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Educação aberta, a luta pelo mais humano dos direitos

Fonte: Wikiversidade
Leia a introdução desta aula em Raízes do conhecimento: ciência e educação abertas


Este é o primeiro exemplo do curso onde não há uma solução completa conhecida em termos de produção colaborativa baseada em compartilhamento na Internet, ainda que, curiosamente, trate de uma área onde a colaboração e compartilhamento são explorados há mais tempo.

Grandes investimentos têm sido feitos mundialmente a fim de integrar a Internet aos processos educacionais: banda larga para conectar as escolas, laptops distribuídos a professores a preços bastante competitivos e construção de laboratórios de informática nas escolas. Contudo, o foco das mudanças quase sempre recai sobre a infraestrutura ou, mais geralmente, sem uma visão integrada de todos os elementos do processo de aprendizado, não criando o embasamento ideal para que a inovação educacional ocorra.

Como descrito nas aulas anteriores, na Internet os diversos elementos da camada física à humana desempenham em conjunto seu papel na inovação, bem como no sucesso ou fracasso na criação de culturas de colaboração e compartilhamento. Na educação, essas culturas estão alinhadas às teorias modernas que, seja pela pragmática de John Dewey, desenvolvida no Brasil por Anísio Teixeira e Darcy Ribeiro, na linha libertária de Paulo Freire, ou na tradição das experiências com escolas democráticas, já prevêem a necessidade de um ambiente informacional que estimule o compartilhamento e a colaboração como base do aprendizado.

Assim, compreende-se a maneira com que a cultura da experimentação e do trabalho colaborativo pode transformar tanto professores quanto alunos, envolvendo também a comunidade ao seu redor, mas, na Internet, ainda não se encontrou ou implantou as estruturas e regulações técnicas e sociais para que essa cultura manifeste-se plenamente na escala que a rede possibilita.

Além da infra-estrutura física sendo instalada, fazem parte desse ecossistema desde softwares integradores da produção de obras didáticas e plataformas educativas mediadoras de relações de aprendizado, na camada lógica, a teses, módulos, livros didáticos e artigos de pesquisa, na camada simbólica, a processos de aprendizado, relações internas e cruzadas entre alunos e professores, e formas de entender a prática pedagógica, na camada humana.

Também as questões de políticas públicas envolvidas abrangem uma área variada, desde a formação de professores, os incentivos à participação na educação de cada ator, os direitos sobre obras didáticas, os incentivos para produzir recursos educacionais, seu preço e os privilégios de acesso, o caso de materiais financiados pelo contribuinte, os padrões técnicos e sua interoperabilidade, entre outras.

Atualmente, começa-se pelo mundo a implementar projetos de educação digital e a experimentar com o conceito de educação aberta. As nações em desenvolvimento, em especial, buscam utilizar a Internet para substituir sistemas educacionais obsoletos e insuficientes. Em torno disso surge uma comunidade internacional, identificada pelo termo Recursos Educacionais Abertos (REA), ou Open Educational Resources (OER) no inglês, que traz implícita nesse nome, distanciado da camada humana, a proposta de ser neutra em relação à escolha da linha de pensamento pedagógico, preservado o entendimento das idéias essenciais de compartilhamento e colaboração.

Recursos Educacionais Abertos (REA)

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A maioria dos recursos educacionais estão limitados a um conjunto de atores tradicionais cujo acesso a tais recursos dá-se por meio de emprego ou de matrícula institucional. Como tal, muitos desses recursos enfrentam altos custos de acesso e, no caso de o acesso ser gratuito, o padrão é que ainda o direito autoral obstrua sua reutilização criativa, restringindo ações de apropriação, adequação e recombinação. Isso deve-se ao modelo econômico mais frequente de sua produção e distribuição, baseado na criação de escassez artificial através de restrições legais, como o direito autoral, e técnicas, dos meios analógicos e digitais, para aplicar no seu financiamento o modelo tradicional de propriedade e mercado.

Embora algum material didático essencial seja muitas vezes fornecido gratuitamente, por programas governamentais, àqueles que frequentam as escolas públicas, problemas referentes à diversidade, à adequação, à pontualidade e à qualidade de tais materiais são comuns. Essa abordagem, além de suprir apenas o mínimo e não estimular o estudante a aprofundar-se, também ignora os alunos à margem do sistema curricular, como os autodidatas ou mesmo as famílias que acompanham a educação de suas crianças. Essa situação agrava-se nos países em desenvolvimento como o Brasil, onde, entre outros problemas, os próprios professores frequentemente necessitam de uma formação melhor e mais abrangente, os recursos complementares muitas vezes são escassos ou inexistentes, os acervos e a estrutura das bibliotecas públicas são insuficientes e o custo de livros e outros materiais os tornam indisponíveis a muitos estudantes, suas famílias e aos professores.

A filosofia dos recursos educacionais abertos (REAs) coloca os materiais educacionais na posição de bens comuns e públicos de que todos podem e devem se beneficiar, especialmente aqueles que recebem apoio mínimo dos sistemas educacionais atuais, tanto os de financiamento público quanto os privados. Essa visão é apoiada pela noção que considera o próprio conhecimento como um produto social coletivo que naturalmente forma um rossio que deve estar acessível a todos. Alinha-se também, assim aos outros processos de produção colaborativa baseada no compartilhamento, rompendo da cultura de audiência para a cultura de público, facilitando o surgimento de criadores individuais capacitados no interior da comunidade de participantes.

Como nas demais produções baseadas em compartilhamento na Internet, um fator importante é a redução do custo de reprodução, recombinação e distribuição de novos trabalhos. No contexto educacional isso tem destacada importância, pois a produção inicial de recursos educacionais é frequentemente financiada com dinheiro público. Nesses casos surge diretamente a questão: uma vez que a sociedade pagou os recursos, por meio de impostos ou subvenções e isenções destes aos produtores, como eles devem ser controlados e disponibilizados?

A comunidade REA trabalha para incentivar e viabilizar a produção transparente, participativa e distribuída dos recursos educacionais, além de seu pressuposto acesso. Cada uma dessas características é em si um bem social valioso, aumentando o valor dos investimentos feitos em educação. Seus participantes desenvolvem recursos educacionais, plataformas de colaboração e ensino, e também buscam orientar os enormes investimentos feitos por governos e pela sociedade.

Seu objetivo é criar as condições e oportunidade para uma mudança fundamental e transformadora: do consumo passivo de recursos educacionais para o engajamento de educadores e alunos no processo criativo de seu desenvolvimento.

A ideia por trás dos REA foi consolidada na Declaração sobre Educação Aberta da Cidade do Cabo, em 2007, que dispõe:

  1. “Aos Educadores e estudantes: Primeiramente, nós encorajamos a educadores e estudantes a participar ativamente neste movimento emergente de educação aberta. Esta participação inclui: a criação, utilização, adaptação e melhoria dos recursos educacionais abertos, abraçar práticas educativas em torno da colaboração, da descoberta e da criação de conhecimento, convidando seus pares e colegas a participar. A criação e uso de recursos educacionais abertos deve ser considerada parte integrante da educação e deve ser apoiada e recompensada.
  2. Recursos Educacionais Abertos: Em segundo lugar, apelamos aos educadores, autores, editores e instituições para libertar os seus recursos abertamente. Estes recursos educacionais abertos devem ser livremente compartilhados por meio de licenças livres que facilitam o uso, revisão, tradução, melhoria e compartilhamento por qualquer um. Os recursos devem ser publicados em formatos que facilitem tanto a utilização e edição, e adaptáveis a diferentes plataformas tecnológicas. Sempre que possível, eles também devem estar disponíveis em formatos que sejam acessíveis às pessoas com deficiências e a pessoas que não têm ainda acesso à Internet.
  3. Política Publica de Educação Aberta: Em terceiro lugar, governos, conselhos escolares, faculdades e universidades devem fazer da Educação Aberta uma alta prioridade. Idealmente, recursos educacionais financiados pelos contribuintes devem ser abertos. Acreditação e os processos de adoção devem dar preferência a recursos educacionais abertos. Repositórios de recursos educacionais devem incluir ativamente e destacar recursos educacionais abertos dentro de suas coleções.”

REA no Brasil

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O Brasil encontra-se em um momento decisivo para melhorar a educação. Com um orçamento recorde de mais de R$ 41 bilhões nas mãos do Ministério da Educação, está em curso um esforço nacional para conectar a rede pública de ensino à Internet, bem como promover a adoção de ferramentas educacionais digitais, além de um maior investimento em pesquisa no ensino superior.

A comunidade REA no Brasil vem nesse contexto estruturando o debate sobre recursos educacionais abertos quanto às produções por financiamento público e às abordagens inovadoras disponíveis para aprendizagem. Em fóruns públicos como listas de discussão e alguns encontros presenciais, definiu-se os eixos estruturais dos seus esforços, seja sobre as estruturas tradicionais da educação como para novas oportunidades proporcionadas pela Internet:

  • o acesso público a materiais educacionais em geral como estratégia de educação aberta para incluir o indivíduo, a família, a comunidade e toda a sociedade no processo de aprendizagem e de produção colaborativa de conhecimento;
  • o ciclo econômico de produção de materiais educacionais e seu impacto no “direito a aprender dos cidadãos”;
  • os possíveis benefícios que os REA podem trazer para estratégias de aprendizagem, para produção de recursos educacionais mais sensíveis a questões orientadas à diversidade regional e aos padrões regionais de qualidade;
  • o impacto dos recursos digitais on-line e abertos no desenvolvimento profissional contínuo dos professores.