ResumoAçãoLECCA
O projeto LECCA - Laboratórios de comunicação e ciência aberta é desenvolvido como um arranjo de promoção da pesquisa científica combinada com educação midiática em escolas e colégios do ensino básico, principalmente voltado para as redes publicas de educação. Busca-se consolidar a longa e diversificada pesquisa metodológica sobre comunicação comunitária, uso de mídias na escola e uso de mídias como recurso educacional, para dirigí-la à construção de laboratórios de pesquisa nas escolas.
O conceito mais básico da proposta reside em criar condições organizacionais e mobilizar os trabalhadores da educação, os estudantes e as comunidades escolares para experimentar serem protagonistas do processo de produção de conhecimento. Ou seja, propõe-se uma inversão no fluxo convencional, segundo o qual a pesquisa só é produzida nos níveis mais avançados de formação e titulação acadêmica, para então lentamente ser trazida para o ensino de graduação e profissional e só mais tarde chegar ao contexto da educação básica. O que propomos é integrar iniciativas de pesquisa das escolas e comunidades escolares à pesquisa cientifica acadêmica, criando um ambiente de investigação comum e gerador, através das práticas de comunicação estratégica e comunitária, de instrução da sociedade geral.
Em que pese uma grande diversidade de iniciativas de extensão universitária, há atualmente muita dificuldade de comunicação entre os interesses de investigação de profissionais da educação, estudantes e comunidades escolares para as comunidades universitárias de pesquisa. É, infelizmente, recorrente que a universidade se relacione de maneira assimétrica com as escolas: buscando nelas informações e informantes, sem devolver os resultados das investigações; engajar as comunidades universitárias em experimentos metodológicos e mobilizações cívicas para coleta de dados, sem que as comunidades escolares possam propor e expressar suas demandas de pesquisa; as escolas são muitas vezes lugares para se cumprir compromissos de formação profissional (estágios) fragmentárias, que tem dificuldades de contribuir sistematicamente para o desenvolvimento da eficácia das escolas.
A escola está profundamente desafiada pela concorrência de processos (de)formativos nas mais diversas mídias e ambientes digitais, conduzidos em ambientes fora da crítica metodológica e rigor cientifico, seguindo interesses discrepantes da construção de uma sociedade democrática, igualitária e que concebe a difusão de conhecimento como melhor forma de desenvolvimento coletivo. As comunidades escolares, especialmente as de baixa renda, se encontram em sofrimento, lidando com desafios que vão das novas formas de construção de personalidade entre os jovens até problemas ambientais sérios, passando por segurança alimentar e desemprego. Todas essas condições se agravaram enormemente com a pandemia e a recessão dos anos recentes. Por isso acreditamos que se as comunidades já tem bons motivos para procurar as escolas como fonte de informações confiáveis, no atual oceano de desinformação, terão razões para passar a se apropriar dos ambientes escolares para o propiciamento da auto-organização, auto-dependência econômica e reconstrução positiva das suas identidades pessoais e coletivas. O LECCA incorpora diversas tecnologias para tal, como as geonarrativas, bancos de tempo, moedas sociais e arranjos de aprendizagem entre pares.
Hoje, assim como os estudantes mudaram muito, tornando-se mais independentes e questionadores, mas também mais vulneráveis ao consumismo e à manipulação de opiniões através das redes sociais, também os professores do ensino básico são diferentes do que eram há 20 ou 30 anos atrás. São raros os docentes que não tenham se envolvido com pesquisas acadêmicas no seu período de formação, de modo que se tornaram comuns as expectativas dos educadores do ensino básico com carreiras acadêmicas e interesses genuínos de investigação. No entanto, não são facilmente encontradas estruturas para promover a continuidade das suas atividades como pesquisadores, apesar de ser pronunciada a tendência deles a buscar produzir conhecimentos novos pertinentes e relevantes para seu próprio ambiente de trabalho, as redes de educação pública básica. Um propósito central da ação dos LECCA é exatamente prover um ambiente de pesquisa para os docentes do ensino básico.
Nos últimos anos, o fenômeno das notícias falsas, das fotografias, áudios e vídeos falsos, assim como a difusão de doutrinas e seitas pseudo-científicas tem preocupado os defensores da ciência moderna e da democracia. Em geral, a preocupação dos críticos se dirige às origens, aos produtores desses conteúdos enganosos. Em menor grau, aparecem as denúncias de negligência e má-fé das empresas responsáveis pelas redes sociais comerciais, que permanecem indiferentes ao uso manipulativo dos serviços que fornecem aos públicos. Mas não podemos nos esquecer que, sem a credulidade de uma parcela grande das populações dos paises, as mentiras teriam pernas bem mais curtas. A nosso parecer, a escola publica, as redes de educação básica, tem um papel decisivo a esse respeito, permitindo que a experiência prática de produção de pesquisa torne nítido, para as comunidades escolares particiantes, o que é conhecimento sólido apoiado no método experimental, e o que é "narrativa" (ou seja, pseudo-ciência e sofismas).
Como estratégia para superar essas dissimetrias e distorções, o LECCA propõe três conjuntos de ações:
- Organização de grupos e ambientes de pesquisa nas escolas, orientados para o auto-diagnóstico e auto-organização para a satisfação de demandas de investigações das comunidades escolares, incluindo estudantes e trabalhadores da educação, suas famílias e vizinhanças (contextos locais)
- Catálise do desenvolvimento de projetos de pesquisa formais dos trabalhadores da educação básica pública, através de: mediação de contatos com pesquisadores acadêmicos, grupos e redes de grupos de pesquisa, laboratórios, nas universidades e centros de pesquisa brasileiros; apoio na elaboração de projetos e planejamentos de pesquisa; identificação de orientadores e programas convergentes com os interesses dos professores e trabalhadores da educação básica.
- Desenvolvimento de práticas experimentais de apropriação da ciência e comunicação estratégica com recursos simples, aproveitando a disponibilidade de recursos de comunicação digital móvel por boa parte dos estudantes e nas comunidades escolares, e o equipamento disponível nas escolas, de modo a popularizar a familiaridade com os métodos científicos e de pesquisa cultural e artística. Quem sabe como se produz conhecimento arrimado no método experimental está muito menos sujeito a ser manipulado por simulacros de ciência.
Na prática, como funciona?
De modo geral, decorrente desses três focos, concebemos a ação concreta como a organização de conversas permanentes e atividades práticas de produção experimental de produtos artístico-midiáticos pelos estudantes e por toda a comunidade escolar. Trabalhamos na descoberta/reinvenção coletiva das capacidades e limites das linguagens e das mídias -- imersão urbana (performances, grafitti, intervenções urbanísticas), radiofonia e fonografia, audiovisual (fotografia, vídeo), escrita (produção de textos, publicação de periódicos, murais) e cibertextual (principalmente estratégias de ação nas redes sociais e desenvolvimento de aplicativos).
As implementações recentes de laboratórios escolares tem nos conduzido a atuar a partir de duas instancias:
- Projetos de ensino-pesquisa-comunicação estratégica, que são investigações multidisciplinares e intermediáticas, envolvendo uma ou mais disciplinas, nas quais tópicos dos programas são transformados em objetos de investigação coletiva de estudantes e professores, que tem o foco na produção de produtos midiáticos (de jornais murais a aplicativos cívicos e séries de vídeo-documentários) para a informação, deliberação coletiva e mobilização.
- Percursos de aprendizagem experimental de retóricas artístico-midiáticas, onde os participantes voluntários (estudantes e professores) realizam uma série de jogos improvisacionais e proposições de comunicação midiática, em ciclos de planejamento, produção, gravação, exibição e avaliação.
Pretende-se que estas duas instâncias de atividade sejam sinérgicas, com as atividades de aquisição de competências artístico-midiáticas apoiando as pesquisas comunitárias, e estas motivando a aprendizagem criativa das linguagens midiáticas. O desenvolvimento desse processo prevê dois momentos:
- No primeiro (estimado em cerca de 100 horas), os participantes percorrem séries de jogos de aprendizagem, resolvendo progressivamente problemas de investigação e expressão midiática de complexidade crescente. Neste percurso, as soluções comunicativas encontradas são instrumentais na solução de desafios cada vez mais elaborados; segundo, formando grupos de discussão e reflexão, desenvolvem diagnósticos, planejamentos e desenvolvem as pesquisas e estratégias de sua associação com técnicas de mobilização coletiva e divulgação científica. É relevante notar que, em nossa experiência, o percurso das séries de invenção/descoberta das retóricas midiáticas conduz os participantes a desenvolver seus proprios jogos de invenção.
- No segundo (estimado em outras 100 horas), de consolidação de coletivos de produção, se espera que ser tornem perene os coletivos formados nas comunidades escolares. Nestes, o desenvolvimento de temas e poéticas deverá tornar-se contínuo, com uma produção regular de conteúdos midiáticos decorrente de igualmente contínuas pesquisas científicas escolares e a mobilização dos recursos de comunicação para a produção dessas pesquisas. Espera-se que esses coletivos alcancem auto-sustentabilidade, interagindo com os ambientes institucionais e comerciais. Tais coletivos de comunicação e pesquisa já experientes poderão participar os estudantes mais jovens das ações, apoiar a formação de novos coletivos, a exploração de novos temas e poéticas artístico-midiáticas.