Saúde Planetária e Comunicação Humana/Aspectos Gerais da Comunicação Humana/Saúde Auditiva
Saúde Auditiva
Infecções virais emergentes representam uma ameaça crescente à saúde auditiva global. O vírus Zika está associado à perda auditiva significativa em 21,2% dos infectados, enquanto o Ebola e a Febre de Lassa demonstram prevalências de 5,7% e 8,5%, respectivamente. Estes dados evidenciam a neurotropia viral e o potencial lesivo direto aos órgãos sensoriais periféricos e centrais, destacando a necessidade de monitoramento audiológico sistemático em pacientes pós-infecção.[1]
A poluição atmosférica emerge como fator de risco significativo para otite média, especialmente na população pediátrica. Revisões sistemáticas demonstram associação consistente entre maiores concentrações de dióxido de nitrogênio e material particulado com a ocorrência de otites. Estudos canadenses identificaram aumento de 3-6% nos casos de otite após picos de poluição atmosférica, com risco relativo associado especificamente à exposição à fumaça de madeira.[2][3]
A fisiopatologia desta associação envolve processos inflamatórios da mucosa respiratória superior, alteração da função mucociliar e comprometimento da ventilação tubária, criando condições favoráveis à colonização bacteriana e desenvolvimento de processos infecciosos no ouvido médio. A crise climática ameaça agravar otites já altamente prevalentes em populações e contextos específicos, sendo a prevenção dependente de fatores modificáveis como nutrição adequada e condições habitacionais saudáveis.[3] No caso dos povos originários e populações tradicionais, tais crises ambientais representam uma ameaça adicional ao agravamento da otite média, já altamente prevalente nessas populações. Estratégias de prevenção e mitigação exigem atenção a fatores modificáveis, como condições adequadas de nutrição e habitação.[3]
Do ponto de vista etiopatogênico e de vigilância, cabe destacar que a carga de perda auditiva relacionada a vírus emergentes está provavelmente subestimada devido ao uso predominante de autorrelato e à ausência de protocolos audiológicos padronizados; em Zika, há indícios de fenótipos retrococleares (p.ex., neuropatia auditiva) que escapam à triagem convencional e podem ter início tardio, exigindo reavaliações após o período neonatal, ao passo que em Ebola e Lassa a quantificação depende de medidas objetivas para diferenciar queixa de déficit mensurável; adicionalmente, exposições ambientais como poluentes atmosféricos (NO₂ e material particulado) e fumaça de madeira atuam como estressores otológicos que podem ampliar a suscetibilidade a otites e agravar desfechos auditivos em contextos de vulnerabilidade socioambiental, reforçando a necessidade de integrar padrões de mensuração reconhecidos e seguimento longitudinal em populações expostas.[1][2][3]
A ototoxicidade representa uma condição clínica caracterizada por danos ao sistema auditivo e/ou vestibular resultantes do uso de medicamentos tóxicos ao ouvido interno. Os aminoglicosídeos (gentamicina, amicacina, neomicina, estreptomicina) constituem a classe mais significativa, sendo utilizados no tratamento de infecções bacterianas graves, mas podendo causar danos às células ciliadas do ouvido interno. Os derivados de platina, particularmente a cisplatina, representam agentes antineoplásicos com potencial ototóxico significativo. Outros agentes incluem salicilatos em altas doses, quinino e diuréticos de alça. O monitoramento audiológico é essencial durante o uso desses medicamentos, especialmente em tratamentos prolongados ou em populações de risco.
Além disso, evidências recentes indicam que a exposição ocupacional e ambiental a agrotóxicos pode constituir fator de risco adicional para a saúde auditiva. Revisões sistemáticas demonstram que pesticidas apresentam efeitos ototóxicos tanto em estruturas periféricas (cóclea) quanto em vias auditivas centrais, contribuindo para perdas auditivas sensórioneurais e para alterações no processamento auditivo.[4] Esses achados são reforçados por revisões que destacam a possível neurotoxicidade auditiva dos pesticidas em diferentes populações, ressaltando a vulnerabilidade de grupos expostos precocemente, como crianças e gestantes, e a necessidade de considerar exposições combinadas com ruído e outros agentes ambientais.[5]
A saúde auditiva está intrinsecamente conectada ao funcionamento de diversos sistemas orgânicos. Alterações cardiovasculares podem afetar a microcirculação do ouvido interno, enquanto distúrbios neurológicos podem comprometer o processamento auditivo central. O sistema endócrino, por meio de hormônios como insulina e hormônios tireoidianos, influencia o metabolismo das estruturas auditivas. As mudanças climáticas e degradação ambiental podem intensificar a exposição a agentes patogênicos, poluentes atmosféricos e sonoros, criando um ciclo de vulnerabilidade para a saúde auditiva, especialmente em populações já marginalizadas.
A poluição sonora transcende os danos auditivos diretos, configurando-se como fator de risco para múltiplos sistemas orgânicos. A Organização Mundial da Saúde estabelece diretrizes para exposição sonora segura, reconhecendo que a exposição crônica ao ruído pode desencadear respostas fisiológicas de estresse. A exposição prolongada a níveis elevados de ruído está associada não somente à perda auditiva, mas também a alterações cardiovasculares, distúrbios do sono e impactos no desenvolvimento cognitivo, especialmente na população infantil. O ruído urbano constitui um problema de saúde pública crescente, requerendo estratégias de mitigação ao nível populacional.
Diante desta complexa etiologia multifatorial, profissionais da saúde auditiva sugere-se adotar abordagem em saúde planetária integrando vigilância de riscos ambientais, triagem de ototoxicidade e perda auditiva, monitoramento metabólico e intervenção educativa comunitária. A entrevista inicial deve incluir histórico de exposição a agentes potencialmente ototóxicos, poluentes ambientais e alterações metabólicas.
A avaliação audiológica deve contemplar protocolos específicos para detecção precoce de lesões sensoriais, considerando os múltiplos fatores de risco identificados. Nas comunidades amazônicas, a integração de estratégias preventivas deve considerar os determinantes socioambientais específicos, incluindo exposição ocupacional, qualidade do ar, acesso a cuidados médicos e condições nutricionais.
A educação em saúde auditiva deve abordar não somente a proteção contra ruído, mas também os riscos associados a medicamentos, poluição atmosférica e a importância do controle de comorbidades metabólicas. A colaboração interdisciplinar com outros profissionais de saúde é fundamental para o manejo integral dos fatores que afetam a saúde auditiva.
==Referências==Discussão
Próximos passos
- ↑ 1,0 1,1 Ficenec; et al. (2019). «The neglected tropical diseases Zika, Ebola, and Lassa fever: Hearing loss and public health». Am J Trop Med Hyg. doi:10.4269/ajtmh.18-0934
- ↑ 2,0 2,1 H. Bowatte; et al. (2018). «Air Pollution and Otitis Media in Children: A Systematic Review of Literature». Int J Environ Res Public Health. doi:10.3390/ijerph15020257
- ↑ 3,0 3,1 3,2 3,3 Tongs (Wiradjuri); et al. (2025). «Climate and environmental crisis: effects on ear and hearing health in Australia and for Aboriginal and Torres Strait Islander peoples». Med J Aust. doi:10.5694/mja2.52689
- ↑ Kós MI; et al. (2013). «Peripheral and central auditory effects of pesticide exposure: a systematic review». Cad Saude Publica. doi:10.1590/S0102-311X2013000800003
- ↑ Gatto MP; et al. (2014). «Effects of potential neurotoxic pesticides on hearing loss». Neurotoxicology. doi:10.1016/j.neuro.2014.04.002