Sociologia e Comunicação/Durkheim

Fonte: Wikiversidade
Émile Durkheim - Parte I
Émile Durkheim (1858-1917)

Podemos dizer que Émile Durkheim (1858-1917) foi o responsável pelo reconhecimento institucional da Sociologia nas Universidades francesas.

Sua preocupação estava voltada para as seguintes questões:

  1. Quais são as condições sociais de produção da ordem social?
  2. O que faz com que as sociedades não desapareçam ou se desestruturem completamente?

Os fatos sociais: o objeto da Sociologia[editar | editar código-fonte]

Para respondermos essas perguntas, precisamos entender melhor como Durkheim identificou o “objeto” da sociologia e o modo de estudá-lo.

O objeto da Sociologia seria, para Durkheim, os fatos sociais. Para identificá-los e estudá-los seriam usados métodos comparativos e estatísticos.

Vamos avançar mais um pouco em seus pensamentos.

Retomando uma visão proposta por Aristóteles (“o todo é maior que a soma de suas partes”) , Durkheim observa que a sociedade é maior que a simples soma de indivíduos, ou seja, não basta uma agregação de indivíduos para compor um agrupamento social.

Uma sociedade só existe se for capaz de criar um tipo específico de força social que é maior do que a vontade ou os interesses individuais de cada um de seus membros. Essa força social (material e simbólica) são os valores, as representações coletivas e as instituições.

São elas que orientam nosso modo de ver o mundo, nossa noção de bem ou mal, nossos juízos estéticos, nosso modo de vestir, falar e agir, o modo pelo qual organizamos o lugar em que vivemos etc.

Essas forças sociais são o que Durkheim chama de “fatos sociais”. Podemos senti-las agindo sobre nós como uma espécie de força externa que nos pressiona a seguir dentro de certos padrões que não fomos nós que escolhemos e que encontramos muita dificuldade para mudar. Esses padrões resistem a diversas formas de modificação. A sua força parece estar acima da nossa vontade, uma força coletiva que configuram nosso modo de viver.

Os fatos sociais são constantes e regulares, não podem ser modificados por um simples ato de vontade e exercem uma pressão externa sobre os indivíduos. Eles são, na linguagem de Durkheim, coletivos, coercitivos e exteriores.

Solidariedade mecânica e Solidariedade Orgânica[editar | editar código-fonte]

As forças que mantém um sociedade podem ser de tipo comunitário. É o que caracteriza, de um modo geral, as chamadas sociedades pré-modernas, com baixa divisão social do trabalho. O tipo de solidariedade que é gerado nelas é o que Durkheim chama de solidariedade mecânica.

Nas sociedades modernas, com o aumento da densidade social, ocorre uma complexa divisão social do trabalho, gerando áreas especializadas na realização de determinadas funções.

As forças que mantém essa sociedade são de tipo societário (os grupos se organizam em torno de interesses específicos), ou seja, aquilo que Durkheim chama de solidariedade orgânica. Devido ao alto grau de especialização das atividades no mundo moderno é preciso pensar em novas instituições capazes que garantir essa nova forma de solidariedade, impedindo uma crise social.

A transição de um tipo de sociedade a outra pode ser bastante traumática.

Estado de Anomia[editar | editar código-fonte]

Como vimos, para que uma sociedade continue a existir, ela é obrigada a produzir algo maior do que a simples vontade de cada indivíduo (que em mais ou menos de cem anos desaparecerá).

Mas, o que acontece quando essas forças sociais, esses valores e essas instituições, entram em crise?

Para Durkheim, a pior coisa que pode acontecer a uma sociedade e, consequentemente, aos indivíduos que a compõe é o que ele chama de “estado de anomia“.

A (um prefixo que caracteriza ausência) + “nomos” (que significa normas, regras, leis).

Literalmente, anomia seria a ausência de normas.

Mas, uma definição melhor seria a palavra “crise”: uma crise de valores, uma crise das instituições, uma crise de transição histórica.

É importante deixarmos claro que o estado de anomia não é uma crise qualquer. É uma profunda falta de referências, uma profunda falta de direção, uma profunda perda de confiança nos valores compartilhados.

Os Rituais[editar | editar código-fonte]

"Na verdade, o postulado essencial da Sociologia é que uma Instituição Humana não poderia repousar sobre o erro e a mentira (...) Não há, pois, no fundo, religiões que sejam falsas. Todas são verdadeiras à sua maneira: todas respondem, ainda que de maneiras diferentes, a determinadas condições da vida humana" (DURKHEIM. Formas Elementares de Vida Religiosa, pp. 30-31)

Neste momento, vamos nos concentrar na importância que os rituais têm conservação e reprodução das sociedades humanas. Em primeiro lugar, Durkheim observa que nenhuma instituição humana repousa sobre o erro ou a mentira, ou seja, se ela existe, existem condições sociais que a fizeram assim. Essa é a sua verdade. Por isso, é incorreto dizer que existem religiões falsas ou verdadeiras. Cada uma, a seu modo, responde a determinadas condições sociais de existência.

Durkheim observa que as religiões acabam por produzir uma espécie de divisão do mundo entre o espaço do sagrado e o espaço do profano.

Elas delimitam territórios: igrejas, sinagogas, terreiros, solos sagrados etc. Elas produzem diversas representações/narrativas: são uma organização do mundo (uma cosmologia)

Esse espaço sagrado pode ser demarcado de diversos modos/suportes físicos ou simbólicos: símbolos e objetos.

Os encontros realizados nesses espaços devem ter uma regularidade, devem ter uma frequência, seguem certos protocolos e geram expectativas muito particulares quando acontecem. Os rituais aparecem nesse contexto. Um conjunto de práticas, protocolos e representações ocorridas em determinados espaços sagrados com determinada regularidade, envolvendo todo um conjunto de "fiéis".

É importante observarmos que o sagrado e o profano não podem se tocar e sua existência e o modo de entrar em contato com ele é demarcado no espaço e no tempo. Por profano, podemos entender as atividades cotidianas rotineiras (estudar, trabalhar, diversão etc.)

Durkheim observa que a verdadeira força da religião está nos rituais, pois eles são a forma pela qual a fé e a experiência religiosa é revigorada de tempos em tempos. Os rituais sempre têm algo de estético. Eles fazem com a dor, a morte, o medo, a alegria possam adquirir uma forma publicamente expressa e socialmente aceita como uma espécie de representação dramática (teatral). Os rituais permitem que por meio de certas práticas comuns, um grupo possa tomar consciência de si mesmo.


Avançando um pouco mais nesse tema, podemos dizer que os rituais podem ser:

NEGATIVOS (proibições, tabus, interdições): jejum, abstinência sexual, não pronunciar um determinado nome, não tocar determinado objeto etc. (negativo, aqui, não significa ruim ok?!)

POSITIVOS (incentivam ou toleram, excepcionalmente, certas práticas) : cerimônias de comunhão, refeições comunitárias, festas

PIACULARES: luto


Para Durkheim, o sagrado tem outras características muito particulares.


Ele é "contagioso". Tudo o que toca o sagrado torna-se de algum modo sagrado. A passagem dessa propriedade pelo contato.

Os fragmentos dos objetos sagrados continuam sagrados - a sua condição de sagrado não pode ser desfeita de um modo simples.

E completa:

A eficácia moral do rito, que é real, faz acreditar na sua eficácia física, que é imaginária...

[Elas] criam uma predisposição à crença que excede as provas, que leva a inteligência a passar por sobre a insuficiência das razões lógicas...porque servem para refazer moralmente os indivíduos e os grupos é que eles passam por ter ação sobre as coisas." (Durkheim. As Formas Elementares de Vida Religiosa pp. 430-431)

Como poderíamos utilizar esta passagem para pensarmos os "testemunhos" que encontramos em várias religiões?

O método sociológico[editar | editar código-fonte]

Em uma observação polêmica, o sociólogo francês nos diz que devemos estudar os “fatos sociais” como se fossem “coisas”.

Mas, o que ele pensava exatamente ao dizer isso?

Um sociólogo não estuda tudo ou todos os aspectos de um fenômeno histórico ou social.

Ele está focado nas condições sociais de existência desses fenômenos.

Vamos utilizar um exemplo.

Um casamento pode ser pensado, compreendido ou explicado de várias formas por várias abordagens. Para a Sociologia durkheimiana, o casamento é visto como uma instituição, envolvida por determinados valores, reconhecida (formal ou informalmente) pela própria sociedade.

Um sociólogo/a não deve focar toda a sua atenção na percepção que as pessoas têm daquilo que sentem. Ele deve descrever as prescrições e expectativas colocadas pela sociedade toda vez que pessoas estabelecem relações de matrimônio.

O que se faz? como se faz? o que é aceito? quais são os rituais? quem faz parte dele? quais são as consequências deste ato? Há um registro formal desse processo? Ela produz expectativas sobre certos “direitos” e “deveres” entre aqueles que se unem? Qual é a reação diante do seu insucesso?

O mesmo pode ser dito da família, da escola, da virilidade ou da virgindade, da propriedade privada, da igreja, da linguagem etc.

As orientações sobre como proceder no estudo sociológico podem ser encontradas na obra “As regras do método sociológico”.

A sua demonstração, em um “estudo de caso”, pode ser vista em outra obra “O Suicídio”.


Bibliografia[editar | editar código-fonte]

CAMPANELLA, Bruno. Novas práticas, antigos rituais: A organização do cotidiano e as configurações de poder na mídia. Revista GEMInIS // Edição Especial – JIG 2014

COSTA, A. F. O que é a Sociologia? Lisboa: Difusão Cultural, 1992.

LUKES, Steven. Bases para a interpretação de Durkheim, In: COHN, Gabriel (org). Sociologia: para ler os clássicos. RJ: 1977

QUINTANERO, Tânia; BARBOSA, Maria Lígia de O. ; OLIVEIRA, Márcia G. Um toque de clássicos. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2003.

RODRIGUES, José Albertino (org.). Émile Durkheim. São Paulo: Ática, 2000

SEGALEN, Martine. Ritos e Rituais Contemporâneos. Rio de Janeiro: ed. FGV, 2002 -  (Rituais – A função comunicativa do rito).