Evidências de um bow echo em Piracicaba em 11 de outubro de 2024
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Na noite de 11 de outubro de 2024, Piracicaba foi impactada por uma tempestade em forma de arco, caracterizada como um bow echo. O evento, que ocorreu em meio a uma onda de tempo severo que afetava o estado de São Paulo, apresentou rajadas de vento de até 84,2 km/h registradas pelo Instituto Nacional de Meteorologia (INMET) e a queda de granizo miúdo. Este estudo analisa os fatores meteorológicos que levaram à formação da tempestade, sua cronologia e características.
Em maio de 2025, a tempestade (bow echo) de 11 de outubro de 2024 em Piracicaba alcançou 6,513 de 10 no Índice Informal de Documentação de Tempestades de Piracicaba (IIDTP), caracterizando-se como um evento moderadamente bem documentado (Bow echo de Piracicaba de 2024/IIDTP 05.2025)
Formação da Tempestade
A gênese da tempestade ocorrida em 11 de outubro de 2024 teve início em 9 de outubro, quando a região de Piracicaba passou a ser influenciada por uma conjunção de sistemas meteorológicos. A aproximação de uma frente fria, a atuação de uma área de baixa pressão centrada no Paraguai, a persistência de uma massa de ar quente em superfície, a formação de um cavado em médios níveis e a presença de uma corrente de jato em baixos níveis (JBN) configuraram um ambiente altamente favorável ao desenvolvimento de instabilidades atmosféricas. As precipitações registradas em 10 de outubro contribuíram para elevar os níveis de umidade na baixa troposfera.
No dia 11, a penetração de uma nova frente fria associada a um ciclone extratropical interagiu com o ar quente e úmido presente na região, cuja temperatura máxima havia alcançado 31 °C. Durante a tarde, o acúmulo de energia potencial convectiva disponível (CAPE) e o suporte fornecido pela atuação conjunta da JBN e do cavado em médios níveis favoreceram a organização de células convectivas profundas em diversas áreas do estado.
Cronologia e Características da Tempestade
A tempestade iniciou um processo de intensificação à medida que a área de instabilidade associada à frente fria avançava pelo interior do estado de São Paulo, promovendo o reforço das células convectivas e culminando na organização de Complexos Convectivos de Mesoescala (CCMs). Por volta das 18h30, uma célula convectiva passou a apresentar curvatura ao atingir a região de Jaú, deslocando-se posteriormente em direção ao município de Piracicaba.
Às 19h10, o sistema convectivo começou a impactar Piracicaba, com ocorrência de ventos intensos e precipitação significativa. Às 19h15, registrou-se a chegada completa da frente de rajada (gust front), acompanhada por intensificação das rajadas de vento e incremento na taxa de precipitação. Dados de radar meteorológico do IPMet/UNESP (Bauru) indicam que, entre 19h15 e 19h22, o bow echo associado à célula convectiva adquiriu curvatura mais acentuada, indicando a atuação de uma corrente descendente (downdraft) de elevada intensidade, com possibilidade de ocorrência de um downburst/macroburst ou múltiplos microbursts, dada a dispersão das áreas mais afetadas. Registros audiovisuais obtidos na zona sul de Piracicaba indicam que as rajadas mais intensas ocorreram entre 19h16 e 19h18.
Às 19h22, foi registrada queda de granizo de pequeno diâmetro em setores da zona sul de Piracicaba, com duração aproximada de três minutos. O primeiro relato foi proveniente do bairro Jardim Itapuã, seguido de registro tardio no bairro Água Branca. A queda de granizo ocorreu de forma irregular e esparsa, em sequência sincronizada com o incremento da precipitação, sugerindo que o arrasto promovido pelas correntes descendentes foi o principal mecanismo de deposição do gelo em superfície.
O evento encerrou-se por volta das 19h30. A estação meteorológica do INMET, situada na zona norte da cidade, registrou rajadas de vento de até 84,2 km/h e acumulado pluviométrico de 6 mm. A análise do radar mostra que o núcleo convectivo mais intenso estava centrado sobre a zona sul da cidade, abrangendo bairros semi-urbanos como Água das Pedras, Campestre e Chicó. Esse núcleo causou danos como queda de árvores e postes de luz, além de destelhamentos de galpões industriais e agrícolas, e posteriormente afetou a área urbana do município de Rio das Pedras. Outro núcleo significativo atuava sobre a região do bairro Agronomia, onde se localiza a estação do INMET. Conforme relatos, em áreas centrais do município, a precipitação foi fraca ou ausente. A ocorrência de granizo foi pontual e restrita ao município de Piracicaba, possivelmente o único com registro confirmado desse fenômeno no estado de São Paulo durante o período noturno daquele dia.
Características de um bow echo

A classificação da tempestade de 11 de outubro de 2024 como um bow echo baseia-se em múltiplos elementos observacionais e meteorológicos. O radar meteorológico do IPMet/UNESP indicou, a partir das 19h07, a presença de um eco em forma de arco pronunciado, característica típica desses fenômenos. Essa configuração em arco resulta da ação combinada de correntes descendentes intensas e do avanço agressivo da frente de rajada à frente do núcleo convectivo principal.
A presença de ventos intensos, com rajadas de até 84,2 km/h medidas pela estação do INMET, é compatível com as características de um bow echo, que costuma provocar ventos intensos associados a downbursts ou microbursts. A própria cronologia da tempestade, que apresentou intensificação súbita entre Jaú e Piracicaba, reforça a hipótese de intensificação súbita das correntes descendentes, frequentemente observada nesses sistemas.
A estrutura organizada e curva do sistema convectivo, aliada ao rápido deslocamento e à simetria da célula observada em imagens de radar, bem como o padrão disperso de danos e a deposição irregular de granizo, sustentam a classificação. Adicionalmente, a atuação simultânea de uma corrente de jato em baixos níveis (JBN), uma frente fria e um cavado em médios níveis criou condições propícias para o desenvolvimento e manutenção de uma linha de instabilidade do tipo bow echo.