Portal:Ciência Aberta/Entrevista para FAPEMIG

Fonte: Wikiversidade

A Camila, jornalista do Programa de Comunicação Científica, Tecnológica e de Inovação da Fapemig, entrou em contato com algumas pessoas do grupo para uma entrevista, quando foi sugerido fazermos uma coletiva aqui na wiki.

Qualquer um é bem vindo a acrescentar sua resposta ou comentários à entrevista, mesmo que já haja uma ou mesmo que contradiga o que já foi dito.

A entrevista encerra-se em 29/01/2015 às 23:59

Perguntas e respostas[editar | editar código-fonte]

Como se deu a formação do grupo?[editar | editar código-fonte]

  • Raniere Silva: Quando eu tomei conhecimento do grupo, em meados de 2013 devido a um encontro na USP, ele já estava formado. Imagino que tenha surgido como uma ramificação do trabalho de várias pessoas envolvidas com a Wikipédia. -- Raniere Silva (discussão) 02h25min de 23 de janeiro de 2015 (UTC)
  • Ale Abdo: O grupo tem início com um conjunto de pesquisadores com histórias particulares de práticas que agora identificamos como ciência aberta. Mesmo sem nos organizar, não raro nos encontrávamos por interesses e dificuldades comuns para introduzir essas práticas no meio acadêmico. Foi assim que, no início de 2013, identificando essa massa crítica da qual eu fazia parte, e inspirado na experiência de grupos semelhantes no âmbito da Open Knowledge International, decidi criar a lista de e-mails e o portal na Wikiversidade, para registrar esses pesquisadores e suas práticas e colocá-los em contato ao redor do tema. Além disso, para facilitar e legitimar essa mobilização, comecei a organizar um evento nacional para nos encontrarmos e compartilharmos essas experiências, registrando-as em vídeo e texto. Para esse evento foi criado o site, que hoje é o blog do grupo, e obtido financiamento da Wikimedia Foundation e apoio da Open Knowledge Brasil. A partir daí o grupo foi se consolidando como espaço para troca de experiências e de pensamento para avançar as práticas científicas abertas no Brasil.

Sabemos que a definição de Ciência Aberta envolve diversos aspectos e, sendo assim, apresenta diferentes conceituações. No caso do OKBr, qual a definição com que vocês trabalham?[editar | editar código-fonte]

  • Raniere Silva: Eu não me recordo de ter lido uma definição para "Ciência Aberta". Acredito que o termo seja uma extrapolação do termo Acesso Aberto que encontra-se definido na Declaração de Budapeste: "Por acesso aberto a esta literatura, nos referimos à sua disponibilidade gratuita na internet, permitindo a qualquer usuário a ler, baixar, copiar, distribuir, imprimir, buscar ou usar desta literatura com qualquer propósito legal, sem nenhuma barreira financeira, legal ou técnica que não o simples acesso à internet. A única limitação quanto à reprodução e distribuição, e o único papel do copyright neste domínio sendo o controle por parte dos autores sobre a integridade de seu trabalho e o direito de ser propriamente reconhecido e citado.". Dessa forma, "Ciência Aberta" seria disponibilizar na internet o material de uma pesquisa científica de forma que qualquer pessoa fosse capaz de reproduzir e estender a pesquisa. O movimento de Ciência Aberta possui várias frentes, e.g. Dados Abertos, Cadernos de Anotações Abertos e Ciência Cidadã, mas essas frentes são fruto de áreas científicas distintas e não de uma diferença na definição de Ciência Aberta -- Raniere Silva (discussão) 02h40min de 23 de janeiro de 2015 (UTC)
  • Ale Abdo: Ciência Aberta é um conjunto de tendências e cada qual produz sua própria definição. O movimento de acesso aberto tem a Budapest Open Access Initiative, o movimento de dados científicos tem os Panton Principles, o movimento de instrumentos abertos tem a Open Hardware Definition e a Free Software Definition. Essas definições surgem à medida em que uma prática ganha escala e coesão. O que elas compartilham é a substituição das baixas expectativas de transparência, participação e integração do trabalho acadêmico, que hoje predominam, por uma cultura de acesso e inclusão radicais, baseada na natureza abundante dos bens intelectuais e no poder de comunicação e processamento das tecnologias digitais. Consequentemente, faz parte dessa cultura geral recusar restrições sobre o uso de obras como forma de organização da produção, e aí há uma definição geral que se aplica, a Open Definition.

Tendo em vista a realidade brasileira, no âmbito científico, como vocês avaliam a adoção ou, de forma mais sutil, a sensibilização dos pesquisadores/agências/universidades/institutos para as proposições da Ciência Aberta?[editar | editar código-fonte]

  • Raniere Silva: A adoção ainda é bastante pequena. -- Raniere Silva (discussão) 02h49min de 23 de janeiro de 2015 (UTC)
  • Raniere Silva: No âmbito do acesso aberto, algo que motiva muito os pesquisadores de outros países são as barreiras financeiras, em inglês paywalls. Aqui no Brasil esse problema é maquiado pelo Portal da CAPES e pela minha experiência, os pesquisadores não param para pensar sobre o tema quando encontram esse tipo de barreira para um texto que precisam. -- Raniere Silva (discussão) 20h03min de 29 de janeiro de 2015 (UTC)
  • Ale Abdo: Novamente é preciso entender cada tendência separadamente. O acesso aberto por exemplo é em boa medida uma realidade no Brasil, seja pelo SciELO ou pelos bancos de teses e dissertações, e mais recentemente repositórios institucionais. Poderia ser melhor, por exemplo exigindo licenças livres (isto é, sem restrição de uso), mas é algo permanente e em larga escala. Há também projetos e instituições voltadas para outras tendências, como os Centros de Competência em Software Livre (dois na USP, um no IFRN) e o Centro de Tecnologia Acadêmica da UFRGS, além de laboratórios que buscam adotar essas práticas, mais projetos que envolvem colaborações sob princípios abertos em diversas áreas, da arquitetura com o projeto Arquigrafia, à pesquisa biomédica com o estabelecimento no Brasil de um laboratório do Structural Genomics Consortium. Das agências de fomento, reconheço que a FAPESP tem investido, ainda que modestamente, em explorar direções de abertura para além do acesso a publicações, enquanto o CNPq/CAPES são bastante omissos nessa discussão e em alguns pontos seguem na direção contrária, como na insisência de burlar a Lei de Acesso à Informação e não compartilhar o banco de dados público da plataforma Lattes, nem dar transparência aos procedimentos usados nos critérios de avaliação. Das outras agências admito que não conheço a situação. Por fim, no nível individual, de uma maneira geral os pesquisadores são simpáticos às ideias da ciência aberta, talvez até pela natureza mais explicitamente pública da pesquisa no país, contudo seguem ainda desinformados ou institucionalmente desamparados nas possibilidades de adotar práticas abertas.

Há muitas resistências? Se sim, quais seriam elas?[editar | editar código-fonte]

  • Raniere Silva: Acredito que exista mais desconhecimento do que resistência. Depois do desconhecimento, o maior problema é a falta de exemplos. Existe várias áreas que as práticas adotadas são as mesmas definidas como Ciência Aberta mas ninguém da área diz fazer ciência aberta porque essas práticas são o padrão na comunidade. Em relação a resistência, a principal barreira é a forma de avaliação/promoção dos pesquisadores que ainda não valoriza a práticas de Ciência Aberta, i.e. um pesquisador não é reconhecido por suas contribuições na Wikipédia mas uma patente que ninguém nunca irá utilizar conta vários pontos no concurso. -- Raniere Silva (discussão) 02h49min de 23 de janeiro de 2015 (UTC)

No que se refere ao trabalho do OKBr, qual o papel de vocês nesse processo de "levar a conhecer" e incentivar as práticas da Ciência Aberta?[editar | editar código-fonte]

  • Raniere Silva: Nosso papel é colocar esse tema em pauta para discussão e servir de exemplos de como fazer ciência aberta. -- Raniere Silva (discussão) 02h49min de 23 de janeiro de 2015 (UTC)
  • Ale Abdo: Como disse o Raniere, criar espaços para que pesquisadores possam inovar e compartilhar essas práticas de forma a torná-las mais impactantes e dar escala à sua adoção. Isso também envolve a discussão de políticas institucionais e cultura acadêmica, e o trabalho para que sejam aprimoradas localmente e a nível nacional.

Numa outra perspectiva, há muitos pesquisadores, ou instituições de pesquisa no Brasil que vêm adotando perspectivas de trabalho e de produção/disseminação do conhecimento afins aos preceitos da Ciência Aberta? Onde vocês percebem essas iniciativas?[editar | editar código-fonte]

  • Raniere Silva: No Brasil, a adoção dos preceitos da Ciência Aberta é mais visível em grupos com colaboração internacional onde esses preceitos já foram adotados. -- Raniere Silva (discussão) 02h54min de 23 de janeiro de 2015 (UTC)
  • Raniere Silva: Agora notei que essa pergunta ficou um pouco ambígua. Seria bom fazer a distinção entre Acesso Gratuito, Acesso Aberto e Ciência Aberta nela. No caso do Acesso Gratuito, várias universidades já possuem bancos de teses e dissertações (ainda falta artigos científicos) de acesso gratuito, i.e. não precisamos pagar para acessar o conteúdo mas não todos os direitos são reservados. No caso do Acesso Aberto, algumas poucas instituições começaram a disponibilizar sua produção sob uma licença Creative Commons ou compatível, como por exemplo a Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP/Fiocruz), embora ainda exista um grande debate relacionada às clausulas "Compartilha Igual", "Não Comercial" e "Não Derivado". E por último, a Ciência Aberta ainda é algo bem incipiente com um número pequeno de pesquisadores publicando em tempo real parte de suas pesquisas em Wikis, Blogs, GitHub, ... -- Raniere Silva (discussão) 20h03min de 29 de janeiro de 2015 (UTC)
  • Ale Abdo: Penso que respondi esta aqui ao longo de uma pergunta anterior.

No mundo, como isso vem ocorrendo?[editar | editar código-fonte]

  • Raniere Silva: Vários órgãos e fundações de financiamento científico tem adotado mandatos em favor dos preceitos da Ciência Aberta ou pelo menos do Acesso Aberto. -- Raniere Silva (discussão) 02h54min de 23 de janeiro de 2015 (UTC)
  • Raniere Silva: Acho que esqueci de falar dos pesquisadores. Não tenho nenhum dado que possa comprovar minha afirmação mas acredito que no mundo a situação seja bem parecida com a do Brasil, i.e. alguns pesquisadores experimentando algumas novas práticas. Talvez a maior diferença seja ao reunir os pesquisadores de todo o mundo tenhamos massa crítica para tentar mudar o padrão de pesquisa atual. -- Raniere Silva (discussão) 20h03min de 29 de janeiro de 2015 (UTC)
  • Ale Abdo: No mundo já há mobilizações intensas, como revistas exigindo a publicação de dados para aceitar artigos, pesquisadores eminentes da matemática (Polymath Projects) à farmacologia (Open Drug Discovery) utilizando cotidianamente wikis e blogs para pesquisa, instituições e consórcios voltados para compartilhamento aberto de dados (Sage Bionetworks), designs (CERN Open Hardware Repository) e insumos (iGem Repository dentre outros).

Qual o papel das tecnologias na implementação da Ciência Aberta?[editar | editar código-fonte]

  • Raniere Silva: O papel da tecnologia é tornar a vida do pesquisador mais fácil se ele seguir os preceitos da Ciência Aberta. -- Raniere Silva (discussão) 02h58min de 23 de janeiro de 2015 (UTC)
  • Raniere Silva: A tecnologia possui papel fundamental na implementação da Ciência Aberta. Precisamos que o compartilhamento da informação seja algo extremamente fácil para os pesquisadores. Imagine que existisse uma programa parecido com o DropBox mas cujo código fosse 100% livre, oferecesse uma solução de controle de versão mais poderosa que o Git, a curva de aprendizado fosse estupidamente fácil, disponibiliza-se seus arquivos nas núvens de forma organizada e com a possibilidade de pesquisa, lhe sugerisse novos colaboradores com base em quem acessava seus arquivos, tivesse integração com a ferramenta de produção que sua universidade utiliza (i.e. adeus aos relatórios anuais/bienais/... de produção), ... Agora lhe pergunto, qual seria o motivo para um pesquisador não utilizar essa ferramenta? Enquanto não tivermos uma solução tecnológica que facilite a vida dos pesquisadores eles continuarão fazendo ciência como fazem hoje porque eles precisam fazer duas tarefas, uma aliada à Ciência Aberta e outra devido à nossa burocracia que parou no tempo, e só possuem tempo para realizar uma, como a parte burocrática pode custar o emprego deles eles vão fazer essa. -- Raniere Silva (discussão) 20h03min de 29 de janeiro de 2015 (UTC)
  • Ale Abdo: A tecnologia vem barateando o custo de manipulação da realidade e em particular do processamento e comunicação da informação. Isso reduz o custo de fazer ciência ao mesmo tempo que permite organizar comunidades científicas numa escala que antes seria pouco prática. Há assim um potencial para aprofundar o alinhamento da organização econômica e logística da ciência com os princípios funcionais de transparência, liberdade e universalidade que a sustentam, superando mecanismos de organização estruturados num tempo que desconhecia essas tecnologias e que hoje representam barreiras ao acesso e ao progresso da ciência.

Qual a relação entre Ciência Aberta, cidadania e inovação?[editar | editar código-fonte]

  • Raniere Silva: A ciência aberta promove um ambiente de maior cidadania, pois as pessoas podem participar do processo de descoberta científica, e inovação, que não está limitada à grupos detentores de patentes. -- Raniere Silva (discussão) 02h46min de 26 de janeiro de 2015 (UTC)
  • Ale Abdo: essa relação emerge claramente no movimento dos Hackerspaces, que chegou com força ao Brasil há três anos e já conta com dezenas de centros de tecnologia e ciência cidadã autogestionados pelo país. Aí em Minas existe o Área31.

Quais vocês imaginam ser os principais desafios da Ciência Aberta para os próximos anos? Como o OKBr vem trabalhando para enfrentá-los?[editar | editar código-fonte]

  • Raniere Silva: O principal desafio é atualizar o modelo de progressão de carreira com base na ciência aberta. A OKBr vem tentando iniciar o diálogo dessa questão. -- Raniere Silva (discussão) 02h46min de 26 de janeiro de 2015 (UTC)

Comentários[editar | editar código-fonte]

OKBr e GTCA[editar | editar código-fonte]

Ale Abdo: Camila, parece-me que você faz uma confusão entre OKBr e o Grupo de Trabalho em Ciência Aberta. Apesar de apoiado pela Open Knowledge Brasil, e vinculado a grupos similares da Open Knowledge Network, o Ciência Aberta é independente dessas organizações. Não é nada grave, mas é importante até porque essas organizações atuam em rede e não se consideram porta-vozes dos grupos que apóiam. Só pra dizer que sua entrevista faz mas sentido se for dirigida ao Grupo de Trabalho em Ciência Aberta, e não à Open Knowledge Brasil, e eu respondi de acordo com isso. Abraço!

Camila: Olá, Alexandre! Obrigada por reforçar essa distinção. Realmente, como um remete ao outro (páginas e links), por vezes, pode haver essa confusão. Sendo assim, pode ficar tranquilo que creditarei a entrevista ao GTCA. Abraço.

Artigo na Liinc em Revista

Ale Abdo: Camila, talvez te ajude dar uma olhada nesse artigo que escrevi pra Liinc em Revista: Ciência Aberta, da ciência para todos à ciência com todos.