Saltar para o conteúdo

Biotraços

Fonte: Wikiversidade

Identificação

[editar | editar código-fonte]

Biotraços: Uma experiência Artística é um projeto realizado realizado no âmbito da disciplina CS205 - Tecnologias da Informação e Comunicação da Universidade Estadual de Campinas no segundo semestre de 2024.

Trata-se de uma página não oficial criada pelo grupo para fins de divulgação e registro do projeto.

Este projeto propõe a criação de uma obra de arte interativa que, dentro do conceito de bioarte, adota uma abordagem crítica em relação à biovigilância. A proposta visa envolver indivíduos de forma aleatória em uma experiência artística que os convida a refletir sobre as implicações da coleta e uso de material genético. Neste contexto, os participantes são incentivados a questionar o que estão dispostos a oferecer em troca de uma recompensa aparentemente trivial: um chiclete. Essa dinâmica busca provocar uma reflexão mais profunda sobre a relação entre privacidade, consentimento e os valores associados à troca de informações pessoais.

A metodologia deste projeto foi estruturada em várias etapas, que foram executadas de forma a garantir a interação dos participantes e a reflexão crítica sobre a biovigilância.

  1. QR Code: Foi criado um QR Code que os participantes escanearam para acessar uma página (Google Forms) contendo os termos de participação. Os termos incluíam a concordância explícita com a extração do material genético (DNA) dos participantes, permitindo que refletissem sobre a implicação de suas escolhas.
  2. Concordância e distribuição do chiclete: Após lerem os termos, os participantes que aceitaram as condições receberam um chiclete como forma de incentivo. Esse gesto simbolizou a troca entre a entrega de informações pessoais e a recepção de um pequeno benefício.
  3. Interação com o quadro: Um quadro foi montado, dividido em quadrantes, onde os participantes foram orientados a colar seu chiclete. Cada um poderia escolher livremente o quadrante em que desejava colar seu chiclete, contribuindo assim para a obra coletiva.
  4. Recebimento do panfleto: Após a entrega do chiclete, cada participante recebeu um panfleto informativo sobre biovigilância. O panfleto continha explicações sobre o projeto e o que significa a coleta de DNA, os potenciais riscos associados e as implicações éticas da biovigilância. Essa etapa foi crucial para assegurar que os participantes estivessem plenamente informados sobre o que estavam concordando.

O presente projeto, que propõe uma obra de arte interativa no campo da bioarte, adota uma abordagem crítica em relação à biovigilância, conecta-se diretamente às reflexões provocadas por Stranger Visions, o Critical Art Ensemble (CAE) e as práticas de mídia tática. Essas iniciativas exploram a intersecção entre arte, tecnologia e vigilância, oferecendo uma reflexão crítica sobre o uso de material genético e suas implicações éticas e sociais. Dewey-Hagborg, por exemplo, em Stranger Visions, observa que “a coleta de DNA de objetos descartados desafia a noção de privacidade biológica”[1]. Isso se alinha com o propósito do projeto de questionar o quanto estamos dispostos a ceder de nossa privacidade em troca de recompensas aparentemente triviais, como um chiclete.

No projeto interativo proposto, os participantes são incentivados a refletir sobre o que oferecem em troca de uma pequena recompensa. Essa dinâmica reflete a crítica presente em Stranger Visions, onde a coleta de informações genéticas revela as tensões entre consentimento e privacidade na era da biovigilância. A ideia de que “a simples coleta de um chiclete pode levar à exposição de dados sensíveis”[1] questiona como as pessoas frequentemente cedem dados pessoais sem considerar as implicações a longo prazo.

Essa troca simbólica, entre material genético e uma recompensa trivial, também ecoa as práticas do Critical Art Ensemble, cujas intervenções abordam a tecnologia de maneira crítica, explorando como seu uso não controlado pode infringir os direitos à privacidade. O CAE, por meio de suas performances, revela as falhas das tecnologias de vigilância e promove o questionamento ético. Para o grupo, “a biotecnologia frequentemente opera fora da percepção pública, criando riscos ocultos para a autonomia individual”[2]. De modo semelhante, o projeto interativo busca perturbar a normalidade, incentivando os participantes a reconsiderar sua relação com o consentimento na coleta de dados biológicos.

A crítica à biovigilância é central para o projeto, uma vez que essa prática de vigilância biotecnológica tem ampliado o controle sobre os corpos e identidades humanas. Michel Foucault, ao desenvolver o conceito de biopolítica, argumenta que a vigilância sobre os corpos é uma forma de controle social que transforma os indivíduos em objetos de regulação. Nesse sentido, a biovigilância se insere como um mecanismo de controle que usa dados genéticos para monitorar e administrar populações, muitas vezes sem o conhecimento ou consentimento dos indivíduos.

Assim como as práticas de mídia tática e cultura hacker, que utilizam tecnologias de maneira crítica para desafiar estruturas de poder, o projeto interativo coloca os participantes no centro de um processo reflexivo, questionando o uso indiscriminado de seus dados biológicos. Segundo Foletto, “a mídia tática surge como uma forma de apropriação crítica de tecnologias, desafiando as narrativas dominantes de controle e vigilância”.[3] Da mesma forma, o projeto proposto desvia a função tradicional da coleta de dados biológicos para provocar uma reflexão mais profunda sobre consentimento, privacidade e os valores sociais associados a essas trocas.

Portanto, o projeto interativo cria uma experiência que expõe a biovigilância, tornando visível o uso de dados pessoais, frequentemente coletados sem o devido conhecimento dos indivíduos. Ele reforça a importância de repensar as trocas que fazemos diariamente, onde informações genéticas e pessoais são utilizadas sem o consentimento adequado, trazendo à tona as questões éticas e os riscos de violação da privacidade no mundo contemporâneo.

Fez-se uma pixel arte de um coelho inspirado na obra GFP Bunny de Eduardo Kac

Pessoa colando um chiclete no quadro.
Participante colando o chiclete
Pixel arte nas dimensões onze por quinze. Forma-se a figura de um coelho a partir de chicletes colados
Quadro Completo
Panfletos de divulgação
Panfletos de divulgação

A ação interativa alcançou um engajamento significativo, registrando um total de 60 participações em apenas 1 hora. Essa alta adesão demonstra o interesse gerado pela proposta e a eficácia da abordagem utilizada para envolver o público. Além disso, os participantes demonstraram grande curiosidade e surpresa ao descobrirem os detalhes e o significado crítico por trás da ação.

Durante a execução, observou-se que a maioria dos participantes não leu os termos de consentimento apresentados no formulário, aceitando as condições de forma automática. Esse comportamento é um reflexo direto das práticas observadas em contextos reais, em que usuários frequentemente ignoram os termos de serviços digitais devido à aparente trivialidade das cláusulas. Ainda, foi percebido que alguns participantes negligenciaram os panfletos entregues ao final da ação, reforçando o desafio de engajar o público em reflexões críticas, mesmo quando os materiais explicativos estão facilmente disponíveis.

O mosaico formado pelos chicletes resultou em uma poderosa metáfora visual, simbolizando a entrega inconsciente de informações sensíveis em troca de benefícios percebidos como insignificantes. A obra transcendeu sua dimensão estética ao evidenciar as dinâmicas contemporâneas de consentimento e vigilância, questionando as relações entre privacidade individual e os mecanismos de controle social. Nesse sentido, a ação foi bem-sucedida ao cumprir seu objetivo de conscientização, ao mesmo tempo em que expôs lacunas no senso crítico dos participantes em relação às práticas de coleta de dados. O projeto reafirma a relevância da arte como ferramenta acadêmica e social para fomentar debates éticos sobre biopolítica e as implicações da tecnologia no cotidiano.

  1. 1,0 1,1 HAGBORG, Dewey. Stranger Visions. Disponível em: https://deweyhagborg.com/projects/stranger-visions. Acesso em: 16 out. 2024.
  2. MEDEIROS, Lucas Fortunato Rêgo de; DANTA, Alexsandro Galeno Araújo. O coletivo Critical Art Ensemble e a estética do distúrbio. Simbiótica. Revista Eletrônica, v. 7, n. 3, p. 196-227, 2020. Disponível em: https://www.redalyc.org/journal/5759/575965959009/html/. Acesso em: 23 out. 2024.
  3. FOLETTO, Leonardo Feltrin. Mídia tática e cultura hacker: Aproximações no contexto brasileiro. Revista Famecos, v. 18, n. 2, p. 180-190, 2011. Disponível em: http://baixacultura.org. Acesso em: 23 out. 2024.