Categoria Discussão:Formação Intermediária-Sociologia
Adicionar tópicoA formação do pensamento sociológico no Brasil
No Brasil, o processo de formação, organização e sistematização do pensamento sociológico obedeceu às condições de desenvolvimento do capitalismo e à dinâmica própria de inserção do país na ordem capitalista mundial. Refletindo, portanto, a situação colonial, a herança da cultura jesuítica e o lento processo de formação do Estado nacional.
No período colonial, a cultura religiosa foi utilizada como um importante instrumento de colonização. A Ordem dos Jesuítas com sua filosofia universalista e escolástica, durante três séculos, exerceram o monopólio sobre a educação. O pensamento culto e a produção artística que no país à época se desenvolveram, introduzindo paralelamente um sistema misto de exploração do trabalho indígena que, combinado com o ensino religioso, agiu de modo a aniquilar gradativamente a cultura nativa, submetendo as populações escravas e distinguindo drasticamente as camadas cultas daquelas que realizavam o trabalho braçal. De forma que se pode afirmar que a cultura do Brasil colonial mantém e ostenta ao longo de sua vigência um caráter ilustrado, de distinção social e dominação.
No século XVIII, ocorre o surgimento e a influência das classes intermediárias, o desenvolvimento da mineração promove importantes transformações sociais, alterando a sociedade colonial que, até então, dividia-se em: donos de terra e administradores de um lado e escravos de outro. Surgindo ocupações novas: comerciantes, artífices, criadores de animais, funcionários da administração que controlavam a extração de minérios e sua exportação, e outras. A população livre passa a ser mais numerosa que a escrava. Essa camada intermediária livre e sem propriedades, torna-se consumidora da erudição e cultura européia, tentando distinguir-se tanto do escravo inculto como da elite colonial conservadora, contando para tanto, com o ensino praticado pelas ordens religiosas - caráter progressivo - estabelecidas em Minas Gerais à época. No campo das artes plásticas, passam a ser notadas manifestações nacionais, por meio de um barroco original e uma música de técnica surpreendente. Já, no que tange ao campo científico, a produção mostra-se ainda muito pequena, predominando, por sua vez, ainda o saber erudito voltado para os estudos jurídicos.
No que tange ao século XIX, com a transferência da corte joanina para o Brasil, em 1808, é introduzida na colônia a cultura portuguesa da época, resultante das influências do humanismo neoclassista francês e da produção cultural da Universidade de Coimbra. São fatos importantes, referente à época: a criação da ACADEMIA de Belas Artes, a fundação da imprensa, o lançamento do primeiro jornal, a organização da primeira Biblioteca Nacional e dos primeiros cursos superiores, que em parte rompem com a cultura escolástica e literária anterior. Neste período também se introduziu o instrumental prático destinado à formação e viabilização do aparelho administrativo do império, porém, ainda que voltada mais à praticidade, a cultura nacional continuava sendo alienada, ditada pelas formas européias, objetivando organizar o saber descritivo, funcional e ostentatório, bem como, garantir o domínio do poder imperial.
Nos movimentos intelectuais e literários até meados do século XIX, apesar de tratarem de questões políticas e sociais, a terra e a nação surgiram apenas como objeto, como tema, nunca como pensamento crítico desenvolvido a partir das condições próprias da nação. Essa dicotomia entre a realidade vivida e o conhecimento produzido e consumido pela elite não só mantinha a prevalência do caráter ostentatório da cultura de elite, como caracterizava uma nova forma de alienação, responsável pelo tardio desenvolvimento da ciência no Brasil. Somente após 1870, sob pressão do que ocorria na Europa, que significativas mudanças irrompem na sociedade brasileira, mudanças essas que fundidas a ciclos econômicos decadentes provocaram a emergência do pensamento crítico que passa a ser apresentado de forma incisiva, tanto na criação literária quanto na crítica social.
É de grande importância para o desenvolvimento do pensamento sociológico brasileiro o desenvolvimento do capitalismo no país. O desenvolvimento das atividades comerciais e de exportação, do início do século, com a formação da burguesia nacional, revolucionou o modo de pensar da intelectualidade e da sociedade brasileira. Essa revolução decorre da necessidade da nova classe, de um saber mais pragmático, menos vinculado a uma estrutura social herdada da colonização. A partir de então, verifica-se uma tentativa de ruptura com a herança cultural do passado e procura-se combater o analfabetismo, homogeneizar os valores e o discurso, criar um sentimento de patriotismo que levasse a mudanças reais na estrutura social, repudiando todo traço de colonialismo, de atraso e importação cultural. Mas apesar de podermos reconhecer que desde o final do século XIX, já se possa verificar no Brasil uma espécie de pensamento sociológico, desenvolvida por Euclides da Cunha, dentre outros, a sociologia entendida como atividade autônoma voltada para o conhecimento sistemático e metódico da sociedade, só irrompe na década de 30 do século passado. Época em que o mundo liberal entrou em crise profunda e as relações econômicas internacionais mostraram suas contradições mais agudas, afinal, é no momento de crise que a crítica se desenvolve, sistematizando-se de maneira científica na sociologia.
A década de 1930 e o surgimento da análise sociológica brasileiraGeração de 30
A sociologia, como atividade voltada para o conhecimento sistemático da sociedade, só aparece na década de 30 com a fundação da Universidade de São Paulo, embora o pensamento sociológico já exista no Brasil desde o final do século XIX, desenvolvido por Euclídes da Cunha em sua obra Os Sertões e nas idéias abolicionistas e republicanas.
Nessa época uma das preocupações em geral dos intelectuais era o interesse da descoberta do Brasil verdadeiro, contradizendo aquela visão etnocêntrica dos europeus. Buscavam também desenvolver e modernizar a estrutura social brasileira. Os intelectuais desse período ficaram conhecidos como geração de 30, dentre eles podemos destacar:
Gilberto Freyre
Gilberto de Melo Freyre nasceu em Recife-PE em 1900. Sua obra representou um divisor de águas na evolução cultural do Brasil e contribuiu para que o país encarasse com mais confiança seu papel no mundo moderno.
Fez sua pós-graduação nas universidades norte-americanas de Baylor (Waco, Texas) e Colúmbia (Nova York) onde esteve sob a influência de Frans Boas. Ao término do curso apresentou em 1922 a tese: Social live in Brazil in the middle of 19th century (A vida social no Brasil em meados do século XIX), que mais tarde se transformaria em seu famoso livro Casa-Grande & Senzala, publicado em 1932, tendo um impacto tão grande quanto Os Sertões de Euclides da Cunha. Nesta obra, Freire imprime sua visão poderosa e original dos fundamentos da sociedade brasileira, descreve com objetividade a contribuição do negro e o fenômeno da miscigenação na formação social do Brasil.
1.2- Caio Prado Júnior
Caio Prado vinha de uma das famílias mais ricas e conceituadas do Brasil naquela época. Ele procurava formalizar o método marxista para análise da realidade brasileira. Em seu livro Evolução política do Brasil (1933) interpretava a situação político-colonial brasileira a partir das relações internacionais capitalistas e seu mecanismo comercial, desde a expansão marítima européia.
Depois de uma viagem a União Soviética, em 1938, ele publicou, URSS: um novo mundo, desde então se torna militante de esquerda, assumindo a presidência da Aliança Nacional Libertadora, em São Paulo, motivo este de sua prisão e exílio (1935-1939). Ao voltar ao Brasil, publicou mais duas obras de grande repercussão nacional, Formação do Brasil Contemporâneo (1942) e Historia Econômica do Brasil (1945).
1.3- Plínio Salgado
Destacou-se pelo seu integralismo, com um movimento nacionalista, anticomunista, antiliberal e anti-semita. Via com desconfiança não só o movimento modernizador da sociedade, mas como também o liberalismo e o marxismo. Depois de uma viagem a Itália em 1930 onde conheceu Mussolini, voltou decidido a fundar um movimento fascista no Brasil. Já em 1932 publica o Manifesto de Outubro e participa da fundação da Ação Integralista Brasileira (AIB) que seria o meio de compatibilizar os aspectos dicotômicos da sociedade brasileira que, segundo ele, era estreitamente dualista.
1.4- Fernando de Azevedo
Mineiro de São Gonçalo de Sapucaí, em São Paulo, participa da fundação da Universidade de São Paulo, que, na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, ocupou a cadeira de Sociologia e foi diretor da mesma.
Antes na década de 20 foi responsável pela reforma do ensino no país a partir de experiências feitas no Rio de Janeiro e no Ceará. Ao mesmo tempo aristocrata e humanista, unia os anseios liberais e moderadamente socialistas. Em sua principal obra, A cultura brasileira, retoma a tese de uma unidade nacional baseada em diferenças regionais, culturais e éticas.
Sérgio Buarque de Hollanda
Inspirando-se na tese de Ribeiro Couto, que identificava o brasileiro como “homem cordial”, Sérgio realizou uma pesquisa de primeira mão, na intenção de negligenciar a interpretação dos fatos. Foi nessa documentação que ele se baseou para editar, em 1936, uma de suas principais obras, Raízes do Brasil, a qual o tornou autoridade internacionalmente reconhecida sobre assuntos do Brasil colônia. Foi um dos pioneiros a utilizar na análise histórica brasileira o método tipológico de Marx Weber. Em sua obra, Visão do paraíso (1959) consegue pela primeira vez intervir na visão estereotipada que os europeus tinham do Brasil.
Fundação da Escola Livre de Sociologia e Política e da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras.
A sociologia, como atividade autônoma voltada para o conhecimento sistemático e metódico da sociedade, só vem aparecer no Brasil na década de 30 com a fundação da Escola Livre de Sociologia e Política, que sofria forte influência norte-americana. E também da Universidade de São Paulo com a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, que se dedicava a estudos orientados pela sociologia européia, em destaque a francesa.
Ambas tiveram lecionando em seus âmbitos acadêmicos, professores vindos do exterior para a formação profissional de vários cientistas sociais. Na USP esteve no corpo docente a chamada “missão francesa” Lévi-Strauss, Georges Gurvitch, Roger Bastide, Paul Arbousse-Bastide, Fernand Braudel, entre outros. Já para Escola Livre de Sociologia e Política vieram Donald Pierson e Radcliffe-Brown, trazendo toda metodologia sociológica norte americana.
Foi de imensa importância a vinda desses intelectuais ao Brasil, que gerou um grupo de sociólogos que passaram a desenvolver todo conhecimento adquirido em pesquisas já no fim da década de 40, entre eles Maria Isaura Pereira de Queiroz, Ruy Galvão de Andrada Coelho, Florestan Fernandes, Antonio de Mello e Souza e Gilda de Mello e Souza, entre outros.
Década de 40
Esse foi um dos momentos mais críticos da história da humanidade, pois acontecia a Segunda Grande Guerra Mundial, que consolidou os EUA e a URSS como duas potencias mundiais opostas, tornando o mundo bipolar.
Nessa época, o Brasil adquiria uma consciência crítica de sua realidade, complexidade e particularidade. Onde se buscava o nacionalismo. Portanto, integração e mudanças eram temas recorrentes na sociologia do pós-guerra.
Não só o Brasil, mas diversos países latino-americanos receberam “cronistas viajantes”, assim descritos por Octávio Ianni, que nada mais eram do que intelectuais estrangeiros, que fugindo da guerra na Europa, procuravam estruturas sociais diferentes, sociedades que, por sua diversidade, poderiam realizar uma linha de raciocínio diferente daquela já conhecida.
Emílio Willems tem uma grande importância nessa época, devido à sua obra, Assimilação e populações marginais no Brasil, um estudo sociológico sobre a contribuição dos imigrantes germânicos e seus descendentes na história brasileira, que destaca situações de estudo brasileiras. Mas este interesse não se resumiu somente a ele, haviam também muitos jovens sociólogos interessados em avaliar a mobilidade social de diferentes grupos étnicos como negros, brancos, migrantes, imigrantes de diferentes nacionalidades, alemães, libaneses, japoneses, italianos.
Ele também teve grande importância na sociologia brasileira, junto com Romano Barreto fundaram a revista Sociologia, que exerceu um papel importantíssimo na divulgação da Sociologia alemã, já que traduzia os artigos dos sociólogos alemães para a Revista, dedicando-se especialmente a obra de seu professor, Richard Thurnwald. 3. A sociologia brasileira na década de 50
A segunda guerra mundial trouxe profundas desestruturações na sociologia mundial. Diversos intelectuais europeus migraram para a América em busca de novos ares para produzirem suas obras. Esses “cronistas viajantes” efervesceram o cenário sociológico, pois acharam aqui um panorama totalmente diferente da realidade de onde viviam.
Esse período foi de grande importância para o desenvolvimento das ciências da sociedade, pois temas sócio-econômicos eram explorados por pensadores que tem uma grande repercussão até os dias de hoje, são eles: Florestan Fernandes e Celso Furtado.
3.1- Florestan Fernande
Florestan Fernandes estudou na USP, onde teve grande influencia de Roger Bastide, que desenvolveram em parceria um estudo sobre negros e a questão racial no Brasil, que originou umas de suas mais prestigiadas obras, A integração do negro na sociedade de classes.
Florestan pregava a “sociologia militante”, que visava unir a teoria com a prática, logo, teve uma grande influência de Marx, a busca em conciliar a teoria e a ação prática foi uma grande marca em sua vida. Ele entendia que a sociedade devia ser estudada pelos fundamentos de sua organização e ocorrências históricas, os dilemas ressaltados, motivo de sua concepção de análise, que por muitos foi definida como “histórico-cultural”. Na visão florestaniana a sociedade brasileira, por ter uma formação histórica peculiar, exigia uma abordagem com traços nítidos e definidos no estudo das relações sociais.
Dentre suas diversas obras podem destacar: A integração do negro na sociedade de classes; A revolução burguesa no Brasil; Fundamentos empíricos da explicação sociológica; e A sociologia numa era de revolução social.
3.2- Celso Furtado
Um dos grandes nomes do pensamento econômico, não só do Brasil, mas como em toda a America Latina, sem duvida foi Celso Furtado. Desenvolveu diversos trabalhos na área econômica, principalmente em parceria com a CEPAL (Comissão Econômica para a América Latina), criando assim a escola “cepaliana”. É considerado o pai da economia política brasileira. Antes dele, o pensamento econômico brasileiro era formado por esquemas interpretativos, como o estabelecimento dos preços e a lei da oferta e da procura, as quais defendiam o interesse das classes dominantes.
Porém, Furtado vem desmistificar toda essa ideologia, propondo uma interpretação histórica da realidade econômica. Defendia que o subdesenvolvimento não correspondia a uma etapa histórica, mais sim de formação econômica influenciada pelo capitalismo internacional, analisava situações de países onde havia um notável desenvolvimento industrial e o estágio agrário não tinha sido superado, como o caso da maioria dos países latino-americanos.
Durante o governo de Goulart, Celso Furtado exerceu celebre trabalho como diretor do Banco Nacional de Desenvolvimento (atual BNDES) e da SUDENE, este no governo de Juscelino Kubistchek. Nessa época, Furtado era visto como o principal defensor dos interesses do Brasil diante do capitalismo internacional.
Suas principais obras são Desenvolvimento e Subdesenvolvimento, livro que se amplia em volume posterior; Teoria e Política do Desenvolvimento Econômico; Um projeto para o Brasil; A pré-revolução brasileira; O Mito do Desenvolvimento Econômico, que ele levanta duas questões, a primeira delas diz respeito aos impactos do processo econômico no meio físico, na natureza – um tema completamente alheio ao núcleo do pensamento tradicional na economia – e a segunda se refere à constatação do caráter de mito moderno do desenvolvimento econômico. Porém, seu clássico é, Formação Econômica do Brasil, obra esta que faz um estudo amplo e inédito da realidade histórica econômica do Brasil, do tempo da colonização portuguesa aos dias atuais, e claros em relação à época em que ela foi escrita.
A formação da sociologia como conhecimento cientifico
[editar código-fonte]A FORMAÇÃO DA SOCIOLOGIA COMO CONHECIMENTO CIENTÍFICO O CONTEXTO SÓCIO-HISTÓRICO E INTELECTUAL DO SURGIMENTO DA SOCIOLOGIA O surgimento da Sociologia pode ser identificado no bojo de um amplo processo histórico que tem início na transição feudal-capitalista, quando se dá a desagregação da sociedade feudal no século XV e vai até o período das revoluções burguesas - revolução industrial inglesa e a revolução francesa no século XVIII, marcando a consolidação da sociedade capitalista. Respondendo a essas indagações, estaremos com os nossos estudos bem encaminhados... Sendo assim, vamos em frente!
A CRISE DO FEUDALISMO Caminharemos juntos nesta etapa, visando entender que, para que a nova ordem pudesse ganhar espaço, o Feudalismo teria que extinguir todas as suas possibilidades de reprodução. A partir dos séculos XV e XVI podemos observar que grandes transformações ocorreram na Europa e, conseqüentemente, no mundo todo. Esses acontecimentos desestruturaram o sistema feudal existente e deram origem a um novo sistema – o capitalismo. A grande crise do feudalismo desenvolveu-se na Europa Ocidental no século XIV, atingindo indiscriminadamente campo e cidade, disseminando a fome, epidemias e as guerras, podendo ser explicada por um conjunto de fatores que trouxe, como conseqüência, a superação do sistema feudal. A economia medieval encontrava-se em crise face à baixa produtividade agrícola, ocasionada pelo esgotamento dos solos - utilização inadequada de técnicas agrícolas predatórias - o que projetava um declínio na produção de alimentos, gerando a fome e, conseqüentemente, as epidemias. Em meados do século XIV, os comerciantes genoveses trouxeram da região do Mar Negro uma epidemia que, no espaço de dois anos, espalhou a morte por toda a Europa, atingindo homens e mulheres adultos e crianças de todos os segmentos sociais, sendo conhecida como Peste Negra – um castigo de Deus. A crise se agravou na medida em que os senhores feudais viram seus rendimentos declinarem devido à falta de trabalhadores e ao despovoamento dos campos. Capitalismo: sistema social baseado no capital, no dinheiro. A mortalidade trazida pela fome e a peste negra foi ainda ampliada pela longa Guerra dos Cem Anos (1337/1453), desencadeada pela disputa das regiões de Bordéus e Flandres, entre França e Inglaterra. A conjuntura de epidemias, de aumento brutal da mortalidade e de super-exploração camponesa que caracterizou a Europa do século XIV trazendo a crise, foi sendo superada no decorrer do século XV, com a retomada do crescimento populacional, agrícola e comercial.
FORMAÇÃO DOS ESTADOS-NACIONAIS Para acompanharmos as transformações em curso, é fundamental concentrarmos-nos na aliança entre a burguesia e o rei, que resulta na formação dos Estados-Nacionais, verificando-se a consolidação territorial a partir de práticas políticas absolutistas, com o fortalecimento do poder e autoridade dos reis. Essa nova forma de organização política atendia aos interesses tanto da nobreza quanto da burguesia. Os nobres, apesar de sua crescente dependência frente aos reis e da perda de autonomia, tiveram assegurados os seus privilégios feudais sobre os camponeses, mantendo suas terras e os seus títulos nobiliárquicos, além de cargos administrativos, pensões e chefias de regimentos militares. Os burgueses procuraram aliar-se aos reis, financiando-os com recursos para a manutenção de exércitos profissionais permanentes, necessários à manutenção da ordem e do poder. Além disso, a centralização política e administrativa trouxe a gradual unificação de impostos, leis, moedas, PESOS , medidas e alfândegas em cada país, beneficiando o comércio e a burguesia. Os Estados-Nacionais, formados a partir de fins do século XIV em Portugal e durante o século XV na França, Espanha e Inglaterra, evoluíram no sentido do Absolutismo monárquico. Sistema político o qual o rei detém o poder total, cabendo-lhe o direito de impor leis e obediência aos súditos. Mesmo as regiões que permaneceram divididas em pequenos reinos e cidades, como a Itália e a Alemanha, a tendência foi para o fortalecimento do poder político dos governantes locais.
MERCANTILISMO E A EXPANSÃO COMERCIAL ULTRAMARINA Veremos agora como os europeus – pioneiramente Espanha e Portugal – chegam a regiões nunca antes alcançadas e quais os seus verdadeiros interesses. A expansão territorial implementada pela política mercantilista resultou na conquista e exploração de novos territórios denominados “colônias” e estas passando a cumprir o papel de complementaridade da economia da metrópole, constituindo-se em fontes geradoras de riquezas dos países europeus. Através do “Pacto Colonial”, ficava assegurada a exclusividade das transações mercantis estabelecidas entre as metrópoles e suas respectivas colônias, numa relação também conhecida como monopólio comercial. Dentre as características do Mercantilismo, podemos identificar: • expansão marítima comercial e a conquista de novos mercados fornecedores de matérias-primas e mão-de-obra; • busca incessante do lucro, através da manutenção de uma balança comercial de superávit, ou seja, exportar sempre mais do que importar; • idéia metalista – nível de riqueza de um país medido pelo montante de ouro e prata acumulado em seu tesouro nacional; • absolutismo monárquico – poder político centralizado em torno do rei que constituía-se na autoridade maior do sistema, com o Estado controlando a política econômica em favor dos interesses burgueses. As práticas mercantilistas impulsionaram o crescimento do capitalismo comercial dando origem à acumulação primitiva de capitais, pré-condição necessária ao desenvolvimento do próprio capitalismo. Secularização É importante agora, percebermos as mudanças do entendimento do homem sobre si mesmo e o mundo. Na transição feudal-capitalista surge um novo homem, principalmente nos centros urbanos, mais crítico e sensível, representando um pensamento antropocêntrico – o homem como o centro de todas as coisas e racionalista – crença ilimitada na capacidade da razão em dar conta do mundo - movimento resgatado da antiguidade greco-romana, que chocava-se com a postura teocêntrica e dogmática, definida pelo poder clerical na Idade Média. Desenvolve-se, então, uma nova forma de entender a realidade, isto é, a razão passou a ser considerada o elemento principal de interpretação dos fatos. O homem constrói uma concepção anticlerical apoiada em bases de liberdade, que não precisava se submeter à autoridade divina imposta pela Igreja Católica.
Renascimento O Renascimento foi um movimento intelectual que marcou a cultura européia entre os séculos XIV e XVI, originário da Itália e irradiado por toda a Europa. Está associado ao humanismo e fudamentado nos conceitos da civilização da antiguidade clássica, numa demonstração de menosprezo pela Idade Média, considerada como “noite de mil anos” ou “escuridão”. O Renascimento representou uma nova visão de mundo que atendia plenamente aos interesses da burguesia em ascensão. Suas principais características eram o racionalismo, crença na razão como forma explicativa do mundo em oposição à fé; o antropocentrismo, colocando o homem no centro de todas as coisas, em oposição ao teocentrismo e o individualismo, em oposição ao coletivismo cristão. O Humanismo pregava a pesquisa, a crítica e a observação, em oposição ao princípio da autoridade. A explicação da origem italiana do Renascimento e do Humanismo, se dá em função da riqueza das cidades italianas, da presença de sábios bizantinos, da herança clássica da Antiga Roma e da difusão do mecenato. A invenção da Imprensa contribuiu muito para a divulgação das novas idéias.
Fases do Renascimento O Renascimento pode ser dividido em três grandes fases, correspondentes aos séculos XIV, XV e o XVI. Trecento - século XIV - manifesta-se predominantemente na Itália, mais especificamente na cidade de Florença, pólo político, econômico e cultural da região. Giotto, Boccaccio e Petrarca estão entre seus representantes. Suas características gerais são o rompimento com o imobilismo e a hierarquia da pintura medieval - valorização do individualismo e dos detalhes humanos; Quatrocento - século XV - o Renascimento espalha-se pela península itálica, atingindo seu auge. Neste período atuam Botticelli, Leonardo da Vinci, Rafael e, no seu final, Michelangelo, considerados os três últimos o “trio sagrado” da Renascença. As características gerais do período são: inspiração greco-romana (paganismo e línguas clássicas), racionalismo e experimentalismo; Cinquecento – século XVI - o Renascimento torna-se neste século um movimento universal europeu, tendo, no entanto, iniciado sua decadência. Ocorrem as primeiras manifestações maneiristas e a Contra-reforma instaura o Barroco como estilo oficial da Igreja Católica. Na literatura atuaram Ludovico Ariosto, Torquato Tasso e Nicolau Maquiavel, já na pintura eram Rafael e Michelangelo.
O Iluminismo O Iluminismo foi o movimento intelectual desenvolvido na França no século XVII e teve o seu apogeu durante o século XVIII - o chamado “Século das Luzes”, que enfatizava o domínio da razão e da ciência como formas de explicação para todas as coisas do universo, substituindo as crenças religiosas e o misticismo que bloqueavam a evolução do homem desde a Idade Média. Para os filósofos iluministas, o homem era naturalmente bom, porém era corrompido pela sociedade com o passar do tempo. Eles acreditavam que se todos fizessem parte de uma sociedade justa, com direitos iguais para todos, a felicidade comum seria alcançada. Por esta razão, eles eram contra as imposições de caráter religioso, contra as práticas mercantilistas, contrários ao absolutismo do rei, além dos privilégios dados à nobreza e ao clero. O Iluminismo foi mais intenso na França onde influenciou a Revolução Francesa, assim como na Inglaterra e em diversos países da Europa onde a força dos protestantes era maior, chegando a ter repercussões, mesmo em alguns países católicos. Podemos dizer que, de certo modo, este movimento é herdeiro da tradição do Renascimento e do Humanismo por defender a valorização do Homem e da Razão, contribuindo também para o avanço do capitalismo e da sociedade moderna na medida em que disseminava os ideais de uma sociedade “livre”, com possibilidades de transição de classes e mais oportunidades iguais para todos. Economicamente, o Iluminismo identificava que era da terra e da natureza que deveriam ser extraídas as riquezas dos países. Segundo Adam Smith, cada indivíduo deveria procurar lucro próprio sem escrúpulos o que, em sua visão, geraria um bem-estar geral na civilização. Os principais filósofos do Iluminismo foram: John Locke (1632-1704), ele acreditava que o homem adquiria conhecimento com o passar do tempo através do empirismo; Voltaire (1694-1778), ele defendia a liberdade de pensamento e não poupava crítica à intolerância religiosa; Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), ele defendia a idéia de um estado democrático que garantia igualdade para todos; Montesquieu (1689-1755), ele defendeu a divisão do poder político em Legislativo, Executivo e Judiciário; Denis Diderot (1713-1784) e Jean Le Rond d´Alembert (1717-1783), juntos organizaram uma enciclopédia que reunia conhecimentos e pensamentos filosóficos da época. O outro lado da moeda Estas transformações foram acompanhadas, nos séculos XVII e XVIII, por mudanças políticas, tais como: a Revolução Inglesa, a Revolução
SOCIOLOGIA APLICADA Americana e a Revolução Francesa, que introduziram grandes alterações nessas sociedades e influenciaram a mudança de outras no mundo a fora. Você pode observar que a sociedade que antes tinha suas bases na produção da terra passa a ter suas bases na produção industrial e trouxe consigo uma nova forma de trabalho, que é o trabalho assalariado. Este também trouxe novas formas de relações entre as pessoas e de representatividade nos governos. Tudo mudava. Aquela sociedade tradicional que antes existia estava completamente transformada precisando se organizar para atender às novas necessidades. Revolução Industrial Inglesa Agora, iremos pesquisar a revolução que alterou a relação entre os homens, configurando as formas do mundo contemporâneo. No decorrer do século XVIII, a Europa Ocidental passou por uma grande transformação no setor da produção, em decorrência dos avanços das técnicas de cultivo e da mecanização das fábricas, a qual se deu o nome de Revolução Industrial. A invenção e o aperfeiçoamento das máquinas permitiram o aumento vertiginoso da produtividade, resultando na diminuição dos preços dos produtos e o crescimento do consumo e dos lucros. Esse momento revolucionário de passagem da energia humana, hidráulica e animal para motriz, é o ponto culminante de uma revolução tecnológica, social e econômica, cujas origens podem ser encontradas nos séculos XVI e XVII, com a política de incentivo ao comércio, adotada pelos Estados-Nacionais e a adoção da política mercantilista. A acumulação de capitais nas mãos dos comerciantes burgueses e a abertura dos mercados proporcionada pela expansão marítima estimularam o crescimento da produção, exigindo mais mercadorias e preços menores. Gradualmente, passou-se do artesanato disperso para a produção em oficinas e destas para a produção mecanizada nas fábricas. Para Karl Marx, a Revolução Industrial integra o conjunto das chamadas “Revoluções Burguesas” do século XVIII, responsáveis pela crise do Antigo Regime na passagem do capitalismo comercial para o industrial. Os outros dois movimentos que a acompanham são a Independência dos Estados Unidos e a Revolução Francesa que, sob influência dos princípios iluministas, assinalam a transição da Idade Moderna para a Idade Contemporânea. A Inglaterra foi o país pioneiro da industrialização, sendo que alguns fatores contribuíram para isso: • o principal deles foi a aplicação de uma política econômica liberal em meados do século XVIII, liberalizando a indústria e o comércio o que acarretou um enorme progresso tecnológico e aumento da produtividade em um curto espaço de tempo; • a Lei de Cercamento dos Campos, denominados “enclouseres” marcou o fim do uso comum das terras, expulsando o homem do campo e gerando o “trabalhador livre”. Na medida em que não tinham mais condições de vida no meio rural, partiam para as cidades, gerando forte concentração de mão-de-obra urbana, o que favorecia às indústrias; • a Inglaterra possuía grandes reservas de carvão mineral em seu subsolo, a principal fonte de energia para movimentar as máquinas e as locomotivas a vapor. Possuíam também consideráveis reservas de minério de ferro, principal matériaprima utilizada neste período. • a burguesia inglesa tinha capital suficiente para financiar as fábricas, comprar matéria-prima, máquinas e contratar empregados por causa da grande taxa de poupança que existia na época; • a agricultura inglesa desenvolveu-se com a difusão de novas técnicas e instrumentos de cultivo.
A mecanização da produção criou o proletariado rural e urbano, composto de homens, mulheres e crianças, submetido a jornadas de trabalho diárias, extensivas e intensivas, de mais de 16 horas no campo ou nas fábricas. Com a Revolução Industrial, consolida-se o sistema capitalista baseado em duas classes fundamentais: a burguesia detentora do capital e o proletariado, que nada possuíam a não ser a sua força de trabalho, que vendiam aos capitalistas em troca de um salário. O capital apresenta-se sob a forma de terras, dinheiro, lojas, máquinas ou crédito. O agricultor, o comerciante, o industrial e o banqueiro, donos do capital, controlam o processo de produção, contratam ou demitem os trabalhadores, conforme seus interesses. As formas de transformação de matérias-primas em produtos são: trabalho artesanal – é a forma mais primitiva de trabalho, dominada pelo homem há milhares de anos. O trabalho era manual, sem a utilização de máquinas e o artesão realizava sozinho todas as etapas da produção, desde o preparo da matéria-prima até o acabamento final dos produtos, não havendo divisão do trabalho. O artesão era dono dos meios de produção - oficina e ferramentas simples - possuindo também o produto final de seu trabalho. trabalho manufaturado – estágio intermediário entre o artesanato e a indústria. Neste processo, podemos observar o uso de máquinas simples e a divisão social do trabalho (especialização do trabalhador) com cada trabalhador ou grupo de trabalhadores, realizando uma etapa para a obtenção do produto final. Na manufatura, já encontramos a figura do capitalista com interferência direta no processo produtivo, passando a comprar a matériaprima e a determinar o ritmo de produção. indústria moderna – com a mecanização da produção introduzida pela Revolução Industrial, os trabalhadores perdem o controle do processo produtivo, passando a trabalhar para um patrão – burguês - na condição de operários – empregados assalariados. Esses trabalhadores passam a manejar máquinas que pertencem agora ao empresário, dono dos meios de produção e para o qual se destina o lucro, sendo que a matéria-prima e o produto final não mais lhes pertencem. Temos como etapas da industrialização, os seguintes períodos: Primeira Revolução Industrial – desenvolvida entre meados do século XVIII até as últimas décadas do século XIX, com a predominância do trabalho intensivo com jornadas de trabalho de até 16 horas por dia, com baixa remuneração do operariado. Utilização de máquinas à vapor nas indústrias têxteis, sendo que a grande fonte de energia era o carvão mineral. Segunda Revolução Industrial – compreendida entre as últimas décadas do século XIX até o final da década de 1970 – século XX. A jornada de trabalho cai para 8 horas diárias e passa a ser regulamentada por leis trabalhistas, a partir dos avanços sociais relativos ao processo histórico de cada país. O petróleo vai substituindo o carvão até se constituir na principal fonte de energia e a indústria automobilística como maior atividade produtiva. Terceira Revolução Industrial – conhecida também como Revolução Técnico-Científica, tem início a apartir da segunda metade da década de 1970, sendo caracterizada pelo avanço do conhecimento e tecnologia avançada. As jornadas de trabalho são mantidas em 8 horas diárias. Os setores de ponta são a informática, a robótica, as telecomunicações, a química fina e a biotecnologia. Neste período, temos uma diversificação quanto às fontes de energia – hidrogênio, energia solar, etc. A Revolução Industrial favoreceu também o desenvolvimento dos transportes. Logo vieram a locomotiva e a navegação a vapor, o que fez com que houvesse uma redução nos custos dos fretes, baixando os preços dos produtos e aumentando o consumo. Com a Revolução Industrial, a Inglaterra se transformou no maior produtor e exportador de produtos manufaturados e a população dos centros urbanos cresceu assustadoramente. Não podemos esquecer de que havia nesse país matérias-primas indispensáveis para o funcionamento e a construção dessas máquinas – carvão e ferro. E, então, você já pode imaginar o que foi acontecendo: a burguesia investiu na inovação tecnológica e as máquinas foram cada vez mais se aprimorando e aumentando a produção que se expandia por todo o mundo, estabelecendo laços de dependência entre as nações. O trabalho assalariado que substitui o trabalho artesanal ganha força utilizando-se fortemente da mão-de-obra feminina e infantil e a energia a vapor cresce em lugar da energia humana. Revolução Francesa A Revolução Francesa é um importante marco histórico da transição do feudalismo para o capitalismo, inaugurando um novo modelo de sociedade baseada na economia de mercado. A Revolução Francesa significou o colapso das instituições feudais do Antigo Regime e o fim da monarquia absoluta na França. Ao mesmo tempo, propiciou a ascensão da burguesia ao poder político, fortalecendo as condições essenciais para a consolidação do capitalismo. Movimento político de extrema relevância para o continente europeu e para o Ocidente, a Revolução Francesa teve início em 1789 e se prolongou até 1815. Sofreu grande influência dos ideais do Iluminismo, baseando-se no direito à liberdade, à igualdade e à fraternidade e nos princípios democráticos e liberais da Independência Americana(1776). O êxito do processo revolucionário francês, encerrando os privilégios da nobreza e do clero, serviu de motivação para novos movimentos em direção ao igualitarismo em outras partes da Europa. A Revolução Francesa pode ser subdividida em quatro grandes períodos: a Assembléia Constituinte, a Assembléia Legislativa, a Convenção e o Directório. Causas da Revolução A Revolução Francesa foi resultado de uma conjugação de fatores sociais, econômicos, políticos e, pelo menos um desses fatores, é apontado, pela maioria dos historiadores, como determinante para o desencadeamento do processo revolucionário. Trata-se do descontentamento do povo com os abusos e privilégios do regime absolutista. A composição social da sociedade francesa, na segunda metade do século XVIII, é marcada por uma rígida hierarquia e estratificação social. A hierarquia social francesa propiciava honras e privilégios em função do nascimento e dividia a população de maneira discriminatória segundo ordens ou estados. De um lado, duas classes – o clero e a nobreza, que juntas usufruíam dos privilégios e da riqueza produzida pela sociedade francesa. O Clero ou 1º Estado composto por importantes membros da Igreja Católica, originário da nobreza, que em 1789 representava 2% da população francesa. A Nobreza ou 2º Estado formado pelo rei e sua família, bem como outros nobres como: condes, duques, marqueses, aproximava-se de 1,5% dos habitantes. Controlava a maior parte das terras, concentrando em suas mãos boa parte de tudo que produziam os camponeses; gozava de inúmeros privilégios e não pagava impostos. Do outro lado, o povo – base da sociedade francesa, que sustentava pelo peso de impostos que pagava, a vida de riqueza e muito luxo dos nobres e do clero. O Povo ou 3º Estado era formado pela burguesia, pelos trabalhadores urbanos (a maioria deles desempregados), artesãos e camponeses - sans cullotes. O desenvolvimento do comércio e da indústria, assim como a conquista de novos mercados na Europa e fora dela, fizeram a burguesia acumular riquezas muito rapidamente. A confortável posição que desfrutava no campo dos negócios, contrastava com a desfavorável condição que a burguesia ocupava na vida política do regime absolutista. Apesar de rica, a estrutura social francesa barrava a ascensão da burguesia, uma vez que os privilégios, honras e títulos estavam reservados somente à nobreza e ao alto clero. Além disso, a má administração das finanças, a cobrança excessiva de impostos e os gastos descontrolados da nobreza eram considerados obstáculos aos interesses burgueses. Os camponeses e os trabalhadores urbanos que representavam a esmagadora maioria da população francesa viviam em precárias condições de vida e de existência, ou seja, em quase absoluta miséria. No campo, embora grande parte dos camponeses fosse livre, somente uma pequena parcela podia manter-se com a produção da terra. A elevada carga de impostos relegou boa parte dos pequenos proprietários a subsistir trabalhando nas propriedades dos grandes senhores ou dedicar-se a produção artesanal. Por outro lado, o progresso industrial não representou para a classe trabalhadora operária uma melhoria das condições de vida e de trabalho. A classe operária convivia com salários muito baixos e com altos níveis de desemprego. O quadro de desigualdade social da sociedade francesa, alimentado pela crise econômico-financeira do Antigo Regime, tornou ainda mais precárias as condições em que viviam os trabalhadores do campo e da cidade. Relegados a condições miseráveis de existência, camponeses e trabalhadores urbanos desejavam novas formas de vida e de trabalho. As origens do processo revolucionário francês de 1789 devem ser buscadas nas contradições dos interesses estabelecidos pelo regime absolutista e as novas forças sociais que estavam em ascensão. Ou seja, os interesses econômicos e políticos da nova e poderosa classe burguesa sufocada por uma organização social aristocrática e decadente fizeram despertar o povo (o terceiro estado), que passou a rejeitar as ordens, as diferenças sociais e as restrições. Diante das promessas igualdade e fraternidade, o povo foi atraído para a causa revolucionária. Tendo em vista todos estes acontecimentos, Augusto Comte (1798-1857) defende uma proposta para resolver os problemas da sociedade de sua época que viria através da reforma intelectual do homem alcançando a reforma das instituições. Liberalismo: corrente política de pensamento que defende a liberdade do indivíduo frente ao intervencionismo do Estado. Estas reformas estavam embasadas no Liberalismo que triunfara no século XIX e pregava a liberdade e a igualdade inata entre os homens. Porém, suas reformas estabeleciam a autoridade e a ordem pública contra os abusos do individualismo da Escola Liberal (RIBEIRO JR. 1988:15). A Sociologia nasce como resposta a esse individualismo pregado pela sociedade capitalista e vai assim enfatizar as ações altruístas entre os homens. O positivismo de Comte comparava a sociedade à vida orgânica, cujas partes que a constituem desempenham funções que se orientam para a preservação do todo. Sendo assim, a sociedade não poderia sofrer revoluções violentas e sim se desenvolver harmoniosamente. Repudia o laissez-faire do Liberalismo, pregando o planejamento social. Comte defendia a idéia de que as ciências deveriam atingir a máxima objetividade possível. A influência de Comte foi além da escola francesa, atingindo também os republicanos no Brasil, como podemos observar, o lema na bandeira nacional “Ordem e Progresso”. A especificidade do conhecimento sociológico As ciências se distinguem pelos seus objetos de estudo e pelos seus métodos. E com a Sociologia não vai ser diferente. Se observarmos uma sociedade, veremos que os homens praticam atos que podemos chamar de individuais, tais como: dormir, respirar, caminhar, como também, praticam atos considerados sociais – casar, fazer reuniões, pedir demissão – são situações que só podem ser entendidas através das relações que se estabelecem entre indivíduos ou grupos de indivíduos e que não podem ser entendidas isoladamente. São estes fatos coletivos que interessam à Sociologia, pois suas causas são encontradas não no individual, mas sim na sociedade.
A sociologia no Brasil
[editar código-fonte]A Sociologia no Brasil
Podemos dizer que a Sociologia brasileira começa a “engatinhar” a partir da década de 1930, vindo a se fortalecer nas décadas seguintes.
Apesar de alguns autores da sociologia dizerem que não há uma data correta que marca o seu começo em solo brasileiro, essa época parece ser a mais adequada para se falar em início dos estudos sociológicos no Brasil. Quando dizemos “data mais adequada”, é porque as produções literárias que surgem a partir dessa década (1930) começam a demonstrar um interesse na compreensão da sociedade brasileira quanto à sua formação e estrutura. Mas note, não estamos afirmando que antes da data acima ninguém havia se proposto a entender nossa sociedade. Antes da década de 1930 muitos ensaios sociológicos sobre o Brasil foram elaborados por historiadores, políticos, economistas, etc. No entanto, na maioria destes trabalhos, os autores apresentavam a tendência de escrever sobre raça, civilização e cultura, mas não tentavam explicar a formação e a estrutura da sociedade brasileira. A partir de 1930, surge no Brasil um período no qual a reflexão sobre a realidade social ganha um caráter mais investigativo e explicativo.
Esse caráter mais investigativo e explicativo foi impulsionado pelos muitos movimentos que estimularam uma postura mais crítica sobre o que acontecia na sociedade brasileira. Dentre alguns destes movimentos estão o Modernismo, a formação de partidos (sobretudo o partido comunista) e os movimentos armados de 1935.
Movimentos como esses, de alguma forma, traziam transformações de ordem social, econômica, política e cultural ao país, e despertavam o interesse de pensadores em dar explicações a tais fenômenos. Aos poucos a Sociologia passa a constituir-se como uma forma de reflexão sobre a sociedade brasileira. Veja como isso aconteceu:
Fases da sua implantação Dividindo os acontecimentos da implantação da Sociologia no Brasil como ciência, em fases, ou em geração de autores, de acordo com o sociólogo brasileiro Otávio Ianni (1926-2003), destacamos aqui três delas, as quais se complementam: A fase “A” da implantação da Sociologia no Brasil: A primeira geração da Sociologia brasileira seria composta por aqueles autores que se preocuparam em fazer estudos históricos sobre a nossa realidade, com um caráter mais voltado à Literatura do que para a Sociologia. Desta geração de autores, queremos destacar Euclides da Cunha (1866-1909). Cunha nasceu no Rio de Janeiro, foi militar engenheiro, além de ter estudado Matemática e Ciências Físicas e Naturais. Porém, o que gostava de fazer, como profissional, era o jornalismo. Em 1895, abandonou o Exército e começou a trabalhar como correspondente do jornal “O Estado de São Paulo”. Nessa função foi enviado para a Guerra de Canudos, no interior da Bahia, de onde surgiu sua maior contribuição à Sociologia brasileira: o livro Os Sertões. Se analisarmos este livro pelo enfoque literário, podemos perceber que Cunha faz, usando seus conhecimentos de Ciências e Físicas Naturais, relatos sobre como era a terra e a paisagem de Canudos. Também faz a descrição dos homens que ali viviam, ou seja, os sertanejos, nos quais percebe que, ao contrário do que pensava antes de conhecê-los, eram fortes e valentes, ainda que a aparência dos mesmos não demonstrasse isso.
Por fim, Cunha descreve a guerra, isto é, como foi que o governo da época conseguiu acabar com o que considerava ser uma revolução que reivindicava a volta do sistema monárquico no Brasil. Na verdade Antonio Conselheiro (o líder da Revolução de Canudos) e seus seguidores apenas defendiam seus lares, sua sobrevivência. “É que estava em jogo, em Canudos, a sorte da República...” Diziam-no informes surpreendedores; aquilo não era um arraial de bandidos truculentos apenas. Lá existiam homens de raro valor – entre os quais se nomeavam conhecidos oficiais do exército e da armada, foragidos desde a Revolução de Setembro, que o Conselheiro avocara ao seu partido.” (CUNHA, 1979: 250). Olhando mais pelo lado sociológico, podemos perceber que Cunha estava fazendo revelações quanto à organização da República que estava sendo consolidada. Canudos era um retrato de uma sociedade republicana que não conseguia suprir as necessidades básicas de seu povo. Coisa que Antonio Conselheiro, com sua maneira missionária de ser, acreditava e lutava para acontecer, pois... “...abria aos desventurados os celeiros fartos pelas esmolas e produtos do trabalho comum. Compreendia que aquela massa, na aparência inútil, era o cerne vigoroso do arraial. Formavam-na os eleitos, felizes por terem aos ombros os frangalhos imundos, esfiapados sambenitos de uma penitência que lhes fora a própria vida; bem-aventurados porque o passo trôpego, remorado pelas muletas e pelas anquiloses, lhes era a celeridade máxima, no avançar para a felicidade eterna”. (CUNHA, 1979: 132 ). Após duas tentativas sem sucesso de “tomar” Canudos – pois os sertanejos tornavam difícil a vida dos soldados, por conhecerem muito bem a caatinga sertaneja – o governo federal republicano deixou de subestimar a força daquelas pessoas que se uniram a Conselheiro. Convocou para uma terceira expedição batalhões armados de vários estados brasileiros e promoveu uma grande guerra e matança naquela região, em prol da República. A observação de Euclides da Cunha e as revelações que faz quanto à sociedade brasileira em Os Sertões, transforma esta obra em um dos referenciais de início do pensamento sociológico no Brasil. A fase “B” da implantação da Sociologia no Brasil: Numa segunda fase de geração de autores, a preocupação em se fazer pesquisas de campo, que é uma característica das pesquisas sociológicas, começa a ser levada em conta.
Existem vários autores desta geração que poderíamos referenciar, como Gilberto Freyre, Caio Prado Júnior, Sérgio Buarque de Holanda, Fernando de Azevedo, Nelson Wernek Sodré, Raymundo Faoro, etc. No entanto, vamos nos fixar em dois deles, os quais podem ser vistos como clássicos do pensamento social brasileiro: Gilberto Freyre e Caio Prado Júnior. Gilberto Freyre foi o autor de Casa Grande & Senzala (1933), livro no qual demonstrou as características da colonização portuguesa, a formação da sociedade agrária, o uso do trabalho escravo e, ainda, como a mistura das raças ajudou a compor a sociedade brasileira. Freyre foi um sociólogo que nasceu em Pernambuco no ano de 1900 e, no desenvolver de sua profissão, criou várias cátedras de Sociologia, como na Universidade do Distrito Federal, fundada em 1935. Freyre faleceu em 1987. Quando escreveu Casa Grande & Senzala tinha 33 anos e, anti-racista que era, inaugurou uma teoria que combatia a visão elitista existente na época, importada da Europa, a qual privilegiava a cor branca. Segundo tal visão racista, a mistura de raças seria a causa de uma formação “defeituosa” da sociedade brasileira, e um atraso para o desenvolvimento da nação. Freyre propõe um caminho inverso. Em Casa Grande & Senzala ele começa justamente valorizando as características do negro, do índio e do mestiço acrescentando, ainda, a idéia de que a mistura dessas raças seria a “força”, o ponto positivo, da nossa cultura. Este autor forneceu, para o seu tempo, uma nova maneira de ver a constituição da nacionalidade brasileira, isto é, o Brasil feito por uma harmoniosa união entre o branco (de origem européia), o negro (de origem africana), o índio (de origem americana) e o mestiço, ressaltando que essa “mistura” contribuiu, em termos de ricos valores, para a formação da nossa cultura. Veja alguns trechos de sua obra a este respeito: “Um traço importante de infiltração de cultura negra na economia e na vida doméstica do brasileiro resta-nos acentuar: a culinária” (FREYRE, 2002) “Foi ainda o negro quem animou a vida doméstica do brasileiro de sua maior alegria.” (FREYRE, 2002) “Nos engenhos, tanto nas plantações como dentro de casa, nos tanques de bater roupa... carregando sacos de açúcar... os negros trabalhavam sempre cantando.” (FREYRE, 2002). No entanto, vale ressaltar aqui que Gilberto Freyre tinha um “olhar” aristocrático e conservador sobre a sociedade brasileira, pois além de justificar as elites no governo, sua descrição do tempo da escravidão em Casa Grande & Senzala adquire uma conotação harmoniosa, ele não via conflitos nessa estrutura. Mas se para Gilberto Freyre era um erro pensar que a mistura das raças seria um atraso para o Brasil, há um outro autor que se propôs a verificar qual seria e onde estaria a origem do atraso da nação brasileira. Estamos falando de Caio Prado Júnior. Este autor vai nos fornecer uma visão muito mais crítica sobre a formação da nossa sociedade. Veja por quê. Enquanto Gilberto Freyre fazia uma análise conservadora da formação da sociedade brasileira, Caio Prado recorria à visão marxista, isto é, partindo do ponto de vista material e econômico para o entendimento da nossa formação. Caio Prado Júnior nasceu em 1907 e faleceu em 1990. Formou-se em direito e, de forma autodidata, leu e tomou para si os ideais de Marx, o que o fez uma pessoa comprometida com o Socialismo. Caio Prado também era uma espécie de “contra-mão” do Partido Comunista Brasileiro no seu tempo, pois um dos militantes daquele partido, Octávio Brandão (1896-1980), havia escrito um livro na década de 1920, chamadoAgrarismo e Industrialismo no qual apresentava a tese de que o atraso do Brasil, em termos econômicos, estava no fato dele ter tido um passado feudal. E esta tese continuou a ser defendida pelo PCB com o historiador Nelson Wernek Sodré (1911-1999), que interpretava o escravismo, no Brasil Colonial, como uma característica do feudalismo. É por essa razão que Caio Prado era contrário ao Partido Comunista, pois a idéia de que no passado o Brasil havia sido feudal era “importada” do marxismo oficial, da Europa, e que na sua opinião, não funcionava aqui. E, para Caio Prado, a prova disso estaria no fato de que no sistema feudal o servo não era considerado uma mercadoria, coisa que ocorria aqui com os escravos, o que denota uma característica do sistema capitalista (e não feudal) no que tange à análise da mão-de-obra. No seu livro Formação do Brasil Contemporâneo, publicado em 1942, Caio Prado apresenta a tese de que a origem do atraso da nação brasileira estaria vinculada ao tipo de colonização a que o Brasil foi submetido por Portugal, isto é, uma colonização periférica e exploratória. Traduzindo para melhor compreendermos... Caio Prado explica que Portugal teve grande contribuição no “nosso atraso” como nação, pois o centro do capitalismo, na época do “descobrimento” do Brasil, estava na Europa, o que fazia com que as riquezas daqui fossem levadas para lá. Este tipo de organização econômica foi denominado de primária eexportadora, pois os produtos extraídos das monoculturas brasileiras, nos latifúndios, eram exportados para os países que estavam em processo de industrialização. Segundo Caio Prado, a América era vista pelos europeus como sendo
“...um território primitivo habitado por rala população indígena incapaz de fornecer qualquer coisa de realmente aproveitável. Para os fins mercantis que se tinham em vista, a ocupação não se podia fazer como nas simples feitorias comerciais, com um reduzido pessoal incumbido apenas do negócio, sua administração e defesa armada; era preciso ampliar estas bases, criar um povoamento capaz de abastecer e manter as feitorias que se fundassem e organizar a produção dos gêneros que interessassem ao seu comércio. A idéia de povoar surge daí, e só daí”. (PRADO JÚNIOR, 1942: 24). As teses desse autor rompem com as análises dos autores que antes dele apresentaram um pensamento conservador restrito, isto é, de reprodução daquilo que estava posto na sociedade brasileira e, conseqüentemente, sem a intenção de apresentar propostas para sua transformação. Assim sendo, segundo a visão de Caio Prado, Gilberto Freyre, em Casa Grande e Senzala, pode ser considerado “conservador”. Veja porque: a) seus escritos nos levam a pensar que a miscigenação acontecia sempre de maneira harmoniosa. Mas e a relação entre os senhores brancos e suas escravas negras, por exemplo? Se verificarmos relatos da história veremos que as negras eram forçadas a terem relações sexuais com eles, o que é bem diferente de harmonia. b) sobre os problemas sociais da época, Freyre não apresenta nenhuma proposta para a solução dos mesmos, ou para a transformação da sociedade. Para Caio Prado Júnior, os pontos “a” e “b” mencionados acima demonstram a postura conservadora de Gilberto Freyre, pois transparece certo conformismo com a situação em que se apresentava a sociedade. Conformismo que pressupõe continuidade, sem transformação. E a fase “C” da implantação da Sociologia no Brasil: Já a partir dos anos de 1940 novos sociólogos começam a aparecer no cenário brasileiro. Esta terceira geração é formada por sociólogos que vieram de diferentes instituições universitárias, fundadas a partir de 1930 e inauguram estilos mais ou menos independentes de fazer Sociologia. Começam a surgir estilos ou tendências, o que fez com que surgissem diferentes “escolas” de Sociologia em São Paulo, Recife, Rio de Janeiro, Salvador, Belo Horizonte e em outros lugares. Dentre os autores que fazem parte dessa terceira geração, podemos citar: Florestan Fernandes (1920-1995), importante nome da Sociologia crítica no Brasil. Foi um sociólogo que fez um contínuo questionamento sobre a realidade social e das teorias que tentavam explicar essa realidade. O objetivo deste autor foi de, numa intensa busca investigativa e crítica, ir além das reflexões já existentes. Florestan também mantinha contínuo diálogo com o pensamento crítico brasileiro. Autores como Euclides da Cunha e Caio Prado Júnior, os quais vimos anteriormente, fazem parte de sua lista de interlocutores. O diálogo com esses autores foi fundamental para o seu trabalho de análise dos movimentos e lutas existentes na sociedade, principalmente aquelas travadas pelos setores populares. Outro aspecto de sua maneira crítica de fazer Sociologia foi a sua afinidade com o pensamento marxista, principalmente sobre o modo de analisar a sociedade, o que se constituiu numa espécie de “norte” crítico orientador de seu pensamento. As transformações sociais que ocorreram a partir de 1930 no Brasil foram, também, uma espécie de “motor” para os trabalhos de Florestan. Mas não apenas para ele, pois como já mencionamos, essas transformações serviram de impulso para os trabalhos sociológicos no Brasil como um todo. E isso se deu principalmente a partir de 1940, pois essas transformações se intensificaram muito por causa do aumento da industrialização e da urbanização. Algumas das conseqüências da urbanização, inclusive gerada pela migração de pessoas que, vindas do campo, procuravam trabalho nas indústrias das grandes cidades, foram o surgimento de problemas de falta de moradia, desemprego e criminalidade. Essas situações emergentes, logicamente, tornavam-se temas para a análise sociológica. Para finalizar, vale ressaltar que a Sociologia crítica que Florestan inaugura também tinha o “olhar” voltado aos mais diversos grupos e classes existentes na sociedade. Algumas de suas pesquisas com grupos indígenas e sobre as relações raciais em São Paulo, por exemplo, tiveram o mérito de fornecer explicações que se contrapunham às explicações dadas pelas classes dominantes da sociedade brasileira.
Sociedade, educação e emamcipação
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Está bem, A SOCIEDADE NOS MOLDA. A educação que recebemos tem por objetivo nos enquadrar às expectativas do meio social em que vivemos — nossa classe, nossa profissão, nosso meio moral. Cada geração transmite à seguinte, através da educação, os elementos fundamentais para a manutenção da estabilidade das coletividades humanas. Esses achados de Durkheim sem dúvida devem ser considerados como um importante ponto de partida da sociologia, e também da sociologia da educação. Mas nos questionemos um pouco agora sobre o lixo que existe nos porões da sociedade. O que existe por trás das aparências dessa nova, maravilhosa e terrível realidade parida a fórceps pela moderna ordem industrial capitalista? Quais os mecanismos de enquadramento sobre os indivíduos e a que interesses eles de fato servem? Que forças sociais emergentes neste novo momento histórico são capazes de controlar as consciências dos homens? Mais que isso: diante do acúmulo das mazelas sociais já desde o berço da sociedade capitalista, como transformar esta realidade? Como impedir que os muitos que estão por baixo sejam esmagados pelos poucos que estão por cima? Será que o ato de educar pode ser algo mais do que um mecanismo de manutenção da ordem? Será possível educar para a emancipação do homem, para livrá-lo de toda a opressão que o esmaga?
Marx e o pensamento sociológico
A obra do alemão Karl Heinrich Marx (1818-1883) marcou como um corte de navalha o pensamento ocidental do século XIX. Seu objeto de pesquisa fundamental, para não dizer o único, foi a sociedade capitalista de seu tempo. Ele olhou à sua volta e percebeu que, para além dos sinais aparentes de miséria e sofrimento das classes trabalhadoras — esses qualquer um que caminhasse pelas ruas das grandes cidades industriais podia ver — havia um processo histórico em curso que, enquanto levava a burguesia à condição de classe dominante, expropriava dos trabalhadores manuais seus instrumentos de produção e seus saberes, transmitidos com zelo de geração para geração através dos séculos, ao tempo da velha ordem feudal. Perceber este ponto talvez seja o grande diferencial da sociologia de Marx. Mas devo adverti-lo desde logo, caro leitor, que o pensamento de Karl Marx não se adapta facilmente ao rótulo de “sociologia”. Pois a sociologia é uma disciplina científica e empírica, de caráter analítico. E Marx combinou em seu pensamento duas perspectivas diferentes, dois modos diversos de encarar a realidade. Por um lado seu pensamento é analítico, isto é, pretende ver a realidade como ela é, dissecando-a e reconstruindo-a conceitualmente para entendê-la. Nesse sentido, ele foi um praticante das ciências sociais (a sociologia, a história e a economia política). Por outro lado, seu pensamento é normativo, isto é, pretende vislumbrar como a realidade deveria ser, construindo uma utopia em nome da qual seria necessário agir para transformar esta realidade, valorativamente caracterizada por ele como iníqua. Nesse sentido, ele fazia filosofia. Aliás, Marx não era apenas um pensador. Era também um militante político, que pretendia colocar suas ideias em prática através de um partido político. Mas não se conformava em propor o socialismo como uma opção entre tantas outras. Seu socialismo era “científico”, e sua ciência lhe dizia que o socialismo estava fadado a triunfar. Para ele não havia contradição entre teoria e prática, nem entre o modo como as coisas são e o modo como devem ser. Pelo contrário, se a sociedade verdadeiramente humana “deve ser” um dia uma sociedade sem exploração e opressão, é porque esta possibilidade está dada já agora, no modo mesmo como a sociedade presente “é”. A contradição para Marx não é uma falha do raciocínio lógico, é o modo pelo qual a realidade se expressa, e o futuro desejado está contido no presente odioso. Tá confuso? Calma, eu explico. Para chegar ao entendimento da sociedade capitalista, Marx julgou necessário descobrir como a história humana funciona, desde os primórdios da civilização até seus dias. Nada menos que isso. E acreditou de fato haver descoberto este mecanismo. Como disse o amigo e parceiro intelectual Friedrich Engels (1820-1895), num discurso proferido no enterro de Marx, assim como Darwin havia descoberto as leis da evolução das espécies, Marx havia descoberto as leis da história. Nesse sentido, a pretensão de Marx se assemelha muito à de Durkheim: o fundamental para as ciências sociais é que sejam capazes de enunciar leis que tenham tanta validade geral quanto as leis da física ou da biologia. Bem, mas que “descoberta” era essa? O enunciado da lei da história, segundo Marx, seria algo como o seguinte: “o que move a história é a luta entre as classes sociais”. Compreendendo esta chave, o investigador (e, principalmente, o transformador) social compreenderia a natureza da sociedade capitalista e a direção na qual ela estaria se transformando, graças a suas contradições internas. Como a luta entre as classes chegou então a constituir- se em motor da mudança histórica?
As leis da história
Marx e Engels escreveram que a história humana é a história da relação dos homens com a natureza e dos homens entre si. Nesses dois tipos de relação aparece como intermediário um elemento essencial: o trabalho humano. É através do trabalho que o homem muda a natureza, colocando-a a seu serviço. Ele planta, colhe, caça, pesca; enfim, vive através de seu trabalho. Na medida em que o ser humano se reproduz, através das relações sexuais entre homem e mulher, esse processo se expande pelo aumento natural da população. Ao mesmo tempo, para melhor desencumbir-se de sua tarefa de produção da vida material o homem desenvolveu instrumentos de trabalho, que cada vez mais foram funcionando como extensões e como aumento das capacidades do corpo humano. Em vez de cortar ou quebrar com as próprias mãos, inventou a machadinha de pedra, depois de metal cortante etc. Domesticou animais para fazer o trabalho mais pesado, desenvolveu técnicas de cultivo (como irrigação ou escolha de terrenos) para potencializar os resultados de seus esforços. Com seu gênio, com a capacidade de raciocinar que falta aos outros animais, o homem foi cada vez mais sendo capaz de aumentar e melhorar os resultados obtidos pelo trabalho que realizava com o suor de seu rosto. Nesse processo, trabalho manual e reflexão intelectual jamais se separaram, embora — como apontarei mais abaixo — o predomínio de certos grupos de homens sobre outros ao longo da história tenha gerado uma distorção no modo pelo qual os homens tomam consciência da relação entre o mundo material e o mundo das ideias. O ser humano, assim, desenvolveu ao longo da história, cada vez mais, aquilo a que Marx e Engels deram o nome de “forças produtivas”. O desenvolvimento das forças produtivas foi o responsável pelo incremento da produtividade e pelo aumento do domínio do homem sobre a natureza, bem como pelo conforto e pela riqueza material decorrentes, que as sociedades acumularam ao longo da história. E, note bem, forças produtivas não são apenas machadinhas e arados, mas também as tecnologias desenvolvidas pela capacidade reflexiva do homem. Mas não apenas isso. Ao mesmo tempo em que o trabalho é o intermediário da relação do homem com a natureza, ele é, também, o intermediário da relação dos homens uns com os outros. Porque o trabalho que são obrigados a desenvolver para sobreviver dita o modo pelo qual as sociedades humanas se estruturam. Para aumentar a produtividade social, para desenvolver as forças produtivas, o homem também foi organizando a produção junto com seus semelhantes, distribuindo tarefas e benefícios entre os membros da sociedade. Foi este o ponto de partida do processo de divisão do trabalho. Primeiro, a divisão sexual, entre o trabalho de homens e mulheres, Depois, a divisão entre a agricultura e a criação de animais. E, assim por diante, foi se dando a divisão entre o campo e a cidade, entre a produção agrícola e a industrial, entre esta e o comércio etc. Nesse sentido, como esta organização da produção advém da capacidade humana de racionalizar tarefas no sentido do aumento da produtividade social, a divisão do trabalho é também parte do conjunto das forças produtivas. Ambas, divisão do trabalho e forças produtivas, ao mesmo tempo determinam-se e são determinadas uma pela outra. Mas a divisão social do trabalho não é uma simples divisão de tarefas: fulano faz isso, beltrano aquilo. Não. Ela é também a expressão da existência de diferentes formas de propriedade no seio de uma dada sociedade num dado tempo histórico. As relações de propriedade, por sua vez, dizem respeito aos tipos de relações sociais predominantes numa sociedade a partir dos tipos de propriedade vigentes. Do ponto de vista de Marx, elas implicam numa separação básica: entre os instrumentos ou meios utilizados para o trabalho, de um lado, e o próprio trabalho, de outro. Isso significa que no processo de divisão do trabalho nem sempre os homens que possuem os meios para realizar o trabalho trabalham e nem sempre os que trabalham possuem esses meios. As relações de propriedade, portanto, são a base das desigualdades sociais, na medida em que a divisão do trabalho possibilitou a existência de homens que trabalham para os outros, porque o fazem com os meios de outros; e de homens que não trabalham porque têm meios e podem fazer com que outros trabalhem para si. A esses modos específicos de organização do trabalho e da propriedade Marx e Engels deram o nome de “relações sociais de produção”. Cada época histórica possui um conjunto de forças produtivas desenvolvidas, sob o controle dos homens que nesta época vivem e, ao mesmo tempo, um conjunto instituído de relações sociais de produção, que são o modo pelo qual os homens assumem o controle sobre as forças produtivas, isto é, as relações de propriedade. A este conjunto total Marx e Engels chamaram “modo de produção”. Assim, as grandes transformações pelas quais passou a história da humanidade foram as transformações de um modo de produção a outro. Simplificadamente, podemos dizer que nossos autores descrevem três diferentes modos de produção ao longo da história: o modo de produção escravista antigo (Grécia e Roma antigas, onde o trabalho era realizado por escravos), o modo de produção feudal (vigente no mundo medieval) e o modo de produção capitalista. A cada um desses modos de produção correspondem diferentes estágios de desenvolvimento das forças produtivas materiais e diferentes formas de organização da propriedade (ou relações sociais de produção). No primeiro, a relação social básica é a escravidão, que opõe escravos e senhores de escravos; no segundo, a relação social básica é a de servidão, que opõe servos de gleba e senhores feudais; e no terceiro, a relação social fundamental é a de assalariamento, que opõe capitalistas e operários, isto é, burgueses e proletários. Dessas diferentes relações de propriedade, ou melhor, da posição dos homens com relação às formas de propriedade vigentes num dado modo de produção, é que surgem as classes sociais. A transformação de uma forma a outra, de um modo de produção a outro, se dá pelos conflitos abertos por causa da luta entre a classe dominada e a classe dominante em cada época. Marx diz que as relações sociais de produção, isto é, as formas de propriedade, quando se estabelecem, funcionam como uma forma de desenvolvimento das forças produtivas, mas chega um momento em que as forças produtivas não mais conseguem se desenvolver sob a vigência daquelas relações de propriedade. Abre-se então um período de convulsão social, no qual as relações de propriedade vigentes são contestadas. A classe oprimida, política e/ou economicamente dominada, se insurge contra o predomínio da classe dominante. É por isso que nossos autores afirmam que aquilo que move a história é a luta entre as classes.
As formas de consciência
Nessa explicação genérica da teoria da história de Marx eu só lhe expus, até aqui, o aspecto relacionado com as formas de produção material e de organização da estrutura social delas decorrentes. Mas como o trabalho e a reflexão do homem, como já sublinhei, são faces da mesma moeda ao longo da história, a teoria de Marx se propõe também a explicar de que modo o mundo das ideias, do conhecimento, das crenças e das opiniões se relaciona com este mundo material, da produção, do trabalho. Marx e Engels se vêem então diante da seguinte pergunta: como explicar a consciência que os homens têm ou deixam de ter a respeito de seu próprio modo de vida, da produção material de sua sociedade e das relações de classe, sejam elas econômicas ou políticas? A consciência está ligada às condições materiais de vida, ao intercâmbio econômico entre os homens, como já vimos. Mas a consciência que os homens têm dessas relações, afirmam nossos autores, não condiz com as relações materiais reais que de fato vivem. As ideias, as concepções sobre como funciona o mundo são representações que os homens fazem a respeito de suas vidas, do modo como as relações aparecem na sua experiência cotidiana. Essas representações são, portanto, aparência. Para Marx essas representações implicam, num primeiro momento, numa falsa consciência, numa consciência invertida, pois se prendem à aparência e não são capazes de captar a essência das relações às quais os homens estão de fato submetidos. Se estiver muito complicado, não desanime agora. Vou lhe dar um exemplo prático e claro dessa falsa consciência que acabei de mencionar no parágrafo acima. Quando se estabelece na história uma determinada forma de divisão do trabalho, quando ela se torna dominante e generalizada dentro de uma sociedade, ela estabelece o lugar de cada um dentro do processo produtivo. Assim, as relações de propriedade vigentes, o poder político de certos grupos sobre outros e as formas de exploração do trabalho que uma determinada classe social consegue implantar numa determinada época histórica, estabelecem e determinam o que cada indivíduo está obrigado a fazer, o modo como está obrigado a trabalhar e viver. No capitalismo, diz Marx, existem os proprietários dos meios de produção (as fábricas, as máquinas e a própria força de trabalho do trabalhador). Estes são obviamente os burgueses. E existem aqueles a quem não resta outra alternativa de vida a não ser vender o único bem de que dispõem: sua força de trabalho, em troca do pagamento de um salário. No entanto, na cabeça dos homens que vivem sob este sistema, isso é percebido, no plano das ideias, como algo normal, natural. Ao trabalhador lhe parece natural que certas pessoas tenham que trabalhar em troca de um salário para viver, como se isso sempre houvesse existido e, mais ainda, como se tivesse que continuar existindo para sempre. Esse indivíduo não vê a sociedade capitalista como uma sociedade historicamente construída pela luta entre uma classe com intenção de ser a classe dominante (a burguesia) e outras classes, que acabaram sendo submetidas a esta classe dominante, transformando-se em proletariado. Não. À medida que o tempo passa e a sociedade capitalista se estabiliza, ela é percebida pelas pessoas, na vida cotidiana, como a única sociedade possível. Assim como em outros tempos, a sociedade feudal, por exemplo, foi percebida pelos homens como a única sociedade possível (durante séculos, num intervalo de tempo, aliás, bem maior do que a duração do capitalismo). Repare aqui uma diferença fundamental entre Durkheim e Marx. Durkheim nos mostra o peso da sociedade sobre os indivíduos, aponta que a consciência individual é dada pela preponderância de uma consciência coletiva, que os indivíduos não pensam com sua própria cabeça. Marx, por sua vez, mostra que isso não é assim simplesmente porque qualquer sociedade de homens deve necessariamente ser exterior e coercitiva sobre os indivíduos. Ele mostra que o caráter coercitivo, dominador, não se manifesta igualmente por parte “da sociedade em geral” sobre todos os homens indistintamente, mas sim de uma parte da sociedade sobre outra, ou melhor, de uma classe social que assume o papel de dominante sobre as outras, que se tornam dominadas. E que esta situação não está ali desde que o mundo é mundo, mas que ela foi criada pela luta histórica entre as classes sociais. Marx afirma que se as relações de dominação existem em toda e qualquer sociedade é porque elas são socialmente construídas. E, portanto, não precisam existir para sempre, pois o homem pode construir outros tipos de relações, sem a dominação de uma classe sobre outra. Mas percebe, no entanto, que os homens, no seu universo cotidiano, dentro do qual estão submetidos a este processo de dominação, não têm uma consciência real da dominação de que são objeto. Pensemos no processo de passagem do modo de produção feudal para o modo de produção capitalista, para que não reste dúvidas sobre isso. A forma de produção de mercadorias no mundo feudal era o artesanato. Como resultado de uma enorme gama de transformações ocorridas entre os séculos XVI e XIX, o artesanato se transformou em grande indústria. Como isso se deu, do ponto de vista das relações de propriedade? No artesanato, o Mestre de Oficio — por exemplo, um sapateiro — realizava todas as etapas da produção de seu produto. O Mestre Sapateiro curtia o couro dos animais, cortava, tingia, construía as fôrmas de madeira para a fabricação dos sapatos, costurava-os, pregava os solados, fazia o acabamento e, ainda, os vendia em seu estabelecimento. E claro que este era um processo lento, e um número reduzido de pares de sapatos era produzido. Mas o Mestre Sapateiro tinha o controle de cada detalhe. Ele, como pessoa, sabia fazer sapatos e era este saber (somado aos meios materiais necessários para a fabricação de sapatos) que determinava o lugar que este homem ocupava no mundo e suas relações com seus contemporâneos. E de onde veio este saber? Ele aprendeu de um outro Mestre, muitas vezes seu pai, com o qual exercitou o ofício desde criança, na condição de aprendiz. Do mesmo modo ele ensinaria, depois de Mestre formado, o ofício a seus aprendizes, muitas vezes seus filhos. Com o desenvolvimento do comércio, no entanto, uma nascente classe de comerciantes começou a ter pressa. Quanto mais sapatos vendidos, mais lucro. Os comerciantes passaram então a contratar fabricantes de sapatos e reuni-los em galpões onde pudessem fiscalizar a produção e cobrar a agilidade necessária. Ao fazerem isso, começaram a entender o processo de fabricação do sapato e perceberam que seria possível agilizar a produção se as tarefas fossem divididas entre os trabalhadores. Cada um faria apenas uma etapa, pois seria bem mais ágil apenas cortar o couro, ou apenas costurar, repetidas vezes, em vez de todos realizarem todas as etapas e passarem de uma tarefa a outra. E seria bem mais simples, também, que os novos trabalhadores que iam sendo contratados tivessem que aprender uma só tarefa, em vez de aprender o processo todo. Juntou-se a esta mudança um outro dado fundamental. Com o desenvolvimento tecnológico daqueles séculos, o XVIII e o XIX principalmente, foram criadas máquinas novas para aumentar a produção. A princípio essas máquinas dependiam do uso que o trabalhador fazia delas, mas com seu aperfeiçoamento, as máquinas começaram a ditar o ritmo da produção, sendo o trabalhador obrigado a operar no ritmo da máquina, e não a máquina ao ritmo do trabalhador. Agora pense o que aconteceu, não só com os sapateiros do exemplo, mas com todos os ramos da produção material, entre o tempo do artesanato e o da grande indústria. O que aconteceu, para Marx, é que os trabalhadores foram duplamente expropriados pelos capitalistas, isto é, deles foram subtraídas duas coisas: os meios de produção da vida material e o saber do qual dependia a fabricação de um produto e a própria posição social do artesão. Eles eram auto-suficientes e passaram a se tornar dependentes dos capitalistas. Primeiro, porque não tinham mais os meios materiais de vida, e foram obrigados a vender sua força de trabalho em troca de um salário. E depois, porque não saberiam mais como produzir por conta própria se tivessem esses meios materiais, já que foram obrigados a reduzir sua capacidade de trabalho a tarefas simples e parciais. Este saber foi apropriado e controlado pelo capitalista, que o desenvolveu e racionalizou. Através da maquinaria industrial moderna e de posse desse saber, o capitalista reduziu o trabalhador à execução das tarefas simplificadas, parciais e repetitivas na linha de produção da fábrica. Assim, as forças produtivas foram enormemente desenvolvidas, mas através de um processo social de expropriação de bens materiais e de saberes. Explicado assim, numa perspectiva histórica, pode até parecer convincente, mas a percepção dessa expropriação e o entendimento de suas conseqüências para cada um fica bloqueada pelo modo como o indivíduo adquire consciência do mundo social em que nasce e no qual cresce e morre. Ele só aprende que deve trabalhar para receber o salário e viver, pois esta é a percepção que tem da realidade na vida cotidiana. Existem as fábricas e seus donos. E ao trabalhador, que não é dono de coisa alguma, cabe trabalhar nelas e ponto-final. Por causa do salário pago, o trabalho, que é obra de cada ser humano, é compreendido como algo que não pertence a este ser humano. O trabalho, que sempre foi o meio pelo qual o homem relacionou-se com a natureza e com os outros homens, é individualmente percebido como algo sobre o qual o trabalhador não tem controle. O trabalhador foi separado, pelo capitalismo, do controle autônomo que exercia sobre seu trabalho e também do fruto deste trabalho. O trabalho é então percebido pelo trabalhador como algo fora de si, que pertence a outros. A isso, Marx dá o nome de alienação. Por causa do trabalho alienado a que estão submetidos, os homens adquirem uma consciência falsa do mundo em que vivem, vêem o trabalho alienado e a dominação de uma classe social sobre outra como fatos naturais e passam, portanto, a compartilhar uma concepção de mundo dentro da qual só têm acesso às aparências, sem ser capazes de compreender o processo histórico real. A isso Marx dá o nome de ideologia. A ideologia, portanto, é aquele sistema ordenado de ideias, de concepções, de normas e de regras (com base no qual as leis jurídicas são feitas) que obriga os homens a comportarem-se segundo a vontade “do sistema”, mas — e isso é importante — como se estivessem se comportando segundo sua própria vontade. Esta coerção “do sistema” sobre os indivíduos, revela Marx, na verdade é a coerção da classe dominante sobre as classes dominadas. Por isso Marx afirma que a ideologia dominante numa dada época histórica é a ideologia da classe dominante nessa época. Exploração econômica e opressão política do homem pelo homem sempre houve em todas as sociedades; só que no capitalismo há uma diferença. Em todas as outras formas de dominação histórica anteriores, o dominado sabia que era dominado e sabia quem era seu dominador. O escravo sabia que seu senhor o mantinha em cativeiro e o obrigava a trabalhar para si à força, o servo sabia que o dono do feudo lhe arrancava a maior parte do que plantava e colhia. No capitalismo, ao contrário, o trabalhador acha que é justo que ele seja separado do fruto de seu trabalho mediante o pagamento do salário. O máximo de injustiça contra a qual o trabalhador normalmente se revolta diz respeito aos salários baixos e às condições ruins de trabalho (jornadas longas demais, insalubridade etc.). Marx diz, porém, que o salário não remunera todo o trabalho realizado, mas apenas uma parte dele. A outra parte é apropriada pelo capitalista e se transforma em lucro. Em resumo, a teoria de Marx e Engels afirma que qualquer salário é injusto porque a relação de assalariamento é injusta em si. É injusta porque separa o trabalhador do resultado de seu trabalho, e isso o aliena e o descaracteriza como ser humano. E mais ainda: essa injustiça não pode ser percebida pelo trabalhador (com base em sua própria experiência na vida cotidiana) por causa da ideologia, que é uma concepção de mundo gerada pela classe dominante e assumida pela classe dominada como se fosse sua. A suprema ironia do capitalismo é que o dominado pensa com a cabeça do dominador, e essa é a forma de dominação mais visceral. No capitalismo, os trabalhadores dormem com o inimigo, confortavelmente instalado em sua própria mente, todos os dias sem saber. E quase como se houvesse em seu cérebro um chip perverso de computador, desses de filme de ficção científica, que o obrigasse a levantar no outro dia e levar sua vida da mesma forma que no dia anterior. Mas Marx e Engels não faziam ficção científica. Eles, ao mesmo tempo, tinham fé na ciência e alimentavam uma utopia. Por obra da ciência, acreditaram haver descoberto as leis da história. Essas leis lhes diziam que chegaria um momento em que o desenvolvimento das forças produtivas proporcionado pelo capitalismo inevitavelmente entraria em contradição com as formas capitalistas de propriedade e que, quando esse momento chegasse, se abriria uma época de revolução social e política. E aí entra sua utopia: acreditavam que esta revolução — à qual se seguiria uma fase de transição em que os resquícios da sociedade capitalista seriam destruídos (a fase do socialismo) — daria origem a uma nova sociedade, sem exploradores nem explorados, sem alienação e sem ideologia, sem classes sociais e sem Estado (porque o Estado para eles é uma manifestação das relações de classe, e deixaria de existir quando as classes não existissem mais). Nessa nova sociedade, a sociedade comunista, sem dúvida a mais bela utopia do século XIX, o homem se reencontraria consigo mesmo, seria um ser autônomo, autocentrado e autoconsciente, trabalhador manual e intelectual ao mesmo tempo. Daria à sociedade, por sua própria vontade, todo o esforço e trabalho que pudesse, e receberia dela tudo o que precisasse, graças ao desenvolvimento material propiciado pelo capitalismo. Os homens e as mulheres seriam, enfim, seres humanos inteiros, completos. E, é claro, seriam felizes para sempre.
Educar no mundo industrial
Bem, é de se esperar que a essa altura você já esteja de novo minhocando sobre o que toda essa conversa de exploração, dominação, alienação, ideologia e comunismo tem a ver com educação. Pois vou lhe dizer o que eu acho disso. Acho que Marx e Engels viam a educação com os mesmos olhos com que viam o capitalismo. Por um lado, fazendo uma análise empírica (ainda que pouco aprofundada) da situação educacional dos filhos dos operários do nascente sistema fabril, identificaram na educação uma das mais importantes formas de perpetuação da exploração de uma classe sobre outra, utilizada pelo capitalista para disseminar a ideologia dominante, para inculcar no trabalhador o modo burguês de ver o mundo. Por outro lado, pensando a educação como parte de sua utopia revolucionária, identificaram nela uma arma valiosa a ser empregada em favor da emancipação do ser humano, de sua libertação da exploração e do jugo do capital. Ou seja, para Marx e Engels não existe “educação” em geral. Conforme o conteúdo de classe ao qual estiver exposta, ela pode ser uma educação para a alienação ou uma educação para a emancipação. Em seu livro mais conhecido, O Capital (de 1867), Marx faz uma análise das condições de vida dos trabalhadores ingleses na época das rápidas transformações econômicas e políticas provocadas pela Revolução Industrial, justamente a fase de afirmação do capitalismo industrial moderno. Ao comentar a legislação trabalhista da época, ele nota que a lei inglesa anterior a 1844 permitia a contratação de crianças para trabalhar nas fábricas, com a condição de que os patrões apresentassem um atestado de que os meninos freqüentavam a escola. Olhando mais de perto, porém, Marx concluiu que o tipo de educação dado às crianças operárias era tão precário, que só poderia servir para perpetuar as relações de opressão às quais essas crianças e seus pais operários estavam sujeitos. O descaso era tanto que qualquer um que tivesse uma casa e alegasse ser ali uma escola poderia fornecer os “atestados de freqüência às aulas” de que as fábricas precisavam para livrar-se da fiscalização. Segundo relato de um inspetor do trabalho da época, citado por Marx em seu livro, numa dessas “escolas” que visitou a sala de aula tinha 15 pés de comprimento por 10 pés de largura e continha 75 crianças que grunhiam algo ininteligível. (...) Além disso, o mobiliário escolar é pobre, há falta de livros e de material de ensino e uma atmosfera viciada e fétida exerce efeito deprimente sobre as infelizes crianças. Estive em muitas dessas escolas e nelas vi filas inteiras de crianças que não faziam absolutamente nada, e a isto se dá o atestado de freqüência escolar; e esses meninos figuram na categoria de instruídos de nossas estatísticas oficiais (O Capital, cap. XIII, item 9).
A legislação inglesa de 1844 mudou as regras. A partir de então só poderiam ser contratadas para as fábricas crianças que já tivessem pelo menos a instrução primária, e que já tivessem aprendido as primeiras letras e números. Marx considerava isso um avanço importante, pois acreditava que todas as crianças deveriam combinar, em sua formação como pessoa, a educação formal escolar e o trabalho manual nas fábricas. Não nos esqueçamos de que Marx era um entusiasta dos avanços do capitalismo. Ele lembrou em vários de seus textos que o capitalismo havia melhorado o nível material de vida da sociedade humana, em menos de cem anos, muitas vezes mais do que o sistema anterior havia feito em mais de mil. A crítica de Marx ao capitalismo dirigia-se contra a apropriação privada do lucro, e não contra a existência da civilização industrial. Pelo contrário, sua utopia comunista seria impossível sem o desenvolvimento propiciado pelo capitalismo. Seu ideal era o de que, no comunismo, todos dividissem o trabalho manual nas fábricas com o trabalho intelectual e com o lazer. Assim, todos seriam homens completos. Nesse sentido, Marx festejou a legislação inglesa de 1844, pois ela permitia combinar, na formação da criança, a educação escolar e o trabalho na fábrica. Marx afirma, inclusive, que a escola em tempo integral é pouco produtiva, porque, não sendo combinada com o trabalho manual, torna o dia da criança enfadonho, o trabalho do professor mais duro e o rendimento escolar menor. “As crianças com escola de meio período e trabalho no outro período aprendem tanto ou mais que as crianças que ficam na escola o dia todo”, escreveu Marx. Para ele, uma vez conjugados o trabalho e a escola, uma atividade funcionaria como descanso para a outra. Mas o fundamental é que, através dessa conjugação, seria possível na visão de Marx romper, na formação das futuras gerações, com a separação entre trabalho manual e intelectual, e também com a parcialização das tarefas impostas pela divisão do trabalho na fábrica moderna. E romper com essa separação é uma decorrência fundamental das análises de Marx e Engels, porque é dela que brotam a alienação e a ideologia. Talvez o que vou dizer agora possa chocar alguns de nós, que vivemos à beira do século XXI, mas segundo a concepção de Marx; que era um homem do século XIX, o trabalho infantil é desejável, desde que o Estado garanta aos filhos dos operários uma escola de meio período que não seja um mero depósito de crianças e desde que a superexploração do trabalho infantil seja controlada pela legislação. E é desejável simplesmente porque Marx não acreditava que um homem novo, com um novo caráter, pudesse ser forjado apenas com uma educação escolar formal. Para ele, as mãos sujas de graxa e o suor do rosto seriam tão educativos, do ponto de vista moral, quanto os livros, os cadernos e os lápis. Se é através do trabalho que o homem produz para viver, colocando a natureza a seu serviço e ao mesmo tempo relacionando-se com seu semelhante, o trabalho manual deve ser exercitado por todos, e os resultados dos esforços coletivos devem ser compartilhados conforme as necessidades de cada um. Para que não reste dúvida sobre este ponto, vejamos o que diz Marx num texto intitulado Instrução aos delegados do Conselho Geral da Internacional Comunista (de 1866). Diz ele: Consideramos que é progressista, sã e legítima a tendência da indústria moderna de incorporar as crianças e os jovens para que cooperem no grande trabalho da produção social, embora sob o regime capitalista ela tenha sido deformada até chegar a uma abominação. Em todo regime social razoável, qualquer criança de 9 anos de idade deve ser um trabalhador produtivo, do mesmo modo que todo adulto apto para o trabalho deve obedecer à lei geral da natureza, a saber: trabalhar para poder comer, e trabalhar não só com a cabeça, mas com as mãos.
No sentido de regrar a superexploração da fábrica capitalista, Marx propõe que os militantes de seu partido, o Partido Comunista, lutem para que a lei estabeleça um tratamento diferenciado conforme a faixa etária, prevendo jornadas de trabalho com duração diferenciada para crianças e jovens: de 9 a 12 anos, eles deveriam trabalhar 2 horas por dia; de 13 a 15 anos, 4 horas; e as de 16 e 17 anos, 6 horas. Sem uma legislação desse tipo, diz Marx, não haveria freios para a ganância burguesa e os pais operários, premidos pela pobreza, seriam obrigados a transformar- se em agenciadores da escravidão fabril dos próprios filhos, comprometendo seu futuro. E conclui: “não se deve permitir em nenhum caso aos pais e patrões o emprego do trabalho das crianças e jovens se este emprego não estiver conjugado com a educação”. E que educação é essa? De que conteúdos deve ocupar-se? Bem, Marx dá poucas indicações sobre isso, mas o que se pode concluir de seus apontamentos é que a preocupação da educação deveria ser, fundamentalmente, a de romper com a alienação do trabalho, provocada pela divisão do trabalho na fábrica capitalista. Pois este seria, em sua visão, o ponto de partida para romper com a passividade do trabalhador frente à ideologia da classe dominante. Para tanto, o caminho que Marx vislumbrava contava com a contribuição do processo educacional, e seria por assim dizer inverso ao caminho da expropriação dos saberes produtivos das classes trabalhadoras, da qual serviu-se o capitalista industrial para constituir sua fábrica. Não se tratava de ensinar ao filho do operário que ele era uma vítima da exploração burguesa, mas sim ensiná-lo a operar as fábricas burguesas. Não através de uma operação circunscrita às tarefas parciais, como ocorria, mas de um processo educacional que lhe devolvesse, tanto quanto possível, a percepção do conjunto do processo produtivo moderno. Isso, para Marx, era objetivamente possível, porque ele acreditava que a mesma divisão do trabalho e o mesmo avanço tecnológico que transformavam o trabalhador num trabalhador parcial simplificavam as tarefas produtivas e, portanto, tomavam essas tarefas acessíveis a qualquer um. Esse novo saber seria o fundamento de sua ruptura com a alienação do trabalho e, portanto, uma das chaves de sua emancipação como ser humano. Em outras palavras, nenhum conteúdo educacional doutrinário mudaria a visão de mundo dos filhos dos operários se a educação não lhes desse meios para superar sua condição de trabalhador parcial, capaz de executar uma única tarefa simplificada, ditada pelas exigências do capital. É por isso que Marx diz que os conteúdos educacionais devem contemplar três dimensões: uma educação mental, uma educação física e uma educação tecnológica. Ele não explicita, no texto citado acima, o que seria essa educação mental, mas pode-se deduzir do contexto que seria uma educação elementar para o trabalho intelectual. A educação física seria a educação do corpo tal como oferecida nos ginásios esportivos e no treinamento militar. E, finalmente, a educação tecnológica seria a iniciação das crianças e jovens no manejo dos instrumentos e das máquinas dos diferentes ramos da indústria, tarefa que deveria ocorrer em concomitância com o trabalho das “crianças” na fábrica, dos 9 aos 17 anos. Com tal formação, pensava, os filhos de operários poderiam estar em nível muito superior ao dos burgueses e aristocratas, uma vez que estes últimos também jamais seriam homens completos, a menos que rompessem com a separação entre trabalho intelectual e manual. Em sua visão, portanto, é preciso substituir o indivíduo parcial, “mero fragmento humano que repete sempre uma operação parcial, pelo indivíduo integralmente desenvolvido, para o qual as diferentes funções sociais não passariam de formas diferentes e sucessivas de sua atividade” (Instruções..., op. cit.). Dentro de tal concepção, as escolas politécnicas e as escolas, agronômicas eram consideradas aliadas importantes do processo de transformação, assim como as escolas profissionais da época, que davam algum ensino tecnológico aos filhos de operários, e nas quais eram iniciados no manejo prático de diferentes instrumentos de produção. A legislação de 1844 havia arrancado do capital, na visão de Marx, uma primeira, mas muito insuficiente, concessão, na medida em que obrigava o capitalista a permitir que se conjugassem o trabalho e o ensino para os filhos de operários. No entanto, depois da inevitável conquista do poder político pelos operários comunistas, o que Marx antevia era a adoção do “ensino tecnológico, teórico e prático nas escolas dos trabalhadores”. Note bem: “nas escolas dos trabalhadores”, pois no comunismo não haveria mais burgueses. Todos, indistintamente, seriam trabalhadores. O ensino, então, seria público e igual para todos, mas isso fazia parte da utopia de Marx, de seu projeto para o futuro. Ele não era, ao contrário do que se possa pensar, um entusiasta do ensino oferecido pelo Estado capitalista. Sim, porque o Estado capitalista, como o nome já diz, era em sua concepção uma forma política de perpetuar a exploração econômica de uma classe sobre outra. Por esta razão rechaçava propostas genéricas de adoção de um ensino público e gratuito “para todos” e oferecido pelo Estado. Para ele, não fazia sentido: se o Estado é um Estado de classe e se a classe dominante precisa disseminar ao máximo sua ideologia para manter sua dominação, a ele parecia óbvio que um ensino oferecido por este Estado burguês só poderia ensinar os filhos dos operários a moldarem-se à dominação. Debatendo com seus adversários internos do Partido Comunista, ele deixou essa visão bem clara. Num texto chamado Crítica do Programa de Gotha, de 1875, escreveu: “Isso de uma educação popular a cargo do ‘Estado’ é absolutamente inadmissível. (...) É preciso livrar a escola de toda influência por parte do governo e da lgreja. (...) É, ao contrário, o Estado que necessita receber do povo uma educação muito severa”. A título de ilustração, porém, é preciso assinalar que Marx e Engels, quando escreveram separadamente sobre o assunto, deixaram indicações contraditórias. Num texto chamado Princípios do comunismo, de 1847, quase trinta anos antes da passagem de Marx que acabei de citar, Engels havia escrito que uma das reivindicações da classe operária ainda durante o capitalismo deveria ser a “educação de todas as crianças em estabelecimentos estatais e a cargo do Estado, a partir do momento em que possam prescindir do cuidado da mãe”. Bem, mas esses são detalhes, que servem apenas para lembrar-nos como era complexo, mesmo para esses sociólogos -filósofos-economistas- militantes, o trabalho de articular propostas educacionais práticas que tivessem um caráter libertário. Resta saber então, para encerrarmos este ponto, o que seria da educação pública depois que o Estado recebesse dos operários armados, no momento da revolução comunista, sua derradeira lição. Como seria a educação no comunismo? Como Marx e Engels viam, nesta nova sociedade que defendiam, um processo educacional que contribuísse efetivamente para emancipar o ser humano? Acho que aqui há duas questões importantes, ambas relacionadas ao perfil do “novo homem” que o comunismo deveria gerar. A primeira é que, além de mudar a forma de exploração econômica, eles acreditavam ser preciso mudar a forma de organização social, para que uma nova educação pudesse se desenvolver. Nesse aspecto é central a crítica de Marx e Engels à família. No célebre Manifesto comunista, de 1848, lembram que a família burguesa se apóia no capital e no lucro privado e que sua existência aparentemente virtuosa sustenta-se na supressão da família proletária, mergulhada na desagregação causada pela miséria, pelo vício e pela prostituição. A família é o lugar por excelência da difusão e do enraizamento dos valores capitalistas e burgueses, é o espaço social onde as crianças aprendem desde a tenra idade a pensar com a cabeça da classe dominante, achavam. É o lugar onde ocorre a exploração dos filhos pelos pais, reproduzindo a exploração dos operários pelos patrões. Razão pela qual a família, nos moldes que conhecemos, deveria ser radicalmente suprimida, na proposta política de Marx e Engels. A forma de inverter o conteúdo de classe da educação burguesa, portanto, seria substituir uma educação doméstica por uma educação de caráter social, na qual os valores da nova sociedade solidária pudessem desenvolver-se sem a influência deletéria da estreiteza do espaço privado representado pela família. A segunda questão importante é que, com o comunismo, conforme já vimos, terminariam a divisão da sociedade em classes e a forma capitalista de divisão do trabalho. Na visão de nossos autores não bastava ao comunismo, portanto, aproveitar-se do progresso material proporcionado pelo desenvolvimento do capitalismo. Seria preciso educar o “novo homem” comunista de tal modo que ele pudesse de fato superar a divisão do trabalho que o alienava sob o capitalismo. Não seria suficiente a revolução política, e o controle do poder do Estado pelos operários decorrente dela, para socializar os meios de produção, pensavam Marx e Engels. Seria necessário que, ao socializar os meios de produção, a nova forma de organização industrial encontrasse um homem preparado para desempenhar um trabalho que não fosse alienado, parcial, restritivo de suas potencialidades. Seria preciso, pois, uma mudança de atitude frente à produção, para viabilizar o controle coletivo de seus benefícios. No já citado Princípios do comunismo, Engels explicita de modo bastante claro o que esperavam afinal da nova educação. Diz ele: A educação dará aos jovens a possibilidade dc assimilar rapidamente na prática todo o sistema de produção e lhes permitirá passar sucessivamente de um ramo de produção a outro, segundo as necessidades da sociedade ou suas próprias inclinações. Por conseguinte, a educação nos libertará deste caráter unilateral que a divisão atual do trabalho impõe a cada indivíduo. Assim, a sociedade organizada sobre bases comunistas dará a seus membros a possibilidade de empregar em todos os aspectos suas faculdades desenvolvidas universalmente.
Basta olharmos, nos dias que correm, para o perfil do “trabalhador polivalente” exigido pelas indústrias contemporâneas— em função da reestruturação produtiva que ocorre na esteira da chamada Terceira Revolução Industrial — para compreendermos que a mudança seria bem mais complicada do que faz crer este esperançoso parágrafo escrito em 1847. Foi o próprio capital (e não nenhuma revolução comunista) que revolucionou a divisão do trabalho na linha de produção. Hoje, o desenvolvimento tecnológico, com o advento da robótica e da informática, permite ao capitalista realizar a mesma produção que antes o obrigava a empregar milhares de operários, agora com apenas algumas dezenas de trabalhadores superqualificados e, portanto, educados. Educados, mas nem por isso emancipados. Vivemos hoje os dias da “sociedade da informação”, da “sociedade do conhecimento”, mas o fosso social que separa as classes continua a aumentar. Talvez por isso mesmo os instrumentos da reflexão sociológica sobre a educação sejam cada vez mais importantes.
Texto indicado pela Professora Sueli
Referência: RODRIGUES, Alberto Tosi. Sociologia da educação. Rio de Janeiro: DP&A, 2000. p.35-57.