Humanidades Digitais/MPG/Aula4

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Aula 4 - Políticas de Rede e Políticas na Rede[editar | editar código-fonte]

O Processo Civilizatório[editar | editar código-fonte]

À primeira vista, o processo civilizatório pode assustar, pois o surgimento de equipamentos técnicos traz a necessidade de inovar no pensamento e no comportamento da sociedade, além de acarretar em consequências que afetam o cotidiano.

Walter Benjamin pensa sobre os sintomas causados pelo processo civilizatório e cita exemplos cotidianos de como eles afetam a sociedade. Como é o caso da multidão que é tratada como algo tão intrinsecamente parte da metrópole que não é necessário descreve-la, pois esta é tratada apenas como um ambiente.

Walter Benjamin

O processo de automação afeta a sociabilidade moderna, tornando-se necessário a adaptação do homem moderno a sua nova realidade maquínica, dispositivos técnicos como a câmera servem como um mediador entre o produtor e o receptor.

As novas condições de recepção, fazem com que o receptor ganhe o poder de controlar as condições de produção, mesmo não estando presente no momento da criação.

Outro exemplo de realidade mediada por dispositivos técnicos está no cinema, pois este parece ser uma representação natural da realidade, entretanto é um processo complexo que tem como objetivo produzir um tipo de acontecimento mediado e mesmo assim é o modo como a vida urbana e as multidões tem de representar a si mesmas. Porém, a

João do Rio 1921

câmera não é uma extensão do olhar, o filme possibilita enfrentar as contradições do processo civilizatório. O cinema foi considerado fundamental para o “treinamento perceptivo” das massas nessa nova realidade.

Complementando a visão de Benjamin, em A vida vertiginosa, coletânea de crônicas de João do Rio (2006), o autor observa que o automóvel faz parte do mesmo sistema que a metrópole se caracterizando também como uma demanda civilizatória, pois “O automóvel ritmiza a vida vertiginosa, a ânsia das velocidades, o desvario de chegar ao fim, os nossos sentimentos de moral, de estética, de prazer, de economia, de amor” (RIO, 2006).

João do Rio observa as mudanças ocorridas tanto na paisagem das cidades quanto na mudança de pensamento ocorrida na sociedade moderna, em que o automóvel se tornou objeto de cobiça entre as pessoas. E é nesse contexto de uma sociedade sedenta por apropriar-se dos dispositivos técnicos que se faz necessário novas Cultural Techniques.


As Cultural Techniques na Teoria Alemã das Mídias[editar | editar código-fonte]

Kitlter, um dos teóricos mais expoentes na área da Teoria Alemã das Mídias, acredita que os sistemas de informação e comunicação são sistemas de notação ou dispositivos de inscrição e são responsáveis pela função determinante de arquivamento, processamento e transmissão de informação.

Guattari, acredita que a dimensão maquínica das tecnologias de informação e comunicação “operam no núcleo da subjetividade humana, não apenas no seio das memórias, da sua inteligência, mas também da sua sensibilidade, dos seus afetos, dos seus fantasmas inconscientes” (Guattari, 2008 p. 14). O propósito do autor é fazer “transitar as ciências humanas e as ciências sociais de paradigmas cientificistas para paradigmas ético-estéticos” o que poderia trazer importantes contribuições às Cultural Techniques.

Siegert observa que a crítica à razão instrumental se desloca para uma crítica da relação entre a cultura e a mídia, porém o que se vê é uma união entre a história da mídia sem que exista uma definição dos conceitos de cultura e de mídia utilizados.

Hannah Arendt 1933

Outra questão é a tentativa de reescrever a história da cultura pela história da mídia, o que faria com que o desenvolvimento histórico se restringisse ao desenvolvimento tecnológico.

A insistência em introduzir a questão da medialidade nos processos culturais, além de causar um desconforto em alguns acadêmicos da área das ciências humanas, também trouxe a alguns pesquisadores da Teoria Alemã das Mídias a imagem de “deterministas”.

Ao pensar sobre a condição humana, Arendt a relaciona como complementar a objetividade do mundo, pois se por um lado os seres humanos são condicionados pelo mundo que encontram, por outro os objetos sozinhos não teriam qualquer significado. Essa questão torna-se relevante quando, pela primeira vez, o termo ciborgue passa a representar as novas inervações entre o homem e a máquina que povoaram todo o imaginário cibernético da década de 1950 (Kim, 2004, Rüdiger, 2009, Santos, 2011, Santaella, 2003).

Por fim, outra crítica direcionada aos estudos da Teoria Alemã das Mídias é seu caráter extremamente etnocêntrico, uma vez que para entender a rede sociotécnica humana é necessário entende-la em uma pluralidade de culturas. Além de ser necessário enfraquecer abordagens que pensam a relação humano-coisa de um modo unidirecional na qual o humano assume uma posição privilegiada.


Meta-mídias e Digital Literacy[editar | editar código-fonte]

Depois de muitas reflexões sobre a Teoria Alemã das Mídias é possível dizer que a divisão hermenêutico/não-hermenêutico não faz mais sentido. Mas nem bem essa posição foi consolidada, o desenvolvimento das mídias digitais lançou questionamentos a respeito do aparecimento de meta-mídias.

Manovich observa que os computadores não eram vistos como máquinas de representação, expressão cultural ou comunicação. Foi somente com conceitos trazidos por Sutherland, Engelbart, Nelson, entre outros (Levy, 2001, Isaacson, 2014) que os computadores passaram a ser pensados como máquinas culturais. O autor destaca também, como as principais características do computador são capazes de transforma-lo em uma meta-mídia. Esse processo é de extrema importância, pois ao serem mediados pelo computador os objetos são convertidos à lógica computacional e podem ser manipulados por meio de algoritmos e de interfaces gráficas.

A lógica computacional só é como é porque seus desenvolvedores tomaram uma série de decisões que a levaram a ser deste modo, como é o caso de Alan Kay que decidiu transformar os em um simulador das antigas mídias, podendo ser utilizado por exemplo como um gravador. Essa observação permite chamar atenção da pesquisa em comunicação para as “arquiteturas da comunicação” e como alteram o nosso modo de pensar as próprias mídias e a cultura.

Segundo Gentikow (2015) a noção de arquiteturas da comunicação indica uma relação entre a tecnologia e as experiências sociais de interação e integração. Com o desenvolvimento tecnológico, as novas mídias foram tomando espaço dentro das casas das pessoas e adquirindo um caráter pessoal e privado. Esse acontecimento suscitou questionamentos sobre novos tipos de Cyber ou Digital Literacy. A autora defende que as Digital Literacy não deveriam ser resumidas apenas como a aquisição de competências e habilidades para o uso das novas tecnologias.

Além disso, uma Cyber ou Digital Literacy pode envolver uma capacidade de produzir, encontrar, armazenar, processar, recuperar e selecionar informações significativas em meio a um volume astronômico de dados (GIRARDI, 2017).  Essa Digital Literacy pressupõe também o domínio de alguns códigos, da produção de um discurso específico, de uma nova prática criativa de edição, publicação e compartilhamento a partir de plataformas de produção de conteúdo gerado pelo próprio usuário, e o não entendimento dessas questões pode acarretar em análises equivocadas.

Referências[editar | editar código-fonte]

GIRARDI JR, Liráucio. "Cultural Techniques" e a Materialidade da Comunicação: contribuições para uma "Digital Literacy". Trabalho apresentado ao Grupo de Trabalho Comunicação e Cibercultura do XXVI Encontro Anual da Compós, Faculdade Cásper Líbero, São Paulo -SP, 06 a 09 de junho de 2017

RIO, João do. A vida vertiginosa. São Paulo: Martins Fontes, 2006

GUATTARI, Félix. Caosmose: um novo paradigma estético. São Paulo: Editora 34 5. Reimpressão, 2008

KIM, Joon Ho. Cibernética, ciborgues e ciberespaço: notas sobre as origens da cibernética e sua reinvenção cultural Horizontes Antropológicos, Porto Alegre, ano 10, n. 21, p. 199-219, jan./jun. 2004 pp. 199-219

RÜDIGER, Francisco. Notas sobre o pós-humanismo. In: TRIVINHO, Eugênio (org.). Flagelos e horizontes do mundo em rede: política, estética e pensamento à sombra do pós-humano. Porto Alegre: Sulina, 2009.

SANTAELLA, Lucia. Da cultura das mídias à cibercultura: o advento do pós-humano. Revista FAMECOS, Porto Alegre, no 22, pp. 23-32. Dezembro 2003

LEVY, Steven. Hackers: heroes of the computer revolution. New York: Dell Publishing Co., 2001.

ISAACSON, Walter. Os Inovadores: uma biografia da revolução digital. São Paulo: Companhia das Letras, 2014

GENTIKOW, Barbara. The role of media in developing literacies and cultural techniques. Nordic Journal of Digital Literacy, vol.4 pp. 35-52, 2015