Relatório Aldeia Rio SIlveiras (Fernanda Elimelek, Maria Eduarda Picinini Fernandes, Sophia de Oliveira Novaes e Thaís Malta dos Santos)

Fonte: Wikiversidade

Introdução

Segundo Faustino (2010, p. 47), “os indígenas Guarani compõem etnias pertencentes à família linguística tupiguarani, do tronco Tupi, e se dividem nas parcialidades Mbyá, Nhandewa e Kaiowá. No Brasil, atualmente, estes povos vivem nos Estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, São Paulo e Mato Grosso do Sul, totalizando cerca de 34 mil pessoas”. Apesar de encontrarem-se em uma constante luta a fim de preservar sua cultura e garantir suas terras, esses povos, com suas tradições seculares e amor à natureza, são uma rica fonte de aprendizado para a humanidade. Nesse sentido, a pesquisa realizada surgiu do interesse genuíno em explorar, compreender e aprender a partir de uma cultura diferente. Os investigados são os indígenas Guarani Nhandewa da Aldeia Rio Silveiras em Bertioga – SP. Dentre os principais objetivos encontra-se o de alcançar um maior entendimento acerca dos costumes, hábitos e religião desse povo, além de agregar experiências pessoais que servirão para o crescimento humano das pessoas envolvidas nessa pesquisa.

A Vivência na Aldeia Rio Silveiras

Com as experiências vividas na Aldeia Rio Silveiras – pelas investigações do grupo que esteve ali por meio do turismo didático e o que foi narrado pelos indígenas – obteve-se grande compreensão sobre o modo de vida dos Guaranis Nhandewa. Sabe-se o quão importante é se atentar as sutilezas na maneira de viver e se relacionar com o mundo para ter mais conhecimento sobre o povos, então, levando em conta as observações feitas, este tópico tratará sobre os principais diferenciais deste grupo indígena em relação aos Juruás. Nesse cenário, algo perceptível é a liberdade e a segurança para se comportar de maneira livre. As crianças boa parte do tempo estão desacompanhadas dos pais, brincando em grupo ou sozinhas, em um jeito bem autônomo de ser; no horário da reza, momento sagrado para agradecer ao dia, elas tanto participam dos cantos em roda quanto ficam no fundo, divertindo-se entre si; elas não são reprimidas ou fortemente induzidas a se portar com determinada compostura. Ainda se tratando da liberdade, há também dois pontos da individualidade a serem destacados: acerca dos papéis de gênero, os trabalhos (como o artesanato, a pescaria e o cozinhar) não são divididos nesta ordem; os adultos (são considerados adultos e responsáveis a partir dos 12 anos, a depender da maturidade) escolhem como e com quem viver, ou seja, podem por exemplo escolher estudar e entrar no nível superior, optar com quem se relacionar – indígena ou não, sendo que os Juruás não podem morar na aldeia, e destacando também que o casamento não é comemorado com festa, é apenas anunciado. Acerca da espiritualidade das pessoas, sabe-se que a religião é monoteísta, adoram a Nhanderu, que possui discípulos, como o do trovão e do vento. A prática rotineira é reunir-se na casa de reza, com suas musicalidades e danças para agradecer ao dia ao e pedir que o próximo seja melhor. Este momento sagrado possui algumas especificações: tanto a roda, quanto a dança, instrumentos tocados – como o Chocalho usado por homens e o Paia, utilizado pelas mulheres e também pelo pajé, neste caso para retirar espíritos maus do corpo – e até mesmo os cantos (em que vogais dominam) são divididos de forma binária entre os gêneros; uma fogueira é acesa, para que a fumaça se espalhe no local e teste a resistência dos indivíduos; algumas pessoas fumam em seus cachimbos, para exaltar o deus; além de tudo, naquele ambiente encontram-se os cocares de Pajés antigos ou de pessoas que gostariam de ser abençoadas. Ainda sobre a questão, o criacionismo e a reencarnação são um dos aspectos presentes, o ser humano veio da terra e para ela retornará, sendo que sua alma poderá retornar, e um dos pontos que expõe isso é a calma de alguns bebês no nascimento. Relativo aos pajés, tomou-se conhecimento de que estes nascem pajés, isto é, tal cargo não se dá por hereditariedade ou votos da comunidade (como no caso dos caciques, que estão presentes em cada núcleo para uma ocupação mais política), Nhanderu releva ao pajé vigente quem será seu sucessor. Estes, mesmo novos, tem dons que transparecem em seus conselhos e atividades, como preparar medicamentos e curar doenças espirituais. No que se refere a datas especiais e comemorativas, já fora mencionado que o casamento é somente anunciado, cujas ressalvas são: o aceite dos pais é fundamental e a família com um Juruá se dá fora da Aldeia; o aniversário é comemorado tal qual o modo Juruá, com bolo e canto de parabéns, na casa de reza; o ano novo é em setembro, celebra-se também o ano velho; entretanto, é indubitável que o dia mais importante é o do batismo, cerimônia na qual o pajé declara qual o nome que Nhanderu destinou ao sujeito. Ademais, a respeito da cultura tradicional que ainda permanece forte no Rio Silveiras, vê-se que um dos maiores medos é a aculturação, perda de elementos tradicionais como a pintura corporal – que antigamente era usada para camuflagem na caça e hodiernamente é utilizada como forma de afirmação da identidade –, visto a influência dos Juruás. Ainda assim, algumas configurações foram assimiladas, posto que aquela população possui dois nomes, em guarani e em português, pois foram obrigados a ter uma cédula de identidade; outrossim, a língua portuguesa (e outras disciplinas de educação, como matemática) é ensinada em escolas para as crianças, mas só depois de aprenderem seu próprio idioma e o modo de agir do grupo social. Não só isso, mas também parte da economia se baseia em comércio, como produtos alimentícios – em que se destaca o palmito – ou venda de artesanatos, outros tem cargos nos postos de saúde e escolas, ou até mesmo trabalham fora da Aldeia. Nesse sentido, de defender os elementos culturais, se enquadra a relação entre a vida e o meio ambiente, a natureza é uma dádiva e um direito da comunidade, visto que nela há tudo o que precisam e sendo assim, devem preservá-la. Relatou-se as tentativas e ofertas para que eles se retirassem das terras, nas palavras respectivas do pajé e do cacique de um dos núcleos, “a Aldeia está pronta para tudo” e “dinheiro não se come”, ou seja, há resistência desde o século XVI e sempre estarão dispostos a lutar pelo seu povo e seus costumes, pois tem ciência que seu modo de vida é válido, importante para manter o meio ambiente saudável e que dinheiro não trará benefícios para tal.

Experiência Multisensorial

A vivência foi observada pelo grupo de maneira multissensorial em diversos momentos. O potencial do ambiente, com texturas, cheiros, formas e cores, permitia uma gama de possibilidades para se experimentar o local, de maneira compartilhada e generosa. No sábado pela manhã, quando esperávamos pelo almoço, tivemos um momento mais livre, no qual alguns optaram por participar de jogos e brincadeiras tradicionais ou vivenciar o espaço de maneira particular. Os membros do nosso optaram por ficarem próximos a fogueira, onde uma água fervia. Neste momento, alguns tiravam fotos de observação do espaço e outros sentavam para sentir o lugar. Uma de nossas integrantes passou a fazer alguns desenhos em seu caderno, com aquarela. Neste instante, algumas crianças da aldeia se aproximaram e começaram a pintar e a desenhar junto a nós. Esta experiência nos permitiu observar com sutileza algumas características pessoais que as crianças expressaram. Notamos que elas optaram por usarem cores terrosas em todos os desenhos. Quando foi proposto à elas que utilizássemos texturas e elementos naturais que estavam dispostos naquele lugar, como pedras, folhas, terra, areia e carvão, elas ficaram imersas e criaram formas sobrepostas, que ocupavam a página toda, com muita matéria e liberdade nas mãos e nos braços. Ainda com estas inspirações, fomos à praia pela tarde. Tivemos um momento mais descontraído e em conjunto. Nosso grupo observou bastante o local e chegamos a conversar sobre as sensações que nos passavam. Durante este momento, uma de nossas integrantes realizou algumas pinturas em aquarela com a água do mar, de modo que pudéssemos trazer ao relatório a materialidade daquele momento. No domingo, a caminhada pela mata nos ofereceu um repertório corporal poderoso e cheio de possibilidades. A temperatura, a sombra e a luz, as formas, tudo atraía e envolvia o corpo numa série de sensações únicas. Quando retornamos, no caminho de volta, recolhemos algumas pedras dos rios e das trilhas, sentindo as texturas e os poros daquela mata. Foi então, que uma de nossas integrantes sugeriu que procurássemos por argila, com o objetivo de construir e queimar uma peça no fogo da fogueira da aldeia. Embora tenhamos procurado, não encontramos argila no caminho, e acabamos levando um pouco de barro vermelho para a aldeia. Lá, sentados junto ao pajé e uma senhora da aldeia, fizemos algumas peças que cabiam na palma da mão, nos formatos das montanhas que nos abraçavam naquele momento. Deixamos queimar no fogo, enquanto conversávamos com o Pajé sobre cerâmica. Ele nos relatou que ali próximo havia argila, mas que eles não têm o costume de produzir objetos em cerâmica. Depois de cerca de 50 minutos, retiramos as peças de barro, que haviam se tornado uma espécie de tijolo. Passamos um pouco de pigmento nas peças e colocando-as na mão, pudemos olhar o horizonte e entender que estávamos levando um pouco daquele ambiente conosco, na palma das mãos. O corpo das crianças indígenas da aldeia nos indicaram através do desenho uma unidade entre os membros. O desenhar no chão, integrava o corpo todo. Ao fazer as texturas, elas usavam força e ritmo, exprimiam um espírito de criação leve e sem as peias que costumam ser presente nos desenhos das crianças. As simbologias como coração, árvore ou casa, até então, partiram das pessoas do nosso grupo. Da parte das crianças, podemos observar uma abstração contínua e uma força localizada nos materiais que utilizavam, em pura experimentação. Porém, teve um momento que uma das crianças, um pouco maior, em torno de 6 ou 7 anos, passou a desenhar conosco. Esta trouxe na escrita guarani “Seja bem vindo”, desenhando uma casa logo em seguida. Esta mesma criança, desenhou uma árvore, estrelas e uma flor, trazendo signos visuais. O que nos leva a pensar que as simbologias visuais parecem estar presentes com um caráter comunicativo mais objetivo nas crianças um pouco maiores, que devem ter contato com a educação formal e uma prática em comunicar construções lineares visuais.

Conclusão

Essa vivência foi de enorme contribuição para um primeiro entendimento acerca da forma como se dá a cultura na Aldeia Rio SIlveiras. Com as conversas que tivemos com as pessoas que vivem esse estilo de vida ou aquelas que o estudam, junto com as experiências imersivas que tivemos durante a viagem, pudemos compreender de dentro como são as relações interpessoais e a relação humanonatureza que é bastante intensa lá. Pela entrevista que tivemos com Marinho, o marido da filha do pajé junto com observações sutis no dia-a-dia da comunidade, aprendemos que naquela aldeia as pessoas possuem uma autonomia e liberdade enorme. O medo por eles expressos, é o medo de todos: perder a cultura para os Juruás. Há também um grande senso de coletividade, um está sempre cuidando do outro e lutando, diariamente, para que o grupo permaneça vivo, sendo possível perceber uma confiança enorme entre as pessoas. Assim, com a contribuição individual de cada um para o grupo, forma-se uma comunidade autossuficiente que trabalha para preservar o seu bem mais precioso: a vida. A história que o pajé nos contou no dia em que fomos plantar mudas na região a qual ele pretende rehabitar mostrou como o registro de memória da comunidade é baseado na oralidade e na própria natureza: a referência de uma árvore, do que antes eram trilhas. O passado deles os movem para o futuro. É a partir dele que eles se fortalecem. Já no relato do Cacique, pôde-se perceber que a natureza para eles é uma dádiva e um direito. É ela que supre todas as necessidades e governa o tempo, tanto exterior, isto é, o chegar da noite ou o amanhecer, quanto interior, do próprio corpo e individualidade, como a hora de comer (quando estão com fome). Assim, percebe-se alguns (dentre outros) essenciais elementos da cultura deles: o passado, a natureza, a cultura, as pessoas, o momento presente e a luta, além de todo aprendizado que vem de cada um desses aspectos. Tudo girando em torno da vida e da vivência na terra enquanto seres humanos.

Bibliografia

FAUSTINO, R. C. RELIGIÃO GUARANI NHANDEWA: UMA COMPLEXA ORGANIZAÇÃO E RECRIAÇÃO PARA A VIDA E A EDUCAÇÃO. Revista Brasileira de História das Religiões, Maringá, n. 7, p. 47, Maio 2010.