História Oral - Fernanda Alexandre Brandão Fonseca
Fernanda Alexandre Brandão Fonseca
Metrô e sua relação, participação com a Ditadura Militar no Brasil
O objetivo deste trabalho é resgatar memórias e relatos de trabalhadores, sindicalistas, opositores da ditadura militar (1964-1985) que sofreram violações dos direitos humanos pelo apoio político, ideológico e financeiro das empresas na qual trabalhavam.
O processo da pesquisa iniciou a partir do documentário “Cumplices? A Volkswagen e a ditadura Militar no Brasil”, que expõe mais que a proximidade, a colaboração da Volkswagen no Brasil com a ditadura instalada a partir de 1964.
A participação de empresas privadas e concessionárias de serviços públicos no êxito do golpe militar de 1964, assumiu diversas formas, desde apoio ideológico e político passando por apoio financeiro e de materiais até chegar ao apoio as estruturas de repressão e tortura do governo ditatorial brasileiro. Desta forma, através da unidade entre empresários e militares iniciou-se um processo ideológico de posicionamento do trabalhador como subversivo e inimigo nacional.
Para a execução desse plano, estratégias de controle foram instituídas, contando inclusive com a presença física de agentes de repressão dentro das fábricas e empresas público privadas. Essas intervenções estenderam-se para os sindicatos, culminando em perseguições, prisões e torturas contra empregados sindicalizados.
A repressão aos trabalhadores sindicalizados começava no processo de seleção, com base em um rígido e criterioso processo de avaliação político ideológico que visava verificar o alinhamento do candidato ao emprego com o sindicalismo grevista, esse processo de retaliação gerou uma classe trabalhadora despolitizada, em virtude da desarticulação da organização operária que ganhava corpo desde 1946.
O Metrô – Companhia do Metropolitano de São Paulo, foi uma das empresas em conjunto com os órgãos de repressão do Estado, que monitorava os trabalhadores da empresa. Por ter sido aclamado e inaugurado como grande obra durante o regime militar, as forças repressivas sempre dificultaram a organização da associação de funcionários e do sindicato.
Portanto, com interesse em estudar a história oral pela memória de trabalhadores que vivenciaram esse período ditatorial e sofreram a repressão militar em seu local de trabalho, realizei uma entrevista estruturada em 4 perguntas de caráter exploratório a uma ex-funcionária do metrô, minha mãe.
- Processo de contratação
- Participação na luta sindical dos metroviários
- Assembleias sindicais
- Funções exercidas
Jacinta Alexandre da Silva, 66 anos, Assistente Social aposentada, sendo 25 anos dedicados no Metrô de São Paulo. Entrou no Metrô no ano de 1979 assumindo a função de secretariado 1, no departamento administrativo do Metrô em um edifício localizado na estação da Sé região central de São Paulo.
Iniciei minha vida profissional em 1975, passando por grandes empresas de telecomunicações como Plessew e Telefunc, depois trabalhei temporariamente exercendo funções administrativas na Vasp e Transbrasil. Fui indicada por uma amiga para trabalhar como escrituraria no Metrô. Na época não encontrava dificuldade para arrumar emprego, hoje reconheço que ser sobrinha e enteada de militar me trouxeram privilégios de exercer cargos em grandes empresas estrangerias como pelas quais trabalhei.
Relembrar o processo seletivo do Metrô me causa um certo desconforto por não ter visualizado a grandeza da discriminação e preconceito imposto aos candidatos na época. À primeira fase do processo passávamos por entrevistas e testes psicotécnicos. A todo momento com abordagens e questionamentos sobre o comportamento do candidato em atividades comunitárias, social e política. Como em casa não havia opositores ao sistema não entendia tais questionamentos, mas presenciei outros candidatos serem destratados com muita ironia e arrogância por serem estudantes.
Logo que fui admitida conheci Mauricio, um companheiro de trabalho que me apresentou o sindicato dos metroviários, cheguei a participar de assembleias, piquetes, mas nunca me filiei ao sindicato por receio e medo, não só por possíveis retaliações por partes dos chefes, militares como também os meus familiares também militares. Como sempre trabalhei no setor administrativo meu único contato sobre os assuntos do sindicato foi através do Mauricio, a maioria das assembleias e reuniões era no pátio no Jabaquara e Itaquera onde fica os “peões”, funcionários mais ativos na luta sindical e também mais visados pela diretoria. Como escrituraria participei de diversas formalizações de demissões logo depois das paralizações, e isso me trazia muita insegurança em participar das greves.
Recordo que uma das greves realizadas no início dos anos 80 em conjunto com metalúrgicos, um metroviário foi morto por militares, a grande maioria das paralizações foi pacífica, e a partir dessa greve não participei mais, como a movimentação sempre foi na frente dos pátios nunca fui impedida em entrar no edifício onde trabalhava, mas hoje compreendo a importância das paralizações e reivindicações. Fui beneficiada pela luta e morte de companheiros de trabalho pelos direitos dos trabalhadores e contra a repressão militar.
Passávamos por avaliações anuais com proposta de receber promoção, e nosso comportamento dentro e fora do ambiente de trabalho era um critério de aprovação. Passei pelos cargos de escrituraria, secretaria auxiliar e assistente social. Quando promovida para o setor de serviço social fui advertida pela forma que me vestia, lembro que comprei um macacão que não era acinturado e fui questionada sobre a vestimenta não ser adequado para função e por ser mulher.
Hoje valorizo e reconheço a importância da luta sindical, política partidária dentro das organizações público privadas. Foi por elas que chegamos nas diretas já, dando fim a um período cruel de muita violência. Adquiri parte desta consciência quando entrei na universidade em 1981, e ao término do curso fui promovida assistente social do Metrô, passando a ter um contato mais direto e profundo com funcionários e familiares de metroviários que sofrerão repressão pela autarquia da empresa, onde alguns foram torturados e mortos pelo regime. Antes de sair do metrô em 1993 cheguei a me filiar no sindicato dos metroviários. Mesmo não tendo contato direto com metroviários que fizeram e deixaram um legado de luta, faço desse relato uma forma de manifestar a importância de buscar a reparação pela perseguição e repressão que os metroviários viveram na ditatura militar.
Desse modo, é possível afirmar, que foram várias as empresas e grandes corporações que apoiaram atos de violação dos direitos humanos dos trabalhadores e da população em geral, tanto de forma direta (financiando os aparatos de repressão) quanto de forma indireta (como cúmplices ou influenciando outros atores sociais). Ou seja, é possível entendermos o papel de disseminação da ideologia que fundamentou o golpe como responsável por inviabilizar a produção e circulação de um discurso de apoio e de respeito aos princípios dos direitos humanos. Linha dura. Anos de chumbo. Porões da ditadura. Milagre econômico. Enfrentar um passado e uma história de violações sistemáticas dos direitos humanos talvez seja um primeiro passo para a compreensão tanto do legado da história empresarial, política, econômica e social brasileira quanto do futuro que se quer construir a partir delas
Referências Bibliográficas:
https://doi.org/10.1590/1984-9240841