O orçamento participativo no município de Guarulhos

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O Orçamento Participativo no município de Guarulhos: reflexões sobre os ciclos bienais[editar | editar código-fonte]

VINÍCIUS HITOSHI GUSHIKEM- Gestão de Políticas Públicas. Escola de Artes, Ciências e Humanidades - Universidade de São Paulo

Resumo[editar | editar código-fonte]

O presente artigo traz reflexões sobre o Orçamento Participativo (OP) no município de Guarulhos, de modo a analisar sua função enquanto instrumento de mudança de paradigmas na gestão pública tradicional, bem como as dificuldades enfrentadas pela equipe gestora nos ciclos realizados a partir de 2005, período este em que cada ciclo passa a ter duração de dois anos.

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Introdução[editar | editar código-fonte]

A partir do processo de redemocratização do país e a promulgação da Constituição de 1988, houve a criação de diversos instrumentos que possibilitaram maior inserção da sociedade nas decisões governamentais. Tais instrumentos, como as audiências e consultas públicas, conselhos, mesas de diálogo e o orçamento participativo, tornaram-se fundamentais para a mudança de paradigma na gestão pública, desenvolvendo cada vez mais a democracia participativa e a cogestão em detrimento de um Estado clientelista e patrimonialista (PONTUAL, 2014). O Orçamento Participativo, enquanto um meio de inclusão de comunidades locais nos processos de planejamento e execução de políticas públicas, tornou-se uma das tecnologias sociais com maior potencial de desenvolvimento de uma democracia participativa. A inserção dos cidadãos nos processos decisórios acaba por promover uma mudança cultural na esfera pública, tanto na sociedade como na Administração, já que o cidadão deixa de ser apenas um sujeito passivo nesse processo, e a gestão tem de ceder parte de suas funções e poder. Entretanto, cabe salientar que, devido ao OP ter sido implementado na gestão pública brasileira há um curto período de tempo, este ainda possui diversos desafios para se estabelecer efetivamente enquanto um meio de deliberação coletiva, de troca de aprendizados e de empoderamento dos cidadãos sob a gestão pública. Dentre estes desafios estão a resistência de uma cultura organizacional conservadora da Administração, o baixo financiamento dos OPs, o uso de uma linguagem excessivamente técnica e entre outros que serão posteriormente abordados nesse artigo.


Breve Contexto Socioeconômico do Município de Guarulhos[editar | editar código-fonte]

Com o forte movimento de industrialização da região Sudeste do país no início do século XX, Guarulhos inicia suas atividades industriais a partir da década de 1920, com a instalação de uma fábrica de tecidos no município. Posteriormente, Guarulhos passa a ter acesso a grandes rodovias, como a Presidente Dutra (1951), Fernão Dias (1961) e Ayrton Senna (1982), tornando-se uma região atrativa aos investimentos industriais. Este curto e intenso período de crescimento econômico ocasionou um aumento populacional de aproximadamente 35 mil habitantes em 1950, para aproximadamente 780 mil habitantes em 1991 (SANTOS, 2006). Entretanto, tal crescimento demográfico não foi acompanhado pela construção de uma infraestrutura urbana de igual proporção, tampouco de políticas sociais que garantissem o pleno desenvolvimento humano da população guarulhense. Atualmente o município possui a décima maior receita do país, entretanto sua posição cai para 1633ª ao se analisar sua receita per capta. Os números de Guarulhos também são alarmantes em certos indicadores sociais. Como aponta uma pesquisa da Secretaria de Habitação, em 2011 o município acumulava um déficit habitacional de aproximadamente 48 mil moradias dentro de um universo de aproximadamente 386 mil moradias.


O Orçamento Participativo de Guarulhos[editar | editar código-fonte]

A primeira experiência do OP no município de Guarulhos ocorreu em 1998, sob a gestão do PDT. Em 2001, com o PT frente à Prefeitura, o OP conquistou mais espaço dentro da burocracia com a institucionalização da Coordenadoria do Orçamento Participativo (CRANTSCHANINOV, 2013). Porém, o presente artigo terá como foco a análise dos ciclos ocorridos a partir de 2005, ano este em que os ciclos do OP passaram a ter dois anos de duração, proporcionando maior planejamento e efetividade em suas atividades desempenhadas. Atualmente o OP está alocado na Secretaria de Governo, dentro do Departamento de Orçamento Participativo, e sua gestão é realizada em parceria com o Instituto Paulo Freire, uma organização da sociedade civil responsável pelo planejamento pedagógico do OP.


Impactos Decorrentes do OP[editar | editar código-fonte]

Os números do Departamento de Orçamento Participativo apontam que mais de 72 mil pessoas já passaram pelas plenárias do OP guarulhense. Apesar do número pequeno em relação à população de aproximadamente 1.222.000 habitantes em 2010, há de se considerar a cultura política da sociedade que há séculos é moldada por modelos de governo autoritários e elitistas (CHAUÍ, 2006, apud LIMA, 2014). Logo, ainda que o número seja pouco expressivo, é importante ressaltar que a participação depende de uma transformação na cultura política da sociedade. Afirma-se, também, que diversos conselhos de políticas setoriais foram criados no município, principalmente sob a influência do modelo de cogestão desempenhado pelo OP. Além disso, segundo um estudo da Secretaria de Governo realizado em 2007, cerca de 80% das ações do governo eram, também, prioridades apontadas pela população nas plenárias do OP. Outra ponto positivo que o OP trouxe foram as formações realizadas ao longo dos ciclos, tanto para os cidadãos, como para os servidores públicos, disseminando conhecimentos e técnicas de gestão democrática e participação popular. Tal fato amplia o conhecimento da sociedade sobre o funcionamento e limitações da gestão pública, assim como ensina os gestores a escutarem a população e a estarem abertos às demandas e carências da comunidade. Reduz-se, portanto, o clientelismo e a expectativa de troca de favores por parte dos cidadãos, já que estes são incluídos nos processos decisivos (LIMA, 2014).


O Funcionamento do OP[editar | editar código-fonte]

O OP é, hoje, dividido em 21 regiões do município, sendo cada região denominada Fórum Regional. Cada Fórum Regional é composto por dois conselheiros e um determinado número de delegados (proporcional ao número de moradores presentes na plenária). Cabe salientar que qualquer morador tem o direito de votar e de ser votado nas plenárias. Após a eleição dos conselheiros e delegados, dá-se início ao ciclo de atividades do OP. Até 2005, os ciclos do OP no município de Guarulhos tinham duração de apenas um ano. Esta curta duração impossibilitava a plena formação dos conselheiros e delegados, visto que a participação efetiva destes necessita de conhecimentos técnicos na área da gestão pública. Além disso, o ciclo de um ano dificultava o acompanhamento de obras e atividades da Prefeitura. Com a criação dos ciclos de dois anos, as atividades desempenhadas foram estruturadas basicamente da seguinte forma: Anos ímpares: eleição dos conselheiros e delegados; realização das plenárias regionais; votação das demandas; e votação do plano de investimento; Anos pares: acompanhamento e fiscalização dos planos regionais de obras aprovados; apresentação, por parte do governo, dos programas em execução, e discussão sobre as políticas públicas do município; realização do Fórum Regional; e avaliação do ciclo.


Dificuldades e Desafios[editar | editar código-fonte]

Como tratado anteriormente, Guarulhos é um município cujo histórico narra o crescimento econômico acelerado de uma cidade sem a devida preocupação com a infraestrutura urbana e as políticas sociais, o que acabou por gerar um acúmulo de desigualdades políticas, sociais e econômicas sobre sua população. Com isso, não é de se espantar que a demanda por políticas públicas que atendam às carências seculares dos munícipes seja extremamente alta. Ao se criar um meio de participação social como o OP, cria-se a esperança de que todas essas carências serão superadas (demonstrando o imaginário da população em que o não atendimento das demandas sociais decorra apenas da falta de vontade política do governo). Portanto, quando os membros da sociedade civil se deparam com as limitações financeiras e burocráticas do governo, ocorre certo desânimo em continuar participando do OP. Além da frustração de parte dos membros do OP e dos participantes das plenárias, os processos formativos são outra dificuldade encontrada pelo OP. Para tal, há de se reformular as práticas pedagógicas de modo a considerar as particularidades/ realidades dos diversos segmentos sociais que compõem o OP, e desenvolver metodologias e materiais a partir de uma linguagem cidadã. Por fim, outro ponto a se destacar é a dificuldade em mobilizar um público maior no OP. Entre os fatores que levam a tal dificuldade estão a descrença da população para com a iniciativa, e o fato dos membros do OP considerarem o engajamento e mobilização como tarefas exclusivas do governo. Surge portanto o desafio de identificar e convocar a participação de líderes políticos e comunitários, organizações da sociedade civil e empresários.


Considerações Finais[editar | editar código-fonte]

Toda política que transforma paradigmas da gestão pública necessita de longos e trabalhosos processos que possibilitem a aceitação de ambas as partes: sociedade e Estado. O governo, enquanto parte primacial do OP, necessita compreender as particularidades dos membros que participam do OP, de modo a empoderá-los acerca dos conhecimentos técnicos da gestão pública - orçamento e finanças públicas, política tributária, etc. (considerando-se metodologias e linguagens cidadãs nos processos formativos). Além do conhecimento técnico, é necessário proporcionar uma real apropriação de tal meio de participação aos membros da sociedade civil, de modo a transformar a posição de "beneficiário" de uma política pública. Quando o cidadão se apropria de tal tecnologia social, potencializa-se seu engajamento e mobilização para ampliar a participação das comunidades no OP. Além disso, é necessário transformar a cultura da Administração e dos burocratas, de modo a ampliar a valorização dos cidadãos nas deliberações - essencial para a apropriação destes sobre o OP. E, por último, considerando a necessidade de transformação da cultura política da esfera pública como um todo, é importante que os processos formativos e de compartilhamento de conhecimentos não sejam centralizadas em poucos setores governamentais, como o OP. A criação de mais espaços de discussões e debates acerca das políticas públicas é extremamente necessária para fomentar a reflexão e a ação dos cidadãos, deixando para trás a concepção de um modelo de cidadania passiva e representativa para o exercício de uma real práxis política.


Referências Bibliográficas[editar | editar código-fonte]

LIMA, Kátia Cacilda Pereira. O Orçamento Participativo de Guarulhos em perspectiva histórica. in Orçamento Participativo: múltiplos olhares. 1ª ed. São Paulo. Instituto Paulo Freire, 2014.

PONTUAL, Pedro. Desafios à construção da democracia participativa no Brasil. Porto Alegre: Coleção Cadernos da Cidade, 2008 (n. 14, volume 12).. Acesso em: 2 de novembro de 2016.

SANTOS, Carlos José Ferreira dos. Identidade urbana e globalização: a formação dos múltiplos territórios em Guarulhos-SP. São Paulo. Annablume, 2006.

GUARULHOS, Prefeitura de. Orçamento Participativo – Guarulhos: memórias e aprendizados. Guarulhos: Secretaria de Governo, 2007.

CRANTSCHANINOV, Tamara Ilinsky. Burocracia e participação popular na prática: uma análise do cotidiano de dois orçamentos participativos através de seus implementadores e suas interfaces. 2013. 112f. Dissertação de Mestrado – FGV-EAESP.