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Aula: Ciência/conhecimento/observador

Fonte: Wikiversidade

Introdução parte 1

Lidiane Domingues

Tópicos da aula:

Apresentações e interesses individuais

O que é Ciência?

O ponto de vista epistêmico: teoria dos sistemas.

Formas de conhecimento Realidade como constructo do observador

A não neutralidade científica Ciência como sistema observador O objetivo científico: a verdade

O tripé da ciência: realista, objetivista e crítica.

Realidade única -> Realidade complexa

Disputas político-epistemológicas

A divisão das áreas do conhecimento científico e seus objetos

A distinção entre hard e soft science

Hard science: leis e objetos externos; a distinção Humano-Natureza, dominação da Natureza

Soft science: observador interno ao objeto; imprevisibilidade; a Filosofia e nossos clássicos.

O que é ciência?

Uma forma de conhecer o mundo ao redor, mas não a única. É evidente que antes da ciência, e mesmo antes do Iluminismo, muitas outras formas de conhecimento foram criadas, em diversas culturas, com diferentes propósitos. Será o sistema de irrigação do Egito Antigo ciência, por exemplo? Ou a matemática quando surgiu no Oriente? Será a organização da ocupação, preparação da terra e plantio dos indígenas da América ciência? Do nosso ponto de vista, olhando bem na superfície, poderíamos dizer que sim. Mas é preciso lembrar que sistemas de ações coordenadas precisam ser compreendidos em sua funcionalidade, isto é, o sistema de irrigação egípcio, a matemática antiga e a agricultura indígena constituíram processos de conhecimento, mas não processos científicos. A função, a princípio, de cada um desses processos não era norteada pelos parâmetros da objetividade realista crítica, mas por outras necessidades humanas, não menos legítimas, mas completamente diferentes do que viemos a conhecer, apenas no século XIX e XX, como ciência moderna, estritamente falando. Existem muitas formas de conhecimento. Na nossa sociedade naturalizou-se a noção de ciência como única forma de conhecimento, verdadeira, pelo menos. Ou seja, para nosso senso comum, a verdade só pode ser atingida cientificamente, ou ainda, a realidade das coisas só pode ser conhecida através da ciência. Isto não é um dado completamente equivocado, mas é um dado incompleto, porque sem conhecimento sobre a realidade não poderia ter havido sociedade e a ciência surgiu, podemos admitir isso, muito recentemente na nossa História. Arte e religião são formas de conhecimento, por exemplo, embora nunca tenham, funcionalmente falando, pego para si a primazia sobre a verdade das coisas. A arte enquanto forma de conhecimento trabalha as possibilidades do real enquanto a religião elabora formas de significação, salvação e modos de vida. Ambas se inscrevem e partem de uma dada realidade, mas sem a pretensão, e a necessidade, de serem objetivas e críticas, porque sua função é outra. A primeira está voltada para a estética, a segunda volta-se para formas de salvação ou catarse, ambas dimensões que jamais poderiam ser atingidas pela ciência, mas que produzem tanto quanto esta conhecimento sobre a realidade. Neste ponto chegamos à ideia de que existem muitas formas de conhecimento, ou seja, existem muitas formas de observar a realidade e, embora o senso comum nos diga que sim, a ciência não é a única forma legítima de conhecimento. A realidade, diria alguns, é uma só (e consequentemente o modo de chegar à verdade sobre ela também deveria ser: a ciência), mas como eu disse, vamos assumir desde já um ponto de vista epistêmico claro aqui: a realidade é a realidade para um observador, ou ainda, a realidade é sempre construída por um observador. As hard science demoraram para notar isto, na verdade só muito recentemente a física quântica vem demonstrando que a realidade depende mais do observador do que pudemos imaginar até então. Nas Ciências Sociais, particularmente na Antropologia (através de conceitos como alteridade, por exemplo) isto já vem sendo discutido a mais ou menos um século; em outras palavras, o objeto da Antropologia é o Outro, por excelência, e para compreender o Outro é preciso considerar e imaginar mais ou menos como é o ponto de vista dele sobre a realidade e tentar abrir mão, metodologicamente falando, do nosso ponto de vista sobre o Outro, que não poderia produzir nada a não ser preconceitos. Para compreender o Outro é preciso compreender a bolha do outro, isto é, como é a realidade do ponto de vista dele levando em consideração que o que se produz conhecendo o Outro é o nosso conhecimento sobre o conhecimento do Outro. Desde já se nota que nada nesta observação é estático, mas movimento constante e imprevisível. Vamos considerar então que a realidade é feita de pontos de vista, mas vamos dar ênfase ao fato de que não é porque a realidade é sempre constructo de um observador que ela corresponde às vontades dele - a isto chamaríamos delírio. A realidade se força contra nós, toda ela. Notem, se vocês tentarem sair de algum lugar que não pela porta ou algo que o valha, não vai ser possível. Se não lutarmos pelos nossos direitos eles serão cada vez mais usurpados. Se não tomarmos determinadas vacinas, como a de paralisia infantil, por exemplo, corremos riscos razoáveis. Enquanto não houver reforma agrária haverá violência, morte e fome no campo. Etc, etc. Não é porque a realidade é construída através de observações, formas de conhecimento, que ela pode se dobrar aos olhos do observador. Pelo contrário, ao que tudo indica foi, e é, preciso uma criatividade extremamente complexa para elaborar, construir e compreender a realidade de modo eficiente, isto é, de modo a agir eficientemente sobre ela. A partir daqui devemos assumir que não há, porque não poderia haver, neutralidade científica (ou neutralidade em qualquer produção de conhecimento). Toda observação tem o propósito, de modo geral, de resolver problemas (levando em consideração suas especificidades). Já dissemos que embora a realidade seja, aparentemente, uma só, ela se constitui na multiplicidade de observações sobre ela. Agora vamos admitir que esse observador não é, apenas e exatamente, um ser humano. Isto porque a produção de conhecimento, seja científico, artístico, religioso, político, etc. é sempre uma produção social. Tomaremos a ciência então como o que chamamos de sistema social. Bem, a ciência enquanto sistema corresponde a uma função (porque nenhuma observação é sem propósito) que nos remete ao que já criticamos: sua função é atingir a verdade das coisas. Depois de tudo que foi dito é possível entender já que a verdade, enquanto objetivo científico, é uma verdade particular, social e historicamente construída independente em grande medida dos indivíduos que a fizeram. Assim para nossos propósitos devemos entender o sistema científico como um observador que se volta para a verdade das coisas. Ele sempre a atinge? Claro que não, mas o que faz da ciência um conhecimento para verdade não são seus resultados, nem sempre corretos, mas suas perguntas e seus métodos para responder a essas perguntas. Por isso a ciência moderna se norteia pelo tripé realista, objetivista, crítico; acreditando que ao partir da realidade objetiva e da crítica mútua do trabalho científico, a ciência se aproxima cada vez mais da verdade das coisas. À noção de que a realidade é uma só substitui a de que a realidade é complexa, isto é, a realidade é múltipla, logo não pode ser conhecida de uma única forma, mas apenas por uma complexidade capaz de dar conta dela o máximo possível. Assim dividem-se as áreas do conhecimento, mas não se enganem, essa divisão não corresponde apenas a uma necessidade científica, mas a divisão da ciência em subáreas sempre se deu, e continua assim, através de disputas políticas-metodológicas por objetos e propósitos do conhecimento. Cada uma das áreas científicas norteia-se por objetos e perguntas específicas, todas direcionadas pelos parâmetros já mencionados, todas com a intenção de produzir um conhecimento realista, objetivo e crítico. Então, qual o norte da Biologia? A vida. O da química? Os elementos e suas relações. Da Sociologia? A sociedade. Da Antropologia? Os seres humanos e suas culturas. Da Ciência Política? O poder. E assim por diante. Bem, qual a diferença marcante entre as chamadas hard sciences e as chamadas soft sciences (que é nosso caso)? Em primeiro lugar, acreditou-se por muito tempo, marcantemente desde Newton, que a realidade das coisas não era apenas objetiva, mas unívoca. Por isso, por toda ciência, encontramos o que chamamos de leis. Bem, mas o que significa o fato da realidade, ou ainda, da natureza ser regida por leis? Significa que se acreditava, e de modo geral ainda é assim, que a realidade ou a natureza das coisa é de tal modo, sempre foi de tal modo e continuará deste mesmo modo ad infinitum. A produção de conhecimento através da descoberta de “leis” continua forte nas ciências pesadas, isto é, a lei da gravidade de Newton é tão válida e verdadeira hoje como há quinhentos anos, inegavelmente. No entanto, compreende-se hoje que mesmo objetos do conhecimento como a gravidade não são exatamente estáticos, porque as condições da gravidade não são. Se do ponto de vista humano assim parece é porque partes da natureza, como a evolução do universo e do nosso planeta, se deram através de tempos tão longínquos que através da observação empírica de um único homem, como Newton, por exemplo, a gravidade parece estática, como algo que sempre foi, é e será assim. Por outro lado esse conhecimento parcial através de leis é funcional, é só observar os avanços permitidos por elas, mas as leis devem hoje ser compreendidas dentro de suas condições. Além do mais, em termos de observação, as ciências pesadas sempre admitiram seus objetos como externos, isto é, partiram da diferença Humano-Natureza, e instituíram seu conhecimento enquanto método de domínio da natureza, como se dela não participassem. Agora para as ciências leves a coisa sempre foi diferente, porque estas nunca partiram de objetos aparentemente estáticos, computáveis, externos, como gravidade, elementos, quantidades, etc. Para História, Geografia, Sociologia, etc. não poderia haver uma distinção clara entre observador e realidade, ou ainda, seus objetos jamais puderam ser concebidos como externos, já que a Geografia, a História e a Sociologia são ciências de e sobre humanos, nenhum de seus objetos é externo à humanidade e no limite, externo aos conhecimentos produzidos nela (que são obviamente geográficos, históricos e sociais). Notadamente os objetos das ciências leves não podiam, e não podem, ser compreendidos através de leis (nem mesmo nas teorias clássicas de Marx, Weber e Durkheim), porque a historicidade e rápida transformação desses objetos pode ser observada a olho nu - qualquer ser humano que experiencie alguma coisa da vida social, mesmo as crianças, pode notar que ela é tudo menos estática, que ela é imprevisível de um modo que a gravidade, por exemplo, não pode ser nem em bilhões de anos. Junta-se a isto o fato das ciências leves ficarem por muito tempo atreladas à Filosofia (da onde vieram todas as ciências) e este não é um dado negativo ou positivo, mas qualitativo, no sentido de que muitas teorias filosóficas inauguraram correntes do pensamento científico nesse campo e levaram a desenvolvimentos complexos interessantes e razoáveis que, com tempo, puderam corresponder aos parâmetros científicos de formas bastante inusitadas.