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Ciência Política Cásper/Maquiavel

Fonte: Wikiversidade

(SADEK; Nicolau Maquiavel: o cidadão sem fortuna, o intelectual de virtú. In: WEFFORT, F. Os clássicos da política vol. 1, Editora Ática, pg. 11-50)

(publicação: 1512-1513)

“Entre como se vive e como se devia viver há tamanha diferença, que aquele que despreza o que se faz pelo que se deveria fazer aprende antes a trabalhar em prol de sua ruína do que de sua conservação. Na verdade, quem num mundo cheio de perversos pretende seguir em tudo os ditames da bondade, caminha inevitavelmente para a própria perdição. “ (Cap. XV)

“A um príncipe, pois, não é indispensável ter de fato todas as qualidades acima descritas, mas é imprescindível que pareça possuí-las; aliás, ousarei dizer o seguinte: tendo-as e observando-as sempre, elas são danosas, ao passo que, aparentando tê-las, são úteis — como, por exemplo, parecer piedoso, fiel, humano, íntegro, religioso, e sê-lo; mas é necessário estar com o espírito de tal modo predisposto que, ser for preciso não o ser, o príncipe possa e saiba torna-se o contrário. E há que se compreender que um príncipe, sobretudo o príncipe novo, não pode observar todas as coisas pelas quais os homens são chamados de bons, precisando muitas vezes, para preservar o Estado, operar contra a fé, contra a caridade, contra a humanidade, contra a religião. Porém é necessário que ele tenha um espírito disposto a voltar-se para onde os ventos da fortuna e a variação das coisas lhe ordenarem; e, como se disse acima, não se afastar do bem, se possível, mas saber entrar no mal, se necessário.” (cap. XVIII)


Busque, pois, um príncipe triunfar das dificuldades e manter o Estado, que os meios para isso nunca deixarão de ser julgados honrosos, e todos aplaudirão. Na verdade, o vulgo sempre se deixa seduzir pelas aparências e pelos resultados. Ora, no mundo, não existe senão vulgo, já que as poucas inteligências esclarecidas só têm influência quando à multidão falta um arrimo onde se apoiar.” (Cap. XVIII)

“Um príncipe também é estimado quando se mostra um verdadeiro amigo e um verdadeiro inimigo, isto é, quando sem nenhum escrúpulo se revela a favor de alguém e contra outro. Tal partido é sempre mais útil que a neutralidade, uma vez que, se dois potentados vizinhos entram em guerra, ou se dá o caso de que, vencendo um deles, você tenha de temer o vencedor, ou ocorre o contrário. Em ambas as hipóteses, será sempre mais vantajoso revelar-se abertamente e combater uma boa batalha...”

Daí nasce uma controvérsia, qual seja: se é melhor ser amado ou temido. Pode-se responder que todos gostariam de ser ambas as coisas; porém, como é difícil conciliá-las, é bem mais seguro ser temido que amado, caso venha a faltar uma das duas. Porque, de modo geral, pode-se dizer que os homens são ingratos, volúveis, fingidos e dissimulados, avessos ao perigo, ávidos de ganhos; assim, enquanto o príncipe agir com benevolência, eles se doarão inteiros, lhe oferecerão o próprio sangue, os bens, a vida e os filhos, mas só nos períodos de bonança, como se disse mais acima; entretanto, quando surgirem as dificuldades, eles passarão à revolta, e o príncipe que confiar inteiramente na palavra deles se arruinará ao ver-se despreparado para os reveses.

Pois as amizades que se conquistam a pagamento, e não por grandeza e nobreza de espírito, são merecidas, mas não se podem possuir nem gastar em tempos adversos; de resto, os homens têm menos escrúpulos em ofender alguém que se faça amar a outro que se faça temer: porque o amor é mantido por um vínculo de reconhecimento, mas, como os homens são maus, se aproveitam da primeira ocasião para rompê-lo em benefício próprio, ao passo que o temor é mantido pelo medo da punição, o qual não esmorece nunca. Todavia o príncipe deve inspirar temor de tal modo que, se não puder ser amado, ao menos evite atrair o ódio, já que é perfeitamente possível ser temido sem ser odiado. Isso só será viável se ele não cobiçar os bens de seus cidadãos e de seus súditos, bem como as mulheres destes. E, quando for imprescindível agir contra o sangue de alguém, que o faça por uma justificativa sólida e um motivo evidente. (cap. XVII)


"Um Príncipe sábio não pode , pois, nem deve manter-se fiel às suas promessas quando, extinta a causa que o levou a fazê-las, o cumprimento delas lhe traz prejuízo. Este preceito não seria bom se os homens fossem todos bons. Como, porém, são maus e, por isso mesmo, faltariam à palavra acaso nos desse, nada impede venhamos nós a faltar também com a nossa. “ (cap, XVIII)


" Não ignoro a crença antiga e atual de que a fortuna e Deus governam as coisas deste mundo, e de que nada pode contra isso a sabedoria dos homens. [...] Foi após refletir no assunto algumas vezes que eu também me inclinei em parte a concordar com essa opinião. Todavia, para que não se anule o nosso livre arbítrio, eu, admito embora que a fortuna seja dona de metade das nossas ações, creio que, ainda assim, ela nos deixa senhores da outra metade ou pouco menos. [...]Creio ainda que será venturoso aquele cujo procedimento se adaptar à natureza dos tempos, e que, ao contrário, será desditoso aquele cujas ações estiverem em discordância com ela.[...] Julgo, todavia, que é preferível ser arrebatado a cauteloso, porque a fortuna é mulher..."] (cap. XXV)


Discursos sobre a Primeira Década de Tito Lívio (Maquiavel)

Não basta, pois, para a felicidade de uma república ou de um reino, ter um príncipe que governe com sabedoria durante a vida; é necessário que se possua um que organize o Estado de modo que, mesmo depois de sua morte, o governo permaneça em plena vida. “ (Cap. XXI)