História Oral - Vinícius Pires de Campos dos Santos

Fonte: Wikiversidade

“As representações e silêncios na memória e história brasileira: as eleições presidenciais de 1989 e 2022 entre reverberações e paralelos”[editar | editar código-fonte]

Janeiro de 2023 - Vinícius Pires de Campos dos Santos[editar | editar código-fonte]

Trabalho apresentado como parte das exigências da disciplina de História do Brasil II, ministrada pelo Profº. Dr. Paulo Eduardo Teixeira. A fontes consistem nas informações coletadas no site do Tribunal de Justiça, na vara regional do Paraná, juntamente com depoimentos em formatos de áudio digital, provenientes de uma pessoa voluntária, a respeito de suas lembranças e memórias desses períodos.


INTRODUÇÃO:

No processo de restabelecimento da república brasileira, as eleições presidenciais de 1989 ocupam especial importância no quadro histórico do pais, sendo a primeira eleição direta após o fim do período ditatorial, que durou de 1964 até 1985... amargos 21 anos. Na ocasião, Fernando Collor de Melo foi eleito presidente, derrotando no segundo turno o candidato do Partido dos Trabalhadores, Luís Inácio Lula da Silva. 33 anos depois, nas eleições presidenciais de 2022, Luís Inácio Lula da Silva derrotaria Jair Messias Bolsonaro no segundo turno e se tornaria, na vigência desse atual período republicano, o presidente mais vezes eleito no país, assumindo o cargo legislativo pela terceira vez (2002, 2006 e 2022). Do ponto de vista da conjuntura política a nível macro, a historiografia oficial (juntamente com os registros jornalísticos e audiovisuais) se converte em instrumento de conservação das memórias oficiais e exibe, em um panorama bastante geral, a correlação das forças políticas que se colocaram durante as eleições presidenciais de 1989. O presente trabalho também se utilizou do material audiovisual do debate presidencial da época, disponibilizado pela TV Band, por considerar que, principalmente os aspectos qualitativos da própria discussão, servem como importante fonte da memória de um passado recente. Vale ressaltar o fato de que, na ocasião, Fernando Collor, presidente que foi eleito, não tenha participado das discussões. Esse fato se repetiu em 2018, quando Jair Bolsonaro se recusou a participar dos debates públicos relacionados a corrida presidencial e também, apesar da ausência, saiu eleito. A nível micro, somam-se aos registros da história oficial, as memórias individuais das pessoas a respeito das eleições de 89 e 22, sendo um período histórico que conta com diversas testemunhas oculares ainda vivas. Portanto, a percepção de um civil que viveu e principalmente votou nas eleições de 1989 e também nas de 2022, tem capacidade de complementar os olhares sobre esses eventos, e remontar, pensando a partir do presente, quais são as memórias conservadas e os silêncios históricos desses dois períodos tão marcantes para a história brasileira.


OBJETIVO:

O presente texto tem por objetivo elaborar uma reflexão teórica de caráter ensaísta que possa articular o conteúdo trabalhado na disciplina História do Brasil, especialmente ao longo do segundo semestre, com aspectos históricos e sociológicos da formação da República Federativa do Brasil e sua consolidação, estabelecendo paralelos entre as eleições presidenciais de 1989 e a mais recente, de 2022. Ademais, tendo por bases preceitos da história oral, figura como objetivo específico deste trabalho o intercruzamento das informações obtidas institucionalmente em canais digitais que resguardam a historiografia oficial (site do TSE), com a busca por aquilo que Michael Polak, em “Memória, esquecimento e silêncio” viria a intitular de “memórias subalternas”, que consiste, neste caso, no depoimento oral de uma testemunha ocular, em relação as suas principais lembranças de 1989 e os possíveis paralelos com 2022.


DADOS E REGISTROS DA HISTÓRIA OFICIAL:

Dia 15 de novembro de 1989, uma quarta-feira. Comemoração dos 100 anos da República no Brasil. Quase 21 anos após uma devastadora e truculenta ditadura civil-militar, acontecia o primeiro turno das eleições de 1989. Na ocasião participaram da disputa 22 presidenciáveis, sendo eles: "Affonso Camargo Neto (PTB), Afif Domingos (PL), Antônio dos Santos Pedreira (PPB), Armando Correa (PMB), Aureliano Chaves (PFL), Celso Brant (PMN), Enéas Carneiro (Prona), Eudes Oliveira Mattar (PLP), Fernando Gabeira (PV), Leonel Brizola (PDT), Lívia Mario Pio (PN), Lula (PT), Manoel de Oliveira Horta (PDC do B), Mario Covas (PSDB), Marronzinho (PSP), Paulo Gontijo (PP), Paulo Maluf (PDS), Roberto Freire (PCB), Ronaldo Caiado (PSD), Ulysses Guimarães (PMDB), Zamir José Teixeira (PCN) e Fernando Collor de Mello, que concorreu por um partido pequeno e quase desconhecido, o PRN (Partido da Reconstrução Nacional). Fernando Collor obteve 20,6 milhões de votos (28% do total) e Lula conseguiu 11,6 milhões de votos (16% do total). Ambos disputaram o segundo turno cerca de um mês depois. Collor foi eleito com 35.089.998 votos (53% dos votos válidos). As eleições presidenciais de 89 tomam imensa importância para prevalecimento da democracia brasileira, sendo marcada por um período antecessor de grande agito social em prol do fim da ditadura e o estabelecimento de eleições diretas, materializada no movimento em prol das diretas já. A título de parâmetros para comparação, naquela altura o país tinha um crescimento do PIB estipulado em 3,16% e com uma taxa de inflação estratosférica, contabilizada em um pico de até 1.764,83% ao ano (IBGE/Gazeta do Povo). O governo Collor, em linhas gerais, foi marcado por instabilidade política, econômica e social, além da implementação de ações como o congelamento de preços, aumento de impostos, enxugamento dos gastos públicos, redução do número de ministérios (de 23 para 12 ministérios), demissão de funcionários públicos, privatização de estatais, etc., tendo por ápice dessa inconstância, o episódio do confisco da poupança (e outras formas de contas) da população, com a promessa de devolução num prazo de 18 meses com juros e correção monetária. Além de uma imensa instabilidade social, onde muitas pessoas sentiram-se coagidas a sacar o dinheiro que tinham por medo de perde-lo, essa ação também desencadeou, junto com o clima de frustração e insatisfação, um processo que culminou na abertura de um impeachment e posteriormente, por consequência indireta, a saída de Collor do poder no ano de 1992. Passados mais de 30 anos, no dia 02 de outubro, acontecia o primeiro turno das eleições presidenciais de 2022. Participaram como candidatos oficiais Ciro Gomes (PDT), André Janones (Avante), Leonardo Péricles (UP), Simone Tebet (MDB), Felipe d’Ávila (Novo), Pablo Marçal (Pros), Sofia Manzano (PCB), Vera Lúcia (PSTU), José Maria Eymael (DC), Luciano Bivar (União Brasil), Jair Bolsonaro (PL) e Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Lula obteve no primeiro turno o montante de 57,2 milhões de votos (48,43%), enquanto Bolsonaro, segundo colocado, somou pouco mais de 51 milhões de votos (43,20%). Ambos disputaram o segundo turno cerca de um mês depois, tendo Lula saído vencedor com 60,3 milhões de votos (50,90% do total) contra 58,2 milhões de votos (49,10%), obtidos pelo até então presidente Bolsonaro. A nível de comparação com 1989, o petista assumiu o executivo em 2023 com um crescimento do PIB estipulado no ano anterior em 3,2% e com uma inflação 5,79% (IBGE/Gazeta do Povo), além de uma grande instabilidade causada pelas complicações ocasionadas na economia e em outras áreas sociais durante a péssima gestão de Bolsonaro da pandemia de COVID -19, que contabiliza mais de 600 mil mortes oficiais, aliada a uma visível alta dos preços dos alimentos e do custo de vida em geral, aumento dos combustíveis e entre outras coisas, um corte maciço de verbas da educação de nível superior, com diversas universidades federais sinalizando estado insustentável de funcionamento frente aos confiscos e congelamentos promovidos por Bolsonaro e pelo ex-ministro da economia Paulo Guedes.


MEMÓRIAS E LEMBRANÇAS: RELATOS DE UMA VOLUNTÁRIA:

Pensando a partir de uma correlação com a história oral, buscou-se, para complementação deste trabalho a respeito da questão da memória, o relato de uma pessoa voluntária, que tenha vivido o período referido e que tenha votado nas eleições de 1989 e 2022, para que se possa, a partir de um depoimento sobre suas lembranças a respeito desses processos, suscitar possíveis reflexões sobre silêncios e esquecimentos, lembranças e manutenções; sobre memórias individuais e memórias coletivas; sobre instituições e indivíduos. Por questões éticas e de privacidade, a identidade da participante será preservada. Todavia, suas características são: mulher, branca, aproximadamente 55 anos, trabalhadora eventual (diarista), mãe, viúva. Sua participação se deu mediante a gravação de depoimentos orais em formatos de áudio, enviados via internet por aplicativo digital. A aproximação com a voluntária se deu mediante a conhecidos em comum.


Segue abaixo os principais pontos relatados pela participante durantes os depoimentos em áudio: ·     A voluntária inicia trazendo como ponto importante o fato de que as eleições de 1989 constituiu a primeira vez em que votou.

·     Relembra que antes de 89, tiverem pelo país diversas manifestações de caráter democrático, exigindo as “diretas já”, nome pelo qual ficou conhecido o movimento, além de relacionar esse ponto com os comícios e “showmícios” que aconteciam em prol da mobilização desses movimentos.

·     Afirmou que foi favorável as eleições diretas.

·     Relata recordar das notícias sobre casos de corrupção do governo Collor. Relembra envolvimento do presidente da época com “PC Farias” e afirma que chegou a haver denúncia do próprio irmão de Collor.

·     Diz que o fato mais marcante do governo Collor foi o confisco do dinheiro na poupança: “ aí o povo se revoltou! ”.

·     Depois lembra que se inicia o processo de impeachment... Relembra dos protestos dos Caras Pintadas, visando a queda do governo. Diz que usavam verde e amarelo.

·     Suspeita que Collor havia renunciado antes do impedimento legal. Não tinha certeza.

·     Disse se lembrar do Lula, do Ulisses Guimarães, Brizola e Enéas na corrida presidencial de 89.

·     Afirmou recordar-se que Lula participava dos showmícios lutando pelas diretas já e pela reinstalação do regime democrático.

·     Em um dos trechos, a voluntária afirma: “eu tenho impressão que a história se repete né? Num contexto diferente com personagens diferentes... ou é mera coincidência. ”

·     Quando perguntada sobre a urna que foi usada na ocasião (89), a voluntária afirmou “Então... Não lembro..., mas também não me recordo de ter votado em cédula de papel […]”. Após esse diálogo, a voluntária disse ter buscado mais informações na internet e afirmou que se recordou, depois de ver uma foto, da urna em formato analógico (papel).

·      Questionada sobre os atos antidemocráticos de depredações ao congresso nacional por setores da extrema direita após a posse do Lula, a voluntária disse que apoiava aos atos: “adoro essas manifestações, se pudesse estava lá, com certeza”.


CONCLUSÃO:

A partir de um diálogo mais estreito com as teorizações de Michael Polak em “memória, esquecimento e silêncio”, fica evidente como as lembranças da participante voluntária se mesclam indissociavelmente aos enquadramentos de memória oficiais, ou seja, da historiográficas hegemônicas e, portanto, da prevalência daquilo que as instituições querem conservar, perante aquilo que lembram os indivíduos. A maior parte de suas lembranças se limitam àquilo que já é salvaguardado pela historiografia, trazendo uma perspectiva dominante daquele período histórico, com maior foco na figura de Collor e suas ações políticas. É interessante notar que houve uma aderência da mesma a ideologia política que embasava os pedidos de fim de um estado autocrático ditatorial pela instalação do molde democrático republicano em 1989 e a posterior aderência a lógica antidemocrática de ataque as instituições democráticas em 2022. A questão da participante não se recordar sobre a utilização do voto impresso também é um fato relevante e evidencia um certo silenciamento dessas lembranças na memória coletiva, pois essa informação acaba escamoteada e camufla um debate, levantado por Bolsonaro, a despeito da seguridade da urna eletrônica, afinal, se esse sistema analógico é tão melhor, não seria essa lembrança algo que os apoiadores dessa ideia recorreriam? Não seria uma memória hegemônica? Além disso, mediante ao cruzamento das informações obtidas na pesquisa, juntamente com minhas memórias/relatos meus sobre o período eleitoral de 2022, fica explicito uma gigantesca similaridade histórica de 1989 e 2022 no que se refere a um certo sentimento de prevalecimento da democracia. 89 marcava a primeira possibilidade de a população brasileira exercer o seu direito de escolher a figura de representação máxima da república presidencialista, algo que não acontecia num quadro de quase 30 anos por conta da ditadura civil-militar. Num paralelo histórico, desde sua eleição em 2018, Jair Bolsonaro lançava ataques a segurança e legitimidade dos processos eleitorais no Brasil, deferindo publicamente difamações de caráter antidemocráticas, e fomentando discursos de não reconhecimento de uma possível derrota nas eleições de 2022. Na ocasião, Bolsonaro se elegeu alegando que houve fraude nas eleições e que sua contagem de votos teria sido alterada para menos em 2018. Durante seu governo, porém, não houve sequer uma única prova de que havia indícios reais para afirmações dessa natureza. O ex-presidente relutou em passar a faixa presidencial para Lula e deixou o país um dia antes da posse do petista, e apesar de sua ida, parte significativa do seu eleitorado invadiu o congresso nacional uma semana após a posse do atual presidente, depredando todo o prédio, suas instalações, decoração e obras de arte internas, documentos do estado e de fé pública e outros itens. Esses ataques de caráter antidemocráticos, evidentemente são frutos de uma prática política baseada na desinformação (fake news), da lógica de colocar em xeque a credibilidade das instituições democráticas, da política e até do conhecimento cientifico, tática essa que foi amplamente empregada por Jair ao longo do seu governo e sua campanha para reeleição. Portanto, ficou mais que notório, tanto com a queda de Fernando Collor em 89 quanto com a posterior derrota de Bolsonaro em 2022, que o que prevaleceu foi a vontade popular, organizando a sociedade brasileira em torno de um estado democrático de direito e com o combate sistêmico - oriundos de importantes setores da sociedade - contra as formas de despotismo e aparelhamento da máquina pública, podendo assim, a memória e a sua preservação, ser uma arma contra toda tentativa de instauração de um governo antipopular, repressivo e autocrático.


CONSIDERAÇÕES SOBRE A ELABORAÇÃO DO TRABALHO:

Segue abaixo alguns aspectos que foram relevantes no levantamento das questões que nortearam essa pesquisa.


A.  Fase inicial: elaboração da ideia.

Inicia-se uma dificuldade metodológica de estabelecer um recorte histórico da história do Brasil que tenha suporte e fundamento teórico, analítico e que mantenha preocupações quando a cientificidade e a veracidade dos conteúdos, além de que ter conexões com os acontecimentos do tempo presente. A decisão de elaborar o projeto individualmente tem peso (e liberdade) e exige que se lide com todos os aspectos da pesquisa, tanto em caráter prévio, rascunhando possíveis temas a serem explorados, passando pela estruturação do eixo escolhido, coleta dos dados, elaboração do texto, revisão sistemática, etc. até o momento da entrega. Questões acerca de como decidir o tema, seu recorte histórico e, por consequência, o enquadramento da memória, configuraram como parte das perguntas norteadoras deste trabalho.


B.  Fase intermediária: estruturação e execução.

Durante o processo de estruturação do projeto, a escolha foi iniciar a pesquisa consultando fichamentos elaborados nas aulas conjuntamente com os materiais teóricos da disciplina, notadamente os textos que se vinculam ao tema da memória, da política, da história oral e, sobretudo, da construção do Brasil republicano (de 1889 até hoje). Vinculando esse acúmulo com proposta do trabalho, ficou evidente inclinação de caráter estruturalista (mas não só) que assume o recorte teórico e metodológico desse ensaio/pesquisa, principalmente partindo das elaborações de Michael Polak e suas considerações sobre a memória, onde privilegiasse a análise das instituições sociais e seu papel fundamental no resguarde da memória coletiva e busca-se um diálogo com as lembranças e memórias subalternas. O método empregado é de caráter qualitativo. A execução do trabalho utilizou-se do suporte tecnológico para coletar informações oficiais sobre a corrida eleitoral de 1989 e também dos debates públicos disponibilizados na íntegra - gratuitamente na internet - pelas emissoras de TV. Por outro lado, houve uma busca pelas memórias daqueles que são excluídos, silenciados e marginalizados na construção da historiografia e das memórias oficiais, utilizando da técnica de coleta de relatos, por via de áudios, a respeito das lembranças de uma pessoa voluntária que vivenciou esses dois períodos, porém, claro, afastada de um lugar de protagonismo.


C.  Fase final: apresentação dos resultados e apreciação sobre o projeto

De forma geral, a proposta do trabalho é bastante interessante e possibilita uma busca mais autônoma a respeito da construção da historiografia e da própria história brasileira. Muita coisa foi apagada ao longo da construção do país, o que torna a lembrança e a memória algo de grande contribuição para aqueles que visam entender as relações de causalidade histórica que, de muitas formas e sobre muitas influências, nos trouxeram até aqui. A despeito da apresentação dos resultados, será sistematizada uma apresentação oral em sala de aula na data estipulada pelo professor responsável.

BIBLIOGRAFIA:[editar | editar código-fonte]

ANDERSON, Benedict. Comunidades imaginadas: reflexões sobre a origem e formação do nacionalismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2008, pp. 26-34.

LENHARO, Alcir. Sacralização da política. Campinas. São Paulo: Papirus, 1986, pp. 19-52.

POLLAK, Michael. Memória, esquecimento, silêncio.  Estudos Históricos, Rio de Janeiro, vol. 2, n. 3, 1989, p. 3-15.

Sem autor: PIB do Brasil: histórico e evolução em gráficos. Gazeta do Povo, 2019. Disponível em: <https://infograficos.gazetadopovo.com.br/economia/pib-do-brasil/ >. Acesso em: 11 do 01 de 2022.

STOLS, Eddy. Descobrindo em Marília recantos do Brasil, de sua história e seus historiadores. In: SIMSON, Olga de Moraes von (Org.). O garimpeiro dos cantos e antros de Campinas – Homenagem a José Roberto do Amaral Lapa. Campinas: CMU/IFCH, 2000, pp. 147-164.