História Oral - Vinicius Pereira de Figueiredo

Fonte: Wikiversidade

Percepção de jovens adultos do processo de impeachment da Presidente Dilma Rousseff.[editar | editar código-fonte]

Introdução[editar | editar código-fonte]

Em 2016 um evento catalisou os processos históricos, sociais e políticos do Brasil, o impeachment da presidente eleita democraticamente, Dilma Rouseff, do Partido dos Trabalhadores (PT). Com grande repercussão em todos os aspectos, abriu uma discussão de narrativas acerca da sua motivação, impeachment ou golpe?  Deste modo, buscando trabalhar a percepção desses jovens adultos acerca do fato em seu momento histórico e em 2023, podemos comparar e analisar a influência das narrativas no processo de formação dos brasileiros. Ademais, a escolha do tema surge com a possibilidade de analisar um momento histórico do Brasil no qual estive presente, permitindo dialogar entre a minha memória e os outros jovens entrevistados

Dilma Rousseff durante auditoria militar do Rio de Janeiro, em 1970 - Foto: Arquivo Nacional da Comissão da Verdade

 Como já colocado, o impeachment de 2016 pode ser compreendido como um catalisador de diversos outros processos que o país atravessou, a sua exibição em rede nacional, em uma mídia que no geral é aliada as políticas de seus interesses e alienada dos interesses populares representa um momento de grande expectativa nacional. Embora recente, o evento em seu momento histórico foi amplamente celebrado, aparentava-se ter uma comoção nacional acerca da queda do Brasil, apoiado em grandes manifestações populares. No entanto, essa narrativa sempre contestada, recentemente tem desmoronado. A história, e a sequência dos fatos de 2016, com a ascensão da direita com Temer, a prisão política do Presidente Lula e a eleição da extrema direita com Bolsonaro em 2018 mergulharam o país em um dos momentos mais críticos da democracia, desde de a redemocratização com a pobreza de volta ao cotidiano, a violência política e atentados fascistas contra as instituições demonstraram se tratar de um golpe.

 Diversos foram os economistas, jornalistas, cientistas políticos e intelectuais que buscavam uma causa para os motivos específicos ou um único motivo para o golpe, compreende-se que ele se deu por uma sequência de fatores históricos e das condições particulares em que se encontrava, mas destaco da análise do livro “Por que gritamos golpe? Para entender o impeachment e a crise política no Brasil”, que reúne textos de diversos autores que elaboraram e desenvolveram suas reflexões sobre o tema. Destaco, algumas dessas reflexões.

Para Marilena Chauí, segundo o texto de SHIOTA, 2017 “as relações entre classe média e nova classe trabalhadora esclarecem o apoio destas à hegemonia ideológica da classe dominante em torno das bandeiras do neoliberalismo e do conservadorismo (p. 122)” segundo a autora isso se daria por conta de “uma classe social não é um dado fixo, definido apenas pelas determinações econômicas, mas um sujeito social, político, moral e cultural que age, se constitui, interpreta a si mesmo e se transforma por meio da luta de classes. “ Na concepção de Chauí, o processo é entendido dentro de uma perspectiva marxista, e de classe que se manifesta os interesses de acordo com o momento histórico e de forma não-estática.

Destaco também a compreensão de Murilo Cleto, que em seu texto desenvolve uma concepção que se comprovou com a eleição de Bolsonaro, a instrumentalização da política pela moral e o anti-intelectualismo como características da antilipolítica, termo que diz respeito ao desprezo pela suposta política tradicional, colocando as concepções de mundo pessoais, da moral do indivíduo como determinantes para a condução de uma nação.

“Murilo Cleto prognosticou que a recusa da política institucional tenderia a fortalecer “em seu interior personagens da direita mais reacionária” (p. 48), como Jair Bolsonaro, “o maior representante da antipolítica nacional” (p.48). O ódio à política cria um vazio a ser ocupado por “salvadores da pátria, impostores, moralistas e exterminadores de rostos, multiplicidades, diferenças e intervalos de uma democracia ainda em formação” (p. 48). (SHIOTA, 2017, p. 114)

Em suma, a história oficial ainda está sendo acontecendo, devido ao seu recente acontecimento, no entanto, já há uma perspectiva de qual narrativa saiu “vencedora”, hoje após os eventos narrados, temos consciência do que o golpe representou, com a admissão [1]de ter sido um golpe pelo próprio Michel Temer, vice-presidente na época, pelo atual MDB que assumiu o lugar da presidente Dilma.

Entrevistas[editar | editar código-fonte]

Dilma Rousseff e Michel Temer em 24 de novembro de 2015.

Buscando entender como a disputa das narrativas influenciou na opinião pública durante o golpe, foram feitas sete entrevistas com jovens adultos de diferentes cidades e estados do Brasil. A entrevista foi feita de forma semiestruturada, com as seguintes perguntas norteadoras:

  1.  Como gostaria de se identificar?;
  2. Qual sua idade em 2016 e qual sua idade atualmente?;
  3. Qual seu grau de escolaridade?;
  4. De que cidade e estado acompanhou o impeachment de 2016?;
  5. Você se lembra do impeachment de 2016?;
  6. Você achou justo o impeachment em 2016, no momento em que aconteceu, no caso? Quais acha que foram os motivos dele?”;
  7. Você acredita que depois da saída da presidente Dilma houve algum impacto no país? Negativo ou positivo?
  8. Você mantém a mesma opinião de 2016?
  9. Como você se identificava politicamente impeachment (2016) e como se identifica atualmente?

          

A escolha das perguntas se deu com o a intenção de analisar dois momentos, um primeiro mais geral e objetivo, o perfil dos entrevistados e um segundo, mais subjetivo, acerca das memórias propriamente ditas. Assim, a respeito do primeiro apresentar-se-á de forma breve e nos dedicaremos a discutir o segundo bloco (da pergunta 5 a 9).

Partindo agora para as perguntas mais amplas, ou subjetivas, iniciaremos com “Você se lembra do impeachment de 2016?”. Todos os entrevistados disseram se lembrar, as respostas foram as seguintes:

Você se lembra do impeachment de 2016?
Sim, infelizmente. – Lavinia
Sim. Lembro do rapaz estourando confete, o que na época achei incrível - RDG
Me recordo brevemente do movimento do "o gigante acordou" e toda invasão no Planalto  - Luciana
Lembro de acompanhar todos os acontecimentos, a votação foi um dia muito triste para mim, foi quando comecei a me atentar ainda mais na câmera dos deputados  - Gabriel
Sim, lembro bastante do meme "tchau querida", das manifestações verde e amarelo e de alguns colegas comentando que a Dilma era "ex-presidiária", mas tenho mais memórias de antes e depois do golpe, do que do golpe em si. – Emiliana
Sim. Comemorei o processo achando algo positivo. – Kevin
Lembro da fala de defesa da Dilma no Senado. - Victor

As respostas variam, gostaria de destacar as respostas de RDG e de Kevin, que olharam o momento como algo positivo, enquanto outros como Luciana, Emiliana e Victor possuem ter lembranças mais confusas sobre o momento, assim como apenas Gabriel e Lavinia possuíam uma visão clara do momento como algo negativo.

Você achou justo o Impeachment em 2016, no momento em que aconteceu, no caso? Quais acha que foram os motivos dele?
Não achei justo. Foi um golpe. – Lavínia
Não sei dizer - RDG
No momento em que aconteceu, eu apoiei, pois acreditava que questões sociais, políticas e econômicas estavam sendo resolvidas, como corrupção ou a "alta" do dólar. - Luciana
Não foi justo, o motivo foi a postura firme da presidente diante de absurdos dentro do governo. - Gabriel
No momento em que aconteceu eu não entendi muito bem qual era o motivo do Impeachment e sentia que não poderia fazer nada a respeito, por ser jovem. Hoje fica claro para mim que o motivo foi tirar a Dilma do poder, com o pretexto das pedaladas fiscais, na época eu não entendia nem o que era a tal pedalada. – Emiliana
Sim. Muita corrupção. – Kevin
Nao foi justo. Enfraquecer as políticas sociais oferecida pelo governo Ptista - Victor

A respeito das motivações do golpe, parece ser um consenso de que a opinião da mídia pesou sobre a opinião dos entrevistados, destaco as passagens de Luciana e Emiliana. Luciana destacou palavras-chaves do discurso da mídia quando se trata de economia e política, como hoje vemos no governo Lula com as reações do mercado, o mesmo se verifica na fala de Emiliana, que destaca a suposta premissa para o golpe, como um motivo administrativo, através de um termo distante para a maioria dos brasileiros.

Você acredita que depois da saída da presidente Dilma houve algum impacto no país? Negativo ou positivo?
Houve um impacto muito negativo para o país, dentre eles o mais importante foi a ascensão da extrema direita no país.  – Lavínia
Sim, impactos negativos – RDG
Negativo, a oposição teve força total para seguir do seu jeito, dominando o cenário político brasileiros nos anos que seguiram  - Luciana
Houve um enorme impacto negativo. – Gabriel
Claro! A direita tomou posse de tudo até o momento atual, o desmanche das instituições públicas começou lá e vem se arrastando até os dias de hoje. – Emiliana
Sim. Muito negativo  - Kevin
Houve. Negativo - Victor

Aqui, observa-se que começa ase forma uma mudança em todos os entrevistados. Claro, que se trata de um recorte, mas destaco que ao analisarem a situação com mais esclarecimento conseguem distinguir o que é o senso comum e os motivos além do momento imediato.

Você mantém a mesma opinião de 2016?
Sim – Lavínia
Não – RDG
Não  - Luciana
Sim, mas agora consigo ver toda a articulação do golpe - Gabriel
Não, hoje tenho uma opinião bem formada sobre, que na época eu não tinha. – Emiliana
Não  - Kevin
Sim - Victor

Nessa pergunta, se consolida o que se inicia na anterior.

Como você se identificava politicamente impeachment (2016) e como se identifica atualmente?
Me identificava de esquerda, portanto fui contra o golpe e atualmente mantenho a mesma posição política.  – Lavínia
Em 2016 era de direita e atualmente sou de esquerda – RDG
Tinha um posicionamento a favor do golpe, mas hoje sou de esquerda. – Luciana
Esquerda e Esquerda – Gabriel
Em 2016 eu estava começando a me identificar com a esquerda, mas ainda não havia me emancipado totalmente do pensamento hegemônico e de senso comum, hoje me identifico totalmente à esquerda. – Emiliana
Apolítico ou de direita em 2016 e comunista, de esquerda atualmente – Kevin
Centro esquerda, em 2016. Hoje, socialista - Victor

Conclusões Finais[editar | editar código-fonte]

O que se compreende dentro desse breve projeto, é que houve e ainda há, uma grande influência da mídia, dentro do senso comum, que interfere diretamente no processo de formação dos brasileiros e dos rumos da política. Destaco a importância dessa influência nos eventos de 2016, justamente por sempre ser trazido a discussão o fato do suposto apoio popular ao golpe. Esse argumento têm cada vez mais se demonstrado falso, pois ignora que atrás do apoio popular existe uma intenção política dos interesses das redes de informação sobre a população. Por fim, gostaria de destacar, nesse sentido algumas das falas que retratam a presença da mídia no imaginário dos entrevistados:

Me recordo brevemente do movimento do "o gigante acordou" e toda invasão no Planalto  - Luciana

Nessa fala, Luciana relembra o movimento que houve nas redes sociais em 2013 que deu início aos eventos históricos que culminaram no golpe, mesmo momento histórico em que surgem em apoio ao movimento figuras como o MBL e o Bolsonaro. Inicialmente essas figuras se demonstravam como apoiadores do povo e aproveitaram do momento para ganharem espaço na plítica nacional.

Sim, lembro bastante do meme "tchau querida", das manifestações verde e amarelo e de alguns colegas comentando que a Dilma era "ex-presidiária", mas tenho mais memórias de antes e depois do golpe, do que do golpe em si. – Emiliana

Emiliana, relembra uma das partes mais cruéis deste momento, as ofensas pessoais que Dilma sofreu, muitas ligadas ao seu gênero, carregadas de sexismo e também referencias covardes sobre a sua prisão na ditadura militar, tendo como principal expoente a homenagem de Jair Bolsonaro ao torturador Ustra durante a votação do impeachment , dentro da Câmara dos Deputados.

No momento em que aconteceu, eu apoiei, pois acreditava que questões sociais, políticas e econômicas estavam sendo resolvidas, como corrupção ou a "alta" do dólar. - Luciana

Como mencionado, vemos aqui uma das táticas usadas pelos grandes veículos de informação de manterem seus interesses, confundindo o telespectador com termos que não representam as reais motivações da política.

Apolítico ou de direita em 2016 e comunista, de esquerda atualmente – Kevin

Finalizo, indicando essa fala como uma síntese do objetivo deste trabalho. Demonstra-se por ela como a influência da mídia e o distanciamento, ou alienação da população a realidade política cria um perfil de cidadão acrítico, para que nos momentos necessários o condicione aos seus interesses, mesmo que não represente os dele.

Referências Bibliográficas:[editar | editar código-fonte]

DOS PASSOS, Mariana Rezende; BAPTISTA, Érica Anita. Impeachment versus golpe: a disputa de narrativas no contexto político brasileiro de 2016. Revista Eletrônica Internacional de Economia Política da Informação, da Comunicação e da Cultura, v. 20, n. 2, p. 103-124, 2018.

LENHARO, Alcir. Sacralização da política. Papirus, 1986.

POLLAK, Michael. Memória, esquecimento, silêncio. Revista estudos históricos, v. 2, n. 3, p. 3-15, 1989.

SHIOTA, Ricardo Ramos. Impeachment ou golpe?. Terceiro Milênio: Revista Crítica de Sociologia e Política, v. 9, n. 1, p. 110-118, 2017.


  1. [1] https://congressoemfoco.uol.com.br/tipo/videos/veja-o-video-em-que-temer-admite-golpe-e-entenda-o-contexto/