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Ajuru

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Wayurú, Ayurú, Wajuru ou Ajuru são os termos que hoje este povo assume para se autoidentificar. Os dois primeiros são frequentemente empregados para indicar as pessoas antigas, que nasceram no “tempo da maloca”, aquele em que a presença do branco se não inexistente, era sobretudo fraca. O segundo e o terceiro termo estão mais relacionados ao momento atual, a uma vida na qual o branco se tornou presença constante e irrevogável.

Localização

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Nas primeiras décadas do século 20, os Wajuru foram localizados pelos exploradores e seringalistas nos rios Terebito e Colorado, afluentes da margem direita do médio rio Guaporé, no estado de Rondônia. A maioria da população aldeada, cerca de 90 pessoas (em 2009), vive na Terra Indígena Rio Guaporé, localizada no baixo rio Guaporé. Ali vivem também muitos outros povos (Makurap, Djeromitxí, Tupari, Arikapu, Aruá, Aikanã, Kanoê, Kujubim), e a população total da TI neste mesmo ano ultrapassava 600 pessoas. Em Porto Rolim de Moura do Guaporé, povoado à beira do rio Mequéns, encontra-se outro agrupamento importante, composto por mulheres wajuru, seus maridos e filhos.

Mapa Interativo

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- Veja no mapa

No passado, os Wajuru estavam divididos em três grupos distintos e, hoje, eles são a junção histórica destes. São eles: 1) os Guayurú, povo da pedra, concebidos como Wajuru verdadeiros ou próprios, ou ainda conhecidos pelo termo Wãnun mian (wãnun significa pedra); 2) o povo dos Cotia, Waküñaniat; 3) e o povo do mato, Kündiriat. Esses grupos formam uma unidade do ponto de vista lingüístico, mas apresentam uma descontinuidade do ponto de vista de sua origem territorial e de seus modos de vida.

O sufixo iat opera como um “coletivizador”: é empregado como referência a outras coletividades que o sujeito se destaca no momento de enunciação, e também se liga mais propriamente às categorias de alteridade, como espíritos e afins. É, sobretudo, do ponto de vista dos Guayurú (Wajuru verdadeiros) e de seus descendentes em linha direta que essa distinção toma forma. Assim, Wajuru iat, pode ser dito por alguém que se afirma Wajuru, mas carrega consigo algo de “estranho” ou engraçado. Ao passo que Waküñaniat e Kündiriat são perfeitamente utilizados sem nenhuma reserva.

Os Guayurú (Wajuru verdadeiros) ou Wãnun mian (povo da pedra) referem-se àquelas pessoas que viviam próximas a uma serra de pedra, que abrigava os espíritos de seus mortos. Como dizem: Nós somos lá das pedras! Enquanto os Guayurú são vistos como o povo das pedras – pois tem como substrato o território que ocupavam -, os Cotia, Waküñaniat, por sua vez, são identificados a um povo preguiçoso que não trabalhava e que saqueava a roça alheia. Eles são como cotias. Durafogo Opeitxá, um pajé wajuru muito velho, é o único representante atual deste povo e durante as chichadas [festa de chicha] todos os mais velhos fazem questão de chamá-lo de Cotia e assim a piada está feita. Por último, os Kündiriat era um povo que só vivia no mato, andava de um lado para o outro, não construía maloca, não fazia roça e era,por tais motivos, de uma “civilização inferior” aos Wajuru verdadeiros. É sempre um Outro que pertence ao povo Kündiriat, principalmente as pessoas que já morreram, ou ainda os mais velhos.

A multiplicidade de povos encobertos pelo etnônimo Wajuru é produzida pelas diferenças territoriais e linguísticas entendidas como primordiais. Estas estão ancoradas nas narrativas míticas sobre o começo dos tempos. O registro mitológico wajuru, com temas bastante similares aos compartilhados por diversos povos vizinhos, aciona e fundamenta tais diferenças: depois que os humanos foram encontrados pelos irmãos demiurgos embaixo da terra e saíram de lá, dois eventos passaram a marcar as diferenças sociológicas. O primeiro, quando todos os humanos estavam sentados, o irmão mais novo, o mais teimoso, começou a falar diversas línguas e foi ensinando a cada pessoa uma língua diferente: Wajuru, Tupari, Jabuti, Makurap etc. inclusive a língua dos brancos – já presentes no início dos tempos. Passou-se então uma grande confusão e desentendimento entre eles. O segundo evento deu-se depois que este irmão (o mais novo) pensou na morte e ela começou a existir. O surgimento da morte marca o momento em que as pessoas, não mais sentadas, começam a andar sobre a terra, orientadas pelos irmãos descobridores. A partir daí cada grupo ficou em um lugar específico e assim todos se territorializaram.

Desde então essas pessoas não mais se misturaram e formaram tribos, como dizem os Wajuru. Guayurú, Kundir iat e Wakuñan iat, seriam, então, dada a identidade linguística, simplesmente Wajuru, “o mesmo” do ponto de vista do primeiro evento. Por outro lado são diferentes no que diz respeito a sua territorialidade primordial, visto que foi a partir do segundo evento que as pessoas começaram a andar sobre a terra. Diz-se ainda que caso Wakowereb, o demiurgo mais novo, não tivesse dado uma língua aos brancos, esses não seriam tanta gente, pois simplesmente não existiriam - já que a distinção linguística acarreta distinções entre tipos de pessoas - e os Wajuru seriam hoje a maior população na Terra. Por conta dessa “trapalhada”, os Wajuru são muito poucos e não deixam de ter algum ressentimento disso.

Existe ainda uma outra distinção corrente baseada nas transformações das formas de organização social. Esta se dá entre os Guayurú, os Kündiriat ou os Wakuñaniat (povos do tempo da maloca, que não se misturavam, não casavam com outros grupos) e os Wajuru, filhos sobretudo dos Wajuru próprios que se misturaram com outras gentes. Esta última classificação parece ser bastante atual, visto que destaca o contexto exogâmico [casamentos entre pessoas de grupos étnicos distintos] em que vivem hoje os Wajuru e os outros povos provenientes do médio Guaporé.

A língua Wajuru foi classificada pelo linguista Aryon Dall'Igna Rodrigues como pertencente ao tronco linguístico Tupi e à família Tuparí. Entre os Wajuru mais velhos, é comum aqueles que falam mais de uma língua indígena. Os jovens, em grande parte, são falantes passivos da língua Wajuru e dominam completamente o Português.

Aspectos Culturais

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As roças nas quais os índios produzem seu alimento são separadas entre os homens, mesmo que um índio não seja casado, ele não trabalhará na roça cujo pai produz, ele terá sua própria terra e ao casar, sua mulher trabalhará junto a ele, assim o casal pode ser visto como a principal unidade produtiva. Mulheres e meninas possuem atividades como abastecimento da casa e a limpeza dela, cultivo de mandioca e fabricações de utensílios domésticos ou decorativos, enquanto os homens são responsáveis pela construção e reparo das casas, a limpeza da terra que as mulheres utilizarão para o plantio, a caça e a pesca.

Casamento e amizade

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Os casamentos podem ocorrer quando uma filha é entregue ao grupo doméstico de seu futuro esposo, ou quando há rapto e fuga dos jovens casais. Não há nenhuma cerimônia formal que delimite o novo status dos parceiros, não obstante é necessário que a menina tão logo entre em seu novo grupo doméstico produza ali sua primeira chicha. É nesse momento que os homens dos dois grupos se encontrarão para beber juntos. Além disto, existe uma clara disposição para que os meninos não se casem muito novos, quando ainda não estão formados – isto é, quando não possuem os conhecimentos necessários para as atividades de caça e agrícolas.

Nos tempos atuais, em que a mistura é destacada, a identidade étnica, transmitida por linha paterna, estabelece a distância necessária para a realização de trocas de mulheres. Os parentes do lado paterno são considerados parentes próprios e os parentes em linha materna são considerados parentes outros. É com esses parentes outros que o casamento preferencial deve se realizar. Essa divisão no campo do parentesco, entre próprios e outros, pode ser modificada de acordo com outras formas de calcular a distância, caso se considere a possibilidade do casamento entre parentes do lado paterno. Ainda que o casamento entre um homem e uma mulher wajuru seja logicamente possível, ele de fato não ocorre. O casamento que pode preferencialmente ocorrer é aquele entre filhos de primos (com distância de uma ou mais gerações), desde que haja, anteriormente, um casamento exogâmico (entre um homem e uma mulher de etnias diferentes).

Existe uma categoria prescrita para cônjuges, estes são chamados oguaikup, em Wajuru, ou virá em Djeromitxí, que é o termo mais usado entre os Wajuru. Tais categorias marcam, de um lado, a preferência para o casamento e, de outro, a amizade formal entre pessoas do mesmo gênero. Por isso os virás são chamados também de amigos/companheiros. Embora o casamento “preferido” seja aquele com uma geração de distância, alguns casamentos ocorrem com um maior alargamento geracional.

O modo de relação entre virás/companheiros de mesmo gênero, que é mais comum entre os homens, oscila entre a brincadeira extrema e o respeito e proteção mútuos. As atitudes dos virás, ao mesmo tempo que formalizam posições, expressam a informalidade que pode haver entre aqueles que são muito próximos. Do ponto de vista dos Wajuru, os virás brincam tanto um com outro que deixam de agir como parentes, pois estes se relacionam de forma contida e extremamente respeitosa. Virás podem se apoderar de objetos um do outro sem problemas, assim como é permitido a um virá defender o outro de ameaças até as últimas consequências. Na infância, convivem intensamente, caçam, pescam, comem, nadam e brincam juntos. Depois de casados, ajudam-se mutuamente nos trabalhos de roçado e estão sempre presentes nas chichadas que organizam.

Os casamentos entre virás que não aconteceram podem com isso transformar os cônjuges de mesmo gênero de ambos os casais em companheiros, o que inclui, caso morem próximos, a ajuda mútua e a companhia nas atividades diárias. Ao mesmo tempo, os casamentos que ocorreram cancelam as atitudes virás, de brincadeira e extrema proximidade, entre cunhados efetivos. Neste sentido, as posições virá aparecem mais como uma potencialidade, indicando suas diversas possibilidades de efetivação.

Os Wajuru não concebem o ato sexual como o único meio de uma mulher engravidar. Pelo contrário, são igualmente imputadas aos xamãs capacidades de inseminação, associadas, na maior parte das vezes, ao componente anímico da pessoa. Conta-se que os xamãs trazem as almas do céu e as colocam dentro da barriga das mulheres. De outro lado, pode-se manipular a capacidade reprodutiva feminina, seja favorecendo a gravidez, seja evitando-a por meio do uso de remédios do mato.

Também vigora uma teoria da gestação que supõe não ser o útero feminino capaz, por si só, de gerar adequadamente um bebê. Afirmam que a atividade masculina é imprescindível nesse sentido. Durante a gestação, a mulher recebe o sangue do marido, que é inserido durante repetidas relações sexuais. Caso isso não aconteça, o corpo do bebê correrá sérios riscos a sua saúde e integridade. Além disso, as atitudes da mãe durante a gravidez podem influenciar na constituição do bebê, sendo responsável muitas vezes por alguma característica física ou social que o acompanhará durante toda vida.

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