Saltar para o conteúdo

Introdução ao Jornalismo Científico/Ética da Ciência/Reprodutibilidade/script

Fonte: Wikiversidade

A reprodutibilidade de uma experiência científica é uma das condições que permitem incluir no progresso do conhecimento científico as observações realizadas durante a experiência[1]. Essa condição origina-se no princípio de que não se pode tirar conclusões senão de um evento bem descrito, que aconteceu várias vezes, provocado por pessoas distintas. Essa condição permite se livrar de efeitos aleatórios que podem afetar os resultados, de erros de julgamento ou de manipulações por parte dos cientistas.

O critério de reprodutibilidade é uma das condições com que o filósofo Karl Popper discerne o caráter científico de um estudo. Criacionistas e críticos da ciência, por vezes, afirmam que ocorrências como o Big Bang, origem da vida e evolução das espécies não são reproduzíveis[2], e consequentemente, as teorias que explicam esses fatos, não seriam científicas. Em contrapartida, muitos meios pelos quais ocorreram ou levaram à tais acontecimentos são reproduzíveis: Muitos estudos publicados em revistas científicas apontam sobre a reprodutibilidade da evolução, por exemplo[3], como também, muitas outras pesquisas mostram a formação de novos planetas[4].

Para todas as ciências experimentais, as probabilidades fornecem um modelo matemático que explica a variabilidade dos resultados.

Observação e reprodutibilidade

[editar | editar código-fonte]

Um fenômeno é observado. Depois, é registrado e classificado na categoria de observável. A ciência interessa-se sobretudo aos fenômenos que se reproduzem, e o ideal é de poder reproduzi-los à vontade. Um fenômeno que se pode reproduzir à vontade se torna um fenômeno reprodutível no sentido científico.

Embora alguns fenômenos (exemplo: a atividade solar) não sejam controláveis, a sua observação permite formular regras de evolução no tempo: a periodicidade, ou uma evolução no tempo, é um fenômeno reprodutível no que diz respeito a sua previsão; é previsível no sentido da evolução temporal.

Todos os homens são mortais, sou um homem, portanto sou mortal. O homem é mortal, e a ciência, até hoje, não observou nenhum ser vivo que seja imortal. A regra observada, portanto, é: qualquer ser vivo é mortal. O imortal está no domínio do não-observado. Contudo, não está excluído que no futuro exista imortalidade; até hoje, não foi observada.

A ciência funciona tirando de observações reprodutíveis "leis" ou "princípios" cuja principal propriedade é que são verdadeiros enquanto nenhuma observação provar o contrário.

O inverso não faz sentido: enunciar uma regra sem observação prévia e postulá-la como lei sob o pretexto que não se pode provar que está errada não pertence ao domínio científico.

Reutilização de dados de pesquisa

[editar | editar código-fonte]

A abertura de dados de pesquisa visando sua reutilização está no centro das discussões sobre Ciência Aberta[5]. Curty e Aventurier (2017) afirmam que grande parte das discussões e ações direcionadas à abertura de dados é orientada por um pressuposto de que os dados podem ser úteis para os outros – tanto dentro de uma mesma disciplina como de maneira interdisciplinar.

O crescente interesse na abertura dos dados de pesquisa é representado por uma série de declarações lançadas nos últimos anos visando a incentivar e ampliar as práticas de compartilhamento de dados no meio acadêmico. Entre os principais incentivadores, encontram-se as agências de financiamento norte-americanas e europeias. Essas agências passaram a adotar uma série de diretrizes que, em muitos casos, torna obrigatória a disponibilização pública e aberta dos conjuntos de dados gerados em pesquisas financiadas com recursos governamentais.

Nesse sentido, os crescentes investimentos políticos e tecnológicos na abertura de dados justificam-se não somente pelo potencial de disponibilidade, acessibilidade e análise dos dados de pesquisa, mas na sua efetiva reutilização em outros contextos e aplicações. A noção de dados abertos, nesse aspecto, diz respeito não somente a tornar os dados publicamente acessíveis, mas referem-se também a um padrão de disponibilização dos dados que permita a efetiva reutilização. A definição mais difundida define os “dados abertos” como aqueles que podem ser livremente utilizados, reutilizados e redistribuídos por qualquer pessoa – sujeitos, no máximo, à exigência de atribuição da fonte e compartilhamento pelas mesmas regras. Esta definição foi proposta pela Open Knowledge, que estabeleceu os requisitos necessários para que dados e conteúdos sejam considerados abertos. Os requisitos de dados abertos, citados em Lóscio et al (2018, p.13), são:

I. Disponibilidade e acesso: o dado precisa estar disponível por inteiro. Deve estar num formato conveniente e modificável;

II. Reuso e redistribuição: o dado precisa ser fornecido em condições de reúso e redistribuição podendo ser combinado com outros;

III. Participação universal: todos podem usar, reusar e redistribuir o dado sem restrições de áreas, pessoas ou grupos.

Sem os requisitos acima o dado não pode ser considerado um dado aberto.

Os dados de pesquisa apresentam uma série de características e propriedades específicas que tornam sua abertura complexa. Segundo Molloy (2011), há casos em que os dados de pesquisa podem estar acessíveis, mas não estão licenciados para serem reutilizados, ou podem estar acessíveis e livres para serem reutilizados, mas a forma como são disponibilizados cria barreiras à extração e modificação (Ex. Formato PDF).

Apenas a divulgação de dados tem muito pouco valor por si só para a ciência, requerendo uma abertura “mais inteligente” na qual os dados sejam efetivamente comunicados, seguindo requisitos fundamentais que os tornem acessíveis, inteligíveis, avaliáveis e reutilizáveis. Nesse aspecto, a definição recente dos chamados “princípios FAIR” representou um marco importante nas políticas de gerenciamento de dados de pesquisa visando a reutilização. Os princípios FAIR são um conjunto de diretrizes orientadoras para a gestão de dados de pesquisa buscando torná-los encontráveis, acessíveis, interoperáveis e reutilizáveis (FAIR – Findable, Accessible, Interoperable and Reusable). Os princípios FAIR voltam-se principalmente para as práticas de reutilização dos dados de pesquisa e para o aprimoramento da capacidade dos mecanismos computacionais de encontrarem e utilizarem dados automaticamente (WILKINSON et al, 2016).

Esses princípios reforçam sobretudo o papel dos metadados como agentes fundamentais da encontrabilidade, interoperabilidade e da reutilização de dados de pesquisa. Os metadados se referem aos dados sobre os dados, permitindo sua identificação e a contextualização. Os metadados incluem, geralmente, informações sobre o produtor dos dados, as formas de coleta, período de coleta, métodos, assim como detalhes técnicos sobre a utilização.

A crescente preocupação com os dados de pesquisa se refletiu em mudanças nas políticas editoriais de importantes periódicos científicos em relação à forma como abordam os dados de pesquisa. Algumas das principais publicações acadêmicas, entre eles periódicos da Public Library of Science (PLOS), grupo Nature e Royal Society passaram a exigir que os autores disponibilizem, no momento da submissão dos artigos, todos os dados que estão na base das conclusões do trabalho ou indiquem o local onde esses dados podem ser acessados pelos leitores, editores, revisores e possíveis interessados, e de maneira que permitam sua reutilização, bem como a disponibilização de ferramentas estatísticas, protocolos, ferramentas de software, metadados e demais instrumentos que auxiliem na compreensão e ou reuso dos dados (BOULTON et al, 2012).

Mais recentemente, verifica-se o desenvolvimento de novas categorias de publicação científicas voltadas exclusivamente para a publicação de dados: “Data Papers” e “Data Journals”. Conceitualmente, os Data Papers descrevem uma ou mais coleções de dados, dedicando-se ao detalhamento dos métodos para a coleta dos dados, a descrição da composição, estrutura e formato da coleção sem, no entanto, adentrar à interpretação dos dados. Os Data Journals, por sua vez, são uma modalidade de periódicos científicos dedicados a publicar e descrever conjuntos de dados de pesquisa, utilizando-se de uma série de recursos voltados para o depósito, apresentação e descrição dos dados e podem dispor de um repositório de dados próprio


Crédito: esta aula contou com a colaboração de Jean Carlos Ferreira dos Santos, doutor em Política Científica e Tecnológica pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) e autor da tese "A ciência aberta e suas (re) configurações: políticas, infraestruturas e prática científica"

  1. REPRODUTIBILIDADE. In: WIKIPÉDIA, a enciclopédia livre. Flórida: Wikimedia Foundation, 2018. Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=Reprodutibilidade&oldid=53785066>. Acesso em: 17 ago. 2021.
  2. MORRIS, Henry M., ed. (1974). Scientific Creationism. Prepared by the technical staff and consultants of the Institute for Creation Research. San Diego, CA: Creation-Life Publishers. ISBN 0-89051-003-2. LCCN 74014160. OCLC 1556752
  3. ELENA, Santiago F.; LENSKI, Richard E. (1 de junho de 2003). «Evolution experiments with microorganisms: the dynamics and genetic bases of adaptation». Nature Reviews Genetics (em inglês). 4 (6): 457–469. ISSN 1471-0056. doi:10.1038/nrg1088
  4. «Astronomer captures image of forming planet». msnbc.com (em inglês). 20 de outubro de 2011
  5. SANTOS, Jean Carlos Ferreira dos. A ciência aberta e suas (re)configurações: políticas, infraestruturas e prática científica. 2019. 1 recurso online (197 p.). Tese (doutorado) - Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Geociências, Campinas, SP. Disponível em: <http://repositorio.unicamp.br/jspui/handle/REPOSIP/333948>. Acesso em 24 de jun. de 2021.