Protocolos decoloniais para a Wikimedia/Anotações/02

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Reunião 02. Silvia Rivera Cusicanqui - Dia 31-03-2023

CUSICANQUI. Ch’ixinakax utxiwa: Una reflexión sobre prácticas y discursos descolonizadores[editar | editar código-fonte]

Silvia Rivera Cusicanqui é uma intelectual/ativista indígena aymara que combina cosmovisões andinas a teorias/práticas decoloniais. É socióloga, historiadora, teórica anarquista, feminista e educadora. Fundadora da Oficina de História Oral Indígena e precursora da sociologia da imagem via história indígena.

  • O texto é a transcrição de uma conferencia que é anterior à vitória de Evo Morales e estabelecimento do Estado Plurinacional da Bolívia sob seu governo (2006-2019). Sendo assim o texto não reflete a crítica de Cusicanqui ao governo de Evo, pois é anterior.

Marcos do capítulo[editar | editar código-fonte]

Ch'ixi é tudo aquilo que é mestiço[editar | editar código-fonte]

  • O conceito de ch'ixi corresponde, em aymara, à ideia de algo que é e não-é ao mesmo tempo, isto é, à logica de uma terceira possibilidade incluída. [Por exemplo] A cor cinza, enquanto ch'ixi, é branco e não-branco ao mesmo tempo; é branco e também é preto, seu oposto. [Capítulo, item 5, p. 69]

Ch'ixi em aymara significa literalmente cinza marmorizado (gris jaspeado), cor de cinza composta por pontos brancos e pretos. Ch'ixi, como mestiço, corporifica a coexistência paralela de diferenças culturais múltiplas; paralela porque não se fundem, ou se antagonizam ou se complementam. Entende-se mestiçagem como conjugação, não como mescla; sobretudo, como um entre-lugar entre identidade rígida ou híbrida.

  • O ch'ixi contitui [...] uma imagem poderosa para pensar a coexistência de elementos heterogêneros que não aspiram a fusão e tampouco produzem um elemento novo, superador ou abrangente. [Introdução, p.7]

Ch’ixinakax utxiwa. "Existe también el mundo ch’ixi" (p. 69)

Modernidade indígena prevê agência transformadora[editar | editar código-fonte]

Expressa nas revoltas lideradas por Tupac Amaru e Tupac Katari; reformada pelo movimento katarista do tempo presente.

Reconhecimentos: 1. pessoas e povos indígenas são contemporâneos (coetâneos) e não seres do passado; (eu acrescentaria,) não estão fora da história e sociedade não-indígena; 2. por isso, não estão presos "à origem" da história; ademais, têm suas próprias lógicas de modernidade e agendas políticas; 3. a história colonial não se estabeleceu de forma total e efetiva na chegada dos europeus à América, tampouco acabou com a independência das repúblicas ("sucessivos processos de recolonização"); 4. ademais de escravização e genocídio, a modernidade histórica representou para os povos indígenas uma arena de resistência e conflitos, na qual desenvolveram estratégias contra-hegemônicas.

Na perspectiva indígena, a História é não-linear[editar | editar código-fonte]

"El mundo indígena no concibe a la historia linealmente, y el pasado-futuro están contenidos en el presente: la regresión o la progresión, la repetición o la superación del pasado están en juego en cada coyuntura y dependen de nuestros actos más que de nuestras palabras. El proyecto de modernidad indígena podrá aflorar desde el presente, en una espiral cuyo movimiento es un continuo retroalimentarse del pasado sobre el futuro, un “principio esperanza” o “conciencia anticipante” [...] que vislumbra la descolonización y la realiza al mismo tiempo." [p. 54]

Frente/detrás de isso, a visão estratégica de Cusicanqui e suas comunidades aymaras compreende:

  • Comprometer-se com o aka pacha (Planeta terra) no presente;
  • Entender que o presente possui as "sementes do futuro que brotam do fundo do passado", por isso é necessário "olhar pra traz para andar pra frente" (qhip nayr uñtasis sarnaqapxañani, p. 55)
  • O presente/passado/futuro é o cenário de luta entre forças arcaizantes e defensoras do status quo (e da ideia de preservar a cultura) e forças modernizadoras, pró pacha kuti (revolução terrestre).

Críticas importantes[editar | editar código-fonte]

Multiculturalismo liberal (pré Evo)[editar | editar código-fonte]

Cusicanqui critica o "pósmodernismo culturalista", que individualiza responsabilidades e reifica culturas não-ocidentais. Segundo ela, o multiculturalismo estatal/acadêmico advém da classe dominante. É sobretudo uma prática contínua de colonialidade que reconhece e incorpora os povos indígenas, mas apenas como figuras estáticas, arcaicas e relacionados a um passado idealizado.

Estatal[editar | editar código-fonte]

No caso da bolívia, Cusicanqui fala em "multiculturalismo oficial/ornamental/simbólico". Diante de revoltas populares que ameaçam o poder dominantes, as elites:

  • cedem a demandas de reconhecimento e participação política dos movimentos indígenas; só que,
  • adotando um discurso retórico e essencialista, centro na noção de [“povos originários”](#Originárixs);
  • recortando e condicionando a relutada concessão de direitos culturais e territoriais, o que permite...
  • a reciclagem das elites e continuidade do monopólio do exercício de poder.

Segundo Cusicanqui, os kataristas e indianistas da Bolívia, empreenderam uma recuperação estratégica das demandas indígenas e consequente neutralização de sua pulsão descolonizadora, por meio de uma "inclusão condicionada" e "cidadania recortada" (veja-se cidadania de segunda classe. Esse multiculturalismo oficial foi, portanto, um mecanismo mascarador de novas formas de colonização, que "*molda imaginários e identidades subalternizadas ao papel de ornamentos ou massas que teatralizam sua própria identidade*". (p. 60)

Acadêmico[editar | editar código-fonte]

Também a intelectualidade faz parte dessa elite que empreende a ideia de multiculturalismo, classe que: "adopta poses postmodernas y hasta postcoloniales: a la academia gringa y a sus seguidores, que construyen estructuras piramidales de poder y capital simbólico, triángulos sin base que atan verticalmente a algunas universidades de América Latina, y forman redes clientelares entre los intelectuales indígenas y afrodescendientes." [p.57]

Originárixs[editar | editar código-fonte]

Tal termo seria um adorno multicultural do neoliberalismo

Olhando pro caso da Bolívia, Cusicanqui aponta para o positivismo e essencialismo imbricado no uso do termo "originários" (ou seja, povos situados na "origem"), pois:

  • nega a coetaneidade dessas populações, excluindo-nas dos quadros da modernidade;
  • enclausura-nas em esterótipos indigenistas do "bom selvagem" e legitima apenas as "identidades emblemáticas", assim...
  • seleciona populações rurais e exclui aquelas "aculturadas", urbanas, periféricas e classe trabalhadora;
  • converte essa seleção em minoria, outorgando um status residual a elas, o que, por sua vez, nega seu potencial para ser hegemonia (75% da população da Bolívia é indígena e mestiça).

Descolonização como prática radical[editar | editar código-fonte]

Segundo Cusicanqui a descolonização não pode ser concebida como um pensamento ou discurso sem uma prática efetivamente radical.

"El discurso del multiculturalismo y el discurso de la hibridez son lecturas esencialistas e historicistas de la cuestión indígena, que no tocan los temas de fondo de la descolonización; antes bien, encubren y renuevan prácticas efectivas de colonización y subalternización. Su función es la de suplantar a las poblaciones indígenas como sujetos de la historia, convertir sus luchas y demandas en ingredientes de una reingeniería cultural y estatal capaz de someterlas a su voluntad neutralizadora." [p. 62]

Aposta no bilinguismo, retomar as línguas, sentidos e cosmologias nativas que foram suprimidas ao longo da história.

"El pensamiento descolonizador que nos permitirá construir esta Bolivia renovada, genuinamente multicultural y descolonizada, parte de la afirmación de ese nosotros bilingue, abigarrado [multicolorido] y ch’ixi, que se proyecta como cultura, teoría, epistemología, política de estado y también como definición nueva del bienestar y el “desarrollo”. El desafío de esta nueva autonomía reside en construir lazos sur-sur que nos permitan romper los triángulos sin base de la política y la academia del norte. Construir nuestra propia ciencia –en un diálogo entre nosotros mismos– dialogar con las ciencias de los países vecinos, afirmar nuestros lazos con las corrientes teóricas de Asia y África, y enfrentar los proyectos hegemónicos del norte con la renovada fuerza de nuestras convicciones ancestrales." [p. 73]

Críticas a despolitização dos estudos decoloniais[editar | editar código-fonte]

Cusicanqui critica duramente a geopolítica ou economia do conhecimento em torno das teorias pós/decoloniais, canonizada pelos marxistas Aníbal Quijano, Walter Mignolo, perpetuada por Catherine Walsh. Aponta para que:

  • a canonização de teorias decoloniais no norte mascaram ou neutralizam a base social do pensamento subalterno;
  • estrutura vertical (e colonizadora) dos "triângulos sem base" que a academia do norte global gera em suas relações com as universidades e intelectuais do sul.
  • cooptação de intelectuais indígenas, que ao reproduzir essas conceitualizações acabam por "se afastar de suas raízes", do diálogo com a base popular.

Estrutura, neutralização, canonização passa pelo processo de "Cooptación y mímesis, mímesis y cooptación, incorporación selectiva de ideas, selección certificadora de cuáles son más válidas para alimentar ese multiculturalismo de salón, despolitizado y cómodo, que permite acumular máscaras exóticas en el living y dialogar por lo alto sobre futuras reformas públicas" [p. 68]