Análise de Filme: "Terra em Transe" - Edélcio Sereno
CURSO DE CIÊNCIAS SOCIAIS
(Fundado em 1963)
ROTEIRO PARA ANÁLISE DE FILME
Disciplina: História do Brasil II
Prof. Paulo Eduardo Teixeira
Nome do/a Aluno/a: Edélcio Batista Sereno Júnior
Turma 2024 ( ) Manhã ( X ) Noite
FICHA TÉCNICA
Título do Filme: Terra em Transe
Ano: 1967
País: Brasil
Gênero: Drama nacional, preto e branco
Duração: 106 minutos
Direção: Glauber Rocha
Roteiro: Glauber Rocha
Fotografia: Luis Carlos Barreto e Dib Lufti
Trilha sonora: Sérgio Ricardo
Elenco original: Antonio Camera (Indio); Clóvis Bornay (Conquistador português);
Danuza Leão (Sílvia); Darlene Glória (Orgia); Echio Reis (Marinho); Elizabeth Gasper
(Orgia); Emmanuel Cavalcanti (Felício); Flávio Migliaccio (Homem do povo); Francisco
Milani (Aldo); Glauce Rocha (Sara); Guide Vasconcelos; Hugo Carvana (Álvaro); Ivan de
Souza (Atirador); Irma Alvarez (Orgia); Jardel Filho (Paulo Martins); Jofre Soares (Padre
Gil); José Lewgoy (Felipe Vieira); José Marinho (Jerônimo); Mário Lago (Capitão);
Maurício do Valle (Segurança); Modesto de Souza (Senador); Paulo Autran (Porfírio Diaz);
Paulo César Peréio (Estudante); Paulo Gracindo (Júlio Fuentes); Sônia Clara (Orgia);
Thelma Reston (Esposa de Felício); Zózimo Bulbul (Repórter).
Produção: Glauber Rocha; Luiz Carlos Barreto; Cacá Diegues; Raymundo; Wanderley
Reis; Mapa Filmes do Brasil.
Idioma original: Português.
Sinopse: Em uma República fictícia chamada Eldorado, Díaz pretende se tornar
Presidente de um povo que não o elegeu, com a ajuda de uma poderosa empresa
estrangeira, enquanto diversos personagens disputam o poder, interagindo conforme o
seu papel social.
DINÂMICA DA NARRATIVA
A) Idéia Inicial – História
1- O filme conta uma história. Sobre quem?
No roteiro, o filme é a história de Paulo Martins (Jardel Filho), jornalista e poeta, e
se inicia quando ele atravessa uma barreira policial e é alvejado. Enquanto agoniza,
relembra de fatos de sua vida que giram em torno de Eldorado, um país imaginário da
América do Sul, onde se trava uma luta desigual pelo poder.
2- Quais são as personagens principais?
Paulo Martins (Jardel Filho), jornalista, intelectual e poeta; Porfírio Díaz (Paulo
Autran), senador e candidato à Presidência; Sílvia (Danuza Leão), esposa de Díaz e amante
de Paulo Martins; Sara (Glauce Rocha), ativista; Felipe Vieira (José Lewgoy), vereador
candidato à Presidência; Julio Fuentes (Paulo Gracindo), empresário.
3- Qual delas mereceu a sua atenção?
A personagem que mais despertou reações, positivas e negativas, foi Paulo Martins,
que participou do filme em quase todas as cenas importantes, demonstrando ser a única que
tinha consciência dos fatos, mas que hesitou em diversas ocasiões quando deveria ter agido,
na minha opinião. Na minha percepção, ele é o Quarto Poder, a Imprensa, o jornalista
onisciente que interage com cada grupo social que forma um país, observando mas, ao
mesmo tempo, atuando ao sabor dos interesses.
4- Como termina o filme? O que você achou sobre ele e por quê?
O filme termina retornando ao início, com a morte de Paulo Martins após sua
decepção com a traição de Julio Fuentes, que dá a Díaz a vitória. Ele decide partir para a
luta armada, mas Felipe Vieira desiste, então parte transtornado e acaba fuzilado por uma
barreira policial na estrada.
Em minha opinião, a escolha de Glauber Rocha para o protagonismo foi a única
possível, um jornalista intelectual revolucionário, pois ser intelectual e quase onisciente
naquela situação só poderia culminar com um ato de loucura. Porém, ainda que houvesse
uma intenção crítica, o filme romantiza bastante ao estereotipar cada personagem como
figuras que desempenham papéis puros. Nós sabemos que, na sociedade, ninguém é só
“povo burro”, ninguém é só “intelectual revolucionário”, ninguém é só “político velhaco”,
ninguém é só “déspota esclarecido”. Faltou colocar aí aquelas intersecções, dizer que o
bom e o ruim estão dispersos em todos os setores e todos os agentes sociais. Mas
compreendo que a intenção maior do diretor era fazer uma autocrítica da esquerda e
acusações à direita, tendo que lidar ainda com o censor. Talvez por isso tenha criado
protagonistas herméticos, o herói e o vilão, distribuindo essas intersecções nos outros
personagens.
B) Tema de Fundo – Tese
1- Quais são os temas tratados no filme?
O filme trata de política, com ênfase na disputa de poder, opondo personagens
populistas de direita e de esquerda. No desenrolar da trama, faz alusão a diversos cenários e
agentes que existem em uma sociedade: o povo, o intelectual, a imprensa, a igreja, a disputa
de poder, os bastidores, as traições, as negociações, a corrupção, o desejo revolucionário
contraposto ao pacifismo. Na minha opinião, isso tudo é exposto de forma onírica, fictícia,
delirante e satírica, para mascarar (se possível) a crítica à dura realidade brasileira. Lançado
em 1967, poucos anos após o Golpe de 1964, lidando com a censura e vendo diversos
artistas e políticos perseguidos por exporem suas opiniões, Glauber Rocha faz os 106
minutos de trama esconderem a visão amarga e impotente de muitos Paulo Martins.
2- Em que cena compreendeu o tema de fundo do filme?
Logo na primeira cena, há o embate entre opositores Vieira e Díaz, em que um
ordena a renúncia do outro, vem a proposta de resistência e a decepção transtornada do
Paulo Martins. Este já é o resumo do filme.
3- Qual o problema ou questão que foi tratada mais demoradamente?
Tenho a impressão de que a questão tratada mais demoradamente foi a forma com
que cada agente (representantes de setores sociais) lidaram com a ascensão déspota de
Díaz. Cada um acomodou de seu jeito e de acordo com seus interesses o fato de um político
não eleito pelo povo estar galgando cargos através de armações e ser candidato à
Presidência, utilizando-se de recursos estrangeiros e de populismo. Cada setor agiu como
manda o roteiro: o povo, pedindo o que lhe falta; o revolucionário, ele mesmo ciente que o
povo não compreende a situação, iludindo-se com a oposição que ele enxerga como
oportunidade; a igreja, oscilando entre os poderosos; os intelectuais observando sem atuar.
Enfim, o filme expõe o clímax no início e depois mostra o tempo todo como se chegou a
ele.
4- Os realizadores descreveram bem os protagonistas?
Como já dito anteriormente, Glauber Rocha tornou o protagonista – intelectual de
imprensa – uma figura quase onipresente e, portanto, praticamente onisciente, e isso o
levou à reação insana, uma quase loucura. Porém, o diretor idealizou e romantizou
personagens herméticos, estereotipados, sem levar em consideração que todos interagem
com o bom e o ruim em algum momento.
C) Ritmo e Montagem – Edição
1- Qual a cena ou seqüência que mais chamou sua atenção ou lhe impactou?
Por quê?
A primeira cena é forte, pela violência. Ela já cria curiosidade sobre os motivos que
ensejaram aquela morte. Uma vez que já conhecíamos comentários sobre o filme, sobre sua
relação com a ditadura, esta cena chamou mais a atenção.
2- Houve algo no filme que te aborreceu? Em que parte do filme? Eram
cenas de diálogo ou de ação?
Não aprecio filmes nacionais devido à existência quase obrigatória de cenas
nonsense, que não se vê muito na realidade ou que são exageradas demais, como a cena da
orgia, com gargalhadas contínuas.
3- Qual a cena/seqüência que não foi bem compreendida por você? Por quê?
Não entendi a existência de dois representantes do povo na cena em que Felipe
Vieira faz campanha. Mas depois verifiquei na internet (vide referências) que o Jerônimo é
o povo que é “apropriado”, que diz o que se espera (quando não, é calado), que segue um
roteiro e que é exibido como um troféu. E o rapaz que é chamado de “extremista” e morto,
é o povo verdadeiro, que anseia por direitos. Ambos são descritos como ignorantes,
miseráveis e, no filme, ocupam o lugar dos figurantes.
D) Mensagem
1- O que é proposto pelo filme é aceitável ou não? Por quê?
Claro que sim. Diante da situação e das dificuldades enfrentadas pelo cinema
naquela época, o filme de Glauber Rocha serviu como um puxão de orelha para todos e, por
este motivo, dizem os críticos de hoje, não foi bem aceito tanto pelos conservadores, quanto
pela esquerda, recebendo muitas críticas.
2- A quem se dirige, em sua opinião, o filme?
A quem merecer. Acredito que Glauber Rocha tenha feito o filme para dizer: “olha
só o que vocês fizeram!” Ele coloca todos os agentes sociais no filme, faz uma trama que
culmina com o vilão vencendo e o herói morrendo, e no meio uma sequência de eventos
onde cada um só pensa no seu próprio interesse. Por este motivo, continua um filme atual,
quase sessenta anos depois.
E) Relação com a disciplina de História do Brasil
1- Qual a contribuição do filme para sua compreensão da disciplina e do
período estudado?
Resguardadas as liberdades poéticas do cineasta, devido à seriedade do período
conturbado que foi a ditadura militar, é sempre mais interessante ver a encenação dos
períodos históricos do que a sua descrição. Claro que sempre há que se levar em
consideração a qualificação do roteirista, as pesquisas que embasam a obra e a coerência
histórica e, até aqui, todos os filmes e documentários indicados pelos professores têm sido
muito importantes e esclarecedores. Neste caso em específico, é uma visão crítica do
cineasta Glauber Rocha que foi importante na época da ditadura e provocou muita gente,
mas que se formos pensar nos dias de hoje, o que é que mudou? Continuamos encenando
nossos papéis sectários enquanto populistas se revezam no poder, todos assistidos por
interesses estrangeiros e implementando seus propósitos particulares.
2- Relacione as contribuições desse trabalho para sua formação.
Na minha opinião, filmes e documentários são as formas mais fáceis de estudo
(quase lúdicas), desde que sempre orientados à reflexão, como essa que apresento neste
roteiro. Estas obras aguçam nosso senso crítico e ordenam o pensamento analítico, coisa
que não fazemos habitualmente ao assistir por entretenimento. Para além disso, estes
trabalhos em geral enriquecem o conteúdo das aulas, com toda certeza.