Telejornalismo com Ginga

Fonte: Wikiversidade
Diagrama resumo da argumentação: não linearidade, participação e ludicidade

"Telejornalismo com Ginga"*[editar | editar código-fonte]

uma agenda para pesquisa e desenvolvimento de métodos de produção de notícias audiovisuais para a tv digital brasileira e para a web.[editar | editar código-fonte]

Argumento:[editar | editar código-fonte]

Com a ampliação do potencial dialógico da nova tv digital brasileira, através do middleware Ginga, bem como com a difusão da arranjos de produção e de hábitos de apreciação de webdocumentários, o uso articulado de práticas de produção colaborativa distribuída transmedia abre novos horizontes para a inovação em práticas de telejornalismo investigativo cívico.

Subtemas (desenvolvidos como focos dos esboços de programas):[editar | editar código-fonte]

(a) produção colaborativa com os públicos ("investigação jornalística crowdsourceada");

(b) expressividade não linear por redes distribuídas ("poéticas ciberaudiovisuais transmediáticas");

(c) meta-jornalismo procedimental ("jornalismo catalista-urbanista").

(d) revesabilidade síncrona entre públicos e videoprodutores em transmissões ao vivo com dispositivos móveis. ("videoscopia multissicronica")


Hoje, além de 15 milhões de set-top boxes Ginga, distribuídos para famílias inscritas no bolsa-família, já foram vendidos mais de 60 milhões de receptores de TV digital com o sistema – sem contar os aparelhos smartphones capazes de receber o sinal (Novaes e Diniz, 2015) . No entanto, é ainda incipiente o esforço de exploração dos novos recursos interativos pelas emissoras comerciais, o que é atribuído, por alguns, à falta de modelos de produção e de negócios para a produção de “conteúdo interativo”; e por outros, ao temor de que todo um novo conjunto de novas relações produção e apreciação de televisão coloquem em risco os modelos negócios das empresas já estabelecidas – que, como se depreender dos repetidos “socorros” financeiros concedidos pelo Estado nos últimos anos, não ostentam muita segurança de lucratividade futura (Tozzeto, 2012; Soares, 2013).

Nossa argumentação central é apoiada na perspectiva de que a interatividade é uma característica especialmente convidativa à experimentação de outros arranjos produtivos de audiovisual de função referencial; e que o sucesso destes deve ser avaliado prioritariamente na efetivação do potencial democrático e pluralista da televisão, ou seja, na emancipação dos telespectadores como tele-usuários1 e dos “atores-sociais” (ou “personagens”) de noticiários e documentários, como seus colaboradores participantes. A democratização prometida pelo Ginga e pela difusão da produção de documentários interativos também se refere ao caráter economicamente redistributivo da produção audiovisual, que, por ser desenvolvido como uma tecnologia aberta (com licenças abertas e/ou libres) tende a ser tornar um vetor de geração de novas oportunidades de negócios de valor agregado, de trabalho de alta produtividade, e geração renda local, para os países latino-americanos. (Soares e Baum, 2012). Esse conjunto de fatores torna o desenvolvimento de produções televisuais interativas acentuadamente promissor para canais públicos, universitários, comunitários, judiciários e legislativos, ou seja, do campo de instituições sociais que, pelo menos, formalmente, não estão organizadas para a obtenção de lucros comerciais (Tozzeto, 2012), O programa Brasil 4D é uma iniciativa pioneira, neste sentido, em termos de acesso a serviços públicos básicos (Barbosa Filho, 2015). Trata-se da oportunidade única (e da tarefa urgente) de inventarmos práticas anteriormente inexistentes de teledifusão audiovisual, não apenas de arranjos produtivos ou de modelos de negócio mas, principalmente, em termos ético-estilísticos.

I – Meta- telejornalismo, meta-documentarismo e produção multitudinária[editar | editar código-fonte]

Desde meados dos anos 1960, experimentos artísticos e ativistas com produção audiovisual de interesse informativo, ou de “função referencial” (documentários, cine-reportagens e as primeiras reportagens de TV – que na época eram rodadas em película 16mm) vêm colocando em questão a posição do jornalismo como origem privilegiada do conhecimento que a sociedade necessita ter de si mesma. Em grande medida, o arranjo de produção de informação audiovisual que se passou a chamar de “cinema direto” ou “cinéma vérité” se tratou de deslocar a autoconcepção dos produtores de audiovisual informativo desde uma concepção de construtores privilegiados das “atualidades criativamente tratadas” (para usar os termos do inventor do chamado “documentário clássico”, Grierson) para uma outra, como “observadores imparciais” da realidade social. No entanto, o que se viu em seguida é que essa pretensão à imparcialidade foi colocada em questão pela necessidade de tematizar o “agente detrás da ocular” como parte da realidade a ser escrutinada. E, mais recentemente, também a agência defronte a tela acabou sendo sugada para a atenção de uma poética política das relações de produção e apropriação social da percepção-enquanto-expressão da experiência social. Para falar dessas translações, vamos empregar, em sentido ligeiramente deslocado, a idéia de “métaforas da teoria” do cinema (Sobchack, 1992), tomando-as não apenas como tropos da crítica, mas matrizes retóricas da produção audiovisual.

A primeira metaformose, aparece claramente quando o documentário tratou-se de mudar seu modelo de produção da “pintura” para a “janela”: o ideal existencialista da observação estóica distanciada, que ficou apelidado com ideal de “mosquinha na parede”. Este tropo, porém, logo foi desafiado, já que entre o privilégio da escolha dos momentos e perspectivas “decisivas” não mudava muito a relação assimétrica entre quem esta detrás do aparato de representação e quem está diante dele ou diante da tela. Passamos da “janela” da câmara na mão para o “espelho” da tematização da subjetividade de quem grava e da performatividade do ato de gravar vídeo. Se a “mosca cai na sopa” é pelo questionamento ético da pretensão de universalidade de um ponto de vista que, mesmo imerso nos acontecimentos, – para a crítica dos novos movimentos sociais – persevera na imposição de uma perspectiva masculina, heterossexual, branca e monoteísta. A a pressão política por emancipações dos públicos – não só a dos espectadores, a que se refere Rancière, mas também a dos “atores sociais”) abriu caminho para um longo período de experimentação de produção por públicos.

O marco, nesse sentido, foi o filme “Classes de Lute”, de Chris Marker. O cineasta, depois ao exibir o documentário sobre o movimento grevista dos trabalhadores das indústrias texteis de Besançon e Sochaux (“A bientôt, j'espère”, 1967), foi duramente questionado pelos operários, acusado de explorar da imagem dos trabalhadores. Sua resposta foi dar treinamento básico e acesso a equipamentos, resultando em um dos primeiros documentários “comunitários”, feito pelos operários. A introdução do videotape abriu mais possibilidades em termos de produção de audiovisual experimental, noticioso e documentário independente, como a “Guerrilla Television” estadunidense Paper Tiger Tv, que depois se tornaria parte da programação da rede “grassroots video” via-satélite Deep-Dish TV. Essas experiências iriam ser reverberadas pelas práticas de televisão militante e vídeo popular brasileiras, que acompanharam o processo de saída da ditadura civil-militar de 1964; logo depois, no espírito do movimento de radios livres e comunitárias, seriam infletidas como “tvs comunitárias”. Entre finais dos anos 1970 a década de 1980, que floresceram no Brasil através da Associação Brasileira de Vídeo Popular.

Observa-se uma segunda translação da metáfora central da retórica audiovisual de função referencial, que passa do tropo da “janela” para o do “espelho”: já não se trata mais de contemplara a realidade social com distanciamento estóico, de um ponto de vista supostamente privilegiado; mas então, de olhar-se, conhecer-se, observando-se tendo o resto do mundo atrás de si, como fundo ou cenário.

A disseminação de equipamentos e de práticas de videoprodução através da sociedade corrresponde e propicia que a produção não-profissional ganhe cada vez mais espaço no noticiário televisivo comercial. A incorporação da participação dos públicos no telejornalismo se ampliou de modo nítido entre os anos 1980 e 1990. De um lado, através da crescente incorporação da imagem dita “amadora” nos telejornais – que, como eu pude observar no estudo do Evento da Favela Naval, foi absolutamente decisiva para o deslocamento das representação social do aparato repressivo do Estado. De outro, através da conquista de espaço na TV Comercial de produções experimentais - desde o Núcleo Guel Arraes, na (Rede Globo), o Jornal de Vanguarda (Rede Bandeirantes), até Perdidos na Noite, (TV Gazeta). Tais programas foram – e permanecem sendo, como em “Esquenta!” – enclaves “quase comunitários” e de vanguarda artística, inseridos nas grades de programação da TV de massa. Neste caso, observa-se um fluxo comunicativo em duas camadas: na “comunitária”, é viável uma produção mais colaborativa, com participação direta do público em partes da produção e das situações de apreciação, nos quais são ostentados os vínculos dos participantes com localidades e grupos sociais específicos; esse circuito, por sua vez, é transposto como produto para a circulação massiva, com os ganhos retóricos de, ao tranformar em objeto de fruição estética espectatorial a a identificação pessoal entre espectadores, produtores e atores sociais, legitima-se o papel de promoção social – ou seja, de geração de auto-estima – da emissora, para públicos subalternizados, que no resto da programação telejornalística mainstream são sistematicamente invisibilizados. Fora da TV aberta, o uso do audiovisual pelos novos movimentos sociais – de mulheres, gays, negros, aborígenes – fez emergir não ó uma nova ética para a produção documentária e noticiosa, mas também uma nova estilística, a da criação de espaços de visibilidade corporalmente marcada, afirmando as diferenças corporais e afetivas, implicitamente denunciando o caráter opressivo do padrão “macho, adulto, branco sempre no comando”.

(“Boca de Lixo”, de Eduardo Coutinho, é talvez matricial em termos de criação dessa retórica de duas camadas: cria um circuito local, exibindo as imagens dos catadores de lixo para eles, transformando os registros dessa circulação em objeto de apreciação estética, para o circuito do cinema documentário. É claro que, no caso de Coutinho – e diferentemente de boa parte da produção video-artística de circuitos independentes – seus filmes tem caráter político-prefigurativo, já que foram produzidos tendo-se em mente seu uso futuro como como ferramenta de mobilização coletiva por grupos militantes e ativistas. )

Lembro-me que a discussão mais recorrente nos encontros da ABVP era sobre como passar de a produção do “vídeo popular” de um vídeo feito para o povo a um vídeo feito com/pelo povo. A câmera, que já havia saido do tripé para o ombro, agora vai ser passada de mão em mão, entre os sujeitos interessados. As situações de apreciação, que já haviam saído das salas “teatrais” para os cineclubes e salas de estar das famílias, começaram a acontecer em outros lugares: imagens experimentais nas discotecas, imagens militantes nas ruas de periferia, em salas de espera, igarapés, salões de associações de bairro, em sindicatos, diretórios acadêmicos. Já começa a se experimentar como um revesamento aquela reversibilidade da percepção como/com expressão que distingue a comunicação audiovisual: diante da objetiva como detrás da ocular como diante da tela como diante da objetiva...

Mas, mesmo que desde meados dos anos 1970, a disseminação de usos extratelevisivos do uso do vídeo pluralizasse o acesso à produção de audivisibilidade pública estivesse sendo pluralizada (Hansen), ainda em meados dos anos 1990, quem quer que ligasse uma camcorder, empunhasse um microfone e abordasse alguém no meio da rua, seria interpelado como se fosse membro de uma equipe de televisão comercial massiva. A pluralização (ou fragmentação) da visibilidade pública teve que esperar que a experiência comunicativa fosse remodelada pela comunicação distribuída, muitos-muitos, proveniente da internet. A rigor, só por serem distribuídas a estruturas de comunicação social da internet não são grande inovação. Malhas urbanas, os correios, sistemas de telefonia, são sistemas de comunicação tão formatados como redes distribuídas tanto quanto o é a internet. Mas, para a experiência da comunicação audiovisual de função referencial, a topologia distribuída dos fluxos de comunicação, somada à explosão de possibilidades de ocorrência de situações de tomada e de apreciação, parecem estar implicando um deslocamento do lugar do comunicador social profissional. Notando o esgotamento da identificação como escultores do tempo (Tarkovski), os telejornalistas e o documentaristas começam a se enxergar como arquitetos e urbanistas de espaços de visibilidade pública.

O papel da comunicação social de massa é decisivo para enfrentar o desafio da fragmentação da experiência social correlato à pluralização de espaços de visibilidade pública cada vez mais estanques. A enorme variedade de práticas de produção de sentido coletivo (também criadoras de sentidos de coletivo) através das imagens de função referencial coloca, para pensar o uso democrático do audiovisual atual, como criar alternativas democráticas de apelo universalista capazes de oferecer soluções para os cruéis problemas de dissonância cognitiva e de isolamento normativo das “comunidades sintéticas” geradas por discursos identitários exclusivistas (Bauman).

A experiência de uso de modos públicos de endereçamento na comunicação de função referencial (como noticiários e documentários) não é mais definida por referência a uma esfera pública universalista hegemônica, e nem mesmo – como queriam teóricos-midiativistas como Kluge ou Enzensberger – a uma esfera contrapública proletária. Temos hoje uma míriade de espaços de visibilidade, cada qual dotado de sua própria eticidade e estilística, se relacionando de maneira cruel uns com os outros. Agora que todos tem uma câmera no bolso, ninguém mais sabe aonde vão parar as imagens-câmera quando alguém começa a gravar – se é que elas vão parar.

Ao enfraquecimento do compromisso universalista dos modos de públicos de endereçamento, são correlatos a insegurança generalizada no espaço urbano, as intolerâncias religiosas, a multiplicação das moedas e dos mercados, a fragmentação dos campos políticos. Condições cognitivas “crueis” (Stoller, Artaud) e “transculturais” (Rouch, Tomas) supostamente arcaicas, medievais ou primitivas, estão retornando, como “Iconoclash[es]” (Latour): produção féerica de imagens da destruição das imagens dos outros; atos obscenos de combate à obscenidade dos outros; produção de evidências imagéticas pelos outros, de confiabilidade insondável; produção institucional de evidências imagéticas falsificadas dos outros (Dean).

(Videos de “mártires”, de execuções terroristas, de destruição de monumentos históricos, de derrubada de estátuas.)

Para o bem e para o mal, a produção audiovisual de função referencial tem expressado uma forte tendência para a superação da metáfora do espelho, em favor de uma novo tropo – a máscara. Estamos falando da máscara não principalmente como disfarce, meio para o anonimato ou camuflagem contra a repressão – ainda que estes propósitos estratégicos sejam-lhe sempre presentes. É preciso notar a positividade da máscara (e seus correlatos: os pseudônimos, o contracampo da imagem-câmera) como fulcro de póeticas instauração de personæ comprometidas com accountabilities contrapúblicas. Trata-se de uma lógica da invenção e da manutenção de identidades pessoais e coletivas em arranjos autônomos de representação política, que se tornaram necessários para a concreção de experimentos ético-políticos divergentes e contrastantes à repressão biopoliticoa exercida em colaboração por Estados-Nação e burocracias corporativas empresariais. Hackativistas conhecem-se uns aos outros pelos pseudônimos e/ou pelo estilo das ações. Pela metáfora da máscara compreende-se uma retórica de despersonificação e de coletivização das identidades públicas, que permite que o cidadão literal e simbolicamente imerja em outra pessoa, ou funda-se com outras.

Chelsea Manning, Edward Snowden, Aaron Schwartz, Julian Assange, todas as colaboradoras do Wikileaks, só puderam atuar como defensoras da democracia por poderem se passar por funcionárias obedientes, que puderam secretamente investir-se da função de delatoras dos abusos da repressão biopolítica global. Assim como com o voto secreto, preconizado pelo ocidente como sistema “livre e justo” de eleição de representantes e governantes, atualmente, é só com o anonimato da máscara, diante e detrás das câmaras, que o cidadão pode se permitir participar de manifestações sem temer perder seu emprego, ser perseguido na rua ou ser expulso de casa. Qualquer um, “mascarado” com uma câmara na multidão – mesmo sem jaleco de emissora alguma, ou justamente por isso – pode ousar se investir da função de vigilante do interesse público. Passa a poder abordar quem quiser, para conversar, ou constranger; entrar em lugares em que não entraria sem uma autorização burocrática prévia; gravar para evitar o abuso de poder da polícia. Dependendo do grau de imprudência no “esporte radical”, arrisco meu corpo para transportar o olhar da câmara para pontos de vista inseguros; mas é preciso que a câmara-máscara seja tembém multitudinária, mutuamente postas à vista, pois isolada, torna-se alvo preferencial de agressão, prisão arbitrária, confisco do equipamento, ou mesmo execução.

A situação do cinegrafista “amador” (seria melhor dizer “autodependente”, como sugere Herzog), é a mesma de qualquer cidadão indignado que use de recursos criadores de anonimato e pseudonimato para delatar organizações criminosas, funcionários e políticos, empresas e governos. Com os recursos comunicativos atualmente disponíveis ao cidadão interessado, ele pode sem grande esforço, risco ou investimento financeiro, se investir da função de watchdog, contribuindo de modo decisivo para o levantamento investigativo e consolidação de informações dispersas de relevância política (por exemplo, dos reais gastos de campanha em uma eleição, como no projeto Free the Files). Posso igualmente ser co-produtor e co-autor de documentários e noticiários.

A ética/poética da participação do público no fornecimento de dados, material audiovisual e narrativas, vem deixando de ser, para a da produção de noticiários e documentários, um traço meramente desejável, em termos de variedade de fontes, ou de um ardil sedutor – para o reforço da indentificação entre públicos e produtores audiovisiuais. Ele se tornou uma prática de pré-produção fundamental, a ponto de haver uma inversão: o vídeo serve para a mobilização. A organização de campanhas de mobilização coletiva para o crowdsourcing passou a ser o propósito da produção de vídeos: começando com um vídeo “viral”, desencadeia-se uma campanha em redes sociais pedindo o envio de material relevante, e termina-se por consolidar esse material em um documentário que, mesmo que arrematado para a circulação televisiva e cinematográfica é mantido como um projeto em construção. Em grande medida, a rede de coletivos Indymedia no Brasil foi catalisada pela circulação de um vídeo, “A20 – Não começou em Seattle, não vai terminar em Québec”, exibido à exaustão em centros acadêmicos, associações de bairro, sindicatos e nas ruas.

Os arranjos de enunciação (produção, apreciação, crítica) dos ciberdocumentários se aproximam (ou “converge”) para os arranjos de programas noticiosos, deixando se ser concebidos como produtos acabados, mas como processos de condução de fluxos de informação (ou criadores de enlaces de representação política). Os produtos se tornam espaços e processos, constituindo-se como redes autodeterminadas que conduzem desde o financiamento, a definição dos argumentos e o design das produções, até a divulgação ampla e a organização de espaços de apreciação coletiva.

(“Ciberdocumentários dos Anti-Summits”: Showdown in Seattle/This is what Democracy looks like: produzidos a partir da contribuição de centenas de videativistas coordenados a partir do Centro de Mídia Independente, produzindo a contra-informação sobre os protestos que levaram a reunião da Organização Mundial do Comercio, em Seattle, ao colapso. Serviram como peças de mobilização coletiva para centenas de coletivos de mídia independente em todo mundo. Outros vídeos, como Rebel Colours (sobre os protestos em Praga em 2001), Genoa Red Zone (2002, sobre a “ratoeira de Berlusconi”), Miami Model (sobre militarização e racismo da repressão aos protestos contra o encontro da ALCA, em 2003), A Kankoon (sobre os protestos contra a reunião da OMC em Cancún, 2003), vão na mesma toada.)

Todo um novo arranjo de produção, baseado no crowdsourcing e no crowdfunding, vem se consolidando como alternativa eficaz de produção autodependente de audiovisual de função referencial – não só de ciberdocumentários, como de documentários interativos. Trata-se de um modelo bastante convidativo para a produção de noticiários e documentários da televisão digital interativa, seja por produtores independentes, seja por empresas de comunicação de massa – ainda que, para estas, seja provavelmente necessário superar alguns conflitos de interesse, além da resistência resultante da cultura profissional pelo qual jornalistas e teledifusores apegam-se a um certo “heroísmo” (como lembra Sontag, cinegrafistas e jornalistas são típicos heróis da modernidade).

Da mesma maneira, documentários “crowdsourceados”, tais como “The Age of Stupid”, “Uncovered: The Whole Truth about Iraq War”: produzido com recursos financeiros levantados em “house parties”

“99%” (feito por ativistas do Occupy Wall St.),

II - Procedimentalização: proposições, jogos de improvisação e poéticas ciberaudivisuais transmedia[editar | editar código-fonte]

A mais feliz descoberta da pesquisa sobre métodos de aprendizado para o uso de meios de expressão audiovisuais – alternativamente denominado “Educomunicação” ou “Educação Mediática”, com um mais pedagógico que poético – foi a eficácia da transcriação (tradução criativa, ref. Plaza) para a experimentação radiofônica e videgráfica, de metodologias de improvisação (teatral, ref. Spolin; musical, ref. Crook, Goulart; pictórica, ref. ). Isso se refere, primeiro, à transcriação de jogos de improvisação na aquisição coletiva, não coercitiva, de habilidades de comunicação e expressão poétiva. Entre essas descobertas, esteve a observação que o uso “desviante” das regras dos jogos, afastando-se da perspectiva de transmissão de informações, conduzia à inovações poéticas imprevisíveis no uso do audiovisual. Neste caso, as situações experimentais conduziam a resultados poéticos muito próximos daqueles obtidos através de proposições artísticas (Lygia Clark, Hélio Oiticica, Poema Processo) e da realização de protocolos de arte conceitual (Lippard, Kosuth, Rheinhardt).

[Um excelente exemplo é o documentário comunitário “Sons da Serra”, realizado pelo programa Rede Jovem de Cidadania, produzido pela Associação Imagem Comunitária em 2006. Nele, dois adolescentes gravam sons da Favela da Serra, e os reproduzem para diversos moradores, que relatam suas impressões e experiências relacionadas a tais sons, e indicam novos sons que consideram interessantes para a caracterização da comunidade.]

Há um vasto campo de experimentação poética na combinação de criação de procedimentos reprodutíveis sem necessidade de proximidade geográfica ou de recursos materiais com mobilização dos públicos para colaboração na produção de textos audiovisuais (dos documentários crowdsourceados são um exemplo). Esta poética não se limita a dimensão estritamente estética ou estilística do documentário ou noticiário; trata-se de um campo emergente para inovações ético-políticas, na medida em que conduz o desenvolvimento das retóricas audiovisuais não-ficcionais, documentárias e noticiosas, no sentido de uma ampliação da ampla participação, não massificante, na construção da realidade social. A conquista, de caráter francamente emancipatório, situa-se na mudança qualitativa da capacidade de pessoas comuns, leigas para os ofícios da comunicação social, serem capazes de criar campos de reflexividade pública para seus discursos, que de outra forma seriam tratados de maneira paternalista pelas mídias massivas, ou conduzidos à fragmentação da visibilidade pública (forte tendência dos processos de mobilização coletiva empreendidos através dos sites de redes sociais controlados por corporações transnacionais). Uma coisa é um cidadão isolado gostar da árvore centenária de seu bairro, outra coisa é ele participar de um programa televisivo colaborativo no qual ele irá descobrir a história das árvores sobreviventes à especulação imobiliária em sua cidade, estado ou país. A experiência pessoal de desrespeito ao ser sistematicamente abordado de modo hostil pela polícia na saída da sua comunidade muda completamente de sentido quando se participa de um documentário interativo no qual as várias experiências semelhantes são percorridas, propiciando-se perceber o caráter escravocrata da repressão social, saber que todos os outros jovens pretos e pardos pobres de toda a América Latina são perseguidos pelos capitães-do-mato uniformizados e pagos pelo Estado.

Há, sem dúvida, alguma resistência corporativa dos jornalistas e telejornalista à deixar que leigos produzam o conteúdo. Porém, a cultura profissional do jornalismo, diante da ampliação do impacto de suas atividades para a catálise de processos de auto-reconhecimento e auto-mobilização de grupos sociais e de situações-problema do cotidiano, não teria, assim, muito o que lamentar diante do relativo afastamento da demiurgia da factualidade social. Efetivamente, o treinamento jornalístico é inestimável para o desenho de proposições noticiosas e documentárias, por causa do rigor e da experiência com a investigação, apuração e técnicas de abordagem, assim como na capacidade analítica do jornalismo especializado em política, economia e cultura. Considerando-se a histórica restrição dos investimentos das empresas jornalísticas na sustentação de práticas de investigação, a participação dos públicos, assim como a produção de investigações jornalísticas crowdsourceadas e crowdfundeadas constitui uma promessa de renovação do papel de vigilante das instituições de Estado e na crítica aos “bolsões de autoritarismo” (Avritzer) escravocrata, sexista e heteronormativo, que dificilmente seriam expostos à crítica se mantidos intocados como “fatos culturais” das sociedades de modernização tardia.

Notemos, ainda, que a participação dos públicos é aqui preconizada na perspectiva de uma “convergência crítica”, isto é, que seja benéfica ao projeto inconcluso da democratização das sociedades contemporâneas e não somente – ou principalmente – um ardil para a apropriação do trabalho voluntário dos “amadores” pelas corporações mediáticas, ou dos grafos sociais e hábitos de econômicos de consumo, politicos de voto e estéticos de apreciação pelas “semanticorporações” das comunicações mediadas por computador. Nossa referência para a convergência das retóricas comunicativas com participação de públics é muito mais a de Walter Benjamin do que a de Henry Jenkins. Benjamim cita Tretiakov, escritor russo transmutado para jornalista agitprop soviético:

'Com a assimilação indiscriminada dos fatos cresce também a assimilação indiscriminada dos leitores, que se vêem instantaneamente elevados à categoria dos colaboradores. Mas há um elemento dialético desse fenômeno: o declínio da dimensão literária na imprensa burguesa revela-se a fórmula de sua renovação na imprensa soviética. Na medida em que essa dimensão ganha em extensão o que perde em profundidade, e distinção convencional entre o autor e o público, que a imprensa burguesa preserva artificialmente, começa a desaparecer na imprensa soviética. Nela, o leitor está sempre pronto, igualmente, a escrever, descrever e prescrever. Como especialista – se não em uma área do saber, pelo menos no cargo em que exerce suas funções – ele tem acesso à condição de autor. O próprio mundo do trabalho toma a palavra. A capacidade de descrever esse mundo passa a fazer parte das qualificações exigidas para a execução do trabalho. O direito de exercer a profissão literária não mais se funda numa formação especializada, e sim numa formação politécnica, e com isso transforma-se em direito de todos. Em suma, é a literalização das condições de vida que resolve as antinomias, de outra forma insuperáveis, e é no cenário em que se dá a humilhação mais extrema da palavra – o jornal – que prepara sua redenção” (Tretiakov, apud Benjamin, 1986 [1934], p 124-125)

Benjamin não hesita em correlacionar a ampla participação na produção jornalística (e, acrescentemos, documentária) com a “fusão” e com a superação do fetiche da autoria demiúrgica, na redefinição da ação progressista dos intelectuais:

“…o processo de fusão (…) não somente ultrapassa as distinções convencionais entre os gêneros, entre ensaistas e ficcionistas, entre investigadores e vulgarizadores, mas questiona a própria distinção entre autor e leitor. Neste processo, a imprensa é a instância decisiva, e por isso é dela que tem que partir qualquer análise do intelectual como produtor.” (Benjamin, 1986 [1934], 125).

Seguindo essa argumentação – consistente com a proposta de forjar conceitos “de modo algum apropriáveis pelo fascismo”, que “podem ser utilizados para a formulação de exigências revolucionárias na política artística” –, sugerimos que a pedra de toque para o viés crítico sobre a convergência de mídias, com decisiva participação dos públicos, seja o propiciamento, pelo design dos arranjos de produçãos de noticiários e documentários, da auto-reflexão dos participantes – profissionais e voluntários – sobre a dimensão política das relações de produção de bens simbólicos: “refletir sobre sua posição no processo produtivo” é o compromisso central do intelectual progressista, tanto em termos estilísticos quanto ético-políticos, que o “transforma de fornecedor do aparelho de produção intelectual em engenheiro que vê sua tarefa na adaptação desse aparelho aos fins da revolução proletária”. (Dá-se por evidente que, para a contextualização dessas postulações para as condições políticas presentes no “Sul Global”, é justo ler-se “democratizante” no lugar de “soviético” e “emancipação” ao invés de “revolução proletária”.)

Não por acaso, há uma forte tendência de produções apoiads em relações de produção polticamente progressistas ao uso de licenças libres e abertas, já que estas encaminham as relações de produção e apropriação social dos bens simbólicos à ultrapassaem da oposição entre informação e narrativa (vide Benjamin, “O Narrador”...). Uma notícia ou um documentário libres ou abertos deixam de ser apenas (ou principalmente) mercadorias; adquirem a uberdade (ou “potência”) participatória “anti-narcótica” das narrativas tradicionais que “guardam seu poder germinativo”. Elas não só não são destruídas ou tornadas irrelevantes imediatamente depois dos atos de sua apreciação, mas também transformam seus enunciatários em quase-coenunciadores, convidando-os a reutilizar esses bens simbólicos comuns na produção de novos discursos públicos, com a única condição de que as mesmas condições de apropriação social sejam mantidas para todas as derivações futuras.

O licenciamento libre e aberto oferece inusitadas possibilidades de experimentação poética porque tratam como matéria de expressão as relações de produção de sentido: os teleusuários passam a ser co-autores do material audiovisual, quando as licenças de uso desse material prescrevem que determinandos usos devem ocorrer em correlação com compromissos políticos específicos. Por exemplo: proíbe-se a exibição para fins lucrativos, mas permite-se uso comercial para sustentar organizações de defesa de direitos; permite-se o reuso, desde que em obras derivadas de orientação política emancipatória; permite-se o estudo e o acesso ao material bruto, desde que os teleusuários remetam suas avaliações e obras derivadas para os produtores originais. A logica da circulação social de bens simbólicos libres e abertos propicia, igualmente, a criação através da reciclagem da própria proposição de participação coletiva, reciclando elementos provenientes de proposições de participação preexistentes – reativando as condições gerativas combinatórias próprias às narrativas oral tradicionais.

III - Topologias textuais não lineares, cybertextos audivisuais[editar | editar código-fonte]

É espantoso que a maioria dos exemplos de programas para a televisão digital interativa sejam o da representação audiovisual de eventos para os quais a não linearidade interativa da TV digital é praticamente indiferente, em termos de mudança do curso das ações. O exemplo mais recorrente dado pela literatura sobre a TV Digital brasilieira é o da cobertura de partidas de futebol e de outras competições esportivas. A interatividade se limita à transmissão de imagens de pontos de vista distintos sobre os mesmos acontecimentos, ou à inserção de propagandas comerciais como uma espécie de “realidade aumentada” televisiva. O outro exemplo recorrente, o da telenovela de enredo interativo, é, em última análise absolutamente redundante. Boa parte do público telespectador de novelas sabem ou desconfiam que os teledramaturgos estudam pormenorizadamente os levantamentos de opinião publica, quantitativos e qualitativos, sobre a evolução das intrigas. De fato, a telenovela já é um gênero audiovisual interativo de massa, há muitos anos. O que não faz com que os enredos se tornem menos previsíveis, seguindo uma linearidade de dar inveja a qualquer morfologia do conto maravilhoso. Por si só, a tecnologia da TV Digital não faz do telespectador um teleusuário. Há muito o que se pensar a respeito do sentido de participação na interatividade não linear da TV Digital.

[Um exemplo interessante, ainda que limitado em termos da participação dos tele e cine-usuários na moldagem da estrutura de navegação e no acréscimo de conteúdos, é dado pelo i-doc do Canal Plus e da HonkyTonk Filmes, “Le Challange”, (Matthieu Belghiti, Arnaud Dressen e Lætitia Moreau, 2009) sobre os dilemas sócio-econômicos da exploração de petróleo no Ecuador. O usuário – ou “interactor” - é imerso na narrativa não linear na pele de um jornalista investigativo que, através da navegação nos segmentos audiovisuais vai compondo uma reportagem. ( http://www.canalplus.fr/pid3400.html)]

A mais importante inovação poética que pode ser viabilizada pela TV digital interativa reside na otimização da construção participativa e interativa de narrativas não lineares, especialmente na interferência dessa interação sobre o curso dos acontecimentos teledifundidos. Muito da hipertextualidade, embora apenas um pouco da cibertextualidade (Aarseth) já vem sendo experimentadas nos documentários interativos on-line. Mas há limitações:

  1. de cunho técnico: largura de banda e instabilidade dos streamings via web, quebrando a imersão do narratário com imprevisíveis “loading...” (análogo ciberaudiovisual dos filmes queimados das salas de cinema e das transmissões de TV analógica, interrompidas por problemas técnicos.)
  2. de caráter topológico: a apreciação via web é individualizada e tendencialmente fragmentadora, pois a experiência não permite ao enunciatário engajar-se em uma apreciação que permita supor uma reflexividade massiva como a da transmissão de TV; e
  3. retórica: a interação se limita à navegação em um hipertexto de conteúdo e estrutura fixa, pré-determinada pelos produtores profissionais (hipertextual); e raramente, os i-docs permitem uma participação de construção, seja na incorporação (ou exclusão) de segmentos textuais, seja na modificação da estrutura de conexões, seja no interfaceamento (ou seja, cibertextual).

Essa otimização da experiência imersiva é mais provável no caso da TV Digital Interativa, principalmente na brasileira, que dispõe de grande flexibilidade em termos de linguagens de programação de aplicativos, controle da exibição de material semi-customizada pelo teleusuário e recursos de bidirecionalidade (em que pese a falta de conexão wifi no padrão de construção dos set-top boxes, definidos pelas autoridades da teleradiodifusão no Brasil). A caixa está especificada para dispor de 2Gb de memória – o que permite armazenar horas de material em definição standard, e dezenas de minutos em alta definção. Com possíveis expansões de memória, ou usando o Ginga a partir de computadores e smartphones, a capacidade de armazenamento de imagens para navegação não linear se torna praticamente ilimitada. É preciso relativizar o pressuposto de que os atos de apreciação são necessariamente individualizados. Usando o sistema de transmissão de dados por carrossel, pode-se conceber, por exemplo, programas de interatividade massiva, nos quais o público teleusuário navegaria junto através de um arquivo ilimitado de imagens, através da agregação das escolhas individuais remetidas ao teledifusor por canais de retorno de interatividade simples, ou seja, por textos de comando curtos.

Da mesma maneira, o modelo de apreciação televisual não precisa se ater à situação doméstica, familiar, privada, de recepção. É possível criar arranjos de apreciação coletiva local, com grande capacidade de armazenamento e conexão – ampliando a imersividade e a navegabilidade das imagens. A experiência do vídeo comunitário e ativista mostra que é altamente produtivo, em termos de mobilização coletiva e de experiência estética, criar ocasiões de apreciação coletiva de materiais, para a apreciação de programas especialmente desnhados para isso. Que isso possa não ser de interesse direto das corporações privadas de comunicação, não exclui a possibilidade de uso por empresas públicas de comunicação e canais de parlamentos e tribunais, como ferramenta de e-participação política cidadã em debates interativos sobre decisões polêmicas em tramitação em parlamentos, na definição de políticas do executivo, em audiências públicas de parlamentos e tribunais, na criaçao mini-fóruns deliberativos e em consultas populares, como já ocorre nas experiências de orçamento participativo on-line.

É concebível, através do uso das possibilidades de uso do middleware Ginga, que se obtenha:

  1. a manutenção de continuidade diegética no fluxo de imagens (ou seja, a largura de banda da TV digital é fixada em aprox. 20 Mb/s, o que evitaria a quebra de imersão do “loading...”), permitindo uma fluência na navegação não linear que é impossível (ou de custo proibitivo) na apreciação interativa doméstica via internet;
  2. pela exploração dos canais de retorno para interatividade simples (para envio de votos, de mensagens de texto e de comandos ) e plena (upload de imagens), o aprofundamento da bidirecionalidade dos fluxos comunicativos, experimentando arranjos de revesabilidade nos quais os usuários poderiam circular entre as posições actanciais da representação audiovisual (diante da objetiva, detrás da ocular, defronte à tela); e,
  3. a conquista de uma reflexividade pública ampla, de massa, para a visibilidade de programação não-linear interativa, com implicações político-democráticas notáveis, já que é bem plausível que o “precipitado” das conclusões dessas práticas de participação política terá impacto efetivo sobre as escolhas de voto, consumo e na formação de gosto.

IV – Participação e geração de conteúdo pelos públicos usuários ao vivo – explorando poeticamente a confluência entre espaços comunicativos distributivos: ruas, telefones, correios, web, TV digital[editar | editar código-fonte]

Uma das mais inovadoras experiências realizadas na auto-mobilização cívica brasileira de meados de 2013 resultou da confluência do uso semi-profissional de serviços de streaming de áudio e vídeo em alta resolução, a partir de dispositivos móveis, com o uso – a partir da mesma transmissão móvel de dados para dispositivos portáteis – de serviços de mensagens curtas instantâneas (como Tweeter, telegram, whatsapp). Hoje, um aparelho com capacidade de produção de imagens full HD, e de upload dessas imagens, custa hoje menos de mil reais, e permite que qualquer cidadão politicamente interessado e disposto a algum aprendizado técnico – na configuração do serviço de streaming, em geral através do tweetcast – atuasse como cinegrafista de uma transmissão ao vivo para o público amplo – eventualmente, massivo.

Na cobertura midiativista das manifestações de 2013, cinegrafistas entusiastas de variados graus de amadorismo e profissionalização atravessaram todo o catálogo estilístico do cinema documentário direto interativo – planos-sequência, câmaras na mão, imagens instáveis explicitando a corporalidade do testemunho e transpirando o equilíbrio instável do agende detrás do viewfinder entre seu suposto poder de constanger os antagonistas e o risco da exposição a agressões por esses antagonistas. Transportando o público usuário para os riscos derivados da produção das imagens em situações de indeterminação normativa extrema, os cinegrafistas-manifestantes reinventaram o telejornalismo de cobertura de eventos, não somente pela corporificação e na incorporação da subjetividade a cada perspectiva de fluxo de imagens, mas pela construção de uma nova experiência multitudinária de “publicalidade”. O estatuto público dos acontecimentos passa a ocorrer com a expansão da reflexividade da sua representação audiovisual. Usando o um arranjo de recursos disponíveis, midiativistas fizeram uma cobertura das manifestações de 2013 sem qualquer sistema centralizado de coordenação, “subindo” os vídeos para servidores de streaming enquanto recebiam sugestões e dicas de outros participantes das manifestações através de mensageiros instantâneos.

Dadas as características do sistema de transmissão de TV digital brasileira, principalmente se associados às soluções narrativas e de interface dos docimentários interativos on-line - a capacidade de variação na transmissão de sinais, a possibilidade de armazanamento de imagens locais e a facilidade de implementação de canais de retorno através da internet, o acesso plenamente aleatório via web servindo como fator de estruturação das transmissões – é notavelmente promissora a exploração de arranjos de ampla participação dos públicos em transmissões ao vivo de eventos, com imagens de múltiplas fontes (amadoras e profissionais) e com controle feito pelas conversações síncronas dos participantes dos eventos e/ou do público tele-usuário. O trabalho especializado do telejornalismo, longe de se tornar obsoleto, desloca-se para a sua capacidade de orientar a mobilização dos participante, interpretação das argumentações entrelaçadas nos eventos como organização dos fluxos de imagens e relatos, na criação das estruturas de navegação e na observação das implicações éticas do design de interface.

Nas batalhas das histórias das batalhas, as controvérsias sobre como narrar chegam às vezes a eclipsar os próprios eventos. Provavelmente porque nenhum indivíduo particular, que pretenda poder oferecer um testemunho mais válido que os demais, ou que se julgue mais hábil na síntese do testemunho coletivo, dificilmente escapa de ser desautorizado em relação a essa pretensão, pelo fato da sua voz ser individual. Essa perspectivação pode ser não mais ser necessariamente singular, mas plural, através do uso de artefatos lógico-retóricos, dependendo da escolha dos comunicadores profissionais e dos próprios públicos, em aproveitar as condições que permitem a narrativa dos eventos públicos seja múltipla, e passível de ser perscrutada através do percurso não-linear dos próprios públicos, através das interseções entre cada perspectiva subjetiva, pessoal, situada, corporalmente inscrita nas imagens.


> “Investigativismo” > Colaborativismo / Participacionismo >

> Cibertextualidade > Procedimentalidade / Ludicidade > Revesabilidade >

V – Esboços de programas telejornalísticos não lineares, participativos, investigativos[editar | editar código-fonte]

(1) Querido Parquinho – Programa de Telejornalismo Interativo Investigativo-participativo e Documentário Interativo[editar | editar código-fonte]

Querido Parquinho é um projeto de telejornalismo investigativo realizado de maneira participativa, a ser apreciado em duas estruturas de audiovisual não-linear: como programa interativo da TV Digital e como webdocumentário navegável. O tema central são os parquinhos de brinquedos para crianças: design, acessibilidade, segurança, usos efetivos, condições de segurança e manutenção, e as implicações de sua inserção em praças e parques públicos, escolas e estabelecimentos comerciais.

Pretende-se, com essa tomar um elemento da vida cotidiana aparentemente trivial e lúdico, possa-se observar o quanto seu usos sintomatizam padrões de relações interpessoais de grupos sociais específicos, emergentes nos atos de uso compartilhado de equipamentos públicos e/ou privados. O modelo estilístico e de fluxo de produção pretende permitir derivações, adaptadas a outros tipos de objetos relevantes para a investigação telejornalística participativa, que envolvam processos de mobilização coletiva para a realização de investigação sobre a realidade social. Espera-se que o modelo possa servir de matriz para outros programas, nos quais os públicos teleusuários, por exemplo, fiscalizem obras públicas, denunciem sinais de enriquecimento ilícito e gastos ilegais em campanhas eleitorais, atos pervasivos de agressão ao meio-ambiente ou de desrespeito com grupos sociais marginalizados, assim como outras mazelas que, por terem caráter difuso, e por causa da exiguidade de recursos para a realização de produções de jornalismo investigativo de grande extensão ou duração, sem a colaboração do público, são muito difíceis de serem consolidadas como situações-problema concretas, demandadoras de reações da sociedade e das instituições.

A pré-produção compreende o levantamento de dados: em campo, com os usuários dos parquinhos; de informações sobre as instituições, funcionários públicos e representantes políticos concernidos pela administração de escolas, parques e praças públicas; de funcionários e proprietários de empresas privadas envolvidas com parquinhos. Essas informações cursórias já serão incorporadas ao material audiovisual na forma de slideshows e infográficos, enviados paralelamente ao sinal da programação principal, e acessíveis aos teleusuários através do controle remoto.

  1. Desenvolvimento e testes de website e aplicativo para smartfone, para viabilizar o canal de retorno, assim como permitir a navegação no documentário interativo.
  2. Mapeamento dos parquinhos da(s) cidade(s), instalados em parques e praças públicas, em escolas, restaurantes, condomínios; infográficos com os dados consolidados sobre a distribuição de parquinhos, comparando com densidade populacional, IDH, renda média, grau de escolarização médio das regiões. No i-doc, pode ser utilizado meshes de serviços de mapas on-line, com identificações e informações, acessível também a partir do próprio serviço de mapas. (Primeiro conjunto textual)
  3. Levantamento dos agentes interessados e concernidos pelos nos parquinhos, identificando seus interesses específicos (p. ex., crianças - entretenimento, pais de crianças - apoio ao cuidado e à socialização; escolas - atividades em espaço aberto e aprendizado cívico; poderes públicos - segurança pública, aprendizado de civilidade no uso de equipamentos de uso público, estímulo ao comércio, manutenção da circulação propiciadora de maior segurança pública; patrocinadores privados - visibilidade local dos empreendimentos, visibilidade mediatizada das ações de apoio aos parquinhos como marketing institucional de maraca). Com essas informações, será possível refinar e dar concretudoe ao planejamento de mobilização coletiva, além de ser feita uma coleta preliminar de de depoimentos.
  4. Visitas de preliminares de assistentes de produção aos parques, produzindo imagens para (a) levantamento de locações, (b) para vídeos de divulgação e (c) comunicação com usuários (oral e distribuição e afixação de material gráfico) sobre a existência do programa. Esses agentes convidariam o público usuário dos parquinhos a participar do programa, apresentando as varias formas de colaboração possíveis. (Há que se definir os critérios de seleção das localidades: distribuição conforme renda média ou idh dos bairros parece um critério promissor.)
  5. Divulgação em redes sociais e mídias de massa sobre o programa, com convites à participação; produção de peças gráficas e videográficas (videos virais) em várias línguas, convidando pessoas de todo o mundo para enviarem imagens e informações sobre os parquinhos de suas cidades e bairros. Um esforço de produção será feito no sentido de conseguir contato com famílias de brasileiros que, em diferentes cidades do mundo, que possam enviar imagens de alta definição, desejassem atuar como correspondentes (voluntariamente ou com pagamento de cachês, conforme a disponibilidade de recursos da produção). Essas atividades de incorporação de novos colaboradores seria permanente, necessitando ter seu mix de divulgação ajustado em função da dos resultados dos públicos ao uso dos meios de divulgação. Em todo caso, é preciso, nesse processo, estabelecer práticas de diagnóstico de níveis de participação, levando-se em consideração a distinção entre três níveis de envolvimento (co-propositores, apoiadores e concernidos, Ref. Simeone &al.)

A produção do programa visa a obtenção de informações e de imagens dos parquinhos em uso, e de de depoimentos de usuários, especialistas e administradores.

  1. Gravação de vídeo-reportagens, com famílias de tele-usuários colaboradoras, sobre parquinhos específicos, selecionados a partir das pesquisas de locações. Reporteres-mirins, acompanhados dos pais e/ou responsáveis legais, farão reportagens sobre as condições dos parquinhos (acessibilidade, segurança, criatividade, conservação, durabilidade), farão a coleta de imagens dos parquinhos em uso e de depoimentos com outras crianças e adultos. Esse conjunto compreende os blocos de programação principais, que seriam exibidos como programas inteiros do canal digital principal. Deverão percorrer os seguintes focos: (a) a interpretação, por especialistas (urbanistas, arquitetos, geógrafos e outros cientistas sociais), sobre os efeitos da presença do parquinho no espaço urbano; (b) observações (das crianças, conversando umas com as outras) sobre os usos, vantagens e desvantagens dos brinquedos para a realização de brincadeiras; (c) comentários dos pais e das crianças sobre as condições de segurança e estado de conservação dos brinquedos e dos parquinhos; (d) comentários de especialistas (designers, escultores, marceneiros e seralheiros) sobre aspectos formais e estilísticos dos brinquedos e do conjunto do parquinho; (e) comentários dos usuários do espaço onde está o parquinho a respeito das condições de acesso e de eventuais situações de segregação social e/ou étnica;
  2. Coleta de dados sobre quem são os responsáveis institucionais pela manutenção ou pela instalação de novos brinquedos e como exercer pressão para melhoramentos (envio de mensagens, participação de petições on-line, marcação de audiências públicas)
  3. Com as imagens enviadas para a produção pelo público, elaboração de um catálogo fotovideográfico de parquinhos do mundo todo, com comentários de pais e crianças, de arquitetos, urbanistas, escultores e designrs (a convidar como consultores), administradores públicos, sociologos, antropólogos, acrescentando comentários. Neste catálogo, estarão informadas quais parquinhos já foram visitados pela produção, quais não, facultando aos tele-usuários indicar quais parquinhos não visitados eles gostariam que a produção.
  4. Realização de concursos de design e escultura, para brinquedos e parquinhos: tele-usuários poderão remeter propostas de construção de parquinhos, assim como votar e comentar as propostas de outros tele-usuários. Conforme a indicação de projetos de brinquedos e parquinhos, a produção do programa pode procurar patrocinadores, fornecedores de material, serralheiros, marceneiros e escultores, assim como contatar administradores públicos e privados, para a execução dos projetos
  5. A partir de entrevistas com designers, marceneiros, seralheiros e escultores, o programa produzirá e disponibilizará vídeo-tutoriais para a manutenção, reforma e construção de parquinhos;

A pós-produção constituir-se-á na edição de segmentos textuais indexados, a serem publicados em dois formatos:

(a) para navegação on-line, no formato de i-doc; e

(b) como episódios indexados (em HD) na transmissão do canal digital principal, acompanhado de dados complementares (infográficos, dados sobre localização e condições dos parquinhos, petições on-line para os responsáveis pelos parquinhos) e de teasers (em SD) de outros parquinhos.

A cada transmissão, a informação sobre quais são os vídeos mais visitados e/ou selecionados para “visitas virtuais” dos teleusuários determinam quais são os dados carregados pelo carrossel, para a próxima exibição em alta resolução, no canal principal, de modo que serão os teleusuários definirão a ordem de exibição das reportagens já disponíveis. Pelos canais de retorno, eles poderão enviar comentários em texto, participar de petições, e até enviar fotos e vídeos para que a equipe de produção do programa direcione suas pesquisas de locação e de incorporação de novos tele-usuários colaboradores.

Nos dois casos, a indexação se refere à inclusão, nos vídeos, de metadados sobre os parquinhos (p. ex,, características da sua localização nos espaço urbano, afluxo de público, características sócio-econômicas dos bairros onde estão situados, tipo de administração, ranqueamento de beleza, engenhosidade, estado de conservação, segurança) que sugerirão links para outros vídeos (com características semelhantes, ou opostas, selecionada pelos usuários), indicando, adicionalmente, o foco específico do trecho do vídeo (itens 1a-e, acima). Deste modo, um apreciador do i-doc poderia assistir, como a uma série, o conjunto dos depoimentos de crianças, ou dos administradores, ou somente discussões sobre os efeitos dos parquinhos sobre o espaço urbano. O mesmo pode ocorrer no canal digital de TV, em programas especiais. A transmissão dos segmentos em HD, podem ser incluídos links para o visionamento de vídeos complementares, por exemplo com os depoimentos dos especialistas, imagens outros parquinhos de características parecidas e assim por diante.

(2) Versos dos cantos – Programa de TV Interativa e i-doc locativo[editar | editar código-fonte]

Como podem cidades granes guardar pequenas lembranças? Como podem os afetos associados aos lugares persistir através da permanente transformação física dos espaços? O auto-respeito que os transeuntes têm como cidadãos, emerge na maneira como eles tratam – ou destratam – as suas experiências na cidade. Cada canto tem seus versos: além da sua materialidade, seu sentido afetivo íntimo, escondido como seu “avesso”. Assim, uma “máquina memorialista” audiovisual, televisiva e cibertextual, serviria aos cidadãos como meio para consolidarem e fazerem emergir, como conhecimento coletivo relevante, os precipitados afetivos de suas experiências de cada lugar de uma grande cidade. Através de um arranjo televisivo não-linear e documentário interativo locativo, o sistema deverá receber histórias de vida vinculadas aos espaços urbanos e exibi-los de maneira não-linear, através de associações igualmente subjetivas entre lembranças e lugares. É possível fazê-los conhecidos, e reciprocamente reconhecidos, como parte da história comum da cidade. Para falar dos sentimentos vinculados a cada lugar de uma cidade, não haverá nenhuma voz privilegiada; e não haverá, para compreender o sentido afetivo dos lugares, nenhuma outra escuta senão aquela que é de todos e de ninguém em particular. Se o cinema é a melhor ferramenta intelectual para tornar as experiências mais íntimas, públicas, nada mais indicado que o cinema para recuperar e tornar coletivas as memórias afetivas de cidades em rápida transformção que a sua expressão da percepção, vinculada à inscrição das presenças corporais no espaço.

Em 2003, quando completava 450 anos, surgiu, das mãos do blogueiro Juliano Spyer, uma iniciativa que depois se revelaria pioneira do que viria a ser denominada Web 2.0. O programa de rádio – e website – SP 450 – Viva São Paulo. Segundo o blogueiro, “[a] idéia era aproveitar a data redonda e o clima propício às recordações para fazer um projeto de história oral online onde a cidade conversasse consigo através das histórias de seus moradores. Graças à participação da rádio Eldorado, que transmitia uma história tirada do site por dia, a ação criou massa crítica e começou a andar sozinha.” O projeto funcionava com o envio de relatos e gravação, em estúdio, de depoimentos sobre lembranças de experiências sociais associadas a lugares da capital Paulista, revelando a textura afetiva de cada lugar. O propositor do programa, não sem orgulho, nota que depois de alguns anos trabalhando com o projeto, pode abandoná-lo sem que ele fosse interrompido, graças aos esforços voluntários da comunicade de memorialistas “entusiastas” (ou “amadores”).

Na mesma São Paulo, encontra-se também a sede de uma ONG, o Museu da Pessoa, que é pioneira da coleta de histórias de vida, recebendo há mais de 15 anos, narrativas pessoais de pessoas comuns, e disponibilizando essas narrativas para a consulta publica, através de transcrições – que recentemente se tornaram disponíveis on-line. O desafio, diante do gigantesco acervo, é persistente: O que procurar, e segundo que termos? Quais seriam os critérios para passar de uma narrativa para outra?

Antecedentes desse tipo de abordagem – que se diria multidisciplinar, envolvendo urbanismo, etnografia, geografia humana, história oral – remontam às práticas de “psicogeografia” situacionista, na qual os praticantes, interessados em desafiar a funcionalização das ruas como meros espaços de passagem, produziam copiosas caracterizações de estados afetivos associados a lugares de Paris e outras grandes cidades. No mesmo período, foram efetuadas práticas artístico-coneituais semelhantes, por exemplo, os percursos urbanos de Wolf Vostell (documentados e relatados em Assemblages, Environments, Happenings, de Allan Kaprow), e, no Brasil, o Delírio Ambulatório de Hélio Oiticica. Há na história recente da arte brasileira, inúmeras iniciativas derivadas. Por exemplo, com as atividades de Newton Goto (Curitiba), EIA (Experimentos em Imersão Ambiental, de São Paulo) e GIA (Grupo de Imersão Ambiental, de Salvador). Em BH, o Instituto Undió tem realizado iniciativas de memória afetiva do espaço urbano, através da promoção de ciclos de imersões urbanas, performances e inteferências gráficas, com grande repercussão em termos da visibilização da história (literalmente) soterrada das experiências de convívio urbano.

Para o programa Versos dos Cantos, as imagens seriam gravadas, preferencialmente, pelos narradores (com um breve treinamento in loco) ou por cinegrafistas orientados por eles. Nestas tomadas de imagem, em off, o áudio registrará os relatos das situações nas quais os lugares da cidade se vinculam a experiências afetivamente marcantes para os narradores. As imagens serão minuciosamente indexadas, com a anotação das referências aos lugares, assim como dos momentos em que esses estados afetivos são expressos e de quais estados são estes.

Na versão televisiva interativa. serão transmitidos 3 diferentes fluxos de imagens em HD (720p), com a seleção de segmentos textuais feita pela escolha da maioria do público, através dos canais de retorno. Tecnicamente, considerando o limite de 19Mb/s seria possível transmitir pelo menos 3 streams em 720p (considerando que as taxas recomendadas para essa qualidade estão entre 2 e 4.5Mb/s). Durante e ao final de cada segmento textual, são exibidas palavras-chave com afetos e lugares, para que os tele-usuários votem para definir a continuidade da sequência. Enquanto o tele-usuário assiste a um segmento, são exibidas miniaturas dos dois outros segmentos que estão sendo visionados, sendo possível a ele passar de uma sequência/grupo para outra. Na versão de documentário interativo, a exibição das imagens será associada à informação da localização do usuário, havendo permanentemente a disponibilidade para que ele grave seu próprio depoimento e remeta à produção do programa. (Note-se que essas contribuições necessitam de serem moderadas por um colegiado de avaliadores, para evitar gravações inadequadas ou desrespeitosas). Além dos envios de material via web, e também para fins de promoção do progarma, são organizadas videocabines em localidades recomendadas por consultores do programa (cientistas sociais, geógrafos, urbanistas).

A pré-produção do programa consiste nas seguintes atividades:

  1. Desenvolvimento e testes do website e do aplicativo para smartfone, construídos para: (a) viabilizar o uso dos canais de retorno de interatividade simples para permitir a navegação entre os segmentos audiovisuais, através de links associados a lugares e afetos; e (b) de interatividade plena, para apresentar os procedimentos de gravação de narrativas e imagens de lugares, e permitir que os tele-usários possam enviar narrativas diretamente para a produção do programa; (c) para que os usuários do i-doc locativo recebam as imagens associadas aos lugares onde elas estão; (d) para que, com o uso de meshes com serviços de mapas on-line, os usuários desses serviços acessem a partir deles as narrativas.
  2. Identificação, com consultores de ciências sociais, geografia e urbanismo, de pontos “umbilicais” para a produção do sentido de pertencimento à cidade, para os cidadãos; é nessas localidades que deverão ser realizadas as primeiras videocabines;
  3. Divulgação do programa, convidando os moradores de localidades cidade onde as primeiras gravações se realizarão, a enviar vídeos; e em seguida, com divulgação ampla, a todos os cidadãos;
  4. Pesquisa de locações para montagem de pontos de coleta de narrativas; montagem de videocabines experimentais, com equipamento gravação, iluminação e maquiagem básica para coleta de narrativas.

A produção será constituída pelas seguintes atividades:

  1. Gravação de narrativas a partir da instalação de videocabines na cidade
  2. Moderação das narrativas enviadas, retirando depoimentos inadequados, por um colegiado de consultores (vide item 2, acima) – a esse colegiado serão acrescentados colaboradores que se tornem regulares;
  3. Levantamento, a partir de consultores do programa (vide item 2 e 6, acima) de informações históricas, etnográficas e urbanísticas a associar às narrativas, na forma de serviços de “realidade aumentada” a serem opcionalmente superpostos aos vídeos, na exibição on-line e via TV Digital.

A pós-produção se constituirá de:

  1. Edição das narrativas, inserindo links: (a) de localização de cada vídeo, e (b) nos momentos específicos de expressão de experiências afetivas marcantes, com etiquetas com os nomes dos afetos (indicados pelos narradores, ou pelo menos aqueles que melhor descrevem, para, usando um tesauro, semelhanças entre sentimentos forneçam a estrutura de navegação entre as narrativas)
  2. Monitoramento do funcionamento do sistema de interação, que irá contabilizar as escolhas de percurso dos tele-usuários, carregar o carrossel os dados com as narrativas em apreciação paralela; ou, no caso de não haver seleção clara, sortear – usando a estrutura de semelhanças afetivas e proximidades geográficas – os segmentos textuais seguintes.
  3. Incorporação, no acervo de narrativas acessíveis on-line, de indexação e estrutura de links a partir das informações sobre os eventos de apreciação televisiva (exibido quando, visto por quantos receptores, que fizeram quais escolhas de navegação).

(3) Sonda! Programa de debates “aumentados”, com partipação do público e surveys de opiniões públicas – TV Intertiva Ginga, redes sociais, i-doc[editar | editar código-fonte]

Programas de debate televisivos são excelentes oportunidades para a formação democrática dos cidadãos, porque propiciam que temas ou personalidades sejam escrutinados de maneira intensiva e respeitosa, por especialistas e por jornalistas especialmente preparados para essas ocasiões. No entanto, há dois campos de dilemas para a organização desses eventos-programas.

Primeiro, o de nivelamento do repertório: permanente desafio para o jornalismo especializado, especialmente daquele envolvido com divulgação científica, é preciso escolher entre simplificar as informações aumentando a acessibilidade ao público amplo e fornecer as informações detalhadas – e, frequentemente, as questões políticas mais candentes residem exatamente nesses detalhes difíceis de se explicar. O segundo grande desafio é o sentido da participação do público: além da dificuldade trazida pela exiguidade de tempo para receber, sistematizar e moderar as perguntas e comentários dos telespectadores em transmissões ao vivo, há uma permanente suspeita de que os debates não passam de “mera conversa”, havendo poucas oportunidades para que as opiniões do público telespectador sejam reflexivamente consolidadas como opiniões públicas. Em síntese: o público desejaria que os debates conduzissem ao diálogo público amplo, e as conclusões alcançadas permitissem que o público produzissem pressão política real.

Sonda! é uma produção telejornalística experimental de debates na qual se associariam “realidade aumentada”, fórum de discussão, argumentação ao vivo e sondagens de opinião dos públicos teleusuários. Nele os participantes diretos (isto é, diante das oculares), assim como uma equipe de consultores específica para cada programa, fornecerão de antemão, grande variedade de dados de para a informação do público, que seriam transmitidos paralelamente à transmissão das discussões. Os programas seriam gravados alguns minutos antes de serem carregados para o carrossel, para que no fluxo de imagens dos debates sejam indexados, e nelesinseridos links para as informações disponíveis para a produção do programa. Da mesma maneira que os exemplos anteriores, o programa necessita do desenvolvimento de aplicativos para aparelhos móveis e web, para viabilizar a utilização dos canais de retorno simples e pleno, assim como para facilitar o acesso não linear das imagens acessíveis on-line.

(Note-se que esse projeto permite derivações para uso de governos, parlamentos e tribunais, pois permite a funcionários, governantes e representantes políticos dialogar de maneira aberta com os cidadãos. Uma das grandes vantagens do arranjo é que ele define um percurso argumentativo coletivo, que associa práticas de democracia deliberativa, participativa e ação direta. Isso – espera-se – resulta em diversos ganhos retóricos democratizantes: aumenta a legitimidade das instituições e seus representantes, que se comprometem a justificar suas posições de maneira franca; favorece o aumento do auto-respeito dos cidadãos, que constatam não apenas que suas posições recebem a devida consideração das instituições, mas também são levados a testar o grau de universalidade ética de sua argumentação.)

Ao serem transmitidas as imagens, as set-top boxes do Ginga permitiriam aos teleusuários “navegarem” nessas informações, seja abandonando parcialmente o debate (mantendo apenas o áudio, ou usando imagens superposição de imagens), seja suspendendo a apreciação do fluxo principal do programa, que poderá ser retomada exatamente de onde pararam de assistir (com eventuais saltos de tempos mortos, para reduzir o uso da memória das set-top boxes). Permanentemente, usando o canal de retorno simples, na própria tela (usando um teclado bluetooth) os teleusuários poderão enviar perguntas e comentários de texto. E, usando canais de retorno pleno – por usuários que disponham de internet de banda larga, eventualmente em centros de mídia coletiva –, também poderiam enviar fotos, áudios e vídeos, com material que julgam relevante.

Depois da primeira sessão de transmissão, um website do programa irá funcionar como fórum (pré-moderado, para evitar proferimentos desrespeitosos ou intolerantes), recebendo contribuições do público em diálogo com participantes do debate. O debate ao vivo seria retomado pelo menos uma vez, permitindo aos debatedores retomarem sua argumentação a partir dos debates feitos através do fórum on-line. Na pré-produção da retomada do debate, a equipe de produção do programa sintetizaria um conjunto de teses, a partir dos argumentos expostos nos debates e nas contribuições do público.

Durante a transmissão da retomada, enquanto os debatedores discutem (defendendo ou atacando) essas teses, o programa recolheria – usando o canal de retorno simples – os dados de aprovação ou reprovação de cada argumento pelo público. Essas informações seriam incorporadas como informação opcionalmente visível aos telespectadores, assim como a informação sobre os pontos de inflexão e mudanças de aceleração súbidas na votação. Ao final do programa, seriam apresentados os resultados finais da sondagem, que receberiam comentários especificos os participantes imediatos. Notes-se que, no caso de haver no estúdio participantes tomadores de decisões, estes estariam publicamente comprometidos a responder praticametne aos resultados – no mínimo, questionando sua represantatividade com outras propostas de sondagem. Todas essas eventos, gravados em estúdio, seriam disponibilizadas on-line na versão final (formato de documentário interativo) do debate, através da inserção de novos links nas imagens dos debates. Através da indexação das imagens dos debates, será também possível para o público usuário da versão web do programa definir listas de execução conforme temas e debatedores.

(4) Se joga no bloco! – cobertura participativa de festas ativistas nas ruas – tweetcast, Ginga com canal de retorno, Web/I-doc[editar | editar código-fonte]

Como apreciar a partir de um único ponto de vista um evento criado pela ação de uma multidão? Seria possível apreciar como multidão um evento público? Festas populares de rua, como os blocos de rua, que – com ajuda das comunicações distribuídas e dos movimentos de ocupação cívico-festiva das ruas – recentemente se disseminaram cidades brasileiras com e sem tradição de carnaval são são eventos difíceis de ser reportado ao vivo, senão com um enorme achatamento dos eventos, com repórteres cumprindo pautas prontas e reproduzindo texto decorado em inserções ao vivo. Com os recursos de produção prosumer disponíveis hoje, é possível fazer uma cobertura “multidunária” dos blocos, de modo inteiramente integrado e auto-governado, através da televisão interativa.

Uma equipe de voluntários semi- ou não-profissional – de preferência com alguma “ajuda de custo” - atuará como videorepórteres participantes dos eventos festivos, permitindo criar uma “Sala de Controle Sem-Mestre”: através do website, o público usuário teria acesso direto aos tweetcast de cada um dos cinegrafistas-foliões, de modo que, junto com a equipe de produção, incorporará comentários e links para as imagens. Estas serão retransmitidas com um lapso de poucos minutos (suficientes para a incorporação dessas informações complementares), estando disponíveis 10 fluxos de áudio e vídeo, em qualidade standard (SD, 480 linhas). O público tele-usuário indicaria uma delas para ser transmitida em FullHD, da seguinte forma: no momento em que a maioria do público, usando o canal de retorno simples, muda de preferência quanto imagem principal, um dos canais que estava em em resolução standard (que podem ser deixados em formato como picture in picture) passa a ser o canal principal, o steaming sendo retransmitido eem resolução full HD.

Enquanto isso, os comentários e links atribuídos às imagens são armazenados juntos com elas, disponibilizados como uma estrutura de navegação não linear para o documentário interativo, que será disponibilizado on-line ao final de cada transmissão. Via internet, os participantes dos eventos poderão assistir à íntegra de cada transmissão, podendo navegar através de diferentes pontos de vista sobre os acontecimentos, assim como utilizar os links e comentários para saltar entre diferentes imagens; poderão obter os trechos de cada tipo de indexador, assistindo trechos indexados de modo semelhante. Por exemplo, toda vez que aparecer algum folião elaboradamente fantasiado, a equipe em estúdio poderá incluir um link para uma enquete na qual os tele-usuários, por suas aprovações ou reprovações, indicariam as fantasias mais criativas ou engraçadas. No i-doc, esses indicadores poderiam selecionar os trechos onde um número determinado de fantasias “mais criativas ou engraçadas” seria exibido. Novamente, este programa supõe, para seu pleno aproveitamento, de aplicativos para aparelhos móveis e web, capazes de facilitar a utilização dos canais de retorno, e o acesso on-line ao acervo de imagens indexadas.

Referências[editar | editar código-fonte]

BENKLER, Yochai (2000) From Consumers to Users: Shifting the Deeper Structures of Regulation Toward Sustainable Commons and User Access . Acessível em http://www.yale.edu/lawweb/jbalkin/telecom/benklerfromconsumerstousers.pdf (acessado em 17jun2015)

BAUM, Gabriel; SOARES, Luiz Fernando Gomes (2012) Ginga Middleware and Digital TV in Latin America

DINIZ, Rafael; NOVAES, Thiago (2015) A reinvenção da TV Digital no Brasil Carta Capital, Intervozes, <http://www.cartacapital.com.br/blogs/intervozes/a-reinvencao-da-tv-digital-no-brasil-4423.html> acessado em 17jun2015

TOZETTO, Claudia. (2012) TV pública quer liderar criação de conteúdo para Ginga - Para evitar que futuro do sistema para TVs dependa de emissoras comerciais, TV Brasil aposta em serviços públicos. iG São Paulo, "Tecnologia", 11/04/2012; acessível em <http://tecnologia.ig.com.br/especial/tv-publica-quer-liderar-criacao-de-conteudo-para-ginga/n1597727279334.html>, acessado em 17jun2015

SOARES, Luiz Fernando Gomes (2013) Interatividade na TV Digital Aberta Brasileira. Revista Lumina, UFJF, v. 7, n. 2 (2013)

BARBOSA FILHO, André. (2015) Interatividade: surge uma nova televisão. (29.04.2015 - 12h04 | Atualizado em 29.04.2015 - 12h06) Acessado em <http://www.ebc.com.br/brasil-4d/2015/04/interatividade-surge-uma-nova-televisao>, em 17jun2015

SOBCHACK, Vivian Carol. “Toward inhabited space: The semiotic structure of camera movement in the cinema.” In: Semiotica, n. 41, vol I/4, p. 317-335. Amsterdã: Mouton Publishers, 1982. . The Address of the Eye: a phenomenology of film experience. Princeton: Princeton University Press, 1992.

Notas[editar | editar código-fonte]

1 Segundo Cirne et al. (2009, p. 102): “... os recursos complementares convertidos em dispositivos interativos, somados à postura pró-ativa dos teleusuários (que agora não são mais telespectadores, mas também usuários), podem suprir uma natureza às vezes superficial de algumas matérias telejornalísticas que têm sua veiculação em função do fator tempo.” Sobre a definção de públicos usuários, ref. Benkler (2000)