Categoria:Formação Intermediária-Educação Artística

Fonte: Wikiversidade

EDUCAÇÃO PARA UMA COMPREENSÃO CRÍTICA DA ARTE NO ENSINO FUNDAMENTAL: FINALIDADES E TENDÊNCIAS

Dra. Teresinha Sueli Franz[1] e Lila Emmanuele Kugler[2]

RESUMO

Este artigo trata de fazer uma breve revisão teórica e crítica com enfoque histórico das Artes Visuais no Ensino Fundamental. Além de rever abordagens históricas, aponta mudanças nas finalidades e nas tendências pedagógicas no ensino das Artes Visuais neste nível educacional. Esta reflexão é feita à luz da dinâmica histórica, relacionando o ensino de Arte às mudanças de paradigmas nas ciências humanas, nas artes e na educação em geral.

PALAVRAS-CHAVE: Artes visuais. Ensino fundamental. Crítica. Tendências. Finalidades.

ABSTRACT 
 
This article aims to briefly carry out a theoretical and a critical revision, as well as a historical account of visual arts into fundamental education. Besides of reviewing historical approaches, it points to changes of pedagogical objectives and trends of the visual arts teaching at school education. This reflection is done at the light of a history dynamics relating the arts teaching to paradigms changes at human sciences, at arts and at education in general. 
 
KEY WORDS: Visual arts. Fundamental education, critics, trends, objectives. 

Introdução

Nas últimas décadas do século XX, consideráveis transformações aconteceram no ensino escolar em Artes Visuais, em especial no ensino fundamental. Os discursos sobre as tendências pedagógicas e sobre as finalidades do ensino da arte[3] neste nível escolar passaram por significativa revisão. Como não poderia deixar de ser, estas mudanças provém de questões mais amplas. No entanto, pouco se sabe ainda sobre como elas repercutem no ensino de Arte nas escolas hoje, motivo que levou ao desenvolvimento da pesquisa “A Educação para uma compreensão crítica da arte no ensino fundamental.”[4]

A promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN) nº 9.394/96 traz novas questões, regulamentadas através de uma série de normas governamentais. Elas se fazem notar mais claramente a partir da segunda metade da década dos noventa, visando à adequação do sistema educacional brasileiro a nova ordem econômica e social. Apontam para consideráveis mudanças nas Artes Visuais no ensino fundamental. Para compreender estas transformações no contexto de ensino de Arte contemporâneo, é necessário revê-lo a luz da dinâmica histórica, relacionando-o às mudanças de paradigmas, nas ciências humanas, nas artes e na educação em geral. Estas são questões centrais que guiam este texto, com pretensões de fazer uma breve revisão teórica e crítica, com enfoque histórico, das Artes Visuais no ensino fundamental.

 

Arte no ensino fundamental

A LDBEN nº 9.394, promulgada em 20/12/1996, no seu art. 26, § 2º, afirma: “o ensino de arte constituirá componente curricular obrigatório, nos diversos níveis da educação básica[5], de forma a promover o desenvolvimento cultural dos alunos.” Revogada a legislação anterior a denominação “ensino de Arte” é adotada no lugar de “Educação Artística” conforme vinha sendo chamado esta disciplina escolar desde a LDB 5.691/71.

O ensino fundamental previa inicialmente a duração mínima de oito anos, considerado obrigatório e gratuito, na escola pública. Passa a ser prolongado para nove anos, uma vez que a Lei Federal nº 11.114, de 05/2005, modifica a redação dos arts. 6º, 30º, 32º e 87º da LDB 9.394/96, tornando possível a matrícula das crianças a partir dos seis anos de idade neste nível de ensino. Depreende-se deste documento que o fundamental passará a ter cinco anos iniciais (com o início sendo antecipado em um ano, de seis a dez anos de idade) e quatro anos finais (de 11 a 14 anos de idade).

Esta questão, no entanto, se torna obrigatória a partir da Lei nº 11.274, de 06/02/2006, que instituiu a obrigatoriedade do ensino fundamental de nove anos, com matrícula aos seis anos de idade, estabelecendo prazo de cinco anos para que todos os sistemas se adaptem à ampliação do ensino fundamental. Nesse prazo, devem ser tomadas providências, como a adaptação da estrutura física das escolas, a construção de salas de aula e a formação continuada de professores e gestores de educação.

Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) para o Ensino Fundamental, elaborados pelo Ministério da Educação (MEC), “contemplam a área Arte, dando-lhe abrangência e complexidade” (PENNA, 2001, p.31). Estão nas escolas desde 1997 (1ª a 4ª séries) e desde final de 1998 um volume para as 5ª a 8ª séries deste nível de ensino. As opiniões sobre os PCNs são diversas, em todo o caso, eles assinalam uma mudança considerável no ensino da Arte. Propõe quatro modalidades artísticas para todo o ensino fundamental: Artes Visuais (não mais apenas voltado para as Artes Plásticas, mas também para as demandas da cultura visual em geral: publicidade, cinema, Televisão, Histórias em Quadrinhos, fotografia, artes gráficas, produções com novas tecnologias,...); Música; Teatro e Dança. Esta mudança traz novas demandas em relação à formação de professores nas diversas linguagens citadas.

Se isso já era um problema na década de setenta, quando a arte foi instituída na escola como disciplina nas quatro últimas séries do então chamado 1º grau (hoje ensino fundamental), onde a docência nesta área de ensino se baseava em desenvolver meras atividades artísticas, hoje, quando o ensino de Arte se direciona para a valorização dos conhecimentos específicos de cada linguagem,  aumenta a exigência da presença do professor especialista em cada uma dessas linguagens citadas nos PCNs - Arte. Por outro lado, as incoerências também aparecem entre os objetivos, as metodologias e as finalidades do ensino das Artes Visuais no ensino fundamental. O estudo dos PCNs Arte para este nível de ensino aponta para a mesma incongruência em relação aos propósitos de uma educação pós-moderna.

Os Parâmetros Curriculares Nacionais e Estaduais, por um lado, apontam para mudanças positivas e, por outro, apresentam contradições que podem confundir professores e estudantes quanto às tendências pedagógicas e as finalidades da educação. Por exemplo, quando apostam na “fruição[6]” das obras da cultura visual a partir do contato direto entre estudante e obra, e na defesa da idéia de que “a obra de arte fala por si mesma” (PCN - Arte, v.6, p.38). Estas crenças entram em conflito com o discurso pós-moderno do ensino da arte, que exigem do professor uma competente mediação, pois a compreensão crítica e complexa dos significados culturais, e históricos da cultura visual somente pode ser alcançada mediante estratégias didáticas adequadas, através do uso de metodologias críticas, claras e bem fundamentadas no ensino das Artes Visuais.

Nos meios de ensino brasileiros, a obra de arte (ou a imagem dela) começa a ganhar evidência com a “Proposta Triangular", que compreende o ensino da arte articulando três vertentes do conhecimento artístico: “o fazer artístico, a leitura da imagem e a História da Arte” (BARBOSA, 1991).

Sistematizada inicialmente no departamento de educação do Museu de Arte Contemporânea de São Paulo, esta proposta de ensino é hoje prática cada vez mais comum nas escolas brasileiras. O mais habitual é a utilização de imagens ou reproduções de obras de arte para a prática educativa comumente chamada de leitura de obra de arte. Ainda que realizada geralmente de forma simplificada, é a partir desta proposta metodológica que a obra de arte passa a ser considerada mais seriamente como objeto de estudos na educação escolar.

 

Tendências pedagógicas no ensino de Artes Visuais: considerações históricas

Para compreender o campo teórico de onde se originam nossas práticas pedagógicas, é indispensável fazer uma revisão histórica das tendências pedagógicas no ensino da arte na escola. Instituída no currículo escolar pela LDB nº 5.691/71, em plena época da ditadura militar, com o nome de Educação Artística, esta disciplina escolar fundamentava-se principalmente nos princípios da Escola Nova e Tecnicista. Explicam Fusari e Ferraz (1992, p.15):

com relação à Educação Artística que foi incluída no currículo escolar pela Lei 5692/71, houve uma tentativa de melhoria do ensino de Arte na educação escolar, ao incorporar atividades artísticas com ênfase no processo expressivo e criativo dos alunos. Com essas características, passou a compor um currículo que propunha valorização da tecnicidade e profissionalização em detrimento da cultura humanística e científica predominante nos anos anteriores. Paradoxalmente, a Educação Artística apresentava, na sua concepção uma fundamentação de humanidade dentro de uma lei que resultou mais tecnicista.

Tratava-se de uma tentativa de superar a Pedagogia Tradicional, onde o ensino das artes visuais foi praticamente reduzido ao desenho, apresentado com um sentido utilitário de preparação técnica para o trabalho. Este valorizava o traço, o contorno e a repetição de modelos que vinham principalmente de fora do país. O desenho de ornatos, a cópia e o desenho geométrico visavam à preparação do estudante para a vida profissional e para as atividades que se desenvolviam tanto em fábricas quanto em serviços artesanais (FERRAZ e FUSARI, 1993, p.30).[7]

No ensino Tradicional, o ensino e aprendizagem de Arte visavam apenas à transmissão de conteúdos reprodutivistas, de caráter essencialista, e universalista, completamente desvinculados da realidade social e cultural. Havia uma verdade absoluta a defender, geralmente vinculada a arte do homem branco, ocidental e erudito.

Muitas das práticas artísticas desenvolvidas nas escolas hoje são herdadas da tendência pedagógica da Escola Nova. É comum hoje dizer que não podemos mais reduzir o ensino de arte ao desenvolvimento de meras atividades artísticas, e que o ensino da arte tem conteúdos específicos, porque arte é conhecimento.

No entanto, na década de 70, mais especificamente a partir de 1973, quando as primeiras Licenciaturas de Educação Artística foram implantadas no Brasil para atender as demandas da recém instituída disciplina escolar, os professores destes cursos ensinavam principalmente a desenvolver técnicas artísticas. Os estudantes destes cursos de graduação aprendiam também que era necessário respeitar a liberdade de expressão das crianças e adolescentes. Esta crença fortemente calcada nos princípios da Escola Nova incentivava a livre expressão. Ensinava-se também o Desenho Geométrico, que conforme explica Barbosa (2002, p.11), é uma herança do século XIX, dos pressupostos difundidos na época.

A idéia da identificação do Desenho Geométrico que é compatível com as concepções liberais e positivas dominantes naquele período, ainda encontra eco cem anos depois em nossas salas de aula e na maioria dos compêndios de Educação Artística, editados mesmo depois da reforma de 1971.

Na Pedagogia Tecnicista o aluno e o professor assumem uma posição secundária na construção do conhecimento escolar. O papel principal é delegado ao sistema técnico de organização escolar. De acordo com esta tendência pedagógica, o uso de recursos audiovisuais e tecnológicos na escola, assinalavam para uma suposta modernização do ensino. Acreditava-se que desta forma a escola atenderia melhor a finalidade de preparar o estudante para o moderno mundo do trabalho, centrado agora cada vez no uso das tecnologias. As finalidades do ensino da arte eram o “saber construir” e o “saber expressar-se” espontaneísta, com o uso de materiais diversos, como sucata, por exemplo. O ensino era totalmente descontextualizado e reduzido aos aspectos técnicos, (FERRAZ E FUZARI, 1993). 

Efland, Fredmann e Sthur (2003) explicam as práticas pedagógicas acima citadas como uma herança das tendências pedagógicas dentro do marco da Modernidade. Cada novo paradigma acima citado propunha cancelar os sistemas educativos que o haviam precedido, embora na prática as tendências pedagógicas Tradicionais, Escolanovista e Tecnicista convivem até hoje, mescladas entre si. Por outro lado, se partia do pressuposto de que cada uma destas Tendências Pedagógicas apresentava mudanças que consistiam em progresso no ensino da arte.

Também podemos encontrar explicações na Teoria Crítica. Segundo Cary (1998) esta se refere ao papel histórico da escola nos Estados Unidos[8] e da educação como veículos para satisfazer as necessidades de força de trabalho do complexo industrial. Onde a escola era vista como um instrumento de dominação. Principalmente a partir das décadas de 50 e 60 do século XX. Quando exigências tecnológicas e científicas motivaram um dramático aprofundamento das ciências e da matemática, “relegando as artes à margem dos currículos e da sociedade” (CARY, 1998, p. 40).

O mesmo se deu em nosso país, com raízes que remontam às influências liberais e positivistas do século XX, chegando ao tecnicismo, até a década de 70, como resquícios também da influência direta da guerra fria, entre outros fatores sociais (Proposta Curricular de Santa Catarina, 1998, p.192). Fazendo uma revisão histórica nos Estados Unidos, o autor antes citado concluiu que este passado recente sublinha a necessidade de os pedagogos de hoje desenvolverem compreensões críticas acerca dos modos que o educando se conecta aos contextos culturais e sociais contemporâneos e as suas implicações para o ensino de artes visuais hoje (DIAS e FRANZ, 2005).

Ao lado das tendências pedagógicas Tradicional, Escolanovista e Tecnicista, repercute no Brasil entre 1961-1964, o trabalho desenvolvido por Paulo Freire.

Voltado para o diálogo educador-educando e visando à consciência crítica, influencia principalmente movimentos populares e a educação não-formal. Retomado a partir de 1971, é considerado nos dias de hoje como uma ‘Pedagogia Libertadora’, em uma perspectiva de consciência crítica da sociedade (FERRAZ e FUZARI, 1993, p.33).

Inspirados nos ideais de Paulo Freire, aos poucos, alguns arte-educadores passam a rever suas práticas, apostando no papel da escola e da educação com agentes de transformação sociocultural. O professor dentro desta perspectiva começa a rever seu papel de mero transmissor ou facilitador para o de mediador. O ensino da arte passa ser concebido como área de conhecimento. Onde segundo Ana Mae Barbosa (1991, p.17) começamos a entender “o conceito de arte-educação como epistemologia da arte e/ou arte-educação como intermediário entre arte e público.” De onde nasce também a Proposta Triangular (BARBOSA, 1991) no ensino da arte, valorizando o fazer artístico consciente e informado, o estudo da obra de arte de adultos, e a ampla contextualização dela. No bojo desta revolucionária proposta nasce a idéia de que o ensino da arte bem orientado pode preparar os estudantes para desenvolver a sensibilidade e a criatividade através da compreensão das obras de arte.

Tendências contemporâneas no ensino das Artes Visuais

Desenvolver habilidades de interpretação crítica de obras de artes é considerado por muitos teóricos e educadores a principal meta do ensino em Arte hoje, princípio este válido tanto para a arte erudita quanto para as tendências e impactos da cultura popular e da arte do cotidiano (EFLAND, 1998). Levar a cabo esta tarefa, no entanto, nem sempre é fácil. O problema consiste no fato de que os professores são desafiados a ensinar aos seus alunos algo que muitas vezes eles próprios não compreendem, o que é também resultado das históricas barreiras criadas em torno deste campo, assim como da crença de que ao professor de Arte cabe apenas ensinar crianças a desenhar, pintar, cantar e encenar (FRANZ, 2003a). O Pós-Modernismo, como paradigma cultural e movimento estilístico da arte, questiona as abordagens formalistas e esteticistas de leitura da obra de arte, uma vez quer nem para a arte, nem para os artistas contemporâneos estas questões interessam mais. A arte/educação baseada numa concepção pós-modernista é necessariamente conectada a amplitude da vida, sem limites entre ela e seu contexto sociocultural.

A perspectiva da educação para a compreensão crítica da arte no ensino fundamental, abordagem que guia nossa pesquisa, atende as finalidades da educação pós-moderna, que segundo Gadotti (2002) é sempre crítica, emancipatória, multicultural e está intimamente ligada com a cultura. Seguimos neste estudo as teorias oriundas de autores que seguem a análise crítica Pós-Moderna, entre eles Arthur Efland, Kerry Fredmann e Patrícia Sthur (2003), Peter MacLaren (2000), Fernando Hernández (2000), Joe Kincheloe (1997), Henry Giroux (1996 e 1992) e Franz (2003, 2003a e 3003b). Fundamentamos-nos também na Teoria Crítica a qual, na perspectiva que explica Richard Cary (1998, p.8), é uma escola de filosofia relativamente nova, que prevê uma das fundações para situar o lugar da arte nas escolas da era pós-moderna. Encoraja uma conversação sobre liberdade, conhecimento, poder e cultura contemporânea entre os participantes das instituições do mundo da arte e da educação em Arte.

Conscientes de seu papel na sociedade, arte/educadores pós-modernos, são participantes da Pedagogia Crítica, e engajados na produção artística contemporânea, o que implica reconhecer, explorar e conciliar-se com o Pós-Modernismo como um paradigma cultural e como um movimento estilístico (CARY, 1998). As pedagogias críticas adotam a arte de acordo com a perspectiva multicultural. Este enfoque consiste em algo além do que apenas incluir  unidades e lições sobre outras culturas no currículo escolar. Implica em centrar nosso interesse nos grandes temas e funções da arte, que são interculturais (RICHTER, 2003) e transculturais. Implica também em não deixar passar a oportunidade de incluir exemplos de culturas locais e de arte, relacionados com temas mais concretos e próximos da vida dos estudantes (CHALMERS, 2003, p. 140).

A perspectiva da educação para uma compreensão crítica da arte, a obra citada é compreendida dentro de um sistema geral de formas simbólicas a que chamamos cultura, como explica Geertz (1997), onde uma teoria da arte é ao mesmo tempo uma teoria da cultura e não um empreendimento autônomo.

Para compreender obras artísticas como representações socioculturais (e não puramente estéticas) é necessário desenvolver complexos estudos, que exigem o domínio de diferentes âmbitos do conhecimento humano. Estes conhecimentos, segundo Franz (2003), podem ser de diversos campos, tais como da História Cultural, da Antropologia, da Estética e da Pedagogia. A partir de abordagens socioculturais e contextualistas, e com base nas teorias críticas da arte e da cultura, através de uma pedagogia problematizadora e dialógica (FREIRE, 1987) nas abordagens pós-modernas de ensino de Arte, valorizamos também a relação que os indivíduos estabelecem entre a arte e sua vida pessoal e social. Em Franz (2003) foram ordenados também os âmbitos biográficos e crítico social na relação entre a compreensão das artes visuais e a educação. Desta maneira a aprendizagem faz sentido para os estudantes, “especialmente quando a conectam com os próprios interesses, experiências de mundo e vida” (Parsons, 2006, p.296). Este autor também defende a idéia de que para obter significado e compreensão da arte são necessários conhecimentos de outras disciplinas. Ele diz que um currículo integrado é mais adequado para ensinar e aprender determinados tipos de idéias com as quais nenhuma disciplina é capaz de lidar sozinha. Para resolver o problema da complexidade da compreensão da arte, Fernando Hernández (2000) apresenta a proposta de ensino por projetos de trabalho, abordagem interdisciplinar e transdisciplinar da arte e da educação, que hoje se coloca entre as principais tendências pedagógicas no ensino.

Essas novas maneiras de abordar o ensino da Arte estão diretamente relacionadas às finalidades do ensino hoje. Nas tendências contemporâneas do ensino de Artes Visuais as finalidades da educação vão além do desenvolvimento  da sensibilidade, da criatividade, da percepção, do senso estético ou das habilidades técnicas para o mundo do trabalho (como quer a arte e a Educação Moderna). Nas tendências pedagógicas contemporâneas em Arte e Educação as finalidades do ensino tornam-se mais complexas e mais alinhadas com os objetivos de toda a educação escolar.

A principal meta do ensino de Arte hoje é ajudar os estudantes que passam pela escola a entender criticamente a sociedade e a cultura. Arte/educadores contemporâneos defendem também a idéia de que o ensino da Arte é um poderoso instrumento para resgatar a auto-estima, fortalece a identidade, ao mesmo tempo em que pode contribuir e propiciar a inclusão social e a educação para a cidadania e a democracia.

Porém, estas ambicionadas metas não aparecem explícitas nas normas que regem o ensino da Arte. No que diz respeito a LDB nº 9.394/96, a finalidade geral da educação básica, teve pequena alteração em relação à legislação anterior. Fala-se no pleno desenvolvimento do educando, no preparo para o exercício da cidadania e na tão desejada qualificação para o trabalho. Quanto à finalidade específica do ensino de Arte, no art. 26 § 2º, fica claro que se espera “promover o desenvolvimento cultural dos alunos.” O que é pouco.            Hernández (2000) comenta que a educação para a compreensão crítica da Arte pode ajudar-nos a entender como a Arte contribui para fixar visões sobre a realidade e a identidade dos alunos. Visões que têm a ver com noções como “verdade”, “reconhecimento do outro”, “identidade nacional”, “versões da história”. Estas perspectivas consideram “as obras artísticas mediadoras de significados sobre o tempo e o espaço dos quais emergem.” Segundo, por exemplo, os princípios de Jerome Bruner, herdeiro da visão de Dewey, onde as “regras da linguagem deslocam-se para a interpretação do discurso” (HERNÁNDEZ apud FRANZ, 2003, p.129) ou dos vários discursos possíveis.

Esta abordagem crítica cultural pós-moderna começou a ter impacto no discurso educacional, propiciando entre nós o nascimento de uma Pedagogia Crítica da Arte (EFLAND, 1998). Este autor chama a atenção para este fato e diz que estas formas de crítica cultural representam hoje a ala esquerdista do discurso educacional.

Segundo Richard Cary (1998), para enfatizar e valorizar uma Pedagogia Crítica da Arte é necessário reconhecer o valor de relacionar as práticas de Arte no cotidiano das escolas com o mundo da arte contemporânea.  Buscar ao mesmo tempo o engajamento com a arte do passado e a do presente. Mas este engajamento implica compreender a arte em seus contextos de origem, dentro do paradigma sociocultural. O autor citado nos convida a redefinir os termos da racionalidade, da lógica e do senso comum formado e construído sob os termos do paradigma positivista moderno. Isto acontece, uma vez que os paradigmas culturais que nos antecederam, como o Romantismo e o Modernismo, falharam ao não reconhecer a relação entre conhecimento e poder, pois segundo Cary (1998, p.338): “(1) o conhecimento é construído socialmente e intrinsecamente subjetivo; (2) o conhecimento é impregnado de valores e formado por interesses de poder.” Esses princípios, segundo este autor, são mais do que aplicáveis à Arte e ao seu ensino, eles são o fundamento da Pedagogia Crítica da Arte.

O engajamento da arte/educação contemporânea com o paradigma pós-moderno tem conseqüências enormes para a arte-educação atual (MASON, 2001, p.13). Cada vez mais o conceito de pura apreciação da arte perde o sentido, dando lugar às abordagens contextualistas, instrumentalistas e interdisciplinares para o estudo da arte.

Considerações finais

Além das questões acima colocadas, as tendências e finalidades da Arte no ensino fundamental na contemporaneidade apontam também para e necessidade de quebrar as barreiras que separam a arte erudita da cultura popular e das imagens do cotidiano. Kincheloe (1997) denuncia os antagonismos entre a cultura popular do aluno - que pode representar uma fonte de prazer pela convivência com elementos pertencentes ao seu imaginário social.

Para além de uma visão superficial das culturas regionais e dos discursos locais, Chalmers, (2003) afirma que uma investigação multicultural exigirá contemplar as obras artísticas no contexto cultural de cada uma delas. Há também a necessidade de uma maior relevância a grupos tradicionalmente marginalizados e desvalorizados, segundo Cary (1998), a educação multicultural pode servir para fortalecer grupos sociais oprimidos econômica e politicamente. Por esta razão, o multiculturalismo constitui uma questão eminentemente pós-moderna.

Segundo Carr (1996), a ciência crítica da educação propõe aos professores que construam suas práticas sociais voltadas à reflexão e a racionalidade, tendo uma posição articulada, pois a prática educativa é uma forma de poder, onde os professores podem exercer mudanças e por isso devem estar atentos às novas posturas contemporâneas da Teoria Social Crítica, que aponta os erros que foram cometidos ao longo da história da educação e fornece soluções possíveis para os problemas na educação em Arte.

Na educação para a compreensão crítica, a história da arte há de ser compreendida como prática de representação que contribui para a configuração atual das políticas da diferença e das relações de poder. Se a arte nem sempre opera de forma dialética e pura, nossa postura pedagógica deve ser crítica (FRANZ 2003b).

Na pós-modernidade, a interpretação da arte depende da compreensão de códigos culturais que circulam nos contextos de origem da obra, dos modelos em que os diferentes modos de vida social são construídos, das idéias que as pessoas têm de si, das práticas que emergem dessas idéias (ROSE, 2001).

A arte-educação nesta perspectiva pode ser dialética, emancipatória e inclusiva, partindo de uma prática restauradora, transgressora, intercultural e crítica, como um poderoso instrumento para reafirmar a singularidade na diversidade (AZEVEDO, 2003). A Arte/Educação se apresenta então como um caminho para estimular a consciência cultural do indivíduo, começando pelo reconhecimento da cultura local (BARBOSA, 1998, p.13). Esta identificação crítica com o marginalizado, segundo Kincheloe (1997), produz uma suspeita pós-moderna da inclinação do Modernismo por fixar limites e por sua tendência para subordinar e excluir.

No sentido que ensina Giroux (1992) os estudantes devem ser ensinados a pensar criticamente. Nesta perspectiva, a Pedagogia Crítica pode ser um caminho possível para se engajar na luta por uma sociedade melhor. Esta abordagem pedagógica pode levar o estudante a uma visão mais crítica e mais holística da realidade, “deixando de perder-se nos esquemas estreitos das visões parciais da realidade, das visões focalistas da realidade e se fixe na compreensão da totalidade” (FREIRE, 1987, p.100). Vemos em Mclaren (2000, p.7) que uma articulação pós-modernista de resistência pode não apenas teorizar de onde os grupos marginalizados falam, mas também “pode fornecer aos grupos um lugar a partir do qual eles possam mover-se para além de uma identidade étnica estreita e essencializada.”

Para entrar em sintonia com as tendências e finalidades do ensino de Arte contemporâneo, é necessário rever os marcos característicos da modernidade, que entende a arte como expressão subjetiva ou manifestação da essência individual (EFLAND, FREDMANN e STHUR, 2003, p.17). Por mais que a Modernidade, como movimento estético, passe por uma fase de transformação ou que chegue possivelmente a seu fim, por que deveria isto afetar os professores de Arte? Uma das razões é que muitas das práticas empregadas hoje em dia, senão a maioria, estão baseadas em concepções modernas da Arte. Onde o aluno é avaliado na sua originalidade e expressividade individual, herança do expressionismo. Se hoje as obras de arte são compreendidas mais como práticas sociais e culturais, os professores de Arte necessitam fazer esta relação com os trabalhos de arte dos estudantes. O expressionismo (visão modernista de arte) distingue as obras de arte de quaisquer outros objetos porque os entende como criações de artistas únicos, individualistas, abordagem hoje questionada.

Se a finalidade da educação em Artes Visuais no ensino fundamental ensinar os estudantes a compreender criticamente o mundo que os rodeia, o universo de Artes Visuais também se amplia. A arte feita pelos artistas é apenas uma parte de nosso campo de estudos. O foco também vai para a cultura popular e a arte do cotidiano. As tendências pedagógicas apontam para o universo da Cultura Visual em geral.

Ao se valer, por exemplo, de outras imagens e objetos da Cultura Visual, tais como quadrinhos, mídia, propagandas de TV, os professores adentram o mundo simbólico e visual dos estudantes. E se aproximam da meta principal do ensino de Artes Visuais na contemporaneidade: que é ensinar a desenvolver uma compreensão crítica sobre o entorno cultural, educar para a democracia e para a cidadania, o que em última instância coloca esta disciplina escolar lado a lado com os demais campos de conhecimento escolar a desenvolver uma compreensão crítica sobre o mundo e sobre o modo como atuamos nele.

Para finalizar, cabe assinalar que a Arte/Educação neste momento está se organizando a nível internacional como nunca antes visto na história. Em março de 2006, estiveram reunidos em Lisboa, na última Conferência Mundial da UNESCO associações da área do Drama/Teatro e Educação (IDEA), da Educação Musical (ISME) e Educação pelas Artes (INSEA) para definir estratégias integradas e pensar uma agenda para século que inicia com base na história do homem contemporâneo: de fragmentação social, violência urbana e ecológica, cultura global competitiva dominante e marginalização (Documento da Conferência Mundial de Educación Artística da UNESCO).

Estes segmentos estão conscientes das demandas sócio-culturais contemporâneas, reconhecem o impacto e os desafios tecnológicos no presente e futuro imediato. Percebem que as sociedades pós-industriais, baseadas no conhecimento e na informação, requerem políticas e ações em Arte/Educação que ajudem a formar cidadãos mais flexíveis, capazes de pensar crítica e imaginativamente, acordos interculturais e um firme compromisso com a diversidade cultural.

Desta forma, pesquisas comprovam que estes atributos pessoais são cada vez adquiridos pelo processo de aprendizagem e vivência com as linguagens artísticas. Reconhecem as Associações de Arte/Educação citadas que é necessária ação e vontade política para integrar as Artes em uma educação efetiva para todos, como instrumentos vitais para aprendizagem dos direitos humanos da cidadania responsável e da democracia inclusiva.

Por último, parece não haver dúvidas de que qualquer agenda para pensar as Artes Visuais no ensino fundamental (e outro contextos) para o século XXI há de ser baseada também em pedagogias que visem uma transformação pessoal e social.


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[1]              Docente do Departamento de Ciências Humanas, do Centro de Artes da Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC), Florianópolis, Santa Catarina. E-mail: terefranz@udesc.br

[2]              Acadêmica do Curso de Educação Artística - Habilitação em Artes Plásticas. Bolsista de Iniciação Científica, da Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC) entre agosto de 2005 e julho de 2006. E-mail: lila_kugler@yahoo.com.br

[3]              Neste texto, o termo arte apresenta-se grafado com letra minúscula quando se refere à área de conhecimento humano, e com maiúscula quando esta área é componente curricular.

[4]              Esta pesquisa teve início em agosto de 2004. No primeiro ano contou com um bolsista PROBIC – UDESC, o então acadêmico Gustavo Dias. Naquele ano foram entrevistados nove professores de escolas de ensino fundamental em Florianópolis. No segundo ano, com nova bolsista PROBIC, desta vez a acadêmica Lila Kugler, foram entrevistados sete professores. Como pesquisa complementar outros dados foram levantados na Secretaria de Estado da Educação. Os dados estão sendo estudados e interpretados para futura divulgação.

[5]              A educação básica é formada pela educação infantil, ensino fundamental e ensino médio (LDBEN nº 9.394, art. 21).

[6]              A palavra “fruição” no Michaelis: Moderno dicionário de língua portuguesa, que dizer: gozo, posse, desfrute.

[7]              O ensino considerado Tradicional não é apenas coisa do passado. Em alguns aspectos ele perdura até hoje. Por exemplo, quando na sala de aula, o conhecimento é centrado no professor, e quando o estudante consolida esta posição autoritária acreditando que o seu papel na produção de conhecimentos na sala de aula é passiva e receptiva. Nas tendências contemporâneas do ensino de Arte o professor é um mediador e o estudante participa ativamente na construção do conhecimento.

[8]              O que pode ser relacionado com o contexto do ensino de Arte brasileiro, sempre tão dependente das políticas norte-americanas. Ana Mae Barbosa (1991, p.9) lembra que no Brasil, o ensino da arte passa a ser oficializado mediante acordo oficial entre o MEC-USAID, que reformulou a educação brasileira, estabelecendo em 1971 os objetivos e o currículo configurado pela LDB nº 5.692/71.

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