Heloisa Gabriela Gregório

Fonte: Wikiversidade

Relatório individual[editar | editar código-fonte]

Este relatório registra a minha experiência individual como aluna participante na disciplina ACH- 3707 -Seminários de Políticas Públicas Setoriais II - Multiculturalismo e Direitos ministrada no segundo semestre de 2016, pelo Professor Dr. Jorge Alberto Machado, no âmbito do curso de Gestão de Políticas Públicas da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo (EACH-USP).

A disciplina propõe leituras e discussões que atualizam os alunos sobre a questão indígena no Brasil, e a realização de uma atividade de intercâmbio cultural fora da sala de aula, na forma de uma viagem de campo à Aldeia Rio Silveiras em Bertioga/SP.

A reserva indígena Aldeia Rio Silveiras[editar | editar código-fonte]

A reserva indígena da Aldeia Rio Silveiras fica localizada na altura do quilômetro 183 da Rodovia Manoel Hipolyto Rego, na divisa entre os municípios de Bertioga e São Sebastião, ao sul do município de Boracéia, no estado de São Paulo. Lá vivem em torno de 120 famílias de índios da etnia tupi-guarani, em uma área de 948,40 hectares de Mata Atlântica.

A paisagem conta com águas claras que correm por pedras em toda região, cachoeira e rica vegetação. Seus moradores se dedicam a agricultura familiar e à produção de artesanato típico, e habitam em casas simples de pau-a-pique, feitas com madeira da própria aldeia. A reserva também conta com uma escola especial personalizada para as crianças locais.

Visita do grupo à Aldeia[editar | editar código-fonte]

No dia 28/09/2016, às 09h00, o ônibus cedido pela Universidade São Paulo saiu da Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH-USP) em direção à reserva indígena da Aldeia Rio Silveiras, em Bertioga-SP. A viagem durou cerca de 3h. Ao chegar à reserva, o grupo recebeu boas vindas e desembarcou o material trazido para a estadia. Logo depois foram montadas as barracas com a ajuda dos moradores locais, que foram muitos solícitos em ajudar

Os três dias na aldeia foram de compartilhamento de cultura por parte dos indígenas, que nos apresentaram o cacique Mariano como porta voz da comunidade. O cacique respondeu com bom humor e simpatia a todas as perguntas feitas pelo grupo sobre seus rituais e suas práticas culturais e de como a vida da comunidade se relacionava com a dinâmica social fora da aldeia. De mesmo modo amigável, o Pajé da aldeia nos acolheu todas as noites na casa de reza, lugar de espiritualidade e de agradecimento dos indígenas, onde vivemos momentos de rico e simbólico intercâmbio cultural.

Os dias de convivência com os índios da Aldeia Rio Silveiras também contaram com: atividades temática elaboradas pelos alunos; apresentação de dança pelos indígenas; trilhas para conhecer a bela região da reserva; confraternização na fogueira; banho no rio; prática de arco e flecha; futebol e pesca.

Todos os dias de integração a comida foi preparada carinhosamente pelas mulheres da aldeia, que sempre se mostraram bastante simpáticas e solícitas.

A minha percepção como visitante[editar | editar código-fonte]

A interação das crianças com o grupo foi muito acentuada. Apesar da presença de jovens da aldeia, as crianças se mostraram bastante felizes com a presença do grupo, sendo as pessoas da aldeia com as quais o grupo mais se socializou.

A simplicidade de vida e a relação sensível dos moradores com a natureza foi uma observação prazerosa, visto que para entrar em contato com o meio natural muitos membros do grupo se equipam com diversos recursos, de fato exigidos devido ao diferentes modos de vida.

Ao meu ver, a Aldeia Rio Silveiras parece estar satisfatoriamente contemplada em saneamento básico, suprindo essa necessidade de seus moradores. Essa minha percepção se baseia em experiência anterior na aldeia guarani Tekoá no pico do Jaraguá, que, diferentemente, não contava com esse tipo de serviço, e sofria com os impactos negativos de ocupações irregulares a jusante do seu principal rio. Ainda que outras questões como saúde especializada, e outras demandas possíveis estejam em falta, a priori, se tem uma percepção de que os seus habitantes conseguem viver em considerável nível de tranquilidade e bem estar.

Nos trajetos e trilhas, foi percebido por mim e por outros colegas que só havia a presença dos homens da aldeia; mesmo em relação às crianças, apenas os meninos nos acompanhavam, o que nos fez pensar que na aldeia indígena a mulher tem um papel diferenciado dentro da estrutura social daquela comunidade, que pode indicar uma situação subalterna.

Para mim, de toda a experiência junto à aldeia, o ponto de maior emoção foi o convite para que nos juntássemos aos membros da aldeia na sua casa de reza. A experiência foi fabulosa e desenvolveu em mim respeito e solidariedade para com a aldeia e a todos os indígenas que querem o merecido direito de poder viver o seu modo de vida em paz.

Considerações finais[editar | editar código-fonte]

Como assinala Clastres (2013), não existe uma escala abstrata em que seja possível classificar as sociedades em superiores ou inferiores em relação à sua economia ou técnica: cada comunidade humana desenvolve as técnicas apropriadas aos seus propósitos.

A aldeia Rio Silveiras tem uma dinâmica diferente da observada nas grandes cidades, nas quais a relação com o tempo e trabalho objetivam a acumulação de riquezas e o consumo conspícuo. No obstante, a aldeia vive cercada por esses tipos de relações, não podendo ignorá-las por completo. Por exemplo, há um interesse da comunidade pelo uso de tecnologias produzidas fora da aldeia. inclusive alguns de seus membros se envolvem ativamente na economia externa à aldeia, seja ou não como estratégia para ampliar o acesso da aldeia a determinados bens e serviços, sem, no entanto, desvincularem totalmente de seus costumes.

Ao conviver de perto com a população guarani na aldeia, percebemos que a forma simples com que se relacionam com os meios e com a natureza, expõe ela a preconceitos etnocêntricos. Fica evidente que estão a merce de toda forma de discriminação que vem de fora por ainda manterem seus costumes. Segundo Meneses (1999):

"É verdade que os povos mais primitivos têm uma forte rejeição etnocêntrica dos povos circunvizinhos. Porém nada se compara com o etnocentrismo combinado com o sentimento de superioridade que o grupo ou nação dominante dedica aos dominados e oprimidos. Considerá-los sub-humanos, ou seres humanos de segunda classe, é pretexto e efeito de uma relação de dominação"

Assim a experiência passa a ser maior do que "saborear ou 'curtir' a diferença que constitui o Outro, como uma curiosidade, como 'atração turística' " como descreve Meneses (1999, p.19). A partir do convívio sentimos que a cultura do próximo e tão importante para ele como a nossa é para nós e de que o repeito e ajuda à comunidade será um bem para todos.

Bibliografia[editar | editar código-fonte]

Meneses, Paulo."Etnocentrismo e relativismo cultural: algumas reflexões". Revista Symposium. Ano 3. Número Especial. 1999

Clastres, Pierre. A Sociedade Contra o Estado: Pesquisas de antropologia política. São Paulo. Cosac Naify. 2013