Factores genéticos
As diferenças inerentes ao metabolismo e eliminação dos xenobióticos, que podem ser vistas como diferenças de estirpe nos animais e variabilidade interindividual e racial no Homem, têm grande importância toxicológica. Existem muitos exemplos em que se observam reacções idiossincráticas na acção farmacológica ou toxicológica dos fármacos no Homem. Em alguns casos, foi estabelecida a causa genética para esta ocorrência, e estes casos demonstram a importância de um melhor entendimento dos factores genéticos e a sua importância na causa de toxicidade.
Os factores genéticos podem influenciar a toxicidade de um xenobiótico de duas formas:
- Influenciando a resposta ao composto
- Afectando a deposição do composto
Factores Genéticos Que Afectam A Resposta Ao Composto
[editar | editar código-fonte]- Deficiência na glucose-6-fosfato desidrogenase:
Esta enzima está associada à susceptibilidade de anemia hemolítica induzida por fármacos. Associa-se a uma característica genética que ocorre no cromossoma X, logo ligada ao sexo, mas a hereditariedade não é simples. 5% a 10% dos indivíduos machos de raça negra sofrem da deficiência, mas esta é particularmente comum na área Mediterrânea e em alguns grupos étnicos, como nos Judeus Sefarditas do Curdistão, em que a sua incidência pode estar aumentada até 53%. Estima-se que em todo o mundo 100 milhões de pessoas sejam afectadas por esta deficiência genética. É interessante verificar que esta deficiência confere resistência ao Plasmodium sp.. A base bioquímica para este aumento da sensibilidade ou resposta resulta da variabilidade da enzima glucose-6-fosfato desidrogenase, e não da sua ausência. Existem 34 variantes genéticas devido a mutações com perda de sentido ou pequenas deleções na estrutura, o que resulta em vários graus de perda de actividade da enzima, a mais severa tendo apenas 10% da actividade total normal desta. A perda total de actividade pode ocorrer em ratinhos, e é letal. A deficiência em enzima leva a uma deficiência na concentração de glutationa reduzida (GSH) nos eritrócitos. A reacção, catalizada pela glucose-6-fosfato desidrogenase, que ocorre nos eritrócitos, é o primeiro passo na via das pentoses fosfato, ou na via da hexose monofosfato. A enzima mantém os níveis de NADPH no eritrócito, que por sua vez mantém os níveis de GSH, protegendo a hemoglobina dos danos causados por agentes oxidativos, que podem causar hemólise. Assim, se a actividade da enzima glucose-6-fosfato desidrogenase se encontrar diminuída, os níveis de NADPH, e consequentemente, de GSH, estarão baixos. Esta situação deixa a hemoglobina desprotegida, o que permite que a administração de um fármaco, como a primaquina (antimalário), a indivíduos que possuam esta característica a hemoglobina possa ser oxidada e origene problemas hemolíticos. Da mesma forma, também é problemática a exposição desses individuos a químicos como a fenilhidrazina, em que se formam iões superóxido reactivos e peróxido de hidrogénio que não conseguem ser removidos pela GSH. O metabolito da primaquina pode sofrer acção redox da GSH, ciclizando e dando origem a espécies reactivas de oxigénio (ROS), que podem ser destoxificadas pela glutationa reduzida. Na ausência de GSH suficiente, as ROS podem reagir com a hemoglobina e danificá-la nos eritrócitos. Por outro lado, os metabolitos reactivos do fármaco podem reduzir a GSH e formar mais glutationa oxidada (GSSG). Tanto os metabolitos N-hidroxilo como os 5-hidroxilo causam dano no eritrócito in vitro e danificam o citoesqueleto, incluindo a formação de aductos da proteína da hemoglobina. A deplecção da glutationa eritrocitária aumenta marcadamente a citotoxicidade dos metabolitos N-hidroxilo in vitro. In vivo ocorre remoção dos eritrócitos danificados prematuramente pelo baço. Outra causa deste tipo de anemia hemolítica pode dever-se à alimentação com favas. Estas contêm vicina, um beta-glicosídeo, que é clivado no intestino a divicina. Foi demonstrado que a divicina causa deplecção da GSH, stress oxidativo, e dano oxidativo na hemoglobina através das ROS, nos eritrócitos in vitro, e nos eritrócitos de ratos in vivo. As células expostas in vitro ficam com forma de estrela (ponteadas) e a hemoglobina liga-se covalentemente ao citoesqueleto do eritrócito. A exposição in vivo de ratos à divicina causa hemoglobinúria e aumento do baço, em simultâneo com a perda de eritrócitos e a deplecção de glutationa nestes. A hemoglobulina desnaturada e oxidada forma agregados que podem ficar agarrados à superfície interna do eritrócito, conhecidos como corpos de Heinz. Tal leva a danos no eritrócito, podendo resultar na sua destruição directa, o que pode ser demonstrado in vitro, ou, in vivo, na sua remoção de circulação pelo baço. Se a ingestão de favas estiver na origem desta desordem, denomina-se de favismo. Como a enzima glucose-6-fosfato desidrogenase é intrínseca ao eritrócito, a exposição in vitro de células com deficiência nesta enzima a fármacos que com ela interajam leva ao dano e morte celular. Outros factores genéticos semelhantes que permitem um aumento da resposta prendem-se com os que afectam a mais directamente a hemoglobina. Assim, existem características genéticas em que a própria hemoglobina é susceptível a fármacos como as sulfonamidas. A exposição a determinados fármacos, como a primaquina ou a dapsona, podem oxidar a hemoglobina a metahemoglobina, e esta é incapaz de transportar o oxigénio. Os indivíduos que possuam deficiências genéticas especifícas na metahemoglobina reductase não são capazes de a remover, estando sujeitos a sofrer de cianose. Outro exemplo de um aumento de resposta determinada geneticamente é o aumento da sensibilidade ao álcool em indivíduos de origem Oriental.
Factores Genéticos Que Afectam A Disposição Do Composto
[editar | editar código-fonte]Este factor, em que a eliminação de compostos é afectada, parece ser a mais importante em termos de toxicidade dos xenobióticos. A variabilidade na população humana faz com que as terapias farmacológicas sejam imprevisíveis e seja difícil saber qual o risco associado a cada substância química. O paracetamol permitiu-nos obter uma indicação sobre a escala de variabilidade, em que as taxas metabólicas de oxidação encontradas variam numa escala de 10 vezes em voluntários humanos. A taxa mais elevada de metabolização, que ocorreu em 5% da população estudada, é comparável com a obtida em hamsters, a espécie mais susceptível à hepatotoxicidade do paracetamol. No entanto, os indivíduos com as taxas mais baixas deverão ser relativamente resistentes à hepatotoxicidade, tal como acontece com os ratos. Este exemplo alerta para a problemática de se optar por um único modelo animal para tentar prever a toxicidade e riscos para a população humana, muito heterogénea. Esta variação parece dever-se apenas em parte às variações genéticas, existindo vários factores ambientais que podem também afectar a disposição do fármaco. Deficiências genéticas de determinadas enzimas, que afectam a eliminação de xenobióticos, ocorrem quer no Homem, quer em animais, como é o caso do rato de Gunn, que possuí uma deficiência na glucuronosil tranferase. Foi descrito no Homem defeitos semelhantes, como é o caso da síndrome de Gilbert e da síndrome de Crigler-Najjar, que se encontram associadas à redução da glucuronil transferase e consequentemente à capacidade reduzida de conjugação da bilirrubina. A administração de fármacos que competem com a enzima na conjugação com os glucuronideos, pode levar a que os níveis de bilirrubina não conjugada na corrente sanguínea aumentem de tal forma que sejam capazes de causar dano cerebral.
Polimorfismo Da Acetilação: Fenótipo Acetilador
[editar | editar código-fonte]Um dos factores genéticos melhor descritos que influencia a eliminação e metabolismo de fármacos é o fenótipo acetilador. Há mais de 30 anos que se sabe que alguns fármacos que são acetilados (protótipo: isotiazida) sofrem variações na quantidade acetilada pela população humana. Estas variações têm uma base genética que não obdece a uma distribuição gaussiana, mas pode ser interpretada como bimodal, sugerindo a existência de polimorfismo genético. Os dois grupos de indivíduos são denominados de “acetiladores rápidos” e “acetiladores lentos” devido às diferenças na quantidade e taxa de acetilação. Vários fármacos possuem este tipo de polimorfismo, como é o caso da isoniazida, da hidralazina, da procainamida, da dapsona, da fenelzina, da aminoglutetimida, da sulfametazina, e dos metabolitos de cafeína, assim como provavelmente das aminas aromáticas como a benzidina carcinogénica e as aminas heterocíclicas como o PhIP (2-amino-1-metil-6-fenilimidazol[4,5-b]piridina). O polimorfismo de acetilação é um importante factor genético em várias reacções toxicológicas, embora a indução de cancro por aminas heterocíclicas e aromáticas seja complexa.
As aminas aromáticas como a benzidina, 4-aminobifenil e 2-aminonaftaleno podem causar cancro da bexiga, e as evidências epidemiológicas sugerem que existe um maior risco associado à exposição ocupacional do fenótipo acetilador lento. Pelo contrário, as aminas heterocíclicas produzidas durante o cozimento de alimentos, tal como o PhIP, podem causar cancro do cólon, e evidenciam um maior risco em acetiladores rápidos.
Estudos na população humana sugerem que o fenótipo acetilador depende de um único gene, com dois alelos, em que o genótipo “acetilação lenta” ocorre com um locus genético único autossomal, segundo a lei de Mendel, sendo recessivo. No entanto , a relação dominante-recessiva não é clara. Estudos genéticos em coelhos, ratinhos e hamsters indicam a existência de uma expressão co-dominante destes alelos, pelo que se pode considerar a existência de 3 genótipos possíveis com os seguintes arranjos dos alelos lentos (r) e rápidos (R): rr, rR, e RR, que correspondem respectivamente a acetiladores lentos, intermédios e rápidos.
Contudo, a distinção dos 3 fenótipos na população humana está dependente do método usado e do fármaco administrado em particular, pelo que pode não ser possível distinguir o grupo de heterozigóticos rR do grupo de homozigóticos dominate (acetiladores rápidos). O fragmento genético afecta especialmente a actividade ou a estabilidade da enzima N-acetiltransferase NAT2. As mutações neste gene permitem formar várias variantes alélicas, resultando numa diminuição da actividade ou estabilidade, e a actividade pode variar até 100 vezes. Assim, os acetiladores lentos têm uma reduzida actividade enzimática nos tecidos.
Por esta razão, os substratos da NAT2 designam-se de polimórficos e os substractos para a NAT1 de monomórficos. No entanto, actualmente reconhece-se que a NAT1 também pode ter variações genéticas, havendo 22 variações de alelos, mas estas são menos prevalentes do que as que afectam a NAT2, o que confere menor variação genética à NAT1. Assim o ácido p-aminossalicílico é metabolizado pela NAT1, ainda que alguns estudos sugiram uma distribuição bimodal em humanos.
Contudo o quadro não é totalmente claro para os substratos do NAT1. Por exemplo, o ácido p-aminobenzoíco é outro substrato da NAT1 e um estudo sugere que nos indivíduos com fenótipo de acetiladores rápidos ou lentos para a NAT2, não existe uma distinção fenotípica clara para a NAT1. Este facto pode dever-se às diferentes variantes alélicas para cada NAT, podendo estas serem reguladas independentemente. No entanto, algumas substâncias químicas são substrato quer da NAT1 quer da NAT2, e assim, nos acetiladores lentos para NAT2 as deficiências na actividade podem ser causadas pela NAT1. Como esta também pode metabolizar um substrato particular, o efeito total da variação fenotípica na NAT2 pode ser modulado.
Estudos in vitro, utilizando o fígado de coelhos com fenótipo de acetiladores rápidos e lentos, demonstraram pequenas diferenças na acetilação de substratos monomórficos (2-2,5x) como o caso do ácido p-aminobenzóico, e muito mais pequenas que nos substratos polimórficos (10-1000x).
Porém, usando substratos polimórficos na enzima isolada, não se encontrou qualquer correlacção entre o Km (afinidade da enzima para o substrato) e o estado de acetilação; apenas se verificou essa correlação nos substratos monomórficos. É de notar que tanto o ácido p-aminobenzóico como o ácido p-aminossalicílico são carregados negativamente a pH fisiológico.
Estudou-se a actividade da N-acetiltransferase in vitro em coelhos e verificou-se que esta possuía uma distribuição tri ou bimodal. Os dados de Km e de Vmax (velocida máxima), obtidos no isolamento da enzima N-acetiltransferase dos coelhos e usando o ácido p-aminobenzóico e p-aminosalicilico, mostraram diferenças notáveis entre os genótipos e suportam a hipotése que as enzimas dos acetiladores rápidos e lentos são estruturalmente diferentes. Já os animais heterozigóticos obtiveram valores enzimáticos intermédios aos obtidos nos animais homozigóticos. Assim, a enzima do acetilador lento teve maior afinidade para estes substractos em particular, mas menor capacidade que a enzima dos acetiladores rápidos. Admite-se que, nos coelhos, a N-acetiltransferase de fenótipo lento se encontra provavelmente saturada in vivo para concentrações normais de fármaco, e consequentemente, opera na sua capacidade máxima, enquanto que as enzimas de fenótipo rápido possuem um Km de tal forma elevado que lhes permite permanecerem insaturadas e na sua capacidade máxima. Para um substracto monofórmico a taxa de metabolismo geral, in vivo, deve ser semelhante. Para um substracto polimórfico (ex: sulfametazina e procainamida), o valor do Km encontra-se muito aumentado e mais semelhante nos dois fenótipos, enquanto que os valores de Vmax estão acentuadamente diferentes, e consequentemente o metabolismo in vivo destes compostos é diferente nos dois fenótipos. Destaca-se que no hamster a situação é contrária. O ácido p-aminobenzóico e p-aminossalicílico são acetilados polimorficamente, e a sulfametazina e a procainamida são acetiladas monoformicamente.
Assim, tanto no Homem como noutras espécies, a base para o polimorfismo acetilador tem diferenças qualitativas na NAT2, e em alguma extensão na NAT1, resultando de mutações. Podem também ocorrer modificações póstranslacionais nos produtos dos genes primários. Nos ratinhos, existem evidências de outros factores, como os genes modificadores, que podem afectar a expressão da actividade da acetiltransferase.
O fenótipo acetilador é responsável por inúmeros efeitos tóxicos dos xenobióticos, incluindo a carcinogenicidade das aminas aromáticas. Os acetiladores lentos estão expostos a maiores riscos, provavelmente porque a acetilação protege os grupos amino ou hidrazina da activação metabólica. Assim, no caso das aminas aromáticas carcinogénicas, tal como a benzidina, sugere-se que os acetiladores lentos sejam mais susceptíveis ao cancro da bexiga, embora existam dados discordantes. Por outro lado, evidências sugerem que os acetiladores rápidos podem ter maior risco colorrectal, possivelmente como resultado da exposição a aminas aromáticas. A pirólise durante o cozimento dos alimentos produz várias aminas mutagénicas e carcinogénicas, usualmente acetiladas. No entanto, para além de N-acetilação, que permite a destoxificação, pode ocorrer O-acetilação com consequente formação de produtos tóxicos e potencialmente cancerígenos. Os estudos mostram que ratinhos acetiladores rápidos têm uma maior formação de aductos de ADN com o 2-aminofluoreno que os ratinhos acetiladores lentos. Em algumas espécies, como algumas aminas aromáticas (como o 2-aminofluoreno) são metabolizadas equitativamente pela NAT1 e NAT2, o impacto do fenótipo acetilador no risco de cancro pode ser minimizado dependendo da combinação de mutantes alelos presentes.
Vários factores genéticos, incluindo o fenótipo acetilador, operam juntos, influenciando a toxicidade, como é o caso da anemia hemolítica causada pela tiazolsulfona, que ocorre particularmente nos indivíduos que têm deficiência na glucose-6-fosfato desidrogenase e são também acetiladores lentos.
O polimorfismo acetilador possui uma interessante distribuição étnica em humanos, que pode ter implicações importantes no uso de diferentes fármacos em diferentes partes do mundo. Sendo um factor de toxicidade de diversos fármacos, o polimorfismo genético da acetilação pode também influenciar a eficácia do tratamento. Por exemplo, o tempo de semi-vida plasmática da isoniazida está duas ou três vezes mais aumentada, e a concentração é mais elevada nos acetiladores lentos em comparação com os acetiladores rápidos. Consequentemente, os efeitos terapêuticos tenderão a aumentar nos acetiladores lentos devido há maior exposição dos microorganismos a concentrações elevadas de fármacos.
Polimorfimos No Citocromo P-450
[editar | editar código-fonte]- Polimorfismo CYP2D6 (estado hidroxilador)
Os factores genéticos também afectam a via de oxidação de fase 1. Estudos sobre deficiências no metabolismo da difenilhidantoína em 3 famílias e sobre deficiências na desetilação da fenacetina em certos membros de uma família permitiram indicar uma possível componente genética nas reacções microssomais mediadas por enzimas. Ambos os casos resultaram num aumento da toxicidade. Assim, a difenilhidantoína, usada geralmente como um anticonvulsionante, normalmente sofre hidroxilação aromática e os correspondentes metabolitos fenólicos são excretados como glucuronideos. Uma deficiência na hidroxilação resulta num prolongamento dos níveis elevados de difenilhidantoína na corrente sanguínea e na ocorrência de efeitos tóxicos, tal como nistagmus, ataxia e disartria. A deficiência na capacidade de hidroxilação da difenilhidantoína é hereditária, sendo transmitida de forma dominante. A deficiência na desetilação da fenacetina foi descoberta num paciente, ao qual foi administrada uma pequena dose de fármaco, que lhe provocou metahemoglobinémia. Estes efeitos tóxicos foram observados na irmã do patiente, mas em mais nenhum outro membro da família. Verificou-se que o metabolismo da fenacetina, quer no paciente, quer na irmã, envolvia a produção de uma elevada quantidade de metabolitos que normalmente aparecem numa concentração reduzida (2-hidroxifenacetina e 2-hidroxifenetidina), tendo ocorrido também uma redução na excreção do paracetamol, o maior produto metabólico da desetilação em indivíduos normais. Isto sugere o envolvimento de transmissão genética autossómica recessiva, sendo os metabolitos 2-hidroxilados a causa mais provável da metahemoglobinémia. Estas observações iniciais que sugerem o envolvimento dos factores genéticos na oxidação de xenobióticos, foram confirmados em estudos do metabolismo da debrisoquina, um fármaco anti-hipertensor. A oxidação benzílica na posição 4 do anel alicíclico parece estar deficiente em 5 a 10% da população branca da Europa e América do Norte. Tal é detectado como uma distribuição bimodal quando se compara a razão metabólica entre a 4-hidroxidebrisoquina urinária e a desidroquina, com a frequência de ocorrência na população. Os dois fenótipos detectados são conhecidos como metabolizador pobre ou lento (MP) e metabolizador extensivo ou rápido (ME), e o fenótipo do MP comporta-se como autossómico recessivo. Assim, os ME podem ser homozigóticos (DD) ou heterozigóticos (Dd), enquanto os MP, apenas se manifestam em homozigotia (dd). Os MP sofrem efeitos farmacológicos exagerados após uma dose terapêutica do fármaco, como resultado da elevação dos níveis plasmáticos do fármaco não modificado. Já os ME excretam 10 a 200x mais 4-hidroxidebrisoquina que os MP. Esta deficiência estende-se a mais de 20 fármacos diferentes, e a diversos tipos de reacções de oxidação metabólica. Por exemplo, a desmetilação da codeína, a oxidação da espartaína, e a hidroxilação do bufuralol mostraram-se todos polimórficos. No entanto, existem várias reacções adversas a medicamentos, associadas aos MPs. Por exemplo, a perhexilina pode causar danos hepáticos e neuropatia periférica nos MP, uma vez que o tempo de semi-vida é significativamente prolongado. A acidose láctica pode ser associada ao uso de fenformina no MP. Estes têm uma resposta diminuída no alívio da dor pela codeína, pois o metabolito produzido pelo CYP2D6 é a morfina, que é responsável pelo efeito analgésico. A base bioquímica desta característica é a ausência quase completa de uma forma do citrocromo P450, o CYP2D6. Parecem existir várias mutações responsáveis pelo fenótipo MP, tendo sido descritos pelo menos três alelos mutantes para o gene do CYP2D6 em pacientes MP. Foi descrito um elevado número de mutações, em que algumas delas parecem afectar a actividade da enzima. No entanto, para alguns dos substratos do polimorfismo, como o bufuralol, a cinética bifásica foi demonstrada in vitro. Estes dados, juntamente com os estudos realizados, utilizando inibidores como a quinidina, específica para a debrisoquina hidroxilase do citocromo P450, indicaram o envolvimento de duas formas funcionais diferentes das isoformas do citocromo P450. Estas duas formas diferem na medida em que uma tem um baixa afinidade enquanto a outra tem uma afinidade elevada, e apenas uma delas se encontra sob controlo polimórfico. O metabolismo do bufuralol é complicado dado ser esteroespecífico. A hidroxilação alifática (1-hidroxilação) é selectiva para o isómero (+), enquanto que a 4 e 6-hidroxilação aromáticas, são selectivas para o isómero (-). Ambas as hidroxilações aromáticas e alifáticas do bufuralol estão sob o mesmo controlo genético, e a selectividade está virtualmente abolida nos PM. Apenas a elevada afinidade polimórfica da enzima é esteroespecífica; a baixa afinidade enzimática não o é. Estudos com a esparteína têm ainda demonstrado a existência de duas isoenzimas envolvidas no metabolismo a 2- e 5-desidroesparteína. Assim, há uma elevada afinidade para a forma sensível à quinidina e uma baixa afinidade no que diz respeito há forma insensível à quinidina. A formação dos metabolitos pelas duas isoenzimas é contudo, qualitativa e quantitativamente diferente. Ambas as isoenzimas apresentam grandes diferenças inter-individuais, mas a baixa afinidade da enzima parece não ser controlada pelo polimorfismo da debrisoquina. A elevada afinidade da isoenzima parece dever-se a aloenzimas do citocromo P-450; isto é, diferentes formas enzimáticas provêm de um único gene. Cada vez mais se reconhece a importância destes polimorfismos na susceptibilidade a doenças humanas, como o cancro. Por exemplo estudos em humanos com aminobifenil, uma substância cancerígena do fígado e bexiga, tem demonstrado que tanto o fenótipo acetilador e o estado hidroxilador são importantes na formação de aductos. Outro exemplo de polimorfismo genético ocorre com a 4-hidroxilação aromática no fármaco mefenitoína. A deficência na hidroxilação ocorre em 2 a 5 % dos Caucasianos e em 20% dos Japoneses, sendo um fragmento autossómico recessivo. A forma da enzima do citocromo P-450, CYP2C19, nos MP possui um elevado km e um baixo Vmax. A outra via do metabolismo, a N-desmetilação está aumentada nos MP. Assim como com a hidroxilação do bufuralol, a hidroxilação é estereosselectiva. Apenas a S-mefenetoína sofre 4-hidroxilação aromática e apenas esta via é afectada pelo polimorfismo. O isómero R sofre N-desmetilação. Os MP podem sofrer uma resposta central exagerada quando lhes são administradas doses terapêuticas. Existe uma variação considerável na expressão do CYP3A4 nos indivíduos humanos. Tal pode ocorrer devido a exposição na dieta ou através de químicos industriais ou fármacos. A variação genética foi estudada, em Filandeses, Tailandeses e na raça negra. 2,7% dos Filandeses têm uma variante alélica designada de CYP3A4*2. Esta modificação no código genético leva a uma modificação de um aminoácido (aa) na enzima, o que diminui a sua actividade intrínseca quando determinada in vitro com a nifedipina como substrato. O Vmax encontrou-se reduzido e o Km 5x mais aumentado. Tal permite-nos concluir que o substrato para esta enzima pode ser menos metabolizado em indivíduos que possuam a enzima mutante. A mutação não foi encontrada nos Tailandeses e na raça negra. Outra mutação no CYP3A4 foi encontrada na população Chinesa, sendo associada à redução da razão do 6-β hidroxilcortisol a cortisol, indicador da actividade metabólica in vivo.
- Metabolismo do Álcool
Outra reacção de oxidação com variação na população humana é a oxidação do etanol. Esta encontra-se significativamente reduzida em índios Canadianos comparados com os Caucasianos, estando os índios mais susceptíveis aos efeitos das bebidas alcoólicas. A taxa de metabolismo in vivo dos índios é de 0,101g Kg-1 hr-1, e a dos caucasianos de 0,145 g Kg-1 hr-1. Tal parece dever-se a variações da álcool desidrogenase, embora também possam estar envolvidas diferenças na aldeído desidrogenase. Também foram descritas nas populações Caucasianas e Japoneses variantes da álcool desidrogenase que permitem um aumento do metabolismo.
- Actividade da Esterase
As reacções de hidrólise também podem sofrer influências genéticas como é o caso da enzima plasmática pseudocolinesterase, responsável pelo metabolismo e inactivação do fármaco succinilcolina. Alguns indivíduos podem ter uma deficiência na capacidade de realizarem hidrólise e, consequentemente inactivarem este fármaco. Esses indivíduos têm uma forma de enzima com actividade hidrolítica diminuída, e o tempo de semi-vida do fármaco encontra-se dramaticamente aumentado. Assim, podem ser afectados pelo fármaco durante duas a três horas em vez dos comuns dois-três minutos. Em casos extremos, pode-se verificar apneia resultante do bloqueio neuromuscular prolongado e relaxamento muscular causado pelo fármaco. Estudos em famílias são consistentes com uma deficiência ligada ao alelo recessivo regido por um gene autossómico autónomo com dois alelos. Os três genótipos manifestam-se em dois fenótipos: hidrólise rápida e lenta da succinilcolina, embora uma análise mais cuidadosa possa revelar três. Assim a pseudocolinesterase atípica ocorre em indivíduos homozigóticos com o gene anormal, os indivíduos homozigóticos com o gene normal têm a enzima normal e os heterozigóticos produzem uma mistura destas enzimas. O alelo tem uma frequência de 2% nas populações estudadas (Ingleses, Gregos, Portugueses e Africanos do Norte), mas encontra-se ausente em outras populações como os Japoneses e Esquimós. As várias variantes atípicas da enzima podem ser distinguidas utilizando inibidores específicos.