Bill Aberdeen. Com o nome de Lord Aberdeen, do Foreign Office (o Ministério britânico das Relações Exteriores), o Ato dava ao Almirantado britânico o direito de aprisionar navios negreiros, mesmo em águas territoriais brasileiras, e julgar seus comandantes. Os capitães britânicos receberam poderes de atracar navios brasileiros em alto mar e verificar se transportava escravos — deveriam se desfazer da carga, devolvendo os escravos à África, ou transferi-la para os navios britânicos.
Criticado até no Reino Unido, por pretender se tornar "guardiã moral do mundo", no Brasil o Bill Aberdeen provocou pânico em traficantes e proprietários de escravos e de terras. A consequência imediata do Bill Aberdeen foi o significativo, e paradoxal, aumento no comércio de escravos, pois foram antecipadas as compras antes da proibição em definitivo, e, especialmente na grande elevação do preço dos escravos. Caio Prado Júnior diz que, em 1846, entraram 50.324 escravos e, em 1848, 60 mil. Calcula-se que, até 1850, o país recebeu 3,5 milhões de africanos cativos.
Os navios britânicos perseguiam embarcações suspeitas, a Marinha britânica invadia águas territoriais, ameaçava bloquear portos. Houve incidentes, troca de tiros no Paraná. Alguns capitães, antes de serem abordados, jogavam no oceano a carga humana. Os infratores eram fazendeiros ou proprietários rurais, todos escravagistas.
As províncias protestavam, pois na época, no Brasil, a escravidão era coisa natural, integrada à rotina e aos costumes, vista como instituição necessária e legítima. Uma sociedade intensamente desigual dependia do escravo para manter-se.
Os conservadores (chamados de saquaremas, no poder desde 1848) culpavam os liberais (chamados de luzias) de terem se submetido à coação britânica. Sabiam perfeitamente que o tráfico negreiro deveria ter fim, que a escravidão estava condenada mas alegavam que tal decisão deveria caber ao Governo, para preservar a soberania nacional e garantir a segurança interna – na verdade, sua intenção era estender a escravidão o máximo possível. Mas D. Pedro II, com problemas no Rio da Prata, necessitava do Reino Unido. Em março de 1850, o primeiro-ministro britânico Gladstone ameaçara fazer cumprir os tratados à "ponta da espada, pela guerra até o extermínio."
Cedendo às pressões, D. Pedro II deu um passo importante: seu Gabinete elaborou um projeto de lei, apresentado ao Parlamento pelo Ministro da Justiça Eusébio de Queirós, que adotava medidas eficazes para a extinção do tráfico. Convertido em lei nº 581, de 4 de setembro de 1850, determinava seu artigo 3:
—"São autores do crime de importação, ou de tentativa dessa importação, o dono, o capitão ou mestre, o piloto e o contramestre da embarcação, e o sobrecarga. São cúmplices a equipagem, e os que coadjuvarem o desembarque de escravos no território brasileiro de que concorrerem para ocultar ao conhecimento da autoridade, ou para os subtrair à apreensão no mar, ou em ato de desembarque sendo perseguida". Um dos seus artigos determinava o julgamento dos infratores pelo Almirantado, passando assim ao Governo imperial o poder de julgar, poder antes conferido a juízes locais.
Os conservadores continuavam empenhados em manter o sistema escravista e a estrutura colonial de produção. Para racionalizar o uso da mão de obra escrava, agora muito mais cara, incentivaram, então, o tráfico interno, realizado pelos antigos traficantes, tirando o escravo das áreas onde a agricultura decaía, como os engenhos de açúcar do litoral nordestino, para as exaustivas funções da grande lavoura nas novas regiões cafeeiras em expansão no Centro-Sul, deixando para o trabalhador imigrante as demais atividades. Bóris Fausto, que tanto escreveu sobre a imigração no Brasil, estima que o tráfico interprovincial, de 1850 a 1888, deslocou de 100 a 200 mil escravos. Mas o esvaziamento descontentará os senhores de escravos e de terras nordestinas, que viraram abolicionistas.
Estes abolicionistas esperavam que, cessando o fornecimento de escravos, a escravidão desaparecesse aos poucos – o que não aconteceu.
Tantos foram os protestos que Eusébio de Queirós teve que comparecer à Câmara dos Deputados, em julho de 1852, apelar para a mudança da opinião pública. Lembrou que muitos fazendeiros do Norte enfrentavam dificuldades financeiras, sem poder pagar suas dívidas com os traficantes. Muitos haviam hipotecado suas propriedades para especuladores e grandes traficantes - entre os quais numerosos portugueses - para obter recursos destinados à compra de mais cativos. Lembrou ainda que se continuasse a entrar no Império tão grande quantidade de escravos africanos, haveria um desequilíbrio entre as categorias da população - livres e escravos - ameaçando os primeiros. A chamada «boa sociedade» ficaria exposta a «perigos gravíssimos», pois o desequilíbrio já provocara numerosas rebeliões (devia lembrar a dos Malês, em Salvador, em 1835).
No ano de 1854 era aprovada a Lei Nabuco de Araújo, Ministro da Justiça de 1853 a 1857, que previa sanções para as autoridades que encobrissem o contrabando de escravos. Os últimos desembarques de que se tem notícia aconteceram em 1856.
A imigração até 1850 vinha sendo um fenômeno espontâneo. Entre 1850 e 1870, passou a ser promovida pelos latifundiários. Vindos primeiramente da Alemanha, sem êxito, e depois da Itália, os imigrantes, muitas vezes enganados e com contratos que os faziam trabalhar em regime quase escravo, ocuparam-se do trabalho rural na economia cafeeira. Tantos retornaram a seus países que houve necessidade de intervenção de consulados e das entidades que os protegiam, como algumas sociedades promotoras de imigração. Foram muitas as regiões em que os escravos foram substituídos pelos imigrantes. Algumas cidades em 1874 tinham 80% dos trabalhadores rurais negros, e, em 1899, 7% de trabalhadores negros e 93% brancos.
A escravidão começou a declinar com o fim do tráfico de escravos, em 1850 (Após a aprovação de lei de autoria de Eusébio de Queirós). Progressivamente, os imigrantes europeus assalariados substituíram os escravos no mercado de trabalho. Mas foi só a partir da Guerra do Paraguai que o movimento abolicionista ganhou impulso. Milhares de ex-escravos que retornaram da guerra vitoriosos, muitos até condecorados, correram o risco de voltar à condição anterior por pressão dos seus antigos donos. O problema social tornou-se uma questão política para a elite dirigente do Segundo Reinado.
A abolição do tráfico de escravos, as várias epidemias de malária, a constante fugas de escravos, seu baixo índice de reprodução, e a alforria de muitos escravos, inclusive daqueles que lutaram na Guerra do Paraguai, contribuíram sensivelmente para a diminuição da quantidade de escravos, no Brasil, quando da época da abolição.
Campanha Abolicionista