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Ditadura e localidade: Diferenças na construção da ditadura militar no Brasil

Fonte: Wikiversidade

Ditadura e localidade: Diferenças na construção da ditadura militar no Brasil

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Alunos: Hugo Morales Escolano, Henrique Rondine, Luiz Henrique Barroso pinto, Vinicius Rodrigues, Lucas Rodrigues

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Nossa trabalho se inicia no sentido de procurar, nas diferentes formações de memórias de cada pessoa, a memória da ditadura militar no Brasil, dessa maneira, optamos pela diferença das histórias orais em nossa entrevista, ou seja, os diferentes estados, a diferença de gênero, profissão e também atuação nesse período de tensão na história brasileira.

A memória da ditadura militar em muito, e ainda hoje, é apagada, a disputa sobre a veracidade dos crimes cometidos são até hoje contestados, a memória deste período se relaciona em como o “superamos”: sem anistia, sem medidas de um país soberano e que respeita as vítimas dessa época.

Nesse sentido, como é, que depois de tantos anos, a história daqueles que viveram esse tempo, nos esclarece, nos ensina, nos faz compreender a história do tempo presente? Nossa preocupação na realização das entrevistas foi dar liberdade aos que participaram, sem que fugíssemos do tema, assim, várias questões são levantadas e nos ajudam a compreender o olhar que constrói o Brasil vitimado. Teremos dessa maneira quatro entrevistas, trabalhadas primeiramente de forma separada e, no final, uma breve consideração dos apontamentos pertinentes.

Em nossa primeira entrevista falamos com uma mulher, nascida em 1965 que experienciou o período da ditadura militar no interior do Paraná, Cornélio Procópio. Quando criança apenas estudava e brincava, em uma família um tanto conservador a era cobrada para assemelhar-se aos irmãos homens. Diz que a primeira coisa que se deu conta de estranho, desse período, ainda que na época não compreendesse, era das proibições que alguns livros possuíam e a educação artística que também não mencionaram os artistas ditos “subversivos” e que posteriormente alguns deles descobriria que eram alguns exilados, por isso, considera que seu próprio bloqueio ao estudo desse aspecto advém dessas restrições. Até mesmo nas brincadeiras, cantorias, lembra de serem proibidos de cantar, mencionar, certos nomes e até mesmo de cantores negros que eram proibidos.

Haviam um toque de recolher “moral” onde as famílias consideravam que mulheres principalmente não poderiam estar na rua esse horário, e considera também uma preocupação das famílias, porque avalia que as polícias naquela época abusavam muito de pessoas que estavam na rua.

Na adolescência se considerava um pouco mais rebelde, principalmente para sair e se divertir nas festas e sofreu por conta disso, nesse momento da entrevista, observamos o caráter do gênero em suas histórias. Entra na universidade em 82 em pedagogia, comentou um professor na universidade de Historia geral do Brasil que teve onde sempre lhe atribuía nota baixa e dizia “é pra falar exatamente o que é e não o que você considera” no sentido de ter alguma crítica.

O debate do machismo entra na conversa quando lembra que uma professora lhe incentivava e dizia que ela tem o poder de combater, de revidar e fazer diferente, lembra de assédios constantes, episódios sexistas onde até mesmo denuncia havia, mas nada era feito “acaba virando uma pessoa que não tinha vontade de ser”. Seja no âmbito familiar ou na universidade, tinha um pensamento que política não era pra mulher.

Comenta que havia reuniões no bairro entre os pais para resolver assuntos de garotos e garotas mais velhos rebeldes para tentar trazer eles pra dentro de casa, não saírem pelo perigo constante que havia, uma forma de controlar, mas que a entrevistada diz que também visava um cuidado, por conta de crimes, drogas e violência policial que era tanto igual agora, mas se escondia.

Moravam em bairro periférico, pobres mas com condições de vida digna para uma família grande, mas que logo depois vivenciou uma pobreza mais penosa, então o cuidado era redobrado nesse sentido.

Quando perguntada sobre o movimento estudantil que existia na universidade, disse que foi proibida de participar pela família, mas se recorda de alguns protestos e conversas políticas, sobre violência e algo mais camuflado.

Lembra que com o fim da ditadura, começou a saber mais sobre, visto que tudo era muito matizado, não teve muito acesso na TV ou rádio, então quem sofreu mais com a ditadura, as torturas, os assassinatos foi saber alguns anos depois, com a redemocratização, e considera que por ser de cidade pequena e um movimento estudantil também pequeno, por isso não via essa violência extrema na sua cidade. Depois, considera que ficou mais claro algumas vivências enquanto crescia que se interligam com o período da ditadura, por exemplo uma superproteção da família.

Acredita que por não saber o todo na época, a ignorância influenciou no decorrer da nossa história, acredita que esses líderes entram na cabeça das pessoas que menos sabem e as convertem no pensamento extremo e sequer sabem o porque defendem isso.

Nosso segundo entrevistado Servia no exercício quando o golpe de 64 aconteceu, e presenciou tanto o golpe, quando sofreu por quanto da sua posição dentro do exército, em relação a sua ativa militância que tinha tendência a esquerda, no dia do golpe ele se lembra de sentir que alguma coisa estava errada, um soldado o qual ele costumava ver, estava esperando por ele no ponto de ônibus e quando o encontrou, o soldado disse que tanto a vida dele, quanto a do soldado corriam risco e eles tinham que se esconder, e os dois passaram 5 horas dentro dos banheiros do quartel, esperando que as pessoas que os procurassem fossem embora, depois desse dia as coisas tanto para ele, quando para a unidade que ele servia nunca mais foram a mesma.

O exército estava fazendo uma “limpeza” do seu pessoal, e eliminando todos os oficiais e soldados que colaboraram com o antigo governo ou que se alinhavam com partidos de esquerda ou com até mesmo o partido comunista, e por causa da sua militância e nome, ele também foi perseguido.

Com relação a como a ditadura afetou a sua vida particular, devido a sua atuação como professor, soldado e militante a sua vida foi muitas vezes repletas de momentos os quais, perdeu sono e se sentiu ameaçado por fazer parte da militância, ele conta histórias de momentos onde abrigou membros do partido comunista, que realizavam assaltos a bancos, para poder dar dinheiro para a guerrilha e para o partido manter a sua clandestinidade, relata de momentos onde homens capturaram e torturam pessoas ao seu redor, para descobrir a sua real associação, conta também que durante o seu tempo ainda no exército, possuía momentos onde ele tinha uma grande dor intestinal e foi recomendado por amigos a ir para um médico ou psiquiatra e quando questionado pelo motivo ele disse “é porque todo dia morre um companheiro meu ou um amigo meu”.

Ele contou inúmeras história sobre o seu tempo dentro da militância e das suas associações com o partido comunista e com os outros partidos de esquerda, ele deu uma importância a mais a falar sobre a guerrilha e principalmente com violento foi esse período, com inúmeras torturas, pessoas desaparecidas e muitos dos seus colegas militantes sendo mortos, em confronto com a polícia ou com agente da ditadura, e essa violência fez com que ele pensasse qualquer tipo de revolução armada e ou qualquer forma de violência, ele também acredita que o governo de Bolsonaro reviveu, um pouco esse medo que ele possuía com relação a violência. Ele relata ter perdido vários amigos, mas isso nunca os desmotivou a parar a sua luta pela democracia, apenas o motivou e disse que mesmo com 80 anos, ele nunca vai parar de lutar, uma das suas heranças do tempo que deu de tudo para ver o país livre, é válido lembrar que muitas dessas experiências foram do seu tempo morando em São Paulo durante a década de 60-70, e também morando na cidade de Aracaju, no estado de Sergipe, e como ambas são cidades grande de duas regiões do Brasil e que tiveram reações distintas a ditadura, é importante lembrar a sua experiência com ambas.

Com relação ao fim da ditadura, ele comenta como ficou decepcionado com o seu fim, sentido que o Brasil não limpou o país, dos inúmeros assassinos, estupradores e torturadores da ditadura, e como outros países da américa latina, condenaram eles, e o Brasil deu plena anistia para muitos desses indivíduos, e a vitória pela democracia brasileira, não motivo para a o fim da sua luta, mesmo não sendo mais associado com o PT ( partido que ele e a sua esposa Tânia Magno, ajudaram a fundar) ele continuou a sua luta e a sua militância árdua, sempre tentando evitar que os “filhos da ditadura” voltassem ao poder.

Na terceira entrevista, temos uma mulher nascida em 1951, tinha 13 anos de idade no início do regime. Vivia no interior do estado de São Paulo, em um sítio da sua família, próximo à cidade de Gastao Vidigal que tinha na época aproximadamente 3000 habitantes, onde passou sua infância e adolescência frequentando a escola local. Filha de pessoas simples, distantes da metrópole e ignorantes perante a política federal, mantinha, portanto, seja pela idade, seja pela família e contexto, pouco contato com o regime militar. Resgatou de suas memórias, fatos e lembranças que abrangem, pelo recorte feito, o próprio período proposto como também alguns anos antes e posteriores ao mesmo.

Bom, começamos com uma contextualização e encaminhamos a conversa com algumas perguntas que tentavam entender e delimitar o tema do trabalho. A primeira pergunta foi, sabendo de sua pouca idade, quanto a como e quando ela descobriu sobre o regime militar; respondendo, que o pouco contato que ela tinha com a política não se dava por televisão ou jornal, mas por rádio e pelo senso comum da família, que por sua vez se limitava à política regional e às obrigações nacionais, como o voto.

Quanto ao rádio, ela se refere somente à rádio “Voz do Brasil”, que era em horário obrigatório e que desde sua idealização foi um meio de propaganda política do governo brasileiro. Disse que por viver no sítio as preocupações eram muito distantes da política, e que era durante o horário da rádio que assunto aparecia na voz de seus pais. Mas ressaltou que nunca ouviu reclamações ou julgamentos negativos da sua família, ou mesmo de qualquer outra pessoa durante seu período escolar. O que já era esperado, já que o único contato com a política federal era por meio de veículos censurados pelo próprio governo, e que segundo ela retratavam “só coisas boas, uma maravilha”, um “governo perfeito”. Disse ainda, que percebia somente a condição das pessoas à sua volta, sem recursos, sem remédios ou médicos, trocando trabalho por roupas, comida, recursos; durante essa parte da conversa, constantemente comparava com os dias atuais, dizendo que não tinha o SUS (sistema único de saúde), que só se conseguia material escolar comprando, que tinha que caminhar muito para chegar à escola; relatando uma vida realmente sofrida que de certa forma justifica o distanciamento da política, já que de pouco ia mudar, ou segundo seu pai “era assunto que não interessava falar para a família ou para os filhos”.

Pedimos em sequência um retrato da escola, que segundo ela era um ambiente fechado, que não ouvia a opinião dos alunos, que exigia o uniforme e cabeças baixas, onde as únicas comemorações eram cívicas e bem ordenadas. Mas também ressaltou a presença de um nacionalismo que ela sente que falta atualmente, nas escolas o hino nacional e a presença dos outros símbolos nacionais, como a bandeira, eram mais presentes.

Descrevendo seus dias, depois de discutirmos sobre o filme “Menino 23”, pontuou que o retratado no filme era uma realidade, não chegou a comentar sobre o racismo, mas sim sobre a condição das pessoas principalmente negras à sua volta. Voltou ao assunto da condição do seu entorno, ela disse que o dinheiro não existia realmente, que as vendas eram em cima do trabalho e da palavra; que o fazendeiro “dava uma parte da terra... a semente, aí a pessoa plantava e depois ia pegando comida, roupa na venda... ou com o patrão, o patrão, por exemplo, matava o porco, vendia o pedaço, aí anotava pra paga na colheita... aí o patrão vendia a colheita e acertava o que a pessoa pegou na venda... e como a pessoa era analfabeta e o patrão que anotava oque ela pegava na venda... às vezes ele punha mais ou punha menos... do jeito que era a consciência dele... aí chegava na colheita e... ‘ocê deve isso’... por isso que eu falo que a escravidão continuou sim...”.

Tentando entender o papel de outras instituições, e voltando a conversa mais próxima ao recorte do regime militar, fazendo comparação à propaganda política presente dentro das igrejas no nosso período, perguntamos sobre o papel da igreja perante a política da época. Disse que, o pouco que ela frequentava a igreja católica em “época de política”, ninguém ficava nem sabendo sobre política lá dentro, que inclusive nem se lembravam de falar, que a missa e o padre se prendiam somente à religião. Para finalizar perguntamos sobre a época da faculdade, e sobre o período de votação, seja antes ou depois do governo militar; a respeito do primeiro, seu período de faculdade também não apresentou turbulências, mas novamente retrata um ambiente fechado e que não dava voz aos alunos, a universidade de uma cidade centro da região. Já a respeito do segundo, ela compartilhou uma lembrança de quando sua família foi votar na cidade de Vicentinópolis em um tempo que, mesmo que seja antes da ditadura, as mulheres ainda não tinham os mesmos direitos ao voto que o homem, com um voto ainda facultativo; segundo ela, enquanto os homens ficavam todos reunidos em um lado do colégio, sua mãe e as demais mulheres não votavam, ficavam todas reunidas em um canto externo, e que mesmo nesse período não discutiam sobre política entre elas.

A conclusão que tiramos sobre seus relatos, é que talvez os conflitos durante o governo militar no brasil tenham se prendido às metrópoles, e que tenham sido muito distantes do campo, lugar onde a censura e as condições precárias se expressavam no coletivo político-ignorante de uma população muito presa à terra.

A última entrevista é uma outra mulher, que atualmente moradora da cidade de Ribeirão Preto, cidade do interior do estado de São Paulo, sua mãe trabalhava como enfermeira no Hospital das Clínicas e seu pai trabalhava como metalúrgico da Zanini, a entrevista começa com as memórias de seus pais nas suas áreas de trabalho no qual no HC era comum alunos e doutores sumir e ninguém podia perguntar onde estavam essas pessoas sumidas e se fosse falado qualquer coisa fora da medicina poderia ter alguém vigiando para inibir isso, como exemplo foi contada um relato da mãe da entrevistada que uma “musiquinha” tinha sumido. De memórias do pai da entrevistada foi falado de amigos que faziam parte do sindicato e da participação dele em greves; foi falado também da imagem que o metalúrgico tinha do lula que era chamado de “macaco velho” e na reabertura o pai dela muito provavelmente não votaria no lula.

Foi falado sobre a escola da época que segundo a entrevistada ela não teve a acesso a conteúdos importantes como a filosofia que foi ter acesso apenas na faculdade, foi falado sobre a forma de ensino no qual os alunos eram encorajados a decorar, chamada de educação tradicional segundo a entrevistada, os livros ao invés de aprender o conteúdo, existia matérias como educação moral e cívica, organização social política do brasil e educação para o trabalho nas quais segundo a entrevistada se aprendia nada, indo na direção de exaltação da pátria junto com essa matérias tinham os desfiles de 7 de setembro com banda marcial e disputas entre as bandas das escolas além de desfile da semana da pátria com músicas que exaltavam a nação . Na escola nada era questionado até mesmo a qualidade de ensino. Foi comentado também a exclusão de pessoas negras na escola em que estudava, nesse local, foi lembrada apenas duas pessoas negras estudaram com a entrevistada.

A entrevistada disse que a vivência no interior não tinha muitos problemas com a ditadura, a família dela apesar de ser pobre nunca sentia falta de nada, o atendimento da saúde era bom justamente porque o sistema atendia apenas pessoas que tinham carteira assinada, em contrapartida foi falado sobre a Santa Casa que na qual era um hospital que atendia os necessitados e que não tinham carteira assinada. Foi lembrado também que mesmo em Ribeirão Preto a era relatado sobre a cavalaria na rua, de não poder falar sobre política e para não ficar em esquinas.

Foi comentado também sobre a redemocratização e como ela ocorreu, foi lembrado dos comerciais do programa Silvio Santos, que conseguiu a concessão da SBT na ditadura, que chamavam de semana do presidente que servia para mostrar o que o presidente fazia, na memória da entrevista se destaca o presidente Figueiredo e principalmente uma fala “ei de fazer desse país uma democracia” dessa forma a imagem passada pela televisão que os militares eram tão bondosos que iriam passar o governo para os civis, outras coisas também foram faladas como o lançamento de músicas que tinham discurso contra a ditadura e foi nesse período que aconteceu a primeira decepção porque não foi possível ter o voto direto como o movimento “diretas já” queria, segundo a entrevistada “quem deu o voto da vitória para Tancredo Neves foi o João Cunha que era deputado federal por Ribeirão Preto”, em contrapartida em Ribeirão Preto não ocorreu a passeata para as “diretas já” e com isso todo esses movimentos aconteciam nas grandes capitais que eram mostradas pelas TVs principalmente pelo jornal nacional.

Com isso, temos nossas quatro entrevistas, com pessoas diferentes em cenários diferentes, onde percebe-se a diferente vivência de um campo a uma cidade onde se encontrava no olho do furacão no período da ditadura militar, essa diferença realça, por um lado, a dimensão da ditadura em poder desenvolver sua centralização sem que a violência fosse sentido como um todo, e por outro desnuda condições que esclarecem a história do Brasil mal resolvida com seu passado, que, circunscreve a despolitização da história recente bem como o fortalecimento e manutenção da extremização da própria, possibilitando que os vestígios e até mesmo personagens deste tempo, penetrem a política brasileira e toda a sociedade.