Discussão:A História Oficial (1985)

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Fonte: Wikiversidade

A HISTÓRIA OFICIAL

André Martin de Oliveira Franco

    Em época de Copa do Mundo, basta ligarmos a televisão para o patriotismo se potencializar e o clima de guerra se espalhar pelo nosso cotidiano. Isso ocorre, pelo menos, enquanto estamos em frente de um aparelho de TV. O Brasil, a cada quatro anos, trava uma guerra com o mundo. A batalha internacional resume-se a um campo, com 22 jogadores gladiando-se, e a uma bola que encerra todo o armamento disponível: de míssil à bomba atômica. Ne cenário bélico, somos muito mais brasileiros do que em todo o período de quatro anos que intercala cada campeonato mundial de futebol. Em meu coração, nos gritos e na fé, primeiramente, está o Brasil. Mas quando não são os canarinhos que procedem na disputa, minha alma ganha outras cores. Basta ser de algum país da América Latina, para tal seleção receber a minha torcida. Nessas situações, meu patriotismo ultrapassa as nossas fronteiras e envolve argentinos, uruguaios, chilenos, equatorianos, mexicanos... Enfim, povos irmãos que, na alegria e na dor do que é ser latino-americano, ganham a minha total simpatia, a minha torcida ferrenha e o meu patriotismo continental.
    Nesse mesmo período de Copa do Mundo, ligo a TV para assistir a um filme argentino. Lembro-me das poucas vezes em que estive na Argentina. Principalmente, da primeira vez. Foi em 1982. Visitei uma cidade de fronteira e, quando entrei em uma loja para comprar um par de tênis, deparei-me com um imenso pôster do Edson Arantes do Nascimento (1940-2022): o Pelé. Nosso maior craque de todos os tempos, era homenageado, festejado e aplaudido pelos irmãos argentinos. Era agosto de 1982. Tínhamos acabado de sofrer, e muito, com aquela Copa em que não conseguimos passar pela Itália. Uma pesadelo, uma dor e um ferida que demorou para cicatrizar. O mundo acreditava, como nós, que seríamos os campeões no campeonato de 1982. Desde 1970, não ganhávamos o título de melhores do mundo no futebol. Já estava na hora de repetir a dose. Acreditamos, sonhamos e torcemos muito: mas a taça não veio na primeira Copa dos anos de 1980. Mal sabíamos que precisaríamos esperar até 1994 para voltarmos a ser campeões. Naquele agosto de 1982, apesar dos meus 14 anos de idade, eu sabia que, ao entrar naquela loja de calçados argentina, e andar por aquelas ruas em busca de queijos e azeitonas, eu estava em um país que, como o meu, enfrentava uma ditatura militar. Não possuía muitas informações a respeito da gravidade do momento até porque a falta de informação era algo comum e necessário para o autoritarismo continuar se mantendo com garras potentes e destruidoras de almas, de sonhos, de vidas. Brasil e Argentina viviam a truculência do autoritarismo. O não saber sobre a realidade do momento era uma das táticas para manter o terror em sua plenitude e a injustiça prenhe de vítimas indefesas e destruídas sob cassetetes, estupros, enforcamentos, choques elétricos, submarinos e desaparecimentos para sempre. 
    Futebol, Argentina, ditadura e um filme na televisão. Nesse clima de latinoamericanismo à flor da pele, ligo o aparelho para assistir ao filme argentino “A História Oficial”, dirigido e escrito por Luis Puenzo (1946-atual). Escrito no último ano da 

ditadura militar argentina, que durou de 1976 a 1983, foi filmado entre o último ano do governo militar e 1984. Porém, o drama foi lançado em 1985. Foi um dos primeiros filmes feitos na Argentina após a queda do último presidente da ditadura, o general Leopoldo Galtieri (1926-2003), em 1983. Neste ano, começaram as filmagens. Entretanto, por motivos de segurança, a produção manteve as filmagens em segredo até 1985. O filme foi restaurado entre 2014 e 2015. Ele é sobre os fatos acontecidos na Argentina após o período ditatorial, inaugurado com o golpe militar, liderado pelo general Jorge Rafael Videla Redondo (1925-2013), que depôs a presidente María Estela Martínez de Perón (1931-atual), conhecida como Isabelita Perón, no dia 24 de março de 1976. Durante o governo da junta militar que assumiu o poder, o parlamento argentino foi dissolvido. Sindicatos foram fechados, partidos políticos tornaram-se ilegais e governos das províncias foram banidos. Considera-se que entre nove mil e 30 mil pessoas, contrárias ao regime, desapareceram. A atriz principal de “A História Oficial”, Norma Aleandro (1936– atual), como tantos argentinos, foi obrigada a se exilar durante a ditadura em seu país. Primeiramente, ela foi para o Uruguai. Depois, para a Espanha. Logo após a queda do regime militar, ela voltou para a Argentina. Sobre a personagem que ela interpreta no filme citado, Norma diz: “A busca pessoal de Alícia é também a busca da minha nação pela verdade sobre nossa História. O filme é positivo no sentido de que demonstra que ela pode mudar de vida apesar de tudo que vai perder.”

    O drama “A História Oficial” recebeu vários prêmios. Entre eles, o prêmio de melhor atriz para Norma Aleandro no Festival Internacional de Cannes e no Festival Internacional de Cartagena; prêmio de melhor filme, melhor diretor para Luis Puenzo, melhor ator para Héctor Alterio e melhor atriz coadjuvante para Chunchuna Villafañe no Festival Internacional de Chicago; prêmios de escolha do público e de melhor filme no Toronto International Film Festival; prêmio de melhor filme no Berlin International Film Festival; prêmio de melhor filme estrangeiro, melhor diretor para Luis Puenzo e melhor atriz para Norma Aleandro pela Los Angeles Film Critics Association Awards; prêmio de melhor filme estrangeiro pelo Golden Globe Awards; e Oscar de melhor filme estrangeiro. Foi o primeiro Oscar dado a um filme argentino. Uma curiosidade: a entrega do Oscar aconteceu na noite de 24 de março de 1986. Justamente no dia 24 de março de 1976, exatamente 10 anos antes, a presidenta argentina Isabelita Perón era deposta pelas Forças Armadas. Iniciava-se a ditadura que iria durar até 1983.  
    Na tela, autofalantes presos a uma estrutura de concreto. Abaixo, bandeiras com as cores oficiais da Argentina. Ao som do hino argentino, a câmera inicia uma panorâmica. A cena mostra adolescentes em posição de sentido, em seus uniformes oficiais de estudante, organizados no pátio de uma escola. Misturado ao barulho de chuva, o hino é abafado pelo som de avião que passa. No meio do pátio, adultos protegem-se com guarda-chuvas. O hino volta a ser o principal áudio da cena. As pessoas acompanham a gravação, que diz: “Ouçam, mortais, o grito sagrado. Liberdade, liberdade, liberdade. Ouçam o ruído das correntes quebradas. Vejam a nobre igualdade no trono. Abriram o seu trono digníssimo. As províncias unidas do Sul. E os livres do mundo respondem. Ao grande povo argentino saudações.  Ao grande povo argentino saudações.  E os livres do mundo respondem. Ao grande povo argentino saudações. E os livres do mundo respondem. Ao grande povo argentino saudações.” 
    No início do hino, e durante um tempo considerável, a câmera permanece extática. Parece que deseja congelar e eternizar a oficialidade do momento. Em seguida, começa seu movimento, demonstrando que, em meio aquele grupo uniforme e compacto, há faces individuais, rostos específicos e histórias de vidas diversas. Focalizando os rostos dos jovens que cantam, a câmera movimenta-se até encontrar a face de uma jovem senhora que, com seriedade e respeito, também acompanha o hino. Pelo tempo que a câmera focaliza a senhora, sentimos que, possivelmente, estamos cara a cara com alguém que terá uma participação especial na história que se inicia. 
    A cena anterior é quebrada com o barulho do sinal da escola. Entre estudantes que se movimentam apressados, aquela senhora cumprimenta alguns adultos e também se dirige, com rapidez, para algum lugar do prédio em que se encontram. De forma destacada, surge a imagem de um documento sendo preenchido, à caneta tinteiro, com a anotação “14 de março de 1983”. É, justamente, a data em que se inicia a história narrada pelo filme. A sua mesa, dentro de uma sala de aula, a mesma senhora presta atenção nos alunos, que conversam, e pede silêncio. Ela se apresenta como “Alícia Marbet Ibañez, personagem interpretada por Norma Aleandro. Informa a classe que a disciplina que ela vai oferecer é “História da Argentina”.  Comenta que, de acordo com o programa, estudarão as instituições políticas e sociais desde 1810. Afirma que terão apenas três horas de aula por semana. Ela aproveita o momento para passar os seguintes avisos: não gosta de perder tempo, acredita naquela disciplina e não dá nota de presente. Em seguida, inicia propriamente a aula dizendo: “Entender a história é preparar-se para entender o mundo. Nenhuma nação sobrevive sem memória. E a história é a memória do povo. Esse é o sentido que daremos à matéria.”. Após essa introdução à disciplina, a professora de História começa a fazer a chamada. A cada nome, ela faz questão de visualizar o aluno chamado. Os alunos são muito jovens.  
    Durante as primeiras cenas do filme, penso o quanto aqueles jovens atores conviveram com pessoas que, um dia, desapareceram, foram torturadas, exiladas e morreram por se oporem à ditadura. Justamente pela proximidade temporal entre a gravação daquelas cenas e o período histórico argentino marcado por torturas, assassinatos e desparecimentos, reflito sobre a vida real, ou seja, a vida fora da tela de cinema daqueles atores coadjuvantes. Ao mesmo tempo, questiono, por exemplo, se aqueles atores tão jovens, que interpretam estudantes da época, possuem consciência da gravidade política e social da Argentina. Bem como, reflito sobre o que aquelas pessoas, que interpretam aquelas personagens, pensam sobre a história recente do seu país, marcada pela ditadura militar e todas as consequências de um regime antidemocrático. Enfim, penso se, em suas vidas reais e privadas, aqueles atores sofreram perdas de familiares, amigos, conhecidos, se lutaram contra o autoritarismo das baionetas, ou, se conviveram de forma acrítica com o autoritarismo imposto. Ou se apoiaram, em seu íntimo, um sistema que dizimou vidas e manchou a história da Argentina com lágrimas e sangue.  
    Em sua casa, a professora Alícia dá banho em sua filha ainda pequena, Gaby, interpretada por Analia Castro (1979–atual). Enquanto a mãe busca roupa para vestir a filha, aquela pede para a menina cantar, assim demonstra que não está se afogando na banheira. A garota inicia o canto, que diz: “No país de que não me lembro, dou três passinhos e fico perdida. Um passinho para lá, não me lembro se dei.”. A mesma canção 

prossegue, na voz de uma cantora, como fundo da cena em que a funcionária da casa chega, parecendo atrasada para o trabalho. A música, na voz da cantora, continua assim: “Um passinho para lá. Ah, que medo que me dá. No país de que não me lembro. Dou três passinhos e fico perdida.” Vestindo seu uniforme, a funcionária, que se chama Rosa, pede desculpa pelo trem ter atrasado. A patroa diz que está tudo bem e pergunta à funcionária sobre sua irmã. Rosa responde que sua irmã está bem e agradece sua patroa. Em seguida, a funcionária beija a menina, que se alimenta. Depois, Rosa informa Alícia que a senhora Luisa telefonou, pedindo para aquela não se esquecer da reunião da turma da época do colégio. Enquanto isso, Alícia prepara os convites para uma festa. Gaby pede para a mãe riscar o nome de um coleguinha, o Rodrigo, da lista de convidados. Alícia diz que não vai retirar o nome do coleguinha da lista porque ele poderá encontrar a Dolores, outra coleguinha, na festa e ambos ficarão amigos. A menina não aceita a decisão da mãe e argumenta que Rodrigo já possui outra namorada. Ao perguntar se a mãe retirou o nome do menino da lista, Alícia diz que Dolores deve estar muito contente por possuir uma amiga e não ficar tão solitária. Imediatamente, a menina pergunta o que é “solitária”.

    Durante a cena, fica evidente o quanto a música, primeiramente, cantada pela menina e, em seguida, na voz de uma cantora, tem a ver com o momento pelo qual passa a Argentina. “No país de que não me lembro” pode ser qualquer país que desapareceu, perdeu-se no passado, deixou de existir ou cuja simples referência a ele se tornou algo proibido. O país não tem nome ou, simplesmente, não pode ser identificado por nome algum. É censurado. É proibido. Assim, nem mesmo a memória é capaz, ou possui permissão, de trazê-lo para o presente. O país vive envolto na bruma do esquecimento. É um país ilícito. Na voz da menina, a canção parece se desenrolar em inocência, apesar de parecer denunciar o que não se pode comentar abertamente. Mas é na voz de uma cantora, como música de fundo da cena que se desenrola, que a inocência é substituída pela clara decisão de denunciar, acusar e mostrar o que de fato está acontecendo nesse país que, apesar de não ter o nome pronunciado na música, é a Argentina. “Dou três passinhos e fico perdida” demonstra o quanto as mais simples ações, atitudes e comportamento estão proibidos. Tanto que o menor movimento possível em um regime ditatorial, qualquer mínima tentativa de avançar contra o autoritarismo imposto, é motivo de se perder. O “... e fico perdida” traduz o quanto se está preso em um sistema que não oferece o mínimo de segurança. Pelo contrário: um regime que desorienta a fim de manter suas presas sob controle. Até mesmo a mais simples das atitudes parece não existir na realidade. “Um passinho para lá, não me lembro se dei.” implica o quanto esse mesmo regime se esforça para que não se tenha consciência do que se passa. Nem mesmo a lembrança de qualquer tentativa de mudar a história contemporânea do país. Porém, para a família apresentada na cena, a realidade parece não se fazer conhecida. Tanto que há motivos para uma festa. A rotina parece se desenvolver na mais pura normalidade. Entretanto, o questionamento da menina sobre o que significa o termo “solidão” parece, mais uma vez, indicar que há algo para ser denunciado aos quatro ventos. Há motivos para divulgar sobre o quanto a solidão faz parte da vida de quem sobrevive sob o medo, a dúvida, a falta de esperança e com a certeza de fazer parte de uma minoria frente a uma grande maioria. De ser o diferente diante de uma maioria homogênea que sustenta um sistema injusto, antidemocrático e genocida.  
    Enquanto Alícia se prepara para dormir, seu marido, Roberto, interpretado pelo ator Héctor Alterio (1929-atual) chega em casa. Ligada, a televisão informa: “O movimento indica que é lamentável ver que alguns meios de comunicação social abusaram desses direitos por meio de discurso desassociado, pernicioso e desestabilizador.”. O marido de Alícia chega em casa com um embrulho. Nele, está uma   boneca: o presente para a filha. Segunda a mãe, Gaby vai adorar. Enquanto os pais se beijam e abraçam, a menina surge, sonolenta. Ao perceber a presença da filha, o pai a levanta nos braços, beija-a e a leva para a cama. A mãe acaricia a boneca de maneira pensativa. A câmara focaliza, por algum tempo, a boneca. 
    Na próxima cena, Roberto e Alícia aparecem com um grupo de amigos em um restaurante. Um deles comenta: “Mas admita que foi assustador. Minha esposa teme que terei um infarto. Com essas coisas, basta negligenciar um pequeno detalhe”. Com seus ternos e gravatas, os homens representam o poder, o status quo e, consequentemente, uma posição política clara no momento vivido pela Argentina: são apoiadores do regime ditadorial. Comentam que foram responsáveis por algumas ações, não esclarecidas, mas que atuaram como assessores. Também participam do grupo as esposas de alguns daqueles senhores. Uma delas, a esposa de Andrada, interpretado por Carlos Weber, questiona um dos homens, o general, interpretado pelo ator Augusto Larreta (1926-2019), quando o militar diz que a esposa está em casa. A mulher pergunta, sorrindo: “Por que minha amiga está de castigo? É segredo militar?”. Isso porque o questionado é um general. Um das mulheres. Regina, interpretada por Andrea Tenuta (1963-atual) comenta, junto a um dos homens, que a sua empregada informou que mandou uns primos para Tucumã e que não a informaram se estão mortos. Ela acrescenta: “... e já passou um ano desde que perdemos a guerra. É horrível.” O seu interlocutor diz: “Perdemos uma batalha, Regina. Não a guerra.”. A mulher continua: “Não me diga que pensa em continuar”.  
    Quando todos estão à mesa, um dos senhores diz que, na semana anterior, esteve na Espanha, onde se encontrou com um empresário socialista. “Um socialista a vida inteira.”, enfatiza, olhando para o general. Em seguida, o senhor diz que o socialista teria afirmado que, sob a ditadura do “Generalíssimo” Francisco Franco Bahamonde (1892-1975), ditador fascista que governou a Espanha de 1936 a 1975, os espanhóis teriam vivido melhor. Em seguida, o homem acrescenta: “Claro, eles estão no governo agora, não sabem mais a quem culpar.”. Sua esposa o interrompe, afirmando: “É inútil. Venho tentando ensiná-lo há 25 anos que falar sobre negócios durantes as refeições é rude e indigesto. O marido pergunta: “Quem está falando de negócios?” A esposa responde: “Bem, de política. Ainda pior! A culpa é das mulheres, por não se imporem na conversa.”. Procurando mudar de assunto, a senhora dirige-se a Regina, perguntando sobre o filho desta. Após comentar que o menino nasceu com quatro quilos, o que é incrível, a mesma senhora, não dando oportunidade para Regina dizer sobre o seu próprio filho, a qual responde apenas que o filho está “fofo”, faz o seguinte comentário: “Do jeito que são, deve ser mistura de raças.”, já que o pai da criança é o norteamericano Miller, interpretado por Aníbal Morixe. Imediatamente, a mesma senhora dirige-se ao americano, perguntado: “E de quem você suspeita, Miller?”. Meio sem jeito e parecendo confuso, o rapaz responde: “Não, minha mãe era muito alta. Então, eu não ...” A interlocutora ri, dizendo que foi apenas uma piada, e acrescenta: “Não precisa se defender.” Em seguida, a senhora questiona o marido de Alícia com estas palavras: “E você, Roberto? Estava lá quando sua filha nasceu?”. Rindo, Roberto responde: “Sou 

mais como seu marido que, como Miller, somos de outra geração.” Enquanto o marido fala, Alícia parece ficar incomodada. Insatisfeita com a resposta, a senhora comenta: “Parece-me que a Alícia é de outra geração. Não tem um temperamento moderno para essas coisas, não é querida?” Séria, Alícia responde, bruscamente, que não é muito moderna. Um silêncio interrompe a conversação. Até que o general pergunta: “A criança deve estar com quatro ou cinco anos, certo? Roberto responde que a filha possui cinco anos e Alícia corrige: “Vai completar cinco.”. De repente, um dos presentes, chamado Dante, interpretado por Daniel Lago (1955-1993) começa a dar gargalhadas e diz: Desculpe, vocês dois são pessoas muito diferentes. Não são, Roberto?”. Este responde, sorrindo: Essa é a graça, não é?”. A senhora volta a participar do diálogo, dizendo: “A graça tem de estar em algum lugar.”.

    Do diálogo entre as personagens acima, muito pode ser conhecido. Apesar das informações travadas em sua possível fluidez, percebemos o quanto as palavras, mesmo que cuidadosamente expressas, e os olhares dizem. O “ler entrelinhas” aqui é substituído por “ouvir entre pausas”. A cena acima é longa. Devido a sua relevância, sua análise é necessária para mostrar o quanto ela diz. No diálogo inaugural, expressões como “assustador” e “teme” traduzem o quanto o momento da história argentina é marcado pelo medo e terror, independentemente do lado, situação ou posição em que se encontra quem utiliza de tais palavras em seu diálogo. No caso específico, é um defensor do regime militar que se utiliza de certas palavras para expressar suas preocupações. Até porque, como ele ressalta, “Com essas coisas, basta negligenciar um pequeno detalhe.” Ou seja, há algo proibido em prática. Algo que deve contrariar direitos, o espírito humanitário e o que se espera da civilização. Por isso, todo detalhe deve ser assegurado e cuidado. Até porque o contrário pode ser perigoso, assustador e causar maiores dissabores. Mas o que será que, mesmo entre companheiros políticos, certas coisas precisam ser comentadas cuidadosamente e no mais perfeito sigilo? Até porque o ano é 1983: período final da ditadura militar instituída com o golpe de 1976. A “culpa” de consciência sobre a prática de certas ações é, imediatamente, amenizada pelo espírito de defesa quando afirmam que são, simplesmente, assessores. Tem-se consciência da violência e injustiças praticadas. Mas, a covardia faz com que adotem o escapismo como a melhor solução para não serem acusados. Ou seja, enfrentam uma possível insegurança quanto ao porvir, afirmando que não são os diretamente responsáveis por tais ações. “Castigo” e “segredo militar” fazem parte dos diálogos rotineiros envolvendo os representantes do golpe. Ao general, dirige-se uma das presentes no jantar com esses termos, bastante familiares, para que o militar entenda o teor da conversa. No período ditatorial, castigos impostos a opositores ao regime, como torturas e mortes, eram assuntos tratados secretamente por quem os autorizava e praticava.  
    Não possuir informações se as pessoas estão mortas ou não também faz parte da rotina da época. No diálogos mais banais, falar de mortes e desaparecidos parece envolver um tom de frivolidade, dependendo de quem os comenta. Porém, no momento em que a ditadura militar chega ao fim, se alguém afirma que perdeu a guerra, tal afirmação precisa ser urgentemente contrariada e substituída por um “perdemos uma batalha” e “não a guerra”. Para os apoiadores do regime, é inconcebível imaginar o fim decisivo do governo autoritário. Tanto que, apesar do término recente da ditadura, há quem ainda sonha com a o retorno do regime ditatorial. Afirmar que um socialista espanhol disse que viviam melhor sob a ditadura de Franco, na Espanha, é, nos dias de hoje, um recurso frequentemente adotado por notícias falsificadas (fake news) e por aqueles que não poupam o ridículo para defender suas convicções. Ao mesmo tempo, fazer tal afirmação, olhando para um general, que também representa um governo que possui, entre seus maiores inimigos, justamente as pessoas de esquerda, demonstra a intenção de bajular, agradar e ser admirado por quem personifica o poder do momento: um militar do alto comando. A futilidade precisa dominar a conversa entre os apoiadores do regime. O fútil e o banal parecem condizer mais com as personagens em cena. Tanto que surge, proveniente de um dos participantes do jantar, uma censura ao diálogo daquele momento, considerado como de negócios. O qual é reconsiderado como sendo uma conversa sobre política. O que, para um dos interlocutores, é “ainda pior”. Percebemos o quanto a política é considerada como negócio em um ditadura militar. Mortes e desaparecimentos são, simplesmente, números, cifras, dados de uma empreitada necessária para afastar, definitivamente, da sociedade aqueles que ameaçam a perpetuação das regalias, lucros, mordomias e ganhos de uma minoria calcada no poder que neutraliza seus opositores.  
    A referência a um garoto, que nasceu com o peso de quatro quilos, demonstra o quanto a questão racial está presente nas preocupações dos apoiadores de um regime de extrema direita, como a ditadura militar argentina. Ou seja, a anomalia de tal peso, segundo um dos interlocutores, só poderia ser explicada pela mistura das raças dos pais. Percebe-se, claramente, uma crítica à democracia racial. Observa-se que o pai do menino é um norte-americano. Não é, simplesmente, um estrangeiro. Mas, sim, um norte-americano casado com uma argentina. Sabe-se o quanto os Estados Unidos apoiaram os diversos golpes militares na América Latina. Parece que a escolha da personagem Miller ser um norte-americano não é por acaso. A convivência e a amizade de um norte-americano com pessoas que representam o status quo argentino, apoiadores da ditadura militar, diz muito mais do que é mostrado em tal cena. Ao mesmo tempo, o questionamento sobre o nascimento da filha de um dos casais presentes parece revelar algo que, até o momento, o público não foi, minimamente, informado a respeito. Como em uma típica conversa, que se desenvolve em ambiente inserido em um regime antidemocrático, o público depara-se com comentários entrecortados, falas limitadas, afirmações que parecem inconsequentes e com um certo mistério. O público é levado a sentir o que é desenvolver um diálogo, em um evento social, entre pessoas que, de certa forma, estão comprometidas com um regime autoritário, em um país que vivencia os piores anos de sua história contemporânea. São pessoas que, de certa forma, estão diretamente envolvidas com a ditadura militar. Ou, simplesmente, apoiam o sistema. Ou, ainda, mesmo sem saber, possuem suas vidas totalmente determinadas por acontecimentos que, mesmo ainda desconhecidos, são cruciais para, futuramente, compreender os porquês de uma existência.     
    Retornemos ao filme. Após deixar o restaurante, Alícia reclama do comportamento da esposa de Andrada, que os interrogou durante o jantar, xingando-a e dizendo que o marido mereceria uma esposa que não fosse estéril, como ela. Para Alícia, aquela senhora sabe que é estéril e, consequentemente, conhece sobre a origem de sua filha. A professora de História lembra que, para chegar a questioná-los sobre sua filha, a senhora, inicialmente, demonstrou interesse pelo filho de Regina e de Miller. Para ela, essa estratégia foi intencional. Para Roberto, Alícia está exagerando. Segundo ele, não importa a origem da filha, Gaby. Por isso, ele pergunta: “Quem liga se a Gaby veio na cegonha ou foi roubada de ciganos?” Para Alícia, aquela senhora não se importa com isso. Porém, segundo a professora, tal senhora age daquela maneira porque sabe que Alícia se importa. A professora diz que a senhora é como o marido. “Você viu como ele começa falando bobagens, mas parece que ele vai expulsar alguém se discordarem dele ...”, diz. Para Alícia, a senhora diverte-se ao constranger todos. “Percebeu que ela chamou o ianque de corno, a Regina de vadia, você de pobre, foi rude com o marido e idiota comigo. Tudo em uma única frase. O general é o único com que ela não mexe. Temos de admitir que ela também tem limites.”, afirma.  
    A falsidade entre os iguais parece dominar a relação entre eles. Porém, durante o encontro no restaurante, apenas o general não é agredido pela senhora que se dirige a todos de forma cínica e maldosa. Percebe-se que o general representa a ameaça a qualquer um que discorde dele. O militar representa o poder que coage e, ao mesmo tempo, exige o máximo de respeito. O general impõe obediência, ordem e medo a todos: opositores ou não do regime instituído por meio do golpe. Ou seja, em um regime ditatorial, até os apoiadores possuem limites. Qualquer descontrole da coação sobre todos é uma ameaça ao regime, que se alimenta de imposições, controle total e violência legitimada.  
    Na sala de aula, o professor Benitez, interpretado por Patricio Contreras (1947– atual) lê para os alunos em voz alta. Parece, com gestos exagerados, dramatizar a leitura. Os alunos participam da leitura, com reações ao que ouvem, e gesticulam conforme a narrativa. Enfim, a aula não é nada convencional. O texto lido trata de soldados, corredores da esquerda, coluna da direita, medo, fuga, sargento, arma, baioneta, pistola, ferimento. A narrativa, com toda a agitação dos ouvintes, dura até iniciar a participação de um do alunos, aclamado pelos colegas. O texto lido continua, informando sobre covardes e dor. A leitura, que passa a envolver outro estudante, parece encaminhar para um jogral, uma peça teatral. Os demais participam por meio de gesticulações, aplausos, sons articulados até que são interrompidos com a chegada da professora Alícia. Pela seu olhar, a professora desaprova o que vê. O professor está deitado sobre a mesa dos professores. Mesmo assim, ela cumprimenta todos, seriamente. Desajeitado, o professor diz: “A Literatura sempre se encontra com a História.”. Ele pega seu material e demonstrando uma total solidariedade e comprometimento com os alunos, despede-se destes, que demonstram grande carinho e respeito pelo mesmo.  
    A próxima cena inicia com a saída da escola de Gaby, juntamente com sua mãe. Em seguida, aparece Alícia chegando ao encontro, em um restaurante, com antigas amigas do colégio. Após os cumprimentos iniciais, bastante informais, Alícia percebe que a amiga Ana é quem está tocando o piano do restaurante. Surpresa, ela se dirige à amiga, que não a vê, sentando-se ao lado de Ana, interpretada pela atriz Chunchuna Villafañe (1940-atual), que continua tocando uma música no piano. Quando as duas se olham, percebemos que, entre ambas, há uma amizade especial. Abraçam-se de maneira emocionante, o que demonstra que há muito não se viam. À mesa, as presentes comentam sobre uma das amigas que não está presente. Impera uma conversa banal, sobre aparência física, idade. Ou sejam, fofocam sobre a aparência envelhecida da amiga ausente. De repente, uma das amigas conta que a amiga ausente teve um filho que permaneceu no sul do país durante a Guerra das Malvinas. Era o único filho que viva com ela. Já que o mais velho havia se casado e a filha ido embora. Um das amigas, rindo, disse que os três filhos da amiga ausente eram subversivos, já que a mãe os criou assim. Um das amigas questiona a que fez tal comentário, perguntando: “Como sabe que eram subversivos?”. Rindo a interlocutora diz: “Luisa, por favor. Se foram levados, deve ter uma razão, certo?” Diante dessa acusação, Alícia questiona: “Do que está falando?” Uma outra responde que é melhor mudar de assunto.  
    Durante esse diálogo, Ana, parece pensativa e não aprovar tais comentários sobre a amiga ausente. O clima parece pesar. Para mudar de assunto, um das amigas pergunta a Ana como está seu filho. Ana responde que o filho já completou 17 anos de idade. Uma outra amiga parece se surpreender com idade do filho de Ana, afirmando: “Meu Deus, você é uma velha.” Ana explica que seu filho nasceu na mesma semana que a primogênita de Clara, uma outra amiga. Rindo, e fazendo todas irem, Ana comenta: “... e diziam que éramos dois balões inflados.”. Em seguida, Ana pergunta por Clara. Um das amigas diz que Clara está em Caracas, na Venezuela, há cinco anos. Foi para lá na mesma época em que Ana também se mudou. Ana a corrige, informando que se mudou há sete anos. A amiga, que chamou os filhos da outra amiga ausente de “subversivos”, mostra-se surpresa por Ana ter se mudado há apenas sete anos. Ana responde: “Sim, em 1976. Sete anos daqui a dois meses.”.  O bate-papo prossegue. Bastante pensativa, a mesma amiga, que ficou surpresa com a informação de Ana, pergunta a esta: “E voltou para ficar agora?”.  Ana responde que não sabe. De maneira cínica, a interlocutora de Ana faz o seguinte comentário: “Poucos podem escolher entre o duro caviar do exílio e o doce lar, então, não espera pena de nós.”. Ana, rapidamente, responde: “Tenho pensado muito em você nesses anos.”. A outra exclama: “Não diga!”. Muito séria, com uma mistura de mágoa e revolta, Ana continua: “Prometo. Era uma obsessão. E quando a vi, lembrei de tudo.”. A interlocutora sorri. Ana continua: “Porque você está igual. Exatamente igual.”. A interlocutora, sorrindo, olha ao redor. As demais amigas ouvem Ana, demonstrando um certo mal-estar, mas permitindo que Ana continue sua fala. Esta prossegue, afirmando: “Passaram-se muitos anos.”. Sua interlocutora continua sorridente. Até porque parece pensar que Ana diz respeito a sua aparência física depois de tantos anos. Ana afirma: “Coisas acontecem, e você está igual.”. A interlocutora continua sorrindo. Ana acrescenta: “E era você a cafetina do diretor, que me deu dois saleiros de prata, quando eu só tinha um colchão para dormir no chão.”. A interlocutora de Ana substitui o sorriso por uma certa seriedade mesclada de susto e vergonha diante do que todas estão ouvindo. Alícia, em silêncio como todas as demais, parece segurar um riso maior, satisfeita com a fala de Ana, que prossegue assim: “Agora, Dora, companheira desprezível, filha da puta inesquecível, por que não vai à merda?”. Dora mantém um sorriso forçado, totalmente muda.  
    A conversa entre as amigas é marcada por palavras que, apesar de dizerem muito, são entrecortadas por verbos e substantivos que impedem um esclarecimento maior do que, de fato, ocorreu. São mudanças, vidas em outros países, acontecimentos ocorridos em 1976. Ou seja, eventos e data que, de certa forma, preenchem as histórias de vida em um período ditatorial. Nesse contexto, as mudanças não parecem naturais. Possuem um ar de forçadas. São exílios e exilados. O ano de 1976 marca o início do período mais conturbado e violento da história contemporânea da Argentina.  O termo “subversivo” é usado para identificar todo aquele que se opõe à violência, à injustiça e ao autoritarismo de um regime opressor. Subversivo é todo aquele que, diante do arqui-inimigo, e mesmo consciente de suas limitações frente ao onipotente opressor, não mede esforços na tentativa de reverter uma situação que, dificilmente, pode ser revertida. É nítido que, entre um grupo tão reduzido de antigas amigas de colégio, haja tanta diversidade de ideias, ideologias e visões de vida. Entre os poucos presentes no evento social, há quem apoia a ditadura, existe aquele que parece ser neutro quanto ao regime militar imposto e há quem faz questão de demonstrar sua oposição ao governo despótico do momento. Apesar da dificuldade de expressar o que realmente pensam sobre a história recente de seu país, como sobre os fatos que interferem diretamente na rotina das pessoas comuns, essa dificuldade é agravada pela censura e demais ameaças contra a liberdade de expressão. Apesar do reencontro de amigas acontecer em um momento de reabertura política, as feridas ainda estão muito abertas. Referindo-se à Guerra das Malvinas (1982) contra os ingleses, batalha defendida pelos militares argentinos que estão no poder, ou remetendo-se a situações particulares favorecidas pela ditadura, há quem tem a coragem de se rebelar por meio de palavras. Mas também há quem tem a frieza de se manter calado e conivente com os últimos acontecimentos. Nessas horas, caem as máscaras e o que parecia amizade, finalmente, é reconhecido como uma relação calcada em falsidade e traição. O suposto companheirismo é, na verdade, animosidade motivada por um regime que contamina, alicia e utiliza aqueles que, diante da oferta de vantagens e ganhos, cooperam na perseguição àqueles que são contrários às regras do jogo impostas por quem detém o poder.  
    Gaby e Ana desenvolvem um bate-papo. A menina questiona a amiga de sua mãe como esta mora em um país tão longe e, em seguida, pergunta se Ana tem filhos. Esta responde que possui um filho, que já é bem crescido, e que não aprecia contos de fada. Surpresa, Gaby muda de assunto e, olhando para uma de suas bonecas, reclama que o cabelo desta é feio como uma vassoura. Nesse momento, Alícia surge e pede para a filha parar a conversa porque já está na hora de dormir. A menina pede para ficar mais um pouco acordada para ouvir mais uma história. Sorrindo, Ana, então, oferece a história da tinta invisível. E explica que tal tinta faz as coisas desaparecerem. A menina demonstra estar muito interessada na nova narrativa. Ao ouvir as primeiras palavras sobre a tinta invisível, Gaby pergunta a sua mãe se a Ana é como a amiga de Alícia, chamada Dolores, quem a menina identifica como a “amiga solitária”. 
    O fato de alguém morar em um país muito longe da Argentina exemplifica a realidade de tantos argentinos que precisaram fugir de seu país e se exilar em terras distantes. O que, para a menina, é questionável e beira a ficção, para a amiga de sua mãe, consiste em uma difícil escolha. Esta, porém, é necessária para a sua sobrevivência. De certa forma, Ana, ao contar histórias para a menina, permite-se afastar da triste realidade e se adentrar no mundo das fadas que, dificilmente, gente grande consegue entrar. A necessidade da menina em ouvir mais um conto também é a vontade de Ana em se permitir a sonhar com um mundo que não existe. Porém, a necessidade de viver, pelo menos por uns minutos, uma vida ficcional traz algo que a menina, apesar de sua idade, percebe imediatamente. Sonhar com um mundo mágico, que não existe, e repleto de fantasias, na tentativa de vivenciar um escapismo da realidade dolorosa e sofrida, parece ser típico de pessoas solitárias.  Pessoas que, de alguma forma, tiveram suas vidas destroçadas. Pessoas que nem tiveram o direito de viver livres em seu próprio país. A mesma solidão de Dolores é reconhecida por Gaby em Ana, quando a menina ouve a amiga de sua mãe narrando contos de fada. Os olhos e a voz de Ana, para a menina, estão repletos de solidão. O que, para Gaby, é sinônimo de tristeza, desalento e abandono. 
    Na cena seguinte, Alícia, Roberto e Ana jantam na residência do casal. As amigas relembram o prédio onde funcionava a escola em que estudavam. Edifício que era chamado por Clara, a amiga que foi criticada por Dora por possuir filhos “subversivos”, de “prisão”. Roberto questiona se tal prédio parece com a escola onde Alícia dá aulas. Alícia responde que de jeito nenhum. O marido volta a comentar que as janelas, onde a esposa é professora, não possui barras. O que é confirmado por Alícia. O papo encerra com a empregada doméstica os servindo e a face, mesmo que de perfil, de Ana parecendo muito pensativa e com certo mistério. Incomodada, Ana, substituindo a seriedade por um sorriso meio forçado, dirige-se a Roberto, dizendo que Gaby é linda. Ana continua: “Ela diz que sou sua amiga solitária”. Alícia ri e diz que a filha está confusa. Roberto mantém-se bastante sério, apesar da descontração de suas interlocutoras. Alícia comenta sobre a filha: “Ela gosta da palavra e a usa toda hora.” Roberto parece não ouvir o comentário da esposa. Distante, ele pergunta a Ana: “Está planejando ficar?” Ana responde que ainda não sabe se permanecerá na Argentina. A seriedade de Roberto é substituída por um sorriso forçado e um elogio à beleza de Ana. Ele pergunta: “Sabe que é a primeira vez que te vejo de saia? A Europa te fez bem.” Com um certo cinismo no olhar, ele prossegue: “Como se tivesse aparado suas arestas.” 
    Em tempos normais, o fato de uma escola ter barras em suas janelas pode ser interpretado como a proteção do ambiente escolar em relação ao mundo de fora, habitado por criminosos das mais diversas espécies que podem ameaçar a instituições por meio de várias formas de violência. Entretanto, em tempos de ditadura, as barras da janela podem significar, justamente, a proteção que o mundo de fora, dominado, coagido e controlado, precisa ter do ambiente escolar. Até porque este, geralmente, é reduto de cabeças pensantes, mentes críticas, “subversivos” e opositores a regimes autoritários. Isolados e reclusos em uma escola, os contrários à ditadura são mais facilmente controlados e impedidos de correr para a liberdade quando uma maior coação se mostra necessária. Na ditadura, a escola passa a ser a ilha povoada de homens e mulheres considerados “perigosos” para um regime político que se mantém graças à violência e a todos os tipos de ações antidemocráticas. Realmente, Alícia confirma a confusão que a filha faz ao usar o termo “solitária”. Este, de fato, envolve todos os sentimentos de tristeza e afins. Sob um regime totalitário, os entraves quanto ao fluido das manifestações orais dominam a comunicação entre as pessoas. O pisar em cascas de ovos faz parte da rotina de quem tenta, a todo instante, precaver-se para não cair nas garras do inimigo. Apesar dos cuidados em se expor, há espaço para o cinismo, principalmente por parte de quem faz parte do poder ou o representa. Quem é conivente com o regime antidemocrático tem o poder de delimitar o desenrolar de uma conversa e de estabelecer o que se deve e se pode falar. O questionamento de Roberto sobre se Ana voltou para ficar na Argentina, em um momento de reabertura política iniciado muito recentemente, traz sentimentos contraditórios. Por um lado, o medo de que a volta de Ana possa representar o retorno de tantos outros exilados, o que pode, no futuro, comprometer aqueles que apoiaram a ditadura militar. Por outro, a cólera diante de alguém, representado por Ana, que precisa sofrer as consequências da raiva sentida pelo esposo de sua amiga. Raiva que contém, em um primeiro momento, a dor do desprezo causada por quem se opõe à posição política de Roberto e, em um segundo instante, o prazer da vingança que este deseja sentir contra a ameaça representada pela amiga de sua esposa. O elogio de Roberto à beleza de Ana é o primeiro passo para ele iniciar a vingança tão esperada. Por conhecer bem o passado da amiga de Alícia, Roberto reporta-se ao fato de, no passado, ou seja, no período em que Ana se dedicou a lutar contra o regime militar na Argentina, ela usar calças compridas. Estas vestes, comumente usadas por mulheres que se manifestavam contra a ditadura, permitem maior mobilidade no momento em que a possibilidade de se salvar da truculência dos militares está na corrida e nos movimentos rápidos de quem não pode permanecer no mesmo lugar diante do perigo. Substituir as calças compridas pelas saias significa, de certa forma, resignar-se, aceitar e colaborar para a manutenção das regras defendidas pelo status quo e pelas normas impostas pelos que defendem a ordem sob o controle de quem detém o poder que engessa a liberdade. O sorriso e a mudez de Alícia retratam um total desconhecimento sobre a possiblidade de estar convivendo com alguém diretamente envolvido com a ditadura militar, vítima ou algoz. Também uma falta de sagacidade para interpretar as palavras do marido dirigidas à amiga, bem como as expressões faciais desta que perduram sob um certo silêncio. 
    Alícia lê, em voz alta, a carta da amiga Dolores, informando que está abandonada em Caracas, com oito quilos a mais, mais pesada do que uma vítima romântica, e com três filhas adolescentes. Alícia diverte-se e faz Ana rir com a leitura. Na carta, Dolores afirma que a única coisa que há entre as filhas e a liberdade é a mãe idiota. “Morrendo de fome e correndo em volta de minha cama solitária, cinco quilômetros por dia. Gorda! Para descobrir que consegui apenas me tornar uma gordinha ágil.”, escreve. Em sua cama, Roberto, ainda acordado, escuta a leitura de sua esposa, que diz: “Sem nenhum homem no horizonte, eu vejo com meus olhos sonhadores, e prestes a fazer quarenta.”. As amigas continuam se divertindo com a leitura. “Quarenta anos, como cheguei aqui sem me dar conta?”, lê Alícia, rindo. No quarto, Roberto prepara-se para dormir, mas está pensativo. As amigas divertem-se até que Ana comenta que ela e Alícia estão em boa forma e esplêndidas. Alícia lembra que, na casa de Dolores, elas bebiam licor de ovo. Sem dormir, Roberto mantém-se pensativo e com olhar que transmite um certo medo, preocupação e insegurança. Ambas amigas continuam relembrando o passado. Alícia disse que ficou doente, justamente no seu aniversário de quarenta anos de idade. Diz que o esposo a levou a um restaurante muito elegante e caro. E, em gargalhada, comenta que ficou intoxicada com a comida do restaurante. O resultado da intoxicação foi ficar três dias de cama. Ana ri do que ouve da amiga. Ana, então, pergunta se Alícia e Roberto estão bem, enquanto observa uma fotografia do casal com a filha ainda bebê. Alícia responde que estão bem. Esta pergunta a Ana o porquê desta não ter dito, no passado, que estava de partida da Argentina e, em seguida, o porquê da amiga nunca ter escrito uma carta a ela. Ana responde: “Estava correndo de mais para despedidas.”. Alícia questiona: “E por que estava com tanta pressa?”. Ana parece fugir da resposta, perguntando como seria ficar bêbada com o licor de ovo. Alícia insiste: “Por que não quer me dizer?”. Ana demora para responder e, cheia de dúvidas, diz: “Você não conheceu meu apartamento em Laprida.”. Alícia comenta que não o conheceu. Ana continua: “Eu tinha um pôster do Gardel na porta...”. Ambas amigas caem na risada. Enquanto isso, Gaby dorme. Rindo, e motivada pelo licor, Ana diz: “Eles ferraram com tudo. Eles arrombaram a porta, colocaram um casaco na minha cabeça e quebraram tudo.”. As lembranças são entrecortadas com as risadas das duas amigas. “Colocaram-me em um carro. Eu levei uma surra. Quando acordei, estava nua sobre uma mesa. Eles começaram a me picar.”, afirma Ana. Suas risadas começam a ser substituídas por uma tentativa de segurar o choro que ameaça se manifestar. Ana continua: “Alguém entrou, pôs um estetoscópio em mim e mandou que parassem.”. O sorriso de Alícia também desaparece ao ouvir aquele relato. A expressão de Ana é de dor e tristeza. Alícia expressa seriedade e susto. Ana informa: “Não sei se foi no mesmo dia. Perdi a noção de tempo.”.  
    A expressão de Alícia ganha gravidade e passa a ser de terror. Ana continua: “É como se algo tivesse se quebrado dentro de mim, e não sei se tem conserto. Ainda acordo afogada de manhã, e estou pendurada lá. Eles põem minha cabeça num balde d’água.”. Emocionada, Ana afirma: “Ainda me afogo, sete anos depois. Quando saí de lá, disseram que se tinham passado 36 dias. Eu tinha perdido 12 quilos. Fizeram todo o tratamento. Primeiro, eu fui liberada dos estupros.”. Tentando segurar o choro, Ana pergunta a Alícia: “Sabe por que? Porque o homem que foi a minha casa, o único que eu olhei no rosto, riu para mim e disse: ‘Vou te guardar para mim.’. E, depois, eu ouvia a voz dele toda a vez que ele vinha e perguntava se tinham cuidado de mim.”. Ana cede ao choro convulsivo e ainda consegue dizer: “Tenho medo de ouvir a voz dele na rua ou no metrô.”. Aterrorizada, Alícia abraça Ana e pergunta: “Por que fizeram isso com você, Ana?”. Em prantos, Ana responde: “Não sei. Primeiro, perguntavam do Pedro, e eu disse a verdade, não o tinha visto há dois anos. Eles perguntavam de novo, e eu disse, novamente: ‘Não o vejo há dois anos.’. E perguntaram de novo, e eu respondia de novo. E socos, e picadas, e submarinos.”. Gaby, sonolenta, ainda parece ouvir Ana exclamando: “O que vou fazer?”. Assustada, Alícia pergunta a Ana o que Pedro havia feito e o motivo. Ana responde que o rapaz já estava envolvido. E acrescenta: “Talvez, já estivesse morto quando me perguntaram.”. Alícia a questiona se ela denunciou. O questionamento desta indica o quanto a professora parecia distante dos fatos que marcavam aquele período vivido pela Argentina e narrado por Ana. Diante da pergunta de Alícia, Ana demonstra surpresa e pena diante da inconsciência da amiga. Consciente de que, realmente, somente conhece o drama da dor quem a sente na pele, Ana, muito pensativa e, de certa forma, como que decepcionada diante da desinformação de Alícia, concorda que uma denúncia seria uma ótima ideia. Ana continua: “Eu não pensei nisso. Para quem você denunciaria?”. Alícia diz: “Bem, mas se não tinha feito nada. Como para quem?”.  
    Ainda em lágrimas, Ana prossegue: “Aquele lugar estava lotado. Às vezes, era difícil de saber se eram meus gritos ou dos outros. Havia mulheres grávidas que perderam os filhos, e outras que foram levadas, mas voltavam sozinhas porque a criança foi entregue às famílias que os compram, sem pergunta de onde vêm.”. Pensativa, Alícia parece se assustar com a narrativa da amiga. Em uma mistura de torpor e agitação, Alícia reage, dizendo: “Por que está me contando isso?”. Sem entender a reação de Alícia, Ana diz: “Não contei a ninguém.”. E continua diante da amiga que acabou de se levantar. Alícia assume uma postura de poder sobre a amiga que continua sentada. Parece querer ter as rédeas da situação que tomou um ar de ameaçadora. Alícia ensaia incorporar a barreira para que a verdade seja obstaculizada e não libertada de entraves que melhor seriam não ser conhecidos. Ana diz: “Apenas escrevi uma vez para a comissão.”. O silêncio e a postura de Alícia, que permanece em pé ao lado da amiga, sinalizam que é hora de encerrar a conversa, estancar as lembranças e ir embora. 

Tentando recompor-se, por meio de um sorriso forçado misturado a lágrimas, Ana ainda comenta: “Que incrível! Sinto-me culpada.”. Alícia aproxima sua mão do rosto da amiga para acariciá-la. Mas, Ana retira, bruscamente, a mão de Alícia de sua face. Alícia parece entender a reação de Ana e a aceita com um “tudo bem”, seguido de um “tchau”.

    Saber, por meio de uma carta, da amiga que foi para Venezuela parece se resumir ao cotidiano comum e repleto de atenuantes. Os risos das amigas parecem traduzir o desconhecimento de Alícia sobre os verdadeiros motivos que levaram Dolores a deixar a Argentina. Porém, mesmo conhecendo os reais motivos que provocaram a partida da amiga, Ana não deseja entrar no “x” da questão. As banalidades narradas bastam para o momento de descontração. Apesar de não estar mais no mesmo ambiente, Roberto parece continuar ainda preso a ele. Não somente ao que ouve da esposa e de sua amiga. Mas, principalmente, o esposo de Alícia demonstra estar mergulhado em lembranças e atitudes comprometedoras. Nele, há um ar de insegurança e receio. Se o passado foi repleto de segurança e poder, o presente parece cambalear entre a certeza do dever cumprido e a incerteza do que poderá ocorrer. Quanto ao futuro, insegurança, incerteza e medo parecem dominar. O semblante de Roberto denuncia envolvimento e culpabilidade em ações praticadas durante o regime militar argentino. A conversa banal entre as duas amigas insiste em distanciá-las de um assunto que parece, a todo momento, querer ser manifestado pela fala de Ana. Porém, o recurso de evitar certos assuntos domina o ambiente amigável. Elas estão em um período muito próximo ao fim da ditadura argentina. Então, trazem o comportamento, os sentimentos e as emoções de quem viveu os anos de chumbo na Argentina. Alícia demonstra desconhecer as verdadeiras razões que levaram Ana a deixar o país e os motivos pelos quais a amiga nunca enviou uma carta à esposa de Roberto.  
    O perigo da comunicação, independentemente de ser oral, escrita ou gestual, é uma constante no período ditatorial. Entretanto, apesar de velada, protegida e encoberta, a verdade fica frete a frente a um “corredor polonês”, pronta para dar seus primeiros passos e consciente de que sofrerá muita violência até se manifestar totalmente. Então, aos poucos, a verdade, encarcerada na Ana, e que não pode mais permanecer escondida, começa a se libertar das amarras impostas e a seguir seu destino. As expressões faciais de alienação, ignorância e desconhecimento de Alícia são substituídas pelas de seriedade, espanto, medo, dor, terror e revolta. A narrativa de Ana sobre as violências sofridas, enquanto esteve retida para ser torturada, resgata o sofrimento de todos aqueles que, na Argentina e nos demais países latino-americanos, acreditaram na liberdade, democracia, justiça e verdade. Verdade que, mesmo sendo exteriorizada por Ana diante de seus torturadores, quando os informou não conhecer o paradeiro do companheiro, serviu de motivos para a prática de mais violência contra ela. No regime totalitário, fortalecido pelas mentiras e demais falsidades que servem de base para o poder desmedido e opressor, a verdade é encarada como inimiga. Estupros, socos, picadas e afogamentos foram oferecidos a Ana como recompensa por ser verdadeira. O preço por vivenciar e defender a verdade foi pago com muito sofrimento físico e moral. Ana resistiu. Porém, quantos sucumbiram frente à tamanha violência e jamais puderam deixar os porões da ditadura com vida para, um dia, dividir a dor do passado com um amigo ou familiar. Vidas foram ceifadas. Quem sobreviveu, como Ana, ainda foi agraciado com traumas para o resto de sua vida. O pavor em falar ou, simplesmente, lembrar de um passado de perseguições, torturas e exílio traduz a impotência diante das garras de um regime ditatorial. Neste, a cumplicidade que fortalece o poder ocorre mesmo que de forma inconsciente.  
    A dificuldade em saber sobre a realidade dos porões, os fatos que envolvem assassinatos, torturas, desparecimentos e exílios, é uma constante no regime totalitário. Essa dificuldade vai do predomínio da censura, considerada em todos os seus alcances, à incredulidade de quem, inocentemente, acredita que tamanho terror só existe nas telas de cinema e nos livros de ficção. O questionamento da amiga sobre o porquê de Ana ter sofrido toda violência imposta pelos torturadores é prova de que, mesmo inseridos na complexidade de uma ditadura, e apesar de, em muitos aspectos, o autoritarismo não fazer questão de ser reconhecido, justamente para ser temido, a ignorância sobre o real é predominante. Na inexistência de um estado de direito, a busca pela Justiça é impossível. Até porque esta não existe. A quem e a que instituição denunciar um crime vivenciado ou uma injustiça sofrida? Nos regimes totalitários, a denúncia deve morrer junto com o grito que a exteriorizaria. O grito de denúncia e inconformismo deve ser sepultado no fundo da garganta. As garras da ditatura alcança todos: dos opositores aos inocentes. Independentemente da idade, gênero, classe social e demais peculiaridades. Basta ser pela democracia para deixar de ser, de viver, de existir. O fato de crianças serem retiradas de suas mães e doadas para famílias que as compram, sem jamais questionar sobre suas origens, já que tal questionamento contraria as regras do jogo da ditadura, parece mexer com os sentimentos de Alícia de uma maneira especial. Uma suposição é coagida por uma reação de clara oposição, susto e certo terror. O questionamento de Alícia parece esconder dúvidas, pressuposições e conhecimentos que deveriam ser sepultados para sempre. São duas mulheres, duas amigas, que ocupam espaços opostos na balança da ditadura, marcada por possuir um único peso, uma única inclinação: o peso da força de quem é conivente com o poder e que, mesmo de forma inconsciente, contribui para alimentar e fortalecer esse mando sem limites, que condena, fere e mata.  
    Ao começar pôr ordem na bagunça depois de uma noite de muita bebida, lembranças e emoções, Alícia começa a guardar as fotografias quando se assusta com a aproximação de Gaby. A mãe leva a filha para a cama. O copo com a bebida da noite vira justamente sobre as fotografias da filha e da família reunida: Roberto, Alícia e Gaby. A cena seguinte, inicia-se com um dos alunos, na sala de aula, comentando sobre os textos do jornalista, advogado e político argentino Mariano Moreno (1778-1811), com seu espírito republicano. Sobre um episódio narrado em um de seus textos, o aluno demonstra dúvida sobre a expressão usada por Moreno para indicar honras. Um outro colega diz saber qual era a expressão. Então, o segundo aluno comenta: “Disse que não deveria haver diferença entre os membros do conselho além da ordem dos assentos, e também disse, no documento, que um cidadão de Buenos Aires, bêbado ou dormindo, deve expressar-se e contar sobre a liberdade do país.”. Elogiado pela professora, esta pergunta se alguém se recorda de outro texto de Moreno, que demonstra seu espírito republicano. O terceiro aluno cita um texto publicado no “La Gaceta”, que trata da liberdade de imprensa. Alícia o motiva a falar sobre tal texto. O estudante diz que, na verdade, ele não sabe sobre tal texto. Ainda mais de memória. Porém o estudante arrisca, dizendo: “Se não nos deixam publicar a verdade, certo? A mentira triunfará, o empobrecimento. A brutalidade e, bem, eles não o mataram à toa.”. Alícia pergunta quem foi morto. O aluno explica: “Moreno. Não foi jogado na água à toa, não é?”.  Alícia explica: “À toa, não!  Eles o jogaram na água como todas as pessoas ...”. Enquanto a professora inicia sua explicação, o estudante que expunha troca informações com um colega sobre a verdadeira causa da morte de Moreno: envenenamento. Alícia continua sua explicação: “... porque as viagens eram longas. E não havia jeito de preservar os corpos.”. Então, um dos estudantes interrompe a professora, dizendo: “Senhora, mas Moreno foi envenenado. Não foi um russo que...”. A classe ri do comentário daquele colega. Alícia resolve a contradição, afirmando: “Essa é uma teoria, que foi popular na época, em que alguns preferem acreditar, mas não há provas.”. Imediatamente, um dos alunos, até então sem participar das discussões, interrompe a fala da professora com este comentário: “Não há provas porque a estória foi escrita pelos assassinos.”. Seu comentário causa silêncio e um certo mal-estar entre os presentes. Alícia também demonstra surpresa com a fala do aluno. Este levanta-se e, corajosamente, apresenta-se à professora antes que ela pergunte seu nome. Ele diz: “Meu nome é Horácio Costa, professora.”. Imediatamente, Alícia diz ao aluno: “Senhor Costa, quer esperar lá fora?”. Horácio aproxima-se da professora mudo, sobe no mesmo tablado em que Alícia está, encara-a e, depois de olhar diretamente nos olhos dela, frente a um grupo de colegas extasiado, sai da sala de aula. Alícia, após se recompor de certa forma, porque ainda parece nervosa, afirma: “Esta é uma aula de História, não é um debate. Quem quiser falar, levante a mão, peça permissão, e eu darei, porque a indisciplina não é aprendida nem ensinada.”.  
    A bebida derrubada sobre as fotos sinaliza que um castelo de areia parece começar a ser derrubado. O líquido viscoso da bebida é sinal de que as imagens de alegria, registradas na foto para a posteridade, nunca mais serão as mesmas. A defesa da liberdade é um dos destaques no texto de Moreno, lido em aula. Discutir sobre liberdade, no momento em que o país, estraçalhado por uma ditadura miliar, dá seus primeiros passos rumo à democracia, é de extrema relevância. Porém, parece muito distante da realidade e dos sonhos dos argentinos, em geral. A questão da liberdade de imprensa também é defendida na aula de História. Porém, essa liberdade também dá sinal do quanto foi violada durante a história do país. A professora e o aluno contrariam-se sobre a causa da morte de Moreno. O estudante demonstra ser crítico, enquanto a professora repete a história oficial sobre tal acontecimento. Ela não somente repassa o que foi, oficialmente, divulgado e consumido, como também apresenta justificativas para seu posicionamento em relação à morte do jornalista. O seja, segundo a professora, a história oficial encerra a verdade. E qualquer argumento contrário não passe de uma teoria. A falta de provas, defendida pela professora, é compreendida por um dos alunos como uma questão de crime. Já que os “assassinos” não deixam a prova de seus crimes a descoberto. Como o estudante argumenta, a estória foi escrita por assassinos. Ou seja, geralmente, não se conhece a verdade dos fatos. O posicionamento do aluno é motivo de censura impetrada pela própria professora de História. Conclui-se o quanto um regime ditatorial cala, cega e tapa os ouvidos das pessoas. Até mesmo um educador, ainda que de História, demonstra desconhecer os fatos e, sem qualquer reflexão mais profunda, torna-se um simples divulgador dos conteúdos autorizados a serem repassados aos estudantes. Na ditadura, não permite-se debates em sala de aula. Esta deve ser um processo contínuo de repasse de conteúdos dos professores aos alunos, verticalmente.  
    Na cena seguinte, ocorre uma festa de aniversário de criança. Um mágico anima o evento, roubando a atenção e a curiosidade dos pequenos. Alícia está envolvida com a organização da festa que, na verdade, é do aniversário de Gabi. Rosa, a empregada, reclama da presença da sogra de Alícia na cozinha. “Se não tirar sua sogra da cozinha, peço as contas”, afirma Rosa. O cunhado de Alícia entra em cena, perguntado se há mais refrigerante na geladeira. O mágico prossegue com a diversão. O irmão de Roberto pergunta por ele a Alícia. Ela responde que ele teve uma reunião com pessoas de fora. Alícia sente o cunhado não ter convencido o pai dele a vir à festa da neta. O cunhado diz que, enquanto Roberto não ceder, após a briga que teve com o pai, este tampouco cederá. Mas que o avô tem saudades da neta. Alícia diz ao cunhado que, de vez em quando, pensa na mãe de Gaby e fica com medo. O cunhado pergunta: “Medo de que?”. Mas a conversa entre os dois é interrompida com a chegada de Rosa e da sogra de Alícia à cozinha. Na sala, as demonstrações do mágico continuam. O ato do mágico de trespassar uma bexiga com um espeto, e não a furar, é substituída pela sugestão de transpassar um pombo com o mesmo instrumento. As crianças agitam-se. Entre elas, há quem clama para que o mágico continue a demonstração com a ave viva e quem, desesperadamente, grita aos prantos para que ele não faça isso. Diante daquela ameaça ao pombo, Gaby demonstra uma tristeza profunda. Séria e muito triste, a aniversariante, sem alarde, deixa a sala onde as demais crianças cercam o mágico, apoiando ou tentando impedir sua demonstração com a ave, e sobe para seu quarto. Sem ser vista pela sua mãe, que está no aposento dela, fazendo uma ligação no telefone fixo, Gaby entra no seu próprio quarto. Fecha a porta e, sozinha, começa a tocar seu xilofone, um instrumento musical de brinquedo, e a cantarolar. Alícia está no telefone com Roberto, reclamando a ausência dele no aniversário da filha, enquanto alguns meninos passam por trás de Alícia, empunhando armas de brinquedo e em posições que demonstram prontidão no ataque ao inimigo. Surge o cunhado de Alícia que, bravo, dispersa os meninos. Estes são seus filhos, primos de Gaby, que continua sozinha e dispersa no seu quarto.  
    A menina para de brincar com o xilofone e dirigindo-se a sua boneca, diz: “Meu bebê, estava triste? Não chore, meu bebê. Vamos para cama. Vamos dormir. Durma tranquilo. Quer que a mamãe fique? Tudo bem. Não chore mais. Não vê que a mamãe está aqui, filhinho? Tudo bem, meu filhinho. Bem, meu filhinho.”. Acariciando a boneca, a menina começa a contar: “Meu filhinho está com sono. Porque está com sono, pequeno.”. E continua conversando com a boneca: “Bem, meu filhinho vai dormir. Olhe para lá, para todos os brinquedos que os primos trouxeram.”. De repente, um chute abre a porta violentamente. Os meninos, armados, entram em posição de batalha, gritando: “Atacar! Atirar”. Pulam sobre a cama, destroem os brinquedos que veem pela frente. Assustada, Gaby grita. Seus gritos são abafados pelo barulho das armas de brinquedo. Imediatamente Alícia chega e socorre a filha, dizendo: “O que foi, querida? O que aconteceu? Furioso, o cunhado repreende um dos meninos, seu filho. Este responde: “Não fizemos nada, papai. Nós entramos, e ela gritou.”. Enquanto furioso, o pai desarma os meninos, colocando-os para fora do quarto, um deles diz: “Não fizemos nada com ela. Ela surtou, não sabíamos que estava aqui.”. Um outro menino ainda questiona, olhando para a Alícia e Gaby: “O que foi? Ela está enlouquecendo agora?”. O pai o retira do quarto pelos cabelos. Mais calma, porém ainda chorando, a menina permanece no cola da mãe. Enquanto outro menino pergunta: “Ela não sabe brincar, mesmo sendo pequena?”.  
    O medo que Alícia sente ao pensar na mãe de Gaby, conforme ela diz ao cunhado, definitivamente confirma que a menina é adotada. Porém, esse medo parece revelar pouco do muito que ainda não sabemos. Ou melhor, do que a própria Alícia desconhece. A reação do cunhado, questionando Alícia com a frase “Medo de que?”, demonstra uma certa segurança de quem não precisa ter medo de nada. Parece traduzir que estão em uma situação de conforto e em uma posição de poder que ninguém poderá ameaçar. Apesar de interrogativa, a frase do cunhado demonstra firmeza e impede qualquer questionamento posterior. A conversa é interrompida com a chegada da empregada e da sogra. Na verdade, ainda há muito que não pode ser dito, dividido e discutido entre pessoas da mesma família. O regime ditatorial impõe certas regras de convivência que perduram, mesmo após o esfacelamento do mesmo. Até os mais próximos são impedidos de dividir uma verdade ou segredo que detêm sob sete chaves.   
    A demonstração do mágico, sugerindo que faria com o pombo o mesmo que realizou com a bexiga, é assustador. Até porque seu público é feito de crianças. Sugerir violência como forma de entretenimento a elas parece desconectado de qualquer bomsenso e espírito ético. Porém, eles estão situados em um momento histórico que ainda traz muito das ações, práticas e ideais difundidos durante o regime militar, que apenas recentemente deixou de governar. Os resquícios da ditadura são muito latentes. A animalidade ainda parece impregnar a vida das pessoas e ser apreciada, até mesmo, como diversão. Tanto que, ao insinuar a demonstração com um pombo vivo, muitas crianças apoiam e pedem para o mágico continuar com a ação. O acontecimento, em uma sala de estar, traduz a reação das massas em uma sociedade dominada pelo escárnio, pela indiferença para com o outro e, de um modo geral, pela violência apoiada em leis e aceita como correta no combate a quem se opõe ao regime imposto. Porém, entre as crianças, algumas opõem-se à insinuação do mágico. O fato demonstra que, mesmo em um sociedade dominada por desinformação, censura, formadores de opinião mal-intencionados e todo tipo de coação, há quem ainda pensa de forma diferente. Em meio à tamanha brutalidade generalizada, há quem ainda tem voz para, por meio de seu grito solitário, impedir que a violência seja praticada e que a prática do sofrimento alheio continue como regra. Enfim, ainda há quem defenda a vida, a civilidade, os direitos das minorias, a democracia. A reação de Gaby diante da suposta atitude do mágico com o pombo parece revelar muito mais do que a tristeza da menina em imaginar o sacrifício da ave.  
    Ao deixar a sala, onde a festa acontece, e se isolar em seu quarto de dormir, Gaby demonstra uma tristeza calcada em precedentes. Parece haver muito mais razão para tal comportamento do que o observado no ambiente da festa. Sua tristeza tem profundezas, tem passado, tem origem. Mesmo inconsciente, a menina demonstra muita familiaridade com a ameaça de violência que, infelizmente, poderia ser a próxima diversão de muitos convidados de sua festa de aniversário. Sua dor coexiste com os cuidados de mãe que dispensa a sua boneca. A melancolia e o sofrimento da menina convivem com a tristeza e choro da boneca. A emoção, as palavras e os gestos de Gaby parecem ser repetidos por meio de uma aprendizado próprio que a menina obteve em algum momento de sua história. Ela parece demonstrar todo aquele carinho pelo seu “filhinho” como, um dia, alguém demonstrou por ela, enquanto filhinha de alguém. A menina parece representar uma cena já vivida, em que uma mãe e uma filha dividem a insegurança do momento, o medo frente ao desconhecido, a angústia, a incerteza e o pavor que parecem orientar suas vidas para uma separação definitiva. No chute de um dos meninos para abrir, à força, a porta do quarto de Alícia, vemos muito mais do que uma atitude de maus hábitos. Imediatamente, ficamos frente a frente com um coturno de soldado e o verde-oliva de uma calça comprida. Tais detalhes da cena parecem ser utilizados com o intuito de aproximar, ao máximo, a ficção cinematográfica da realidade vivida por tantos argentinos naqueles anos de chumbo em seu país. A maneira como os meninos invadem o quarto, aos gritos, por meio de gestos ameaçadores e empunhando armas, traduz o cotidiano de invasões, prisões e torturas imposto à sociedade civil argentina entre 1976 e 1982.  
    Se o carinho para enfrentar o medo, oferecido por Gaby a sua boneca, traduz a familiaridade da menina com o amor materno frente ao risco de morte vivenciado por um mãe natural, a atitude violenta dos meninos demonstra uma certa familiaridade destes com o que expõem. Os meninos parecem trazer, em seus gestos e palavras de ordem, o que já ouviram de alguém ou, simplesmente, comportamentos com os quais simpatizam. Eles são filhos do irmão de Roberto. Eles são sobrinhos de Roberto. O histórico de violência contra opositores à ditadura argentina parece pairar ao redor dos meninos que, mesmo inconscientes sobre os fatos, podem ser influenciados pelo o que defendem e praticam alguém de sua família. O susto, o medo e o choro de Gaby não são compreendidos pelos seus primos. Pelo contrário, eles ainda criticam a reação da menina diante da brincadeira. Segundo os meninos, eles não fizeram nada com a prima. Para eles, ela está louca e não sabe brincar. Enfim, são as mesmas estratégias utilizadas por militares com o objetivo de amenizar os efeitos de suas ações violentas. Segundo eles, em suas defesas diante das acusações após o regime miliar, não faziam nada demais com suas vítimas. As denúncias contra eles partiam de pessoas enlouquecidas, desvairadas, que falavam de coisas sem nunca as terem vivenciado. Ou seja, as vítimas sobreviventes ou seus familiares eram, para eles, loucos com suas mentiras. Como um dos primos de Gaby disse, esta não sabia brincar. Para muitos opressores, torturadores e assassinos, suas vítimas tiveram o mais triste dos fins porque não sabiam “brincar” de acordo com as regras do jogo daquele momento.  
    Gaby está completando cinco anos de idade. Após os convidados da festa terem ido embora, Alícia diz a Roberto que parece mentira já ter se passado um período de cinco anos. Ela relembra: “Naquele dia, fiquei andando pela casa, você chegou tarde, lembra? Tarde, como hoje. Não sabia nem como segurá-la. Carregava ela como um filhote.”. Durante toda a sua fala, a câmera focaliza apenas Alícia. Porém, no mesmo enquadramento, Roberto aparece apenas de costas. É como se, em toda aquela narrativa feita pela esposa, o marido, apesar de ter participado, fosse apenas uma personagem coadjuvante, estritamente secundária, sem importância. O estar de costas também revela algo que não pode ser revelado. A imagem de Roberto por trás indica ausência de identidade, segredo indecifrável e alusão ao desconhecido: uma estratégia necessária para que não haja descobertas indesejadas em momento tão marcado por atos obscuros, secretos e permitidos, apesar de proibidos e condenados em um estado de direito. A câmera somente enfoca Roberto de frente quando este brinca com sua esposa sobre o final feliz contido na narrativa feita por esta. Alícia continua: “Quando conversamos, achei que tinha razão, que eu não precisava ir ao hospital. Agora, acho que deveria ter ido. Deveria ter ido.”.  
    Durante a fala de Alícia, entra e sai de cena uma bexiga amarela. Parece estar nas mãos de Roberto. A repetição do movimento da bexiga parece dizer que a verdadeira história de vida de Gaby pode vir à tona. Como um balão, pode estourar a qualquer momento. O movimento da bexiga é sinalizador. Sua cor amarela nos pede o máximo de atenção para a conversa que se desenrola. Roberto não aceita o salgado oferecido pela esposa. Circunspecto, insinua, por meio de sua face séria e olhar distante, não apreciar o rumo que a conversa tomou. Alícia pergunta: “Quem era a mulher no carro com você?”. Como tenta permanecer mudo, Alícia volta a perguntar quem era a mulher. Ele, expressando um certo mau-humor, responde que era uma enfermeira. A esposa insiste em continuar a conversa: “‘Heifel’ era o nome do médico.”. Com o intuito de parar o colóquio, Roberto, demonstrando cansaço, diz: “Não me lembro, Alícia. Como espera que me lembre?”. A esposa questiona: “Como não se lembra do nome do médico que entregou a Gaby?”. A bexiga amarela não estoura, mas Roberto bate com ela a cabeça da esposa, como sinal para que deixasse de pensar besteiras. Então, ele emenda: “Dissemos que não falaríamos sobre isso.”. Seu rosto demonstra uma mistura de desaprovação e ameaça. Alícia pergunta: “Você o pagou?”. Roberto evita responder. A esposa continua, questionando se o marido pagou o médico ou a mãe de Gaby. O marido pergunta o porquê de estarem conversando sobre aquilo. A esposa lembra que, na época, o marido disse que a mãe da menina havia concordado em doar a filha. E questiona: “Mas como você sabia? Você a viu no hospital?”. Diante da mudez do marido, a esposa exige uma resposta. Sua insistência diante da barreira imposta pelo marido é amenizada com um pedido para que este não fique com raiva. Alícia diz: “Talvez, ela nem soubesse que estavam levando a filha.”. Diante da suposição demonstrada pela esposa, Roberto volta a olhar para ela e, por sua vez, questiona: “Que diabos está me perguntando?”. É como se a bexiga amarela quase estourasse naquele momento, espalhando pelos ares todos os segredos e trâmites de uma história desconhecida. Mas, não, o balão continua intacto. Alícia parece desistir do entrave. Ela fica de costas para o esposo e questiona: “Como vou saber o que pergunto? Eu não sei.”. Sentada no chão, de costas para o marido, que continua em nível superior ao da esposa, porque ele ainda permanece pensativo sobre a poltrona, Alícia, após melhor se ajeitar, continua: “Sempre me sinto mal nesse dia. Nunca vamos dizer a verdade para ela?”. Roberto permanece calado. Alícia ainda exclama: “Eu não sei. Você sabe que estamos comemorando uma data que é nossa, não dela. Comemoramos o dia em que você a trouxe”. Roberto reage: “Comoramos o dia que a adotamos. Este é o aniversário dela.” Sua imposição encerra a cena em meio a total silêncio.  
    Aos poucos, segredos de Estado, tão defendidos pela ditatura como essenciais para a sua manutenção, começam a ser revelados. O obscurantismo de vidas privadas, reforçado por todo tipo de impedimento, inicia sua longa e árdua trajetória do submundo dos crimes e das coações impostas rumo ao conhecimento social de uma realidade, até então, escondida e impedida de ser revelada. O drama de Gaby encerra o de tantas outras mães e pais que, violentados e com suas vidas ceifadas, ainda foram obrigados a colaborar com seus algozes e defensores totalitários, mesmo que inconscientes e contrários a essa contribuição, materializada no rapto de suas crianças e a consequente posse das mesmas pelos defensores do autoritarismo vigente e seus familiares. O ponto central de todo o drama, que ganhou as telas de cinema da época, consiste no passado de Gaby, constituído de uma tragédia familiar, em que a consciência e a participação ativa de Roberto foram decisivas para o desenrolar da trama, bem como o desconhecimento e a ignorância de Alícia sobre o triste passado da filha adotiva. Durante a conversa entre Alícia e Roberto, a postura deste simboliza o poder de quem está “por cima da carne seca” em ditaduras. Roberto simboliza quem lucra e obtém as mais diversas vantagens com as injustiças que vitimam tantos compatriotas. Ao mesmo tempo, uma simples insinuação de Alícia por respostas a suas dúvidas parece transtornar a segurança de Roberto. Sua altivez, determinação e força parecem sucumbir mediante um vendaval de possíveis descobertas que, certamente, irão expor os criminosos do regime militar a um possível e futuro julgamento por parte da sociedade civil. Os entraves para se conhecer a verdade são muitos. Porém, foram dados os primeiros passos rumo à descoberta do fatos encobertos por engodos, falsificações e demais mentiras. O comércio de crianças nascidas de prisioneiros políticos nos porões das ditaturas latino-americanas foi uma entre tantas práticas desprezíveis, presentes nas checklists dos quartéis da época.  
    A professora Alícia caminha, com pressa, pelos corredores, quase vazios, do colégio onde leciona. Enquanto se dirige a sua sala de aula, ouvimos a voz de um dos alunos, dizendo aos demais: “Porque sem liberdade de pensamento, os absurdos de nossos pais continuarão a ser respeitados, e serão autorizados o tempo e o costume.”. Ao ver que a professora se aproxima, um dos estudantes, seguido por outro, volta com pressa à sala de aula. Eles estavam vigilantes e, agora, correm para informar que a professora se aproxima. A voz do aluno continua, apesar de o colega pedir para ele parar com a leitura em voz alta: “Sejamos, outra vez, menos favoráveis as nossas velhas opiniões, ter menos autorrespeito... que o acesso à verdade...”. Com a aproximação da professora, o aluno corre com a leitura do texto antes que Alícia chegue. O leitor, o aluno que havia sugerido que Moreno tinha sido envenenado, acelera a leitura em voz alta, pedindo para que Horácio, o aluno que enfrentou a professora, ouça-o: “A verdade, como a virtude, tem, em si mesma, sua mais incontestável apologia. Ao discutir e transmiti-las, aparecem em sua glória e brilho. Olha o que diz! Se você se opuser...”. Alícia entre na sala, que se torna totalmente silenciosa após um dos colegas gesticular ao leitor para que termine a leitura. Os alunos, como de costume, ficam em pé. Primeiramente, a professora presta atenção em papeis pregados sobre o quadro negro. Entre eles, há pedaços de notícias de jornais, com fotos de crianças, as manchetes “Falta apoio dos países europeus”, “A Igreja interrompe o diálogo de mediação” e “Dizem terem sido encontrados cinco anos desaparecidos”, entre outros. O aluno leitor, ainda sentado, e em voz bem mais baixa do que antes, retoma sua leitura: “Se há oposição às restrições ao discurso, reviverá o espírito como a matéria.”. Bruscamente, Alícia voltase para aos alunos e ordena que todos se sentem. O aluno leitor continua: “E o erro, as mentiras e preocupações, o fanatismo e a brutalidade.” Até que Alícia exclama: “Artemi, arranque isto. Arranque, senhor!”. O estudante leitor interrompe a leitura, O outro aluno, a quem a ordem é direcionada, levanta-se e vai até o quadro negro retirar as notícias que revelam os crimes e outros eventos relacionados à ditadura miliar. Alícia, nervosa, diz: “Não perguntarei quem fez isso porque todos viram.”. O aluno leitor retoma a leitura em voz alta: “E a brutalidade...”. Alícia levanta a voz e diz: “Então, todos pagarão por quem faz essas piadas.”. O aluno entrega os recortes de notícias a ela. O aluno leitor prossegue: “... fará o lema do povo, e causará seu desânimo, sua ruína e sua miséria para sempre.”. Nervosa, Malícia diz: “Vocês sabem o que fazer, senhores.”. O aluno leitor conclui: “Mariano Moreno. La Gaceta de Buenos Aires, 12 de Junho de 1810.”. A expressão do aluno leitor, ao ser impedido de continuar sua leitura pela professora, é de satisfação por ter enfrentado quem, naquela sala de aula, representa o status quo que apoia a ditadura. O gesto brusco e forte do aluno, ao bater em um dos braços com sua mão, demonstra o sucesso da empreitada. 
    A leitura apressada de um texto, que poderia ser considerado “subversivo” pela professora, demostra o quanto os estudantes, contrários ao regime governamental do momento, sabem utilizar os momentos mínimos de liberdade, sem a presença ameaçadora de quem representa o sistema, para expressar o que sentem, pensam e acreditam. Nesses momentos, a sala de aula, realmente, torna-se o ambiente propício para a busca do conhecimento sem entraves e obstáculos, assim como deve ser em toda sociedade democrática e livre de autoritarismo. Porém, a presença de Alícia basta para materializar o regime autoritário entre eles. De fato, ela é representante da classe média que apoia a ditadura na Argentina. Mal ela sabe o quanto ela própria é vítima do sistema governamental que ela mesma defende e com que simpatiza. “Liberdade de pensamento”, “verdade”, glória”, entre outros, são termos explorados por Moreno em seu texto. Ideias e pensamentos que, levados à risca, destroem o sonho de qualquer ditador. Além da leitura “subversiva”, as manchetes de jornais, que veiculam as diferentes formas de crueldade praticadas pela ditadura argentina, traduzem o quanto os alunos estão conscientes sobre a realidade em que vivem e o quanto estão dispostos a enfrentar os defensores de um governo antidemocrático. 
    Na cena seguinte, Alícia está de saída da escola quando o colega Benitez a questiona: “E se chegar atrasada aonde está indo?”. Ela pergunta: “Para que?”. Ele continua: “Para tomar um café comigo, por exemplo.”. Alícia diz: “Desculpe, Benitez. Estou com pressa. Preciso ir ao centro.”. O professor acrescenta: “Vou com você. Preciso falar com você.”. Ambos entram no carro dela. Durante o trajeto, ele a convida a tomar um café. Ela diz que não está a fim. E pergunta o que ele deseja. O professor responde: “Um pouco de romance, talvez.”. Ela o critica, dizendo que ele está louco. Ele rebate: “Por favor, que temperamento! Se a convidasse para a cama, que escândalo você faria.”. Assustada e nervosa, ela o questiona: “O que?”. Ele responde: “Nada disso. Não fique animada. Queria devolver um arquivo que esqueceu na sala do diretor. É de um aluno: o Costa, que está falando bobagens na aula agora.”. Com expressão muito séria, ela o questiona: “E como você tem isso?”. Benitez responde que é amigo da secretária. Alícia insiste: “Quero dizer, por que você tem isto? Como se atreve? Com que direito?”. O professor responde: “Direito nenhum, que fique claro. Peguei o arquivo porque sei exatamente onde vivo, porque a paixão desse idiota pode custá-lo mais do que uma advertência, e porque até você merece uma segunda chance.”. Assustada, Alícia continua o deslocamento até o centro da cidade. A professora prossegue: “A turma é muito insolente. Hoje, encheram meu quadro com recortes de jornal. Honestamente, não sei o que querem.”. Alícia entrega os recortes a Benitez. Este diz: “Eles querem que você saiba.”. Enquanto conversa, o professor folheia os recortes de jornal entregues a ele por Alícia. Em um deles, lê-se “Nunca antes”. Em outro, “Onde 

estão estas crianças desparecidas”, com fotos das mesmas. Então, Alícia pergunta: “E por que foi expulso da Universidade de Cuyo?”. Benitez responde: “Porque sou perigoso. Não me expulsaram. Foram a casa quando eu não estava. Não deixaram nada em pé. Então, eu entendi o recado. Sozinho.”. Depois de segurar um sorriso diante das primeiras palavras de Benites, sobre sua “expulsão” da citada universidade, Alícia fica mais séria e pergunta: “E essas listas? Com todos esses desaparecidos. Até bebês. Será verdade?”. E continua: “Porque há pessoas como você, que mudaram de emprego, que estão em outro lugar, certo?”. O professor reage, perguntando: “Que te importa se for verdade? Tem um problema com isso?”. Como a professora parou o carro, Benitez desce do mesmo. Ouve-se gritos na rua de “vai acabar!”. Há um grande protesto de jovens com palavras de ordem, faixas e bandeiras. Ele volta para dentro do carro e diz: “É sempre mais fácil acreditar que isto é impossível, certo? Especialmente porque, para possibilitar isso, seria necessária muita cumplicidade, muitas pessoas que não acreditariam, mesmo se estivesse bem na frente, certo? Pegue o arquivo do Costa, caso você queira enviá-lo.”.

    Na rua, jovens e idosos, homens e mulheres seguram faixas e cartazes em defesa dos desaparecidos e detentos por razões políticas. Alguns destes têm suas imagens estampadas nos cartazes. Clamam por liberdade! Depois de estacionar o carro, Alícia corre por uma avenida salpicada de papeis usados no protesto. O protesto ganha força. A professora tem pressa. Os manifestantes caminham entre policiais que observam tudo. A manifestação é pacífica. Entre as faixas, umas dizem: “Pela Saúde e Serviço do Povo” e “Legislação para Trabalhadores”. Mais próxima do protesto e do alto volume das palavras de ordem gritadas pelos manifestantes, Alícia demonstra um certo medo e, ao mesmo tempo, uma expressão de querer procurar entender o que está acontecendo. Percebe-se que alguns participantes gritam frases contra os policiais, que tudo acompanham. Enquanto pôde, a professora acompanhou a manifestação. Até sair de cena, depois de se adentrar a um edifício. Na tela, militares, prontos para qualquer ação necessária, não tiram os olhos dos manifestantes.  
    Da janela do prédio onde se encontra, Alícia continua a acompanhar o protesto. Entre as faixas usadas no protesto está: “Devolução das crianças raptadas. Crianças nascidas na Prisão. E suas famílias legítimas. Avós da Praça de Maio.”. Entre os participantes, algumas senhoras usam lenços brancos na cabeça, amarrados no pescoço. São as famosas “Mães da Praça de Maio”: personagens que simbolizam a resistência e a luta por justiça na Argentina. Em 1977, elas organizaram-se, com o intuito de exigir respostas sobre os assassinatos e desparecimentos de seus filhos, e iniciaram passeatas na Praça de Maio, localizada em Buenos Aires, em frente à Casa Rosada, sede do governo argentino. Já as “Avós da Praça de Maio” é uma organização que visa encontrar os bebês roubados de suas mães, que foram mortas durante a ditadura. 
    Observa-se, na postura da professora frente ao arquivo do aluno entregue a ela pelo colega de trabalho, que a representante do status quo sabe, muito bem, defender e exigir seus direitos quando se acha ameaçada. Porém, jamais tem o discernimento de considerar que o aluno, censurado por sua posição contrária à dela, também possui direitos. Ou seja, em um regime ditatorial, o direito é para poucos. A maioria é agraciada apenas com deveres. A professora demonstra não compreender o que alunos querem conhecer, discutir e debater quando se refere aos recortes de jornais com desaparecidos pregados sobre o quadro negro. Porém, o professor demonstra esclarecimento sobre os fatos correntes. Diferentemente da colega, ele tem consciência total da situações política e social de seu país. Mas a realidade de muitos parece não preocupar a professora. O que passa a coletividade não a sensibiliza. Porém, ela demonstra curiosidade em saber sobre a vida particular do colega. O coletivo e o social não têm importância. Entretanto, o individual e o particular roubam a atenção da professora.  O professor tem consciência da alienação política em que a sua colega está inserida. Ele sabe que a ignorância é difícil de ser eliminada. É aquilo: até São Tomé, que só acredita em algo quando o vê, desacredita mesmo o vendo. Frente a frente com as manifestações na rua, a professora vivencia o medo e a confusão. Medo porque o direito de protestar, mesmo pacificamente, contra a ordem imposta é sinal de violência e baderna de inconsequentes. A sua confusão é a consequência de não conseguir reunir o que vê, o que ouve e o que lê para, finalmente, compreender o que está acontecendo no seu pais. 
    No escritório onde se encontra, Alícia parece esperar por alguém. De uma das salas saem Dante, o conhecido que riu dela e de Roberto no jantar do restaurante, e um estrangeiro, que parece norte-americano. Um senhor, chamado Macci, interpretado por Jorge Petraglia (1927-2004) que aguardava Dante, pediu ajuda a este. Após a partida do estrangeiro, Macci volta a se direcionar a Dante, que pede para aquele esperar mais um pouco. O visitante demonstra muita irritação. Dante, então, dirige-se à secretária, ordenando: “Diga a Ibañez que está pronto e há reembolsos.”. A secretária diz que, naquele momento, não pode avisar Ibañez. Este é o sobrenome de Roberto, esposo de Alícia. Dante reclama à secretária: “Eu acho que você está errando as contas, sabia? E tire aquele velho daqui. Se Andrada o ver, estamos mortos.”.  Andrada também faz parte daquele grupo de amigos que se reuniu para o jantar no restaurante. Alícia ouve a conversa de Dante com a secretária. Esta passa por Alícia, informando-a que o dia está repleto de trabalho e que todos estão um pouco nervosos.  
    De repente, chega Roberto, cumprimento Macci. Porém, o esposo de Alícia pede para a secretária remarcar a conversa com Macci para o dia seguinte. Vendo a esposa, Roberto dirige-se a ela, perguntando o que ouve. Ela diz que nada. Apenas gostaria de conversar com ele. De longe, Macci observa o casal e quando a secretária se aproxima dele, o visitante fica enfurecido e grita: “Não posso esperar mais, Ibañez! Você sabe disso. Se o Andrada não me receber agora... Não estou disposto a ir preso!”. Rindo, e parecendo fingir que não entende o que está acontecendo, Roberto pergunta: “O que está dizendo, Macci? O que houve? Criminosos vão para a cadeia.”. Dante aproxima-se e diz: “Este país é civilizado, Macci. Você tem amigos. Venha.”. Roberto exclama a Dante, que leva Macci para outro cômodo do escritório: “Vamos ver se Andrada pode recebê-lo.”. Dante ainda acrescenta: “Tanto escândalo porque foi convocado por um juiz.”. Olhando para Alícia, Roberto pergunta se ela gostaria de acompanhá-lo até o aeroporto. De repente, ele questiona o que está acontecendo, quando vê Dante tendo dificuldade de fazer com que Macci entra em uma das salas. Parece que este não passa bem. Dante responde a Roberto: “Eu cuido dele. Não perca o voo. Chame alguém.”. De repente, surgem Andrada, acompanhando um outro estrangeiro, possivelmente também norte-americano, ao lado de Miller. Os três chegam seguidos pelo general. Estes dois também participaram do jantar no restaurante.  Miller convida o estrangeiro a visitá-lo em Paris. Este responde que, talvez, irá. Miller diz ao estrangeiro: “Diga a ele que vamos revidar. Ele planeja uma vingança.”. Roberto apresenta Alícia ao estrangeiro, chamado Mr. Olson. “Seu marido é um homem brilhante.”. Enquanto isso, Macci passa mal na sala onde o colocaram. Alícia parte, mas ainda vê a situação de Macci antes de Dante fechar a porta da sala onde estão. Alícia parte preocupada e curiosa sobre a situação de Macci.  
    Há presença de outro estrangeiro no escritório, onde Romero e seu grupo atua, demonstra que as funções de sua organização extrapola os limites do território argentino. Diante do sotaque do inglês do estrangeiro, é possível identificar sua procedência. É mais um norte-americano envolvido na rede de influências que fortalece o sistema político que tem imperado na Argentina nos últimos anos. A irritação e o descontrole de um dos membros demonstram que a situação do grupo não parece estar em tão bons lençóis como antes. Os tempos são outros. Observa-se que, no antro de mercenários, que lucram economicamente com a ditadura, começam a haver desavenças. Um parece querer lucrar mais do que o outro. Entre eles, está claro que as questões ideológicas estão em segundo plano. Primeiramente, valoriza-se as questões econômicas. Por dinheiro, e muito dinheiro, estupra-se, tortura-se, mata-se. A aparição de outro norte-americano alerta-nos para o fato sabido sobre o quanto os Estados Unidos da América do Norte apoiaram as ditaduras militares na América Latina. Do treinamento de militares brasileiros por americanos, até a propaganda desmesurada contra os “subversivos”, identificados e acusados de serem comunistas, passando por vários níveis de participação e apoio aos governos latino-americanos, os Estados Unidos estiveram infiltrados nos movimentos antidemocráticos ocorridos nos países latinoamericanos. Quando o grupo entra no escritório, observa-se que o general se mantém atrás dos demais. Os civis, todos mercenários, estão na frente. Eles representam a “democracia” e fingem ser os “democráticos” no regime ditatorial. Por trás, está o militar. Isso porque, mesmo não aparecendo em público, são as armas, a tortura, os desaparecimentos e as penas capitais, que sustentam, por meio do terror, a ditadura.  
    No caminho do aeroporto, o general comenta: “Vocês estão casados há muitos anos, não é? E ainda vem despedir-se. Meus parabéns.”. Roberto e Alícia demonstram satisfação com o comentário. O militar continua: “Você é professora, não é?”. Alícia responde que leciona História. O general comenta: “Na verdade, não deve ser nada fácil ensinar História nas escolas de hoje. Os garotos não acreditam como antes. E o que pensa de nossa juventude atual?”. Enquanto o militar fala, Alícia, disfarçadamente, tenta esconder melhor os recortes de jornal que seu alunos pregaram no quadro negro e que ainda estão com ela. O general continua: “Podemos ter esperanças?”. Seu olhar é de preocupação. E prossegue: “Eu tenho um sobrinho de 16 anos, que nem acredita que San Martin cruzou os Andes.”. Todos riem do comentário do militar. Alícia sorri com um certo desconcerto. Chegam ao aeroporto. Dentro do aeroporto, e apressados para Roberto não perder o voo, Alícia diz: “Sei que é ridículo, mas não quero que viaje, porque tenho medo de ficar só.”. Roberto comenta: “Como se fosse a primeira vez, Alícia.”. Ela acrescenta: “Não dá para falar em um segundo. Quando voltar, conversamos.”. Miller aproxima-se, chamando pelo esposo de Alícia. Esta ainda diz que gostaria de viajar com o marido nem que fosse para a Bolívia. O marido despacha a pasta com pressa, e Alícia continua dizendo que, quando ele voltar, eles poderiam viajar. Já que não viajam há muito tempo. Roberto ainda volta e pede para que a esposa cuide da filha. O marido ainda pergunta pela menin. Alícia responde: “Reclamando que 

você não fica no seu emprego aqui.”. Ele diz que Gaby é como a mãe. Alícia questiona: “Se ela é como a mãe, quem sabe como ela vai ser?”. Roberto reage: “A mesma coisa, de novo? Era isso, não é?”. Ele diz que precisa partir e pede à esposa para não pensar mais sobre isso. Mas, Alícia parece não parar de questionar qual deve ser a verdadeira história da filha.

    A juventude tende a ser a depositária das esperanças de uma geração que fracassou em seus propósitos. Os estudantes representam a possibilidade de futuras mudanças. Por isso, justamente pelo risco que representam frente a um status quo que não mede esforços e sacrifícios alheios para se manter no poder, a classe estudantil é tão vigiada, vilipendiada e perseguida. Ainda mais nos governos ditatoriais. O estudante, o intelectual e a classe pensante são a grande ameaça aos regimes totalitários. O questionamento sobre o passado da filha adotiva parece ganhar força e dá sinais de que deve perdurar por muito mais tempo.  
    A cena seguinte inicia-se com Gaby chegando animada e dizendo à mãe que tem um bilhete no seu caderno sobre os materiais escolares que precisam comprar. Alícia está distante e muito pensativa. Diante da mudez da mãe, apesar de toda a animação da filha, Gaby pergunta à mãe se esta está doente e se vai morrer. Alícia responde com um curto e objetivo “não”. A menina pergunta quando o pai volta da viagem. A mãe diz que ele voltará em uma semana. Com o toque da filha em seu rosto, pedindo mais atenção, Alícia parece perder a paciência. Ela diz: “Solta meu rosto, Gaby! Vá comer. Enquanto a filha se alimenta, aos cuidados da empregada, Alícia permanece séria e em total introspecção. Enquanto reflete, ouve a voz da filha que vem de longe. De repente, Alícia move-se. Parece despertar para algo até então não pensado. Então, ela olha, com atenção, para a certidão de nascimento que, datada de 1978, oficializa ela e Roberto como os pais da menina. Enquanto a filha continua com a funcionária da casa, Alícia retira uma caixa do maleiro. Ao abri-la, ela depara-se com as roupinhas de quando Gaby era recém-nascida. Ao tocar nas roupinhas da menina, Alícia deixa a seriedade ser substituída por total emoção. A maneira como ela pega as vestimentas de bebê, toca e as observa nos dá a impressão de que a mãe está diante de objetos de algum desconhecido. Algo que é muito mais do que objetos pessoais de alguém. Mas que encerra toda uma história de vida, sonhos, esperanças e planos futuros que, certamente, Alícia desconhece por inteiro. Ela parece enxergar nos detalhes das roupinhas, o carinho e o amor de mãe, os cuidados de quem está prestes a se separar definitivamente da filha recém-nascida. Aqueles pedaços de pano parecem reunir amor e felicidade, saudade e tristeza, bons sonhos e pesadelos: a esperança, que sempre é a última que morre, mas morre. A emoção de Alícia, apesar de saber da existência dessas roupinhas e de já as conhecê-las, demonstra que ela está diante do desconhecido. Enquanto correm suas lágrimas, a visão do alfinete preso em uma das roupinhas traz, ao mesmo tempo, a sensação de uma máxima e possível segurança que, um dia, a mãe verdadeira ofereceu ou tentou oferecer à filha. O alfinete também remete à dor de ser “picada”, como Ana referiu-se ao relembrar seus momentos de tortura, quando foi furada, estuprada e espancada. 
    A sensibilidade de uma criança permite que ela descubra o que faz questão de se manter longe do olhos. A tristeza da mãe e a ausência do pai, que parece se preocupar mais com a sua vida profissional do que familiar, são percebidas por quem representa a inocência. As dúvidas sobre o passado da criança, mais do que nunca, parecem pedir para que sejam sanadas. O desconhecimento do que, de fato, consiste a realidade é fundamental para que a memória não gere compreensão e o pensamento não seja pernicioso àqueles que se mantêm no poder ditatorial. Os sofrimentos alheios sob as baionetas dos quartéis ainda são desconhecidos. Porém, por meio de detalhes do cotidiano, eles parecem sinalizar que desejam ser descobertos. Sabe-se o quanto é difícil encontrar uma agulha no palheiro. Mas dificuldade não significa impossibilidade. Os sinais, por mais limitados e singelos que pareçam ser, podem se tornar chaves para o desvendamento de segredos mantidos sob um total sigilo.  
    A câmara aproxima-se de uma porta, onde se lê: “Sala de Partos”. Alícia abre a porta e entra em tal sala. A cena e os gritos de dor de uma mãe em parto roubam a sua atenção. Uma enfeira surge e, rudemente, fecha a porta. Logo depois, Alícia sorri ao ouvir o choro do recém-nascido. Cai na real e volta a se movimentar rapidamente para atender ao fim a que se propôs naquele hospital. Em um longo corredor, parece abalada emocionalmente e em grande sofrimento. Aproxima-se de uma senhora que, acompanhada de um menino, é abraçada por uma jovem mulher. Ouve a senhora de idade dizer: “Quanta dor!”. Em seguida, surge Alícia perguntando sobre o doutor Halter a uma enfermeira. Esta responde que o médico não aparece naquele hospital há três anos e que não sabe onde ele se encontra. A enfermeira sugere que Alícia, que demonstra não se sentir bem, recorra à administração do hospital. Sentada, Alícia aguarda ser atendida. A cena muda. O que significa que a professora não foi bem-sucedida em sua busca no hospital.  
   Alícia encontra-se em um confessionário e diz: “Eu era como a Gaby, estava sentada na cadeira da avó, e não conseguia entender porque eles demoravam tanto. Se os dois morreram em um acidente. Minha pobre avó falou sobre uma viagem. Inventava cartas. Esperei anos por eles, sentada naquela cadeira de balanço. Eu acreditava que meus pais tinham me deixado. Só vi o túmulo depois que cresci. Eu os perdoei. Sempre acreditei no que me contaram, mas, agora, não posso. Não sei quem a Gaby é. É como se nada fosse verdadeiro. Nem pensamos em dizer a ela que é adotiva. Às vezes, ela pergunta dos avós, dos avós dos avós, até de Deus. Ela diz que Deus é biônico, porque Ele pode nos ver, mesmo que não possamos vê-Lo.”. Enquanto confessa, suas emoções vão do sorriso às lágrimas de dor! Ao ouvir, o padre responde: “E é verdade.”. Alícia retoma a confissão: “Sempre pensei que a mãe dela não a queria, mas agora... Eu nunca peguei nada de ninguém.”. O padre afirma: “Deus confiou aquela criatura a você, Alícia. Ele quis assim. Por que duvida de Sua sabedoria? Não ofenda o Senhor. Não rejeite o que foi dado a você.”. Imediatamente, Alícia reage, dizendo: “Eu não a rejeito, por que diz isso?”. O padre diz: “Você teve misericórdia e compaixão. Protegeu-a dos males e dos perigos a que poderia estar condenada.”. A professora pergunta: “Que perigos? Você sabe a verdade, padre. Por que não me conta?”. O padre continua: “Você não pecou, mas quebrou sua aliança com o Senhor.”. Alícia insiste: “O senhor pode me ajudar!”. O religioso prossegue: “Ele nos disse: ‘Não destruirei as cidades para o bem de dez justos.’. O Senhor disse: ‘Posso esconder...’”. Sem perder tempo, Alícia interrompe o padre, perguntando: “Padre, você sabe como foi tudo, não sabe?”. O religioso continua: “Deus, o misericordioso pai, que reconciliou-se Consigo...”. Alícia insiste novamente: “Diga-me a verdade, padre, quero saber...”. O religioso continua, sem dar ouvidos à professora, dizendo: “... e a ressureição de Seu filho.”. Alícia conclui: “O senhor sabe.”. O padre prossegue: “... e derramou o Espírito Santo para o perdão dos pecados...”. Alícia implora: “Preciso que me diga a verdade.”. O religioso diz: “... pelo Ministério da Igreja...”. Alícia afirma: “O senhor estava com o Roberto. Estava com o Roberto naquele dia, não estava, padre?”. O religioso diz: “Eu a absolvo de seus pecados.”. Alícia responde: “Não preciso de absolvição. Preciso que me diga a verdade.”. O padre conclui: “Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, amém.”. Acuado no embate contra Alícia, e antes de escapar da ameaça da verdade que deseja vir à tona, o padre ainda diz: “Agradeça ao Senhor, porque Ele é bom.”. Levanta-se para deixar o confessionário. Mas, antes, o religioso ainda ouve Alícia dizer: “Porque Sua misericórdia é terna.”. O padre ainda afirma: “O Senhor perdoou seus pecados. Vá em paz.”. Pensativo e sem demonstrar qualquer sentimento por quem o procurou, o religioso deixa o confessionário. Alícia permanece no local e, ao vê-lo deixando o confessionário e passando pelo altar da igreja até desparecer, a professora fica com a sensação de que não encontrou o consolo necessário e esperado onde deveria encontrar. Como também, ela permanece com a certeza de que o padre havia participado, pessoalmente, de momento tão decisivo da vida de Gaby.  
    A rotina de um hospital público encerra muito mais do que a dor dos familiares de entes enfermos. Nos corredores de uma instituição destinada a salvar vidas, a presença contínua da morte é uma realidade enfrentada por quem não encontra outros meios senão a resignação diante de tanto sofrimento. Porém, pelo menos em sã consciência, torna-se difícil pensar que um hospital, construído para ser a porta de entrada para os recém-chegados ao Planeta, possa operar como um local de descarte de seres humanos e de decisões autoritárias sobre o futuro de quem viverá sem a companhia dos pais naturais. Na ditadura, até mesmo um hospital é usado como o cenário ideal para o sequestro de bebês, encoberto pelos engodos da adoção. Diante do padre, que a professora reconhece como o conhecedor do passado da filha ainda tão criança, a mãe adotiva chega à conclusão de que não pode obter ajuda na instituição que é reconhecida como salvadora de almas. Sabe-se que a Igreja Católica, acompanhada de outras denominações, apoiou os golpes militares e o despotismo que estes iniciaram na América Latina. Pelo menos, na fase inicial desses governos autoritários, as igrejas contribuíram na difusão da mensagem de que a linha dura do regime militar atendia às necessidades relacionadas à manutenção da ordem, da tradição e da moral cristã. Apesar de alguns representantes da Igreja Católica perceberem, já de início, a cilada em que seus países estavam entrando, denunciando o regime autoritário, muitos dos religiosos não apenas apoiaram os governos despóticos, como também ofereceram seus serviços para que a ditadura fosse melhor assegurada e mantida. Na Argentina, não foi diferente. Como um país majoritariamente católico, alguns representantes da Igreja fizeram suas opções e apostaram naqueles que detinham o poder da opressão e do autoritarismo. É impressionante como o padre, procurado pela professora, utiliza-se da oração pronta, decorada e automática para fugir dos questionamentos da mulher. O religioso representa o poder paralelo e cooptado para que o sucesso da ditadura seja assegurado. A fé, os dogmas e o proselitismo da religião são utilizados como aliciadores de quem pode representar qualquer obstáculo aos interesses dos ditadores.    
    Correndo, Alícia chega à escola de Gaby, quando ouve alguém dizer que a Rosa já levou a menina para casa. A professora que a informou sobre a filha diz que a garota estava com um pouco de febre. Mas, que já estavam ligando para Alícia. Na cena seguinte, Alícia está com a filha em consultório médico. O doutor, após autorizar que a mãe vista a filha, ouve a menina dizer que ela pode se vestir sozinha. Ele concorda e se desculpa, dizendo que pensava estar falando com uma garotinha. Alícia pergunta o que significa o termo que está na ficha da paciente. O médico diz que é “Sinal de Ortolani”, explicando: É a luxação que a recém-nascida tinha no quadril. Lembra-se que conversamos sobre isso? Quero que a traga aqui quando estiver doente. Está desperdiçando dinheiro comigo.”. Ainda série e com ar investigativo, a professora comenta: “Você nos disse que ela deveria ser primogênita por causa do sinal, certo?”. O médico responde com um “sim” e que a menina poderia ser primogênita. Enquanto ouve o doutor, Alícia anota tudo em sua agenda e prossegue: “E também que se pode determinar a data de nascimento pelo dia que o cordão caiu.”. A professora percebe que o médico acompanha suas anotações. Ela continua: “Esses detalhes são anotados ao nascer. O peso, a altura, tudo isso deve estar no hospital, certo?”. 
    No consultório médico, as revelações pelo profissional da saúde fazem a mãe adotiva pensar, com mais profundidade, sobre o que sua filha sofreu antes de ter nascido. A luxação no quadril do bebê pode ser o resultado de uma violência maior e diretamente dispensada em sua mãe natural? Na ditadura militar argentina, quantas mães perderam suas gravides em estupros e por outros atos de violência impetrados contra elas. Quantas crianças, seguindo o mesmo destino oferecido aos pais, não foram assassinadas? Quantas vidas foram ceifadas em seus primeiros dias de existência? A morte imposta pelos torturadores, que cumpriam ordem de seus superiores, manchou de sangue a história da Argentina para sempre.     
    A cena seguinte começa com a imagem do aluno leitor em sala de aula. Os estudantes estão em fazendo uma prova. Como a professora não está atenta à classe, alguns aproveitam para perguntar aos colegas do lado sobre a resposta certa de uma questão. A sua mesa, Alícia revê as anotações em sua agenda e observa, com maior atenção, os desenhos que Gaby fez em folhas de papel. Pensativa e repleta de dúvidas, a professora demonstra estar no caminho certo rumo à verdade sobre a filha. Em seguida, ela aparece com a amiga Ana em uma loja de roupas, onde esta trabalha. Ana diz: “O Marcelo me conseguiu esse emprego. Estou aqui quase de contrabando. Que merda! E o Roberto não vai voltar no sábado? E o que ia me dizer? Que veio aqui para falar de seu marido?”. Depois de ficar muda diante das perguntas da amiga, Alícia despeja o que estava contido nela há tanto tempo: “A Gaby é adotiva. Lembra quando me contou daquelas mulheres de quem tomavam as crianças e as davam para famílias sem fazer perguntas? Bem, eu não podia ter filhos, fiz todos os tratamentos e, de repente, a possibilidade apareceu no escritório do Roberto. Eu não fiz perguntas e, agora, não sei a quem perguntar. Roberto me disse para não pensar nisso. Ele não vai me dizer nada, mas já me adiantei. Já sei que ela nasceu num hospital em La Plata, sei a data aproximada do nascimento, o peso, a altura. Sei que tinha o Sinal de Ortolani, que é um tipo de deslocamento, aqui no quadril. Precisa me ajudar, Ana. Preciso descobrir. Você vai comigo ao hospital. Lembra-se que íamos juntas para todos os lugares, até para fazer xixi?”.
    O reconstruir de uma vida por quem, um dia, precisou, sob total pressão, abandonar seu país para continuar vivo, não é nada fácil. O recomeço é do zero. Porém, tal recomeço dá-se nas condições em que a esperança por um futuro melhor é, a todo momento, ameaçada pelo medo e pela insegurança diante da possibilidade de, uma hora para outra, precisar fugir ou ser mais um na longa lista de desaparecidos. Entretanto, a dor de um ex-exilado, referente a sua experiência pessoal, é suficiente para que ele, diante de um necessitado, abrace este e, com seu espírito solidário, ajude-o para que evite de tropeçar nos primeiros obstáculos, impostos pela ditadura, existentes no caminho rumo à verdade. 
    Alícia surge no setor de informações de um hospital. Após não encontrar as informações que deseja, a funcionária sugere que a professora volte ao setor de arquivos. Alícia reclama: “Já me mandaram para cá, vou e volto.”. De longe, Alícia é observada por outra senhora, que se aproxima em direção à professora. Esta busca informações em outro guichê do mesmo setor. O que demonstra um certo desespero e pressa em descobrir o que tanto precisa. A funcionária diz que não há nada de 1978. A senhora, que ouve as solicitações e vê o desespero de Alícia, senta-se em uma das cadeiras disponíveis na recepção do hospital. Alícia toma um lugar ao lado da desconhecida, que pergunta: “Eles não podem ajudá-la?”. Alícia não responde à pergunta da estranha. Apenas ensaia um curto sorriso. Aquela senhora, então, muda de banco e se senta bem mais próximo da professora, dizendo: “É triste ter um dia ruim e ser maltratada, não é?”. Alícia não diz nada. A estranha continua: “Eu também procuro minha família. Talvez, possamos nos ajudar.”. Alícia foge da oferta da estranha, exclamando: “Não é isso!”. Imediatamente, olhando nos olhos da professora, a senhora questiona: “Está procurando um bebê, certo?”. Extática, Alícia consegue responder um “sim”.  
    Em um regime ditatorial, por mais que uma vítima reconheça que não é a única que sofre, ela tem muita dificuldade em buscar ajuda e aceitar o apoio que tanto necessita para a sua caminhada. Isso porque, na ditatura, o próximo mais próximo de alguém pode representar o interesse de um distante desconhecido dessa pessoa. O familiar, que alguém tem a certeza de que tanto o conhece, pode, justamente, ser o inimigo mais pernicioso que jamais imaginara possuir. Nos regimes totalitários, tem-se medo da própria sombra. Até esta pode encerrar uma armadilha, um golpe prestes a ser dado, uma violência contra a qual não há escapatória. A fraternidade, a união, a comunhão de ideais e a consequente solidariedade tornam-se receosas, inseguras e frágeis até prova em contrário.   
    A próxima cena inicia-se com uma igreja repleta de fieis. Nos bancos da frente, é possível ver Andrada e sua esposa. Logo atrás, Roberto tem Gaby no colo, ao lado de Alícia. O padre recita o “...Cordeiro de Deus, que tiraste o pegado do mundo...” Todos respondem com “... tende piedade de nós” e “... dá-nos a paz.”. A reza automática e decorada parece não trazer Roberto à realidade. Pelo jeito, ele permanece muito longe da missa. Em seguida, ele aparece sentado à porta de uma casa, ao lado de um cachorro, quando um senhor de idade se aproxima rodeado por crianças. Entre elas, Gaby. O idoso diz: “Ser pobre não é nenhuma vergonha. Como ser rico não é nenhuma honra.”. Ele é o pai de Roberto e avô daquelas crianças. Um dos netos afirma: “Mas é bom ser rico.”. O avô diz que isso depende. E acrescenta: “Depende do que você fez para juntar e para ter o suficiente, e o que está disposto a continuar fazendo.”. Roberto está atendo à fala do seu pai.  Um dos netos diz ao avô: “Certo, mas se você não rouba ...”. O idoso continua: “Os únicos ladrões não estão na TV. Certo?”.  Outro neto pergunta: “Você gosta de ser pobre, vovô?”. Este responde: “Não tenho mais escolha, mas gosto da consciência em paz.”. Após ouvir as palavras do pai, Robert demonstra estar preocupado e sem paciência. Tanto que bate no cachorro, que descansa ao seu lado, com as folhas de jornal e se levanta em direção à entrada da casa dos seus pais.  O almoço é de família. Alícia aproxima-se do cunhado, servindo uma bebida a ele, que brinca, pedindo para que ela não passe uma cantada nele. Ambos brindam. Iniciam um bate-papo sobre declarações amorosas, mulheres que buscam maridos, mesmo que falidos, até que o cunhado diz que o colocam na capa de revistas de moda, com o título “Candidato do ano”. Alícia cai na risada. Ela, então, diz: “Diga-me o nome de uma mulher que o rejeitou.”. Ele afirma: “Que arrogante! Sou prudente. Se não tem água, não pulo.”. Enquanto conversam, Alícia observa que Roberto brinca com o cachorro. O cunhado continua; “Mas há uma que me rejeitou, sabe? Foi Cecília. Tentei duas vezes, fui rejeitado duas vezes.”. Alícia deixa o cunhado e segue em direção ao marido, que já os tinha visto conversando. O cunhado prossegue: “Depois, ela tinha de voltar aqui, como em um sonho.”.  A mãe de Roberto o chama, enquanto este brinca com o cão da família. Ela diz ao filho: “Parece mentira! Brigo com os netos se atormentam um animal.”. Ela está retirando roupas do varal. Ele a abraça e pergunta se ela já usou a máquina de lavar roupas. A mãe afirma que sim e o agradece. Ela ainda diz que está muito contente por ele ter vindo ao almoço de família. A mãe pede que o filho prometa, sem ter tempo de dizer o que. Imediatamente, Roberto irrita-se e questiona sua mãe o porquê de ser sempre ele que precisa prometer. Alícia volta a conversar com o cunhado. Ela pergunta: “Viu todas aquelas coisas que estão saindo nos jornais? As matérias, tudo aquilo? Você viu que dizem que há bebês desaparecidos?”. O cunhado questiona: “O que tenho a ver com isso? Alguém disse alguma coisa?”. A cunhada responde: “Não, ninguém me disse nada, mas poderia ser.”. O cunhado diz que aquilo é um absurdo, afasta-se e chama pela mãe para comer. Esta diz a Roberto: “Na vizinhança, tratam seu pai e seu irmão como se fossem especiais. Não sabe o quanto gostam deles.”. Roberto diz que sabe.  
    Ainda com Alícia, o cunhado pergunta a ela: “Falou com Roberto sobre isso?”. Ela diz que, talvez, o marido também não saiba. O cunhado parece ter ficado nervoso e pensativo com as informações de Alícia. Toda a família surge reunida à mesa.  O irmão de Roberto elogia a ideia de almoçarem no quintal da mãe deles. Esta diz ter achado ótima tal ideia, mas que, como o rádio havia avisado que o tempo estaria feio, ela ficou com medo das nuvens. O pai de Roberto diz que a esposa nunca aprende e afirma: “Acredita em tudo que dizem nesses aparelhos. Quando eu e meu filho erramos sobre o tempo?”. Roberto pergunta ao pai: “Está falando de Enrique, certo?”. O pai responde: “É o costume, homem! Ele mora aqui. Se esse é caso, quando você olha para cima para saber do tempo? Só quando chovem dólares, não é?”. Os netos riem do avô, repetindo o que este disse. Para quebrar o rumo que a conversa está tomando, a mãe de Roberto pergunta se ele deseja comer mais. Com um meio-sorriso forçado, Roberto diz: “Eu sempre caio. Como me fazem bem.”.  Alícia lembra o marido que sua mãe está falando com ele. Ele, então, prossegue: “Você mamãe, até Gaby, caçoam até que eu estrague tudo. Engraçado.”. A mãe diz ao filho que fez o prato com camarão, do jeito que ele gosta, tocando seu braço para que ele coma. Porém, Roberto, pergunta como foi que aquilo aconteceu, já que estavam falando do tempo. Segundo ele, até sua mãe tinha entrado no assunto do tempo. Seu irmão ordena a seus filhos que, se já terminaram de comer, saiam da mesa e vão brincar.  
    O clima esquenta. Nervoso, Roberto desabafa: “Que merda estou dizendo? Por que eles nos fazem vir aqui?”. Seu irmão, levantando-se da mesa, dirige-se a um dos seus filhos e ordena que vá brincar em outro lugar. O rapaz diz ao pai: “Papai, o Roberto, desta vez, tem razão.”. Roberto revida: “Escute, Enrique! Pode enfiar sua defesa no rabo, certo?”. O pai pergunta se pode falar. Roberto o ignora, dizendo ao irmão: “Vá olhar as nuvens com o papai, ver para onde o vento sopra.”. Bravo, e esmurrando a mesa, o pai volta a perguntar se pode falar. Roberto, sem olhar para o pai, diz que este pode falar. O senhor de idade diz: “Foi uma piada ruim. Mas foi uma piada, cara!”. Se não posso fazer piada com os defeitos dos meus filhos...”. Roberto interpela o pai, perguntando: “Mas que piada, pai? Que piada?”. O idoso diz: “Estou falando!”. Triste, Alícia levanta-se da mesa. O senhor de idade continua: “Sou seu pai e o criei para outra coisa.”. Alícia e o cunhado entreolham-se preocupados. “Seu irmão gosta demais de vinho, enquanto você, bem, você gosta demais de dinheiro. Mas seu irmão nunca fica bêbado porque ele ama outras coisas, além do vinho, e você, bem, às vezes, penso que nos daríamos melhor se estivesse bêbado.”, diz o pai de Roberto. Alícia afasta-se e se senta em um cadeira, preocupada com o rumo da conversa. Roberto diz ao pai: “Mas é claro. O senhor me amaria mais se eu fosse um fracassado.”. O idoso prossegue: “Todo o país desmoronou. Só os filhos da puta, os ladrões, os cúmplices e meu filho mais velho prosperaram.”. Roberto revida: “E o senhor vai morrer, acreditando nisso, não é?”. O pai demonstra dor e revolta. O filho continua: “O senhor nunca vai admitir que gostava de merda, esses que são como você!”.  
    Bruscamente e muito nervoso, Roberto levanta-se e, no momento, surge sua mãe, perguntando o que está acontecendo. Ela pede calma ao filho, que diz ao pai: “Tem as mesmas máquinas há quarenta anos. O mundo ainda gira, entendeu? E passa por cima dos que olham para as nuvens!”. O irmão de Roberto chega e diz a ele: “Não tem vergonha de repetir esse discurso estúpido e imoral, enquanto há pessoas com fome?” Roberto o questiona: “Com fome? Quem está passando fome aqui? Como está passando fome? O que quer dizer? Nessa casa, empanturram-se, especialmente de palavras vazias! Ficam repetindo a mesma merda anarquista de sempre!”. O idoso chora ao ouvir as palavras de Roberto, que prossegue: “A Guerra da Espanha terminou e vocês perderam. Perderam! E querem me fazer sentir culpado porque não sou um perdedor. Não sou um fracassado. Enfiem isso na cabeça! Não sou um perdedor!”. O idoso demonstra esgotamento. Então, o irmão de Roberto pergunta a ele: “E a outra guerra? Quem perdeu a guerra que seu lado ganhou? Sabe quem a perdeu, irmão? As crianças. Crianças como as minhas. Porque eles pagarão os dólares que roubaram. E vão ter que pagar não comendo, sem poder estudar! Por que não paga? Claro, quem vai pagar? Você não é um perdedor.”. Muda, Alícia ouve toda essa batalha de ideais e palavras, tentando diminuir sua ansiedade por meio de um cigarro aceso, enquanto deixa seu corpo seguir o ritmo de uma cadeira de balanço.  
    Apesar da índole assassina, os ditadores e seus seguidores conservam, em público, a imagem que, segundo eles, merece ser respeita por todos. Os torturadores sentam-se nos bancos das igrejas, dividem as orações com os demais fiéis e incorporam a angelitude ideal. Porém, no ambiente familiar, o fingimento fica frente a frente com os limites impostos por quem, de fato, conhece os hipócritas. As razões de apoiar um regime tão desumano, perverso e destruidor são de ordem econômica. Muito mais do que ideológica. Por dinheiro, vale tudo! Inclusive matar, destruir lares e praticar todos os demais tipos de violência e injustiças. Lucrar com um governo despótico, que oferece ganhos financeiros em troca de ações que dizimam os opositores de um regime ditatorial, é fácil para quem coloca as vantagens financeiras, a riqueza, o status e a fama de ser bem-sucedido acima de tudo. A ditadura coopta justamente aqueles com gana de tudo fazer para vencer na vida. Aqueles que optam pelo caminho do lucro oferecido pelo poder ditatorial sabem que, para que alguns, como eles, sejam beneficiados, muitos, a grande maioria, precisam ser prejudicados. Os lucros ilegais saem de recursos que, em uma democracia, deveriam ser utilizados para atender às necessidades de uma maioria. Entretanto, mesmo com essa consciência, quem lucra com um regime autoritário jamais abre mão de seus ganhos em prol de uma maioria necessitada. Impera o egoísmo em sua forma mais radical. Vale tudo para ser tornar rico e cada vez mais rico! 
    Na cena seguinte, a senhora, que tentou ajudar Alícia em sua procura no hospital, aparece em um escritório, exatamente em uma sala onde há muitas fotos de pessoas na parede e nos recortes de jornais também expostos. Em movimento, a câmera mostra que Alícia também se encontra no mesmo ambiente, folheando um volumoso material. Elas passa por páginas, que trazem fotografias de pessoas e informações. Entre estas, está: “Assassinado no útero da mãe.”. São imagens de jovens casais, crianças e bebês. Entre outras informações, surge, repetidas vezes, esta: “Achado assassinado.”. Então, aquela senhora, que já tentou ajudá-la, diz a Alícia: “Achei alguma coisa. Foi entre 15 e 20 de março, certo?”. Alícia responde: “Mais ou menos.”. A senhora prossegue: “Mas essa é uma garota mais jovem, não sei. Tem certeza que foi nesse hospital?”. Confirmando com a cabeça, Alícia responde: “Em La Plata.”. Em seguida, a professora diz: “As informações, como tamanho do crânio, do peito, essas coisas, deveriam estar anotadas nos arquivos do hospital?”. A senhora responde: “Não, mas não temos essas informações. Além disso, de que ajudariam esses dados? Não teríamos com que compará-los.”. Em seguida, olhando para a colega que ajuda no trabalho, a senhora pergunta a Alícia: “Ou você tem algo para comparar?”. A professora responde que não. Porém, fica muito pensativa.    
    Apesar do recente reinício de democratização na Argentina, observa-se todo uma estrutura bem solidificada, apesar das dificuldades, para desvendar os desparecimentos e os crimes perpetuados durante a ditadura militar. Porém, até mesmo diante de pessoas que se dedicam a apoiar os familiares dos desparecidos, um pessoa necessitada de ajuda limita-se a comunicar o mínimo possível. Tudo pode ser comprometedor. Ao mesmo tempo, em casos específicos, os cuidados na busca pela verdade devem ser reforçados porque, ao encontrar as respostas para o que tanto se busca, tantas outras vidas poderão ser afetadas. O desmoronamento de um castelo de areia leva, com ele, histórias de vida em comum, sentimentos divididos por anos a fio e uniões que seriam para toda a vida. Tudo isso pode desmoronar com a descoberta da verdade. 
    Na próxima cena, estão Miller, lendo algo, o General e Dante jogando uma partida de bilhar e Mr. Olson conversando, em inglês, com Gaby. Ele diz a ela: “Que blusa linda! Tem cinco corações.”. Em seguida, ele pergunta a ela o seu nome. Ela responde.  De repente, chega Roberto, sorrindo, e diz: “Senhores, não percam a paciência. Não vai demorar. Que tal uma bebida, Dante?”. O general responde que não deseja beber e que precisa destruir o adversário no jogo. Já Miller pergunta a Roberto: “Por favor, posso usar seu telefone? Eu preciso...”. Roberto responde: “Vamos, Miller! Assim, a chamada de Andrada não entra nunca.”. Muller diz: “Mas é só um pouquinho.”. Roberto afirma: “Fale, homem! Talvez, não vai ligar para ela.”. Gaby diz: “Papai! Ele não sabe dizer meu nome.”. Roberto diz: “Ensine a ele.”. Rosa intercede: “Sua mãe vai nos matar se não te colocar na cama agora.”. A menina pergunta: “Por que ela inda não chegou? Papai, posso esperar um pouquinho por ela?”. Roberto responde: “Tudo bem, só um pouquinho.”. A menina diz: “Sim, eu vou comer toda a sua comida!”. Roberto diz um “não” para a filha enquanto Rosa comenta que Gaby já comeu. O pai ainda explica à filha, pegando-a no colo, que a comida é para adultos e não para garotinhas coma ela. A filha diz ao pai que homens não cozinham. Mas mulheres, sim. Roberto pergunta se Gaby tomou o xarope e, em seguida, questiona Rosa se esta deu o medicamento à filha. Dante acerta a bola no buraco e esnoba sua habilidade para o general. “Parece que está ganhando, certo?”, pergunta Roberto a Dante. Este responde: “Cara, quem joga para perder?”. O general concorda com a vitória de Dante e diz que adora ver como Dante se diverte. Roberto pede um beijo à filha e diz: “Parece que sua mãe nos abandonou.”. O general diz a Dante que, na verdade, ele não se anima com aqueles jogos porque tem muitas preocupações. Enquanto Roberto dá o xarope a filha, trazido por Rosa, o general pergunta a Miller o porquê deste não desliga o telefone. Miller atende a sugestão do militar. Preocupado, Miller diz que não estão atendendo a sua chamada. O norte-americano diz: “Acho que tenho que ir. Sim!”. E continua: “Ela foi à casa da mãe, com o garoto, ao meio-dia e ainda não voltou.”. Roberto diz: “Precisa ter um pouco de paciência. As argentinas são muito especiais.”.  
    Roberto ordena Rosa a abaixar o fogo e ficar mexendo. Enquanto isso, Mr. Olson folheia um documento com atenção. Roberto continua: “Eu tenho um olfato. Sinto o cheiro quando o molho talha. Esse é o segredo de um bom chef: o olfato.”. O general comenta que só sabe fazer churrasco. “No campo, os homens só aprendem isso. Não vejo meu velho fazendo um molho.”, diz. Roberto emenda: “Se eu só fizesse o que o velho faz ... Meu velho! Como o mundo evoluiria? Ao menos não estaria preso no diretório.”. Enquanto isso, Alícia encontra-se sozinha em outro cômodo da casa, corrigindo algumas provas de seus alunos. Quando o marido se aproxima dela, a professora diz: “Desculpe-me, não sabia que iria comemorar.”. Roberto pergunta: “Comemorar o que? Não há o que comemorar.”. Ela explica: “Eu tive um problema. Depois te conto.”. Roberto tira a gravata, o que significa que a reunião com os seus amigos, em sua casa, acabou. Roberto continua: “Acho que o Andrada foi dificultar para nós.  Menos para o ianque, é claro. Deve ser seu sócio.”. Alícia diz não estar compreendendo e pergunta o que está acontecendo. Tocando as mechas da esposa, Roberto pergunta o que está acontecendo com o cabelo dela. Ela sorri e ele a beija. 
    Chega um momento em que o insucesso de uma empreitada parece mais do que possível. As evidências demonstram que tudo é uma questão de tempo e que, no andar da carruagem, o burro vai para o brejo. A presença de um norte-americano, que parece compenetrado sobre os registros das operações, reforça a ideia de que o regime ditatorial conta com a participação e recursos externos, além dos nacionais. Na esteira da ambição, a certeza de que ninguém entra em um jogo para perder. Com o afunilamento do salve-se quem puder, até mesmo aliados no crime traem uns aos outros. De um lado, há quem deseja passar a perna no companheiro para garantir um lucro maior. Do outro, as dificuldades em se beneficiar até com os últimos resquícios de um regime que, oficialmente, chega ao fim, mas que ainda intoxica as relações sociopolíticas e econômicas na Argentina, demonstram o quanto a ambição começa a ceder espaço para o medo de ser descoberto e duramente punido por um novo momento político que se prepara para nascer. 
    Na cena seguinte, Alícia está na sala de aula, entregando as provas corrigidas aos alunos. Estes são chamados pelos seus nomes. Até que lê, em voz alta, o que o aluno Costa escreveu na prova: “‘E a perseguição contrarrevolucionária, oposta aos ideais de Mayo, procurou exterminar os patriotas que tentaram estender a influência dos eventos libertadores do Rio da Prata para a América. Foi ela que levantou o braço que esfaqueou a costa de Monteagudo e que cortou a língua de Castelli, para evitar que falasse. A batalha que contrapôs Unitaristas e Federalistas.’”. Senhor Costa, o que escreveu aqui sobre Castelli?”.  O aluno responde diante de toda a classe que o ouve: “Escrevi que cortaram sua língua na cadeia para que não falasse.”. A professora pergunta: “E baseouse em que texto?”. Costa questiona: “Como que texto?”. Alícia continua: “Sim, em que texto? Em que livro, leu isso?”. O aluno pergunta: “A senhora só acredita no que lê nos livros?”. Alícia diz: “Para esses eventos, que ocorreram há 150 anos, não encontro nada mais prudente do que recorrer à documentação existente. Sejamos sérios, Costa. Os protagonistas já estão mortos. Moreno e Saavedra, Monteagudo e Pueyrredon, Dorego e Lavalle, Rosas e Mitre, e o pobre Castelli, além de mudo, está morto.”. Alguns alunos riem. A professora prossegue: “A não ser que o senhor faça sessões espíritas, vou pedir que forneça uma bibliografia. Já que está interessado em pesquisa histórica, dei-lhe um dez, Costa.”. A professora devolve a prova corrigida ao aluno que, não acreditando no que acabar de ouvir, tenta segurar um sorriso que poderia oferecer a Alícia. Esta continua chamando os demais alunos e entregando a eles suas provas.   
    Apesar dos entraves para se reconhecer a relevância de quem pensa fora dos limites impostos pela cátedra, tal reconhecimento é possível. E quando ele ocorre em uma ditadura, merece ser comemorado ainda mais. Por mais que a comemoração de uma vitória como essa, conquistada por um estudante que representa a oposição ao conhecimento imposto de cima para baixo. O reconhecimento da professora pelo trabalho de um aluno que não se baseou em livros publicados, de acordo com a história oficial sobre um referido acontecimento, indica o quanto, mesmo que inconsciente, a professora está se abrindo e não permanecendo como mais uma que acredita somente no que lê nos livros. 
    Alícia, após a aula, anda por uma calçada. Ela entra em um café, onde Benitez a aguarda. Após se cumprimentarem, ele diz: “Seu cabelo solto fica bonito.”. Ela questiona: “Mesmo? Pareço uma louca!”. Ele continua: “Talvez, eu goste de loucas.”. Ela comenta que as fichas do jogo de xadrez, que ele jogava, estão todas espalhadas sobre a mesa. Ele ri e diz que ganhou o jogo. Ambos guardam as peças do tabuleiro, que também serve de caixa para elas. Ansiosa e alegre, ela pergunta: “E então?”. Ele responde com outra pergunta: “Seus alunos ainda fazem bagunça?”. Ela responde que sim. Ele prossegue: “Se está atirando fósforos acesos, como esperar que não haja uma explosão por perto?”. Ela diz: “Muitas explosões por aí, certo?”. O professor responde: “Muitas!”. Alícia continua: O que aconteceu? Parece que tudo está desmoronando.”. Ele comenta: “Caindo e caindo.”. Ela confirma com um tímido “sim.” Ele diz que não é 

tudo e que, tampouco, vamos esperar por muito. Em seguida, Benitez pergunta: “Vocês mulheres estão sempre querendo abrir a boca para morder a isca, certo?”. Alícia pede um chá. O professor prossegue: “Mas a coisa não termina aí. Você gostaria que terminasse aí.”. Ela diz que não. Então, ela pergunta: “Benitez, quem é você?”. Rindo, ele diz: “Nada mais comovente que uma mulher burguesa com culpa.”. Aproximando-se dele, ela comenta: “Como disse uma velha e querida amiga minha: ‘Por que não vai se foder um pouco?’”. Ambos caem na risada.

    A distância entre as pessoas que ignoram a realidade e aquelas que a conhecem diminuem a partir do instante em que se abrem para as possiblidades de troca de informações, conhecimentos e experiências. Nota-se que, em um regime fascista, em que predomina uma estrutura de enganar com o intuito de dominar, alienados e conhecedores dos fatos estão em todas as classes sociais, profissões, grupos étnicos, denominações religiosas, gêneros, idades ... Enfim, a complexidade do ser humano é capaz de reunir os pensamentos, as ideológicas, as crenças e ideias mais contraditórias. Toda essa diversidade é que faz a Humanidade ser o que é: um caldeirão de antagonismos. 
    A próxima cena surge com Alícia e Gaby saindo da escola da menina, que diz: “A mãe da Julieta mandou ligar para ela. Ela quer que eu vá à casa dela para brincar. Eu não quero porque ela gozou da Macarena.”. A mãe pergunta o porquê da coleguinha da filha ter feito aquilo. Gaby responde: “Porque os garotos a chamam de ‘bebê’!”. Enquanto caminham, Gaby repete a frase “Ela é um bebê!”  Mãe e filha são observadas, ao longe, por três senhoras. Entre elas, aquela que quis ajudar Alícia no hospital e, depois, orientou-a nas buscas da professora. Alícia percebe que estão sendo observadas. A menina continua narrando o acontecido na escola com as coleguinhas. Imediatamente, Alícia abre a porta do carro para a filha entrar. Com ar de desconfiada, mas pensando no que podem significar as três senhoras, a professora também entra rapidamente no seu carro e parte. À noite, já deitada, Alícia está muito pensativa. O marido está sentado, bebendo. Demonstra estar muito cansado, principalmente, preocupado. Ele ouça o “olá” da esposa. Sorrindo, ele levanta-se e caminha para o quarto, onde Alícia se encontra. Ele comenta: “Estamos conversando pouco, né?”. Ela nada fala. Ele xinga ao bater a perna em algum lugar próximo à cama do casal. “Que mania tem aquele Rosa de mudar os móveis de lugar!”. Ainda com o copo cheio na mãe, ele senta-se na cama. A esposa o questiona se ele não tem bebido demais. Ele comenta: “Um cego não duraria dois dias nesta casa.”, passando a mão sobre a perna que bateu em algum lugar.”. Enquanto ele reclama, Alícia cobre o rosto com as duas mãos. Dizendo estar gostoso, ele deita na cama com a roupa do corpo. Com a cabeça sobre o colo da esposa, ele diz: “Eu liguei às oito horas hoje, e a Rosa disse que você tinha levado a menina e saído de novo. O que está aprontando, Alícia?”. Ela, simplesmente, responde: “Tenho medo.”. Ele pergunta medo de que. Ela questiona: “Vai responder minha pergunta?”. Ele mantém-se em silêncio. Ela continua: “A Gaby pode ser filha de uma pessoa desaparecida?”. Imediatamente, ele diz: “Mas de onde tira essas coisas, Alícia?”. Tentando se sentar e rindo, ele diz: “Sou tão idiota.”. E prossegue: “Desde que a vi pela primeira vez, eu soube que algo assim aconteceria.”.  Alícia diz: “Ana não tem nada com isso.”. Ele reclama: Como não tem nada a ver?”. Alícia diz: “Está saindo nos jornais.”. Referindo-se a Ana, ele prossegue: “Por isso vivia com um subversivo. O que eu não entendo é como ela conseguiu voltar e andar livre por aí.”. Alícia questiona: “Quem vivia com um subversivo?”. Ele, rispidamente, pergunta à esposa: “Por que acha que ela teve de sair?”. “Por que?”, questiona Alícia. Roberto responde com outra pergunta: “Não sabia quem era o Pedro?”.  Alícia diz que não sabia. “Ana me disse que tinham se separado há quatro anos. Ela não via o rapaz há dois anos, quando a levaram.”, comenta. Roberto retruca: “Claro que ela diz isso.”. Alícia pergunta ao marido: “E você sabia?”. Depois de um silêncio prolongado, ela volta a perguntar: “Você sabia?”. Como Roberto mantém-se mudo, Alícia questiona: “Como você sabia?”. O marido responde; “Eu não tenho ideia, Alícia. Não sei! Você deve ter me contado.”. O olhar de Alícia, ao ouvir o marido, transmite muito mais do que incertezas. Ele indica que a verdade sobre a história de Gaby está próxima de ser, definitivamente, revelada. Sozinha na cama, Alícia tenha fechar os olhos, mas não consegue. Parece que vive um turbilhão de sentimentos e pensamentos nunca vivenciados antes.  
    Mesmo nos lares mais homogêneos quanto à maneira de pensar, os regimes autoritários não conseguem conservar, ininterruptamente, seu poder de manter os iguais distanciados dos diferentes, que são abandonados, ignorados e esquecidos. A diversidade é um empecilho para a manutenção do poder. É uma questão de tempo: mais cedo ou mais tarde, as ações impetradas pelos defensores de um sistema antidemocrático acabam provocando discordâncias entre as pessoas. Se antes, sob a fantasia de que a ordem e o progresso são os ditames positivistas para o desenvolvimento de uma sociedade, agora, a tomada de consciência por quem, até então, ignorava os fatos, provoca distanciamentos entre aqueles que se destacavam pela proximidade entre eles.  
    Na manhã seguinte, enquanto Alícia veste Gabi para ir à escola, a filha pergunta se a mãe está com raiva. Alícia diz que não. Gaby diz à mãe que ela sabe trançar seu cabelo, mas Rosa não sabe. Alícia comenta: “Quando eu era pequena, faziam tranças em mim.”. Mãe e filha caminham para a escola da menina. À espera delas, está uma das três mulheres do dia anterior, a qual Alícia ainda não teve contato. A senhora dirige-se até Alícia, que já está sem Gaby. Iniciam uma conversa.  Na cena seguinte, ambas estão juntas, à mesa de um café, conversando. A senhora é Sara Revallo, interpretada por Chela Ruiz (1921-1999). Emocionada, Sara mostra uma fotografia para Alícia. “Não sei quem tirou esta foto”, diz. E continua: “Deve ter sido o velho. Veja que água bonita deste rio.”. Ela comenta que, por ser tão clara a água do rio, daria para ver o pé de quem entrasse nele. Em seguida, diz: “Ele parece fraco, mas era forte. E ela já estava lendo. Eles não tinham cinco anos ou mais. Está vendo a marca que ela tinha na bochecha?”. Ana coloca os óculos para melhor ver a tal marca. Sara continua: “Para quem não a conhecia, parecia sujeira. Os irmãos Diaz estavam brincando, e os meninos não estavam acostumados a brincar com as meninas.”. Neste momento, e pela primeira vez, a foto de uma menina e um menino, juntos, é mostrada. A senhora continua: “O velho se descuidou, e jogaram uma pedra nela. Saiu muito sangue, mas ela não chorou. E ele jogou os quatro irmãos Diaz na água. Os quatro! Começava a brigar com cabeçadas. Sempre com a cabeça. Depois, sentou-se perto dela para lhe fazer companhia. Não se tinham visto antes. Mas depois, ninguém os separava. Ninguém!”. Pegando uma outra foto, Sara continua: “O Bráulio tirou esta. Era aniversário dele e deram lhe uma câmera. Ele começou a fotografar coisas estranhas, gastou o filme todo...”. A câmara mostra a fotografia do casal de crianças. A senhora prossegue: “... tirando foto de tudo, de surpresa. Ela ainda tinha tranças, está vendo?”.  A foto da menina é mostrada novamente. “Nessa época, ele a chamava de ‘pena de ave’. Por causa das pernas magras.”, comenta a senhora ainda mais emocionada. E continua: “Veja a inocência. Como estava atrás da mesa, achavam que ninguém os veria.”. A câmara mostra as duas crianças com as mãos dadas sob uma mesa. “Parece mentira que já eram namorados.”, comenta. Em seguida, a senhora olha outra fotografia, que a câmera mostra. A imagem é de um casal de jovens, sorrindo. Sara lembra que a filha estava inquieta no dia do casamento civil. “Talvez, estivesse nervosa.”, diz. A senhora lembra que a filha comentou que os sapatos estavam apertados, já que era a primeira vez que ela usava saltos. Na época, a filha tinha 19 aos de idade.  
    Alícia parece desconcertada pelo o que ouve. Tenta desviar o seu olhar da senhora e das fotografias, mas sempre retorna às imagens registradas para sempre em um pedaço de papel. Em um momento, parece que ela compara a jovem noiva com a menina de tranças. O zoom da câmera destaca o rosto da jovem. Esta sorri e demonstra muita felicidade. A senhora comenta: “Foi lindo! Um juiz muito bom oficializou. Pena que ela não conseguia parar de rir. Ele parece mais velho por causa do terno. Um amigo da fábrica emprestou, estava apertado nas costas. Quando deixou o cartório, ele devolveu o terno. Tirou e devolveu a ele.”. A câmara volta a mostrar a imagem dos jovens recém-casados. Sara, mesmo chorando, consegue continuar a narrativa. “Aqui, estavam casados há um ano. A barriga ainda não aparece.”, relembra. Ela continua: “Fomos todos porque era domingo e cada um levou uma coisa para o churrasco. E também ajudamos a levar o material para fazer outra parede porque só tinha material para uma parede. Esta vendo?”. É mostrada uma fotografia com o casal feliz enquanto um rapaz levanta uma parede de tijolos. “E depois, alguns vizinhos viram quando foram levados. Disseram que o incêndio pode não ter sido intencional. Mas, como destruíram tudo e era só uma parede era de tijolos, não sobrou nada. Nada!”. A câmara volta a mostrar o casal abraçado e feliz. “Só essas quatro fotos deles ... e nossas memórias.”. A senhora ainda diz: “Não estou dizendo que eles são pais, mas as datas combinam, não é?” A expressão de Alícia demonstra a dor diante da desconhecida e, ao mesmo tempo, a certeza de que está conhecendo a verdadeira história de Gaby. A senhora continua: “E a partir desta foto ...”. A câmara focaliza a foto da menininha de trança com a marca na bochecha. “... pode-se dizer que a sua filha pode ser minha neta.”, desaba a senhora em choro. Alícia não segura mais a emoção e também chora, convulsivamente. A senhora segura a mão da professora e a entrega um lenço, dizendo: “Tome.”. Sara pede para Alícia não chorar. “Chorar não resolve.”, diz. Mas Alícia não consegue controlar o seu choro. “Sei o que estou dizendo.”, afirma a senhora. “Chorar não resolve”, volta a dizer aquela senhora que muito deve ter chorando por seus familiares desparecidos. E, apesar de todo o seu choro, continuaram desparecidos.  
    A ferida aberta de alguém que perdeu familiares para a ditadura é difícil de ser concebida e cicatrizada. Somente aqueles que a sofreram conseguem vivenciar a dor dilacerante de perder algum ente que, por defender a democracia e o bem de todos, pagou com a própria vida. A consciência e a sabedoria da senhora, mulher do povo, diante da professora, que representa a classe burguesa argentina, são traduzidas pela frase “Chorar não resolve.” É preciso chorar, sim, mas este ato deve ser o primeiro de muitos outros que, necessariamente, precisarão ser colocados em prática, como as denúncias contra o autoritarismo e a incessante luta por justiça. São necessárias ações que, além de demonstrarem e comprovarem a monstruosidade de uma ditadura, também busquem a punição de quem foi responsável, por meio da concepção de planos genocidas e pelos atos que concretizaram o extermínio, pelas mortes de tantas pessoas.  
    Roberto aparece saindo do elevador para a garagem do edifício onde trabalha. Ele traz pastas e outros materiais consigo, como caixas com papéis. Enquanto coloca parte do material no bagageiro de seu carro, Ana sai do elevador. Surpreendido, ele pergunta o que ela está fazendo ali. Ana responde que a secretária dele disse que ele estaria ali. Ela fala que precisa conversar com Roberto. “Estou ocupado agora. Terei prazer em conversar outra hora.”, afirma. Ela diz: “Escute, não gosto de conversar com você, mas não tenho escolha. Deixei recados para sua esposa, mas ela não retorna.”. Ele exclama: “Que bom! Fico feliz, sabe?”. Vendo ele carregar seu carro com todo aquele material apressadamente, ela pergunta: “Está com problemas?”. Ele não responde e continua guardando os materiais no carro. Ana aproxima-se dele e pergunta: “Sabe o que se passa na cabeça de Alícia?”. Ele responde: “Não, mas sei o que você está tentando enfiar na cabeça dela.”. Ana diz: “Não seja idiota. Se tive tanta influência sobre ela, não teria se casado contigo.”. Roberto afirma: “Certamente, ela teria conseguido um bom partido como o seu marido, não é? Vocês deveriam ser todos varridos, como lixo!”. Ana questiona: “Foi o que fizeram, não foi? Varreram e enterraram como lixo.”. Roberto pergunta: “Você sabia quem era o Pedro, não é?”. Ana reponde: “Sim, era igual a você. O outro lado da moeda. Por isso, ele o odiava tanto quanto você odiava ele.”. Roberto questiona: “Ele me odiava? O que fiz para ele? O que tinha a ver com ele?”. Ana continua: “Não, você é mais perfeito do que ele. Ele nunca teria feito aquelas perguntas. Então, você é inocente? Não tem nada a ver com nada! Posso dizer uma coisa? Você não me denunciou para ficar bem com um amigo seu?”. Roberto rebate: “Teria feito isso com prazer.”. Ele parte com o carro da garagem em alta velocidade.  
    Em seguida, Roberto está em sua casa, conversando no telefone com alguém. Ele pergunta: “Quem lhe disse isso? Quem? Então, ele sumiu. Sim, Rolo. Ele sumiu. Despareceu. Para sempre! Nada, nada, nada. Estão rindo da gente. Mas quem vai denunciá-lo, Rolo? Se nada pode ser provado.”. Alícia chega em casa e ouve toda essa conversa do marido. De repente, ele interrompe a conversa no telefone, momentaneamente, e diz para ela: “Está tudo em ordem. A menina está dormindo. A babá está dormindo. Relaxe!”. Alícia pede desculpa e Roberto volta a falar no telefone: “Espere! Por que está me contando isso? Não tenho nada a ver com isso! Estou dizendo: não tenho nada a ver com isso!”. Nervoso, ele bate o telefone no gancho. Alícia demostra preocupação e medo diante do que acabou de ouvir. Ele repete para consigo: “Nada a ver!”. Alícia diz: “Desculpe, Roberto. Você me disse que poderia buscá-la no jardim.”. Brutamente, ele responde: “Sim, porque você não poderia. Mas são onze e meia da noite, Alícia!”. O telefone volta a tocar, mas Roberto o tira do gancho. Demonstra intensa preocupação. Na cena seguinte, aparece Alícia dormindo abraçada com Gaby, na cama da filha. De repente, a menina abre os olhos lentamente. Ao tocar a mãe, que ainda dorme agarrada à filha, esta parece ficar surpresa. Ambas se abraçam, aconchegando-se ainda mais. 
    O cinismo de quem comete um crime hediondo, e que mesmo tenho consciência de tamanha monstruosidade, defende-se ao considerar as vítimas de seu ato criminoso como merecedoras de tal punição, parece, aos poucos, transformar-se em medo de ser, em algum momento, responsabilizado por tal violência. Assim, a audácia de um criminoso transforma-se, lentamente, em pavor. Suas vítimas, que conhecem melhor do que ninguém seu inimigo, são as primeiras a identificar essa queda de pedestal: do autoritarismo, que pode tudo, à possível responsabilização criminal e suas consequências.  
    No centro da cidade, protesto. Sob o grito de “Apareçam vivos!”, a multidão carrega imagens dos desaparecidos e faixas sobre os presos que sumiram. Alícia está na rua e, de longe, depara-se com as “Mães de Maio”, que lideram a passeata. Nos cartazes com fotografias, lê-se “Muñoz, “Infantino”, “Garcia”, “Estela”, “Jorge”, “Herman”, “Resgino”, “Laura”, “Blanco”, “Merone”, “Rivelli”, “Alberta”, “Valdez”, “Carlos”, “Perez”, “Corsi” e tantos outros nomes. Além destes, os cartazes com as fotografias dos desaparecidos trazem o dia, o mês e o ano de cada desaparecimento. São os “Presos Desaparecidos da Praça de Maio”. Seres humanos que sumiram sob as ordens da ditadura militar argentina. Entre os manifestantes, está Sara, com seu lenço branco na cabeça. Ela é uma das “Mães de Maio”. As vozes agora explodem em “Queremos nossas crianças!” e “Liberdade!”. Alícia acompanha, ao longe, e com pressa, o movimento dos manifestantes. Entre os gritos de guerra, ouve-se “Os levaram vivos, os queremos vivos!” Apesar da aglomeração de fotografias e nomes estampados em cartazes levantados por braços guerreiros, Alícia identifica, entre eles, um cartaz com a foto dos recém-casados, que poderiam ser os pais de Gaby, com a frase: “E seu bebê nasceu no cativeiro”. Sob os gritos de “Digam onde estão os desaparecidos!”, os olhares de Sara e de Alícia cruzam-se.  Em seguida, elas aparecem sentadas dentro de um metrô. Alícia pergunta à senhora: “Se a Gaby for sua neta, o que faremos?”. Olhando para a Alícia com imensa tristeza, Sara nada diz. O silêncio entre ambas é longo. Alícia retoma a conversa, sem olhar para a senhora, dizendo: “É estranho! Muito estranho porque eu sempre pensei que eu fosse capaz de fazer tudo para não perder nada que eu tinha. Eu seria capaz de fazer tudo, desde que tudo ficasse como estava. Como é estanho, não acha?”. Alícia chorando, continua: “E não perder o que amo.”.  
    A cena seguinte inicia com Roberto entrando em casa, carregando sua pasta, materiais de trabalho e chamando por Rosa. Alícia o recebe. O casal cumprimenta-se com um beijo. Alícia diz: “Quero que conheça uma pessoa.”. Ele diz: “Não, estou ocupado agora.”. Alícia exclama: “Por favor!”. A contragosto, Roberto cede e dirige-se a Sara, que está sentada. Alícia apresenta o marido à visita. Esta e ele trocam cumprimentos. Ao ouvir o sobrenome da visita, Roberto diz que conheceu um “Revallo” na faculdade. Mas, que faz muito tempo. Sara diz: “Não, somos de outra cidade.”. Ela segura o cartaz que utiliza nas manifestações, mas que permanece dentro de um saco de pano, sem poder ser visto totalmente. Roberto observa o material usado nos protestos. Alícia quebra o silêncio, dizendo: “A Sara pode ser a avó de Gaby.”. Roberto reage: “O que? Você está completamente louca. O que é isso? Uma armadilha? Na minha própria casa!”. Ele levanta-se do sofá e diz à esposa: “No que está se tornando, infeliz? Percebe o que está fazendo? Qual é o seu problema? Tem medo do que?”. Toda a violência e grosseria contra a esposa ocorre na frente de Sara, que permanece sentada, imóvel. Alícia tenta acalmá-lo, mas Roberto continua: “O que quer? Livrar-se da garota? É isso que quer? Não precisa entregá-la para a primeira louca que encontra na rua.”. Sara está perplexa com o que ouve e vê. Em seguida, Roberto ordena: “Tire essa velha daqui. Tire essa velha da minha casa.”. E grita: “Tire-a daqui!”. Ele pega a sua pasta e sai da sala apressado. O desconcerto de Alícia é solidário à decepção de Sara. O silêncio realça o mal-estar e a impotência que imperam no ambiente. Lentamente, e com todo cuidado, Sara pega o saco de pano com o cartaz dentro, levanta-se arrasada da poltrona e diz: “Bem, eu me vou. Então, amanhã, você me liga? Ou eu ligo para você?”. Alícia reponde que liga para ela.  Apesar da imensa tristeza, Sara ensaia um sorriso e dá um beijo no rosto de Alícia. A senhora conhece muito bem a dor da perda, sabe muito bem o que a anfitriã sente. Já que o mundo de Alícia parece desabar em perdas, decepções e caminhos sem volta. Enquanto Sara sai calada e cabisbaixa, Alícia diz: “Até amanhã!”. É a segurança de que Sara precisava para concluir que, de fato, a luta continuaria. É a confirmação de que Alícia está disposta a ir até o fim na busca pela verdade. 
    Enquanto que para um fascista, os manifestantes contrários a um regime ditatorial estão apenas nas ruas, sem maior poder e sob o apoio da classe dominante,  reconhecidos apenas como uma massa, uma coletividade, sem identidade e personificação individual, os protestos são inconsequentes e sem razão de ser. Porém, basta um dos manifestantes adentrar à residência de um fascista, ou seja, incorporar uma identidade pessoal, ser um indivíduo, e não mais uma coletividade, e trazer uma história privada e pessoal, com nomes, datas e acontecimentos reais, para o defensor de regimes autoritários perceber o quanto uma história, calcada na memória e em fatos comprovados e inesquecíveis, basta para aterrorizá-lo e mostrá-lo o quanto está perto o fim dos que lucram com a desgraça alheia. O pavor de um representante do fascismo diante da verdade que desmascara, pune e dá nomes aos bois, mostra o quanto a verdade, mesmo que leve um tempo considerável para prevalecer, vence a mentira.  
    Na cena seguinte, Roberto mexe em papéis, com ar de muita preocupação. Seu semblante é de desespero. Ele diz para Alícia que, lentamente, é focalizada pelo movimento da câmera: “Eu não entendo. Não entendo o que acontece com você. O que quer fazer com a Gaby?”. Alícia, apesar de assustada e com um certo medo diante do marido, diz, timidamente: “Eu quero saber.”. Ele pergunta o que ela deseja saber. Alícia, cheia de coragem, questiona: “Por que a entregaram a você? O que aconteceu com a mãe dela? Ela está viva?”. Raivoso, ele responde: “E como vou saber? Sou um torturador agora? O que temos a ver com isso tudo?”. Alícia reage, dizendo: “Claro que temos a ver. Você tem medo obviamente, sequer pode encarar aquela mulher.”. Roberto diz: “Não quero vê-la. Não quero saber nada dessa gente. Nada! Não sabe o que eles são? Sabe o que são? Claro que não! Você não sabe o que acontece diante do seu nariz. Claro que tenho medo, idiota! Idiota! Escute, coisas muito graves estão acontecendo. O Andrada desapareceu, eu estou metido até aqui, entende?”. Roberto fala tocando a testa. “O general está como louco. Disse que se o lugar desabar, vai fazê-lo pagar! Podemos perder tudo!”. Chorando, Alícia diz: “Podemos perder a Gaby!”. Raivoso, Roberto grita com a esposa: “Você pode perder a Gaby! Você!”. As expressões de Alícia alteram-se: da insegurança, medo, decepção, tristeza à certeza de que, finalmente, conheceu a verdadeira história da filha. Depois de longo silêncio, Roberto afirma: “Isso foi certo!”. Alícia parece não acreditar no que ouve. Ele continua, com tamanha frieza diante da tragédia humana, tentando convencer Alícia: “Se os pais dela forem como você diz, que diferença faz, hein? Que diferença? Se ela já perdeu uma mãe. O que quer? Que ela perca a outra? É isso que quer?”. Pelo olhar de Alícia, ela reconhece um monstro na sua frente. Ele tenta tocar o rosto dela. Alícia evita. Ela é toda decepção. Roberto diz: “Eu sei quanto você a ama. Estamos criando ela bem. Sim ou não? Não é melhor que seja nossa filha?”. Alícia, com o olhar de certeza, conclui: “Então, é verdade.”. Roberto mostra-se ainda mais nervoso: “Quem trouxe essa velha aqui?”. E grita: “Quem a trouxe?”. Alícia, triste e decepcionada, diz: “Você nem se importa se é verdade.”. Chorando, ela afirma: “Eu me importo! Não quero fazer isso com a Gaby. Eu a trouxe porque quero saber se a Gaby é neta dela, ou a neta de outra avó, ou de outra que sequer tenha força para andar, por aí, com uma foto.”.  
    Na cena seguinte, Roberto está só e pensativo. Ele dirige-se ao quarto de Gaby. Mas, Alícia diz que a filha não está ali. No quarto da filha, Roberto verifica que, realmente, a menina não se encontra. Ele pergunta à esposa: “Onde está a Gaby?”. Aos gritos, ele continua: “Onde está a Gaby, Alícia!”. Ela responde com outra pergunta: “É horrível, não é?”. Ele a questiona: “O que é horrível?”. Alícia responde: “Não saber onde está sua filha.”. Com total violência, Roberto desfere um tapa no rosto de Alícia, que cai. Ele a segura pelos cabelos dela e pergunta: “Onde ela está?”. Alícia responde: “Na casa de sua mãe.”. Ele volta a perguntar pelo paradeiro da filha. Alícia diz: Mandeia para lá com a Rosa para que conversássemos.”.  Ela pede para ele soltá-la. Com força, ele começa a bater a cabeça da esposa contra a parede. Ela grita. Não satisfeito, ele ainda fecha a porta, cujo o vão está com os dedos de Alícia, para machucá-la ainda mais. Diante da sessão de tortura e dor, Alícia grita mais alto, pedindo para soltá-la. Grito, choro e sangue roubam a cena, enquanto o telefone fixo toca sem parar. Ele ainda atende o telefone, como se estivesse tudo bem. É sua mãe. Roberto diz que demorou para atender a chamada porque estava longe do aparelho. Ele diz a mãe: “Diga-lhe para dizer boa noite para mim primeiro. Gaby fala com o pai pelo telefone. Ela diz que quer falar com a mãe. Roberto diz que Alícia não está. A menina insiste e ele diz que Alícia está vindo.  
    No banheiro, Alícia cospe o sangue que sai do ferimento da boca. Ela também tem marcas da violência no rosto e na mão. Ela tenta se recompor. Roberto continua conversando com Gaby e pergunta se ela vai dormir na casa dos avós. A menina confirma. “Mas quero cantar para a mamãe”, diz a menina. Roberto traz um corte na mão, que sangra. Resultado do murro que deu no vidro da porta enquanto agredia Alícia. Ele diz a Gaby: “Se você cantar alto, ela vai ouvir.”. Alícia surge resoluta, determinada e mais fortalecida do que nunca. Do telefone, sai a voz de Gaby, que diz: “Eu sei a música inteira. Escute!”. E começa aquela mesma canção: “Em um país que não me lembro. Eu dou três passinhos e me perco. Não me lembro se dei.”. Enquanto ouvem a filha cantar, Alícia dá um forte abraço no marido. Mas a expressão de choro e dor é, rapidamente, substituída pela exteriorização da certeza, da consciência e da decisão. Roberto, abraçado à esposa, e sem ver o rosto da mesma, parece sentir uma manifestação de desculpa e reconciliação por parte de Alícia. Enquanto o canto da filha traz “Aí, que medo me dá. No país que não me lembro...”, Alícia, lentamente, desfaz-se do abraço e retira a mão do marido de sobre seu ombro. Ela começa a se retirar do local. Roberto percebe que está perdendo a esposa. Gaby canta: “Dou três passinhos e me perco...”. Alícia tenta pegar sua bolsa, mas Roberto segura o seu braço. Sinal de que deseja que ela fique. Mas, ela pega a bolsa e um agasalho, que está sobre uma cadeira. Extático, Roberto toma consciência do que está vivendo. A câmera dá zoom em seu rosto. Ele chega à conclusão de que acabou de perder Alícia. Em lágrimas, Roberto ouve a filha perguntar se ele gostou da música. Arrasado, ele responde: “Sim, muito,”. 

A menina diz que está com sono. O pai manda um beijo para a filha. Esta diz: “Um beijo para você e para mamãe.”. Ela despede-se do pai e pergunta se pode desligar o telefone. Ele diz que sim. Roberto pede para a filha desligar o aparelho. Gaby despedese. ‘Tchau, minha querida.”. O silêncio da dor de Roberto é quebrado pelo barulho que Alícia faz para abrir a porta. Ela sai de casa. Naquele momento, na casa dos avós, Gaby, quase dormindo sobre uma cadeira de balanço, ao lado do telefone que acabou de usar, continua cantando: “No país que não me lembro, dou três passinhos e me perco. Um passinho para lá, não me lembro se dei. Um passinho para lá. Ai, que medo me dá.”.