Jornalismo Básico 2: reportagens especiais/Reportagens do JOB/Brenda Zacharias e Thaís Monteiro

Fonte: Wikiversidade

O acolhedor barulho das ruas

Pela calçada de ladrilhos preto e branco da rua 3 de Dezembro, no Centro Histórico de São Paulo, passam milhares de pessoas em um só dia. Dentre os prédios que de janelas largas, características dos anos 1970, em que se penduram ares-condicionados, um anciãõ, que data o ano de 1925, discretamente se destaca. Duas colunas jônicas crescem até os dez metros, e sustentam mais seis andares de janelas delgadas, enquanto a estrutura está nas pedras ásperas que formam as paredes do que parece ser o estabelecimento térreo. No centro, está a porta recém pintada de um cinza escuro, em que as grades de ferro se entrelaçam em um cansativo trabalho de arabescos. Já no centro superior, uma placa vermelha: Nova Opção Grill.

Gery, um homem de meia-idade, nos atende em uma das mesas do salão ainda vazio. Há dezoito anos saiu à procura de um ponto para abrir o próprio negócio no centro da cidade, e na época, o prédio pareceu bastante convidativo, especialmente pela localização. A região era infestada de agências bancárias, corretores de imóveis e da Bolsa de Valores. Nos últimos anos, grande parte desse contingente migrou para os novos centros econômicos da cidade, como a Faria Lima, mas foi substituído com a vinda de mais turistas, atraídos pela “revitalização” do Centro, e funcionários públicos. O prédio que abrigou dois bancos e dois cartórios no passado, hoje é tombado como patrimônio histórico e dispõe somente a placa quadrada na porta como sinalização. E isso já é demais para ele, que prefere a discrição da clientela de sempre.

O Nova Opção também cobra o quilo mais caro da região: R$ 81,90. Gery afirma que sua proposta desde o início era trazer um diferencial para a gastronomia da região, primando por ingredientes e receitas da melhor qualidade. Ainda assim, ele acredita atrair todo e qualquer tipo de consumidor, já que não está muito fora do que é cobrado por um prato feito: “Quando é um almoço de dia de trabalho, a pessoa não come muito mais do que cem ou duzentos gramas”, completa. Quando perguntado sobre o entorno e o público com que lida, se limita a dizer que não tem nada a reclamar.

Ofuscamento não é o problema de Luciana Aparecida. Acordada desde as 3 horas da manhã, trabalhando desde as 5, vende bolos, pães e café na esquina da Basílio da Gama com a avenida Ipiranga. Está ali desde que o carro do pai, enquanto a levava para outro ponto, quebrou e teve que fazer as vendas do dia por ali mesmo, há 3 anos. Antes vendia em Pinheiros, mas o movimento não era tão agradável, além de ser mais suscetível a batidas da polícia. Ali, na República, já conquistou um público amigo, e a quase garantia da média de R$700 por mês. A concorrência não está em uma unidade da grife americana Starbucks do outro lado da rua, mas nas outras pessoas que vendem as mesmas coisas e que se multiplicaram nos últimos anos. Ainda não conseguiu a licença para firmar de vez a sua banca na região, mas crê que em breve conseguirá.

A chamada revitalização do Centro inibiu que os ventos sentidos por Luciana em sua esquina fossem os mesmos dos bancários e visitantes. Nos imponentes prédios tombados como Patrimônio Histórico e Cultural da cidade, se encostam moradores de rua. As fachadas limpas e ruas largas não são convites de entrada, mas uma afirmação de poder - quem manda é o Banco, a fome é suprida por uma elegância hostil, e o acolhimento é para poucos. Ovídio, que tem uma banca na rua Álvares Penteado há 16 anos, nos contava que a região era lotada de ambulantes, que foram todos varridos por uma época, e que agora começam a dar as caras novamente. Três homens chegaram cambaleando e se atrapalhavam com o dinheiro dos bolsos vazios. Queriam um maço de cigarros, e no mesmo momento, e no mesmo momento, Ovídio se afastava do grupo. Luiza, casada com ele e responsável pelo caixa, nega o pedido. "Vagabunda mentirosa", resmunga como resposta. O dono da banca se vira e nos diz: “Querem saber como é o Centro? O Centro é isso aí”. Na esquina, outros dois homens limpavam a fachada amarela do CCBB.