Inefetividade da LRF na despesa com pessoal
A Lei de Responsabilidade Fiscal surge em um contexto de i) grande debate sobre a reforma administrativa, transformando o papel do Estado de fomentador para regulador de bens e serviços; ii) de crise econômica e política em meados de 1998 iii) de uma complexa relação de finanças públicas entre os entes federativos, uma vez que não estava clara a definição de como seriam a cooperação entre eles iv) ausência de autoridades fiscais e monetárias. A carta estabelece normas com maior rigidez voltadas a maior responsabilidade de gestão fiscal, e com isso, impôs diversas exigências como, por exemplo, limites para endividamento, conforme dispõe os arts 29 e 30; uma maior formalização para contratação de operações de créditos: Art. 32; restrições sob Adiantamento de Receita Orçamentária (AROs), Art. 18 e limites com despesas de pessoal. É nesta última que me chama mais atenção, pois a União não respeita o seu limite, e de primeiro momento, parece que os dois entes federativos (Estados e Municípios) respeitam, mas na realidade não é isso o que acontece, vejamos: Conforme dispõe o art. 19 da LRF:
“Art. 19. Para os fins do disposto no caput do art. 169 da Constituição, a despesa total com pessoal, em cada período de apuração e em cada ente da Federação, não poderá exceder os percentuais da receita corrente líquida, a seguir discriminados:
I - União: 50% (cinqüenta por cento); II - Estados: 60% (sessenta por cento); III - Municípios: 60% (sessenta por cento).”
A despesa com pessoal abrange pagamentos com servidores ativos e inativos; Previdência; Benefícios de Prestação Continuada (BPC), onde consiste em um benefício de assistência de um salário mínimo prestado pelo INSS; e Lei Orgânica da Assistência Social (Loas). O teto com despesa de pessoal para a União é de 50%, entretanto, relatórios feitos pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) mostram que esse limite é ultrapassado, chegando a 77,5% de sua Receita Corrente Líquida em 2017, isso sem contar que em 2010, a fatia era de “apenas” 56,8%, ou seja, houve um aumento de 27,7% em sete anos.
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Legenda1
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Legenda2
Esse aumento da fatia na RLC é acentuada com o aumento de despesa na Previdência, um rombo acumulado de (1995 a 2017) de R$ 1,04 trilhão com o regime de aposentadoria (considerando a inflação), isso equivale a um aumento 297,7% no período. Um dos motivos é a aposentadoria precoce, sem idade mínima e o próprio envelhecimento da população brasileira em contraste com a diminuição da população economicamente ativa. Além da queda gradual em investimento, sendo de RS 29,9 bilhões só entre novembro de 2016 e dezembro de 2017. Ou seja, simplesmente não há aplicabilidade da norma, é como se a União não fosse um ente federativo.
Para outros entes federativos (Estados e Municípios), a situação se revela no mínimo perversa, pois aparenta que a grande maioria respeita o seu limite de 60% da RLC, segundo o último estudo feito pelo Tesouro Nacional:
Relação entre a despesa com pessoal e a receita corrente líquida do exercício de 2016 (Foto: Reprodução estudo do Tesouro Nacional) Aparenta porque tanto os Estados quanto os municípios acabam optando pelos contratos selados com organizações externas para a condução de sua políticas, principalmente no que tange a contratação de serviços que necessitam de mão-de-obra. Segundo Tesouro Nacional, nos municípios, o limite foi desrespeitado por 575 prefeituras, outras 406 atingiram seu limite e cerca de 87 divulgaram balanços inconsistentes, como por exemplo o gasto com pessoal igual a zero.
Nos Estados, principalmente da região Sudeste, como São Paulo, há diversos órgãos que contratam serviços terceirizados de mão-de-obra., como Casa Civil, Secretaria de Administração Penitenciária. O destaque fica para terceirização de contratação de estagiários e de serviços de limpeza, presente na maioria desses órgãos. A relação completa dos órgãos está disponível nesse link: (http://www.transparencia.sp.gov.br/Contratos/terceirizados/ContratosTransparencia.pdf)
Um caso interessante de analisar é a pasta da Secretaria de Estado da Cultura, onde trabalho, no Centro de Compras e Contratação, no qual terceiriza-se serviços de vigilância, manutenção predial, serviços de copeiragem, contratação de estagiários, transporte de passageiros da pasta, etc.
Além da “falsa” aplicabilidade da própria norma do limite com despesa com pessoal nos municípios e Estados, há a terceirização da execução de políticas públicas, pois já não bastasse terceirizar os serviços complementares como vigilância ou limpeza, agora, os serviços que estão no centro e diretamente ligadas políticas consideradas essenciais são terceirizados também, como de educação, saúde e assistência social.
Apesar da orientação da STN (Secretaria do Tesouro Nacional) para que esse tipo de despesa seja incluída no cálculo de despesa de pessoal, quando o objetivo for a substituição da mão-de-obra, conforme previsto no art.18 da LRF, isto não tem sido observado e nem cobrado na prática. ou seja, não há fiscalização e nem transparência.
Isso se deve (apesar da maior autonomia e empoderamento dos Tribunais, tanto da União quanto do estados), há um procedimento não padrão entre eles, ficando a mercê de interpretações jurídicas da LRF e dos aspectos formalistas de controle, sem pensar nos resultados da política pública, o saldo dessa problemática é que apenas 48,8% tiveram impactos significativos no cumprimento de normas, segundo estudo de Arantes, Abrucio de Teixeira (2005).
Outro problema relacionado a fiscalização e transparência é a complexa relação dos entes federativos, uma vez que o art.23 da CF trata de apenas competências e da sinergia entre entes federativos, mas não indica a maneira de como seriam construídos os instrumentos de cooperação.
Além da falta de compreensão da sociedade referente aos dados disponibilizados, pois não é decodificado ao receptor, logo, respeita-se somente ao princípio da publicidade, porém, não se pode afirmar que ocorre o mesmo com o princípio da transparência.
Isso é um perigo pois o aumento deste tipo de despesa com terceirização possibilita a precarização de contratos de trabalho, e uma falsa equilíbrio da despesa. Se não há fiscalização, não tem como chegar a um valor real do montante com pessoal, salários nas instituições, dificultando a responsabilização dos provedores de serviços.
Torna-se claro que o problema não gira em torno da recessão econômica e da tal clamada “austeridade fiscal” apenas, e sim, um problema estrutural que enfrenta problemas de maneira procedimental sem pensar em uma gestão por resultados. E sem gestão de resultados não é possível que se crie a visão de responsabilidade social em torno da fiscalização, avaliação, controle e transparência nos gastos públicos.