Humanidades Digitais/TRS/Aula 5

Fonte: Wikiversidade

Software Studies[editar | editar código-fonte]

As chamadas "novas mídias" são um tipo de "mídia" muito particular.

Elas não são apenas um suporte ou um meio para veicular conteúdos diversos (texto, áudio, vídeo, fotos etc.). Tudo o que existe nela assume a forma de um código binário, de um programa ou de um conjunto de instruções que devem ser executados para que esses conteúdos existam, ou seja, esses arquivos precisam ser "executáveis" ou "emulados" por programas específicos.

Uma extensão .pdf pode não abrir em qualquer sistema operacional ou programa. Há, de certo modo, um aprisionamento do usuário ao sistema operacional ou software, e, consequentemente, à empresa que o produziu. A defesa da interoperabilidade entre sistemas e a criação de extensões livres ou programas livres fazem parte desses

A interação entre humanos e as novas mídias digitais. Social Media Strategy

questionamentos levantados aqui.

As mídias digitais e a internet de um modo geral são "meios" muito particulares, portanto. Para que existam, eles precisam estabelecer um tipo de comunicação muito particular entre as próprias máquinas e uma comunicação especial entre essas máquinas e os seres humanos (JOHNSON, 2001; LÉVY, 2006; MANOVICH, 2001, 2013).

Manovich (2001) observa que estamos diante de um nova configuração midiática que precisa integrar de modo complexo a chamada camada cultural e a camada computacional. Esse era um grande sonho da Cibernética[1] de Norbert Wiener.

A arquitetura dessa camada computacional depende de uma materialidade específica (hardware), um sistema binário de notação, uma sintaxe algorítmica e programas específicos para sua existência efetiva. Já a capacidade de aproximar essa arquitetura computacional do entendimento humano fica a cargo das interfaces.

O que é importante constatar é que a computação e os meios de comunicação, duas áreas fundamentais para o funcionamento do mundo moderno, desenvolveram-se, paralelamente, até os anos 1970 (BENIGER, 1986). A partir daí, o próprio significado da computação e dos computadores foi mudando radicalmente, fazendo com que se aproximassem cada vez mais de uma espécie de máquina cultural. Os computadores passaram a introduzir uma lógica própria e muito particular aos produtos culturais e ao funcionamento dos meios de comunicação (tanto tecnicamente, quanto economicamente - como um certo modelo de negócios) Não é muito difícil verificar as consequências, sociais, políticas, educacionais, culturais desse processo.

O "novo" nas "novas mídias"[editar | editar código-fonte]

Lev Manovich, pesquisador russo e expoente na área de novas mídias.

Quando pensamos em "novo", "novidade", as novas mídias podem não ser mais tão novas assim para os nativos digitais, afinal, eles já nasceram dentro dessa estrutura tecnológica e midiática, da cultura de convergência (JENKINS, 2009)[2], que atualmente conhecemos. É necessário, pois, entender as novas mídias como "novas" dentro de uma perspectiva histórica. As mídias analógicas, como a impressa, surgida no século XVIII com a imprensa, e as eletrônicas, como o cinema (século XIX) e o rádio (início do século XX) são muito anteriores à era computacional.

Os meios de comunicação e a computação passaram a formar um novo sistema sociotécnico. que alterou as formas de registro, processamento, edição, distribuição, armazenamento da informação. Antes, computação e comunicação andavam separados, e a partir da década de sessenta, convergiram em um. Para entender esse processo, precisamos identificar cinco princípios que caracterizam o “novo” nessas novas mídias digitais.

Em primeiro lugar, as formas simbólicas e culturais humanas são convertidas em uma lógica computacional baseada em representação numérica ou binária. Elas se tornam computáveis, ou melhor, os objetos das novas mídias são representados matematicamente e podem ser controlados por algoritmos.

A sintaxe desses códigos é organizada de modo a compor uma estrutura modular (que permite modificações por camadas ou blocos independentes de dados) que seguindo um conjunto de instruções (algoritmos) funciona de modo automatizado (que não dependem necessariamente de uma atividade humana na sua execução). Esse processo automatizado permite um enorme grau de variabilidade aos seus objetos (capacidade de ação responsiva, adaptável a múltiplas plataformas - no caso dos smartphones, p.ex. - e a múltiplos tipos de escalas de aproximação - no caso dos mapas).

Essas novas possibilidades interferem na lógica cultural que passa a integrá-las no processo criativo, gerando o que Manovich chama de transcodificação.

Para Manovich (2005, 2013) podemos chamar esses códigos/programas de softwares culturais, a cola invisível que liga comunicação, escrita, representação, análise, simulação, memória, visão, interação, ou seja, todo esse conjunto de atividades que associamos à Cultura.

Partindo, então, para um resumo sobre o que há de novo nas novas mídias (BITARELLO, BRAZ, CAMPOS, 2010, p.4), pode-se citar que:

Representação de código binário

5 conceitos definidos por Manovich:

  • Representação numérica: fotos, vídeos, arquivos e tudo o mais que faz parte do mundo digital é constituído por um código binário.
  • Modularidade: por ser formado por pequenas fractais, a estrutura que compõe o todo é completa e independente, mesmo que tenham escalas diferentes.[3]
  • Automação: realizada em dois níveis. No nível mais baixo são feitas as automações simples, como inserção de filtros em fotos. No nível mais alto, a automação envolve um grau elevado de interpretação, como no caso dos assistentes pessoais, como a Siri, Cortana, Google Assistente, entre outros.
  • Variabilidade: os objetos digitais não são fixos, pois se adaptam ao usuário. Um exemplo de variabilidade é um site ser responsivo.
  • Transcodificação: é o entendimento que as pessoas fazem do meio digital, incluindo as diferenças culturais. O computador não produz significado, quem o produz são as pessoas, através de sua própria leitura de mundo.

A arquitetura da comunicação[editar | editar código-fonte]

O computador é um objeto técnico? social? cultural? político?

ABC 80 Personal Computer. Um dos primeiros computadores pessoais lançados em 1978.

Vamos chamar atenção para o fato de que não havia nada nos computadores dos anos 1940 que pudesse associá-los a máquinas de representação, expressão cultural ou comunicação como ficaram conhecidos os PC (Personal Computer). Foram alguns engenheiros como Douglas Engelbart, Ivan Sutherland e Ted Nelson, Richard Stallmann, entre outros, que passaram a fazer essa diferença (Manovich. 2013).

A visão contracultural de pessoas que viviam na Califórnia, nos anos 1960-1970, retratadas por Tom Wolfe no seu livro The Electric Kool-Aid Acid Test, pessoas como Stewart Brand, muito envolvido com as ideias de Engelbart, criador da Whole Earth Catalogue e co-fundador da primeira comunidade online nos anos 1980 (a WELL "Whole Earth 'Lectronic Link) foi fundamental nesse processo.

Essa mudança conceitual a respeito do computador pode ser encontrada nas pesquisas de Alan Kay e seu grupo no projeto PARC da Xerox. Foi nele que um dos primeiros modelos de interface para PCs: a interface gráfica do usuário (GUI - graphic user interface). Foi a partir dela, que os computadores passaram a se tornar acessíveis a pessoas sem nenhum conhecimento de computação.

Manovich (2001), a exemplo de Alan Kay, considera o computador um tipo de meta-mídia[4].

É impossível analisar as possibilidades e problemas trazidos pelo encontro entre comunicação e computação sem entender as cinco principais características do computador, vistas no início deste capítulo: a representação numérica, a modularidade, a automação, a variabilidade e a transcodificação.

Quaisquer objetos (em formato digital) podem ser facilmente recortados, copiados, colados, movidos, modificados, transferidos, sofrer operações de zoom e serem submetidos aos mais diversos tipos de filtros. Eles podem ser identificados, procurados, reparados, ordenados por meta-dados etc.

Referências Bibliográficas[editar | editar código-fonte]

Ler:

ALBUQUERQUE, Afonso de. Os desafios Epistemológicos da Comunicação mediada por computador. Revista Fronteiras, v. IV n.2, dez de 2002.


Complemento:

MANOVICH, Lev. Novas mídias como tecnologia e ideia: dez definições. In: LEÃO, Lucia. O chip e o caleidoscópio: reflexões sobre as novas mídias. São Paulo: Ed. SENAC, 2005.

MANOVICH, Lev. Software takes command. (Software is the Message  2013) – O software é a mensagem – Lev Manovich , 2013 (Tradução: Cicero Inacio da Silva e Jane de Almeida)

GIRARDI JR., Liráucio. O estranho mundo da informação – e da materialidade - no campo da comunicação. E-Compós, v. 20, n. 1, 18 maio 2017

JENSEN, Klaus Brühn. Como fazer coisas com os dados: metadados, metamídia e metacomunicação. PARÁGRAFO. JAN./JUN.2015 V. 1, N. 3 (2015)


Entrevista com Icaro Ferraz Vidal Júnior: A totalização digital e o declínio das utopias revolucionárias – MediaLab UFRJ – 08/2018

Material de Apoio[editar | editar código-fonte]

Slides desenvolvidos pelo professor Liráucio Girardi Jr.

Ligações Externas[editar | editar código-fonte]

CHAVES, Viviane Hengler Corrêa. Norbert Wiener: a teoria cibernética de um matemático. Rio Claro, 2016, UNESP

Matéria no programa Globo Ciência: Wiener: precursor da Cibernética - Rede Globo, 2011.

BITARELLO, Breno, BRAZ, André, CAMPOS, Jorge Lúcio. Lev Manovich e a lógica digital: Apontamentos sobre A linguagem da nova mídia. Acessado em 17/10/2019.


Referências[editar | editar código-fonte]

  1. Cibernética, 1948 | Cibernética e sociedade: o uso humano de seres humanos, 1950 - revisado em 1954
  2. JENKINS, Henry, Cultura da Convergência. 2. ed. - São Paulo :Aleph, 2009
  3. Um bom exemplo é o da World Wide Web que é composta por diversas páginas que são compostas por elementos de mídia separados, por sua vez, compostos por partes menores e assim por diante. (BITARELLO, Breno, BRAZ, André, CAMPOS, Jorge Lúcio. Lev Manovich e a lógica digital: Apontamentos sobre a linguagem da nova mídia. P.4)
  4. Understanding Meta-Media vai tomar toda a atenção da parte 1 do seu livro e é uma clara referência à Understanding Media, obra clássica de Marshall McLuhan. Software takes command, o título do livro, também é uma referência a Mechanization takes command, outra obra clássica de 1948, escrita por Siegfried Giedion.