Temperaturas Paulistanas/Planejamento/Anhanguera/Turma B

Fonte: Wikiversidade

Grupo[editar | editar código-fonte]

Ana Fidelis

Guilherme Martins

Renato Lamanna

Ugo Sartori

Sobre Anhanguera[editar | editar código-fonte]

O subdistrito de Anhanguera pertence ao distrito de Perus. Tem na história de sua formação as antigas plantações de cana-de-açúcar, entretanto, a construção rodovia que leva o seu nome é responsável por dar forma à configuração atual do local, atraindo indústrias e consequentemente pessoas.

É formado por nove bairros: Jardim Anhanguera, Jardim Britânia, Jardim Clei, Jardim Escócia, Jardim Jaraguá, Morro Doce, Parque Esperança, Vila Chica Luísa e Vila Jaraguá. E conta com 65.859 habitantes no total.

Dentre os 96 distritos do município, seu IDH o coloca na 82ª posição, ou seja, um dos piores de São Paulo. O censo de 200 revela que mais de 50% de sua população habitava em áreas rurais.

Foi a última fronteira do município de São Paulo a ser ocupada, ressaltando novamente, movimento provocado pela construção da rodovia, o crescimento populacional foi de 210% em dez anos. O que diz muito sobre as condições de infraestrutura da região, área sem investimento público e pautada nas construções autônomos.

A ocupação do distrito tem como peculiaridade o sistema de loteamentos implantado pelo MQT (Movimento pela Qualificação do Trabalhador), que diante da negligência do Estado se viu na posição de “agente de expansão”.

O censo de 2010 revela que a região continua crescendo, deu um salto de 38 mil para 64 mil habitantes, desde 2000. Contudo, têm-se dados de na maior parte do território, jovens e adultos são privados de recursos básicos. Muito dos recursos da região são resultados de associações de moradores, não do poder público.

Aplicação do questionário[editar | editar código-fonte]

Para aplicar os questionários no Distrito de Anhanguera, optamos pela escolha de locais que foram relevantes para o nascimento do bairro e suas vias de maior circulação. O primeiro destes locais é à margem da Rodovia Anhanguera, onde os primeiros assentamentos se estabeleceram por volta de década de 40 e onde está o CEU Parque Anhanguera. Outros dois locais, que quando colocados em justaposição revelam números interessantes, são os referentes à área considerada urbana e rural, tendo em mente que o distrito conta com mais de metade do número total de residências em áreas ainda consideradas rurais. O último local visado é nas proximidades do terminal de ônibus local, uma vez que este é o principal (e único) meio de transporte público que liga o bairro periférico ao centro.

Além disso, visamos o cruzamento da Avenida Coronel José Gladiador, com a Rua Ceará, onde há um maior fluxo de pessoas, devido ao número de igrejas (evangélicas) na avenida e os mercados espalhados pela via, e também a maior concentração de lojas, sendo o “centrinho” da cidade. Nesta região, há também pelo menos duas escolas estaduais de grande porte e procuraremos explorar mais este público, sem envolver os alunos, mas sim a classe dos educadores da região em questão.

Tarefas e Datas[editar | editar código-fonte]

Elaboração dos questionários: todos os membros do grupo – data limite 22/08

Aplicação dos questionários: todos os membros do grupo – 28/08

Planilha com resultados do questionário: Ana Beatriz – até 30/08

Análise dos dados do questionário: Guilherme - até 04/09

Preparação das entrevistas em profundidade/ grupo focal: Renato e Ugo - até 04/09

Elaboração Pauta da reportagem: Todos os membros do grupo até 05/09

Reportagem: todos os membros do grupo - até 18/09

Pré-roteiro de Pesquisa[editar | editar código-fonte]

O distrito de Anhanguera se encontra numa posição delicada que a acompanha desde o seu surgimento. Sua localização geográfica é um dos fatores que promove a situação em que o bairro se encontra atualmente, uma vez que grande parte de sua população economicamente ativa se desloca até o centro de São Paulo para trabalhar. Este fato, desencadeia discussões sobre a relação periferia-centro que acaloram o assunto e está diariamente presente na vida dos moradores. Outro problema que se apresenta como realidade no bairro à margem de rodovia homônima é o da moradia. Apesar de estar muito melhor estruturado do que nas primeiras décadas do distrito, as edificações locais ainda apresentam um caráter precário, que, muitas vezes, se mostra como a única opção acessível aos moradores que carecem de amparo governamental e de políticas públicas.

Como alternativa à invisibilidade da região diante do poder público, muitas associações de moradores são responsáveis por garantir alguns recursos básicos do local.

A área foi o último distrito de São Paulo a ser ocupado, e uma das questões a se pensar é por que um local que não possui nada, recebe menos recursos daqueles que já possuem o necessário e inclusive não possuem alta densidade demográfica.

Ou seja, temos como foco a falta de atuação do poder público, aliada a configuração do local e as alternativas encontradas para lidar com a situação.

Referências Bibliográficas[editar | editar código-fonte]

http://www.spbairros.com.br/tag/bairros-anhanguera/

http://www.spbairros.com.br/anhanguera/

http://www.revistas.uff.br/index.php/antropolitica/article/viewArticle/23

https://pt.wikipedia.org/wiki/Anhanguera_(distrito_de_S%C3%A3o_Paulo)

http://www.revistas.uff.br/index.php/antropolitica/article/view/23/pdf

http://www.policeneto.com.br/wp-content/uploads/2012/08/CMSP_Cadernos_ANHANGUERA-2_AFweb.pdf

http://www.fflch.usp.br/centrodametropole/cemsas/1.3.1.Perus.pdf

Questionário - 27 Entrevistados[editar | editar código-fonte]

Mora em Anhanguera?[editar | editar código-fonte]

Sim - 22

Não - 5

Morro doce - 11

Gato Preto - 3

Jaraguá - 6

Parque Anhanguera - 2

Não respondeu - 5

Possui ocupação?[editar | editar código-fonte]

Sim - 14

Não - 8

Não respondeu - 5

Se não, o que faz?[editar | editar código-fonte]

Estudante - 1

Aposentado(a) - 2

Dona de casa - 5

Não respondeu - 19

Você gosta do distrito?[editar | editar código-fonte]

Sim - 5

Não - 22

Qual o maior problema no distrito (era possível responder mais de uma alternativa)?[editar | editar código-fonte]

Falta de banco - 18

Confusão e barulho - 8

Falta de segurança - 12

Transporte público - 10

Já participaram da Associação de Moradores do distrito?[editar | editar código-fonte]

Sim - 2

Não - 20

Não respondeu/não conhece - 5

Por que mudou para Anhanguera?[editar | editar código-fonte]

Por causa do cônjuge - 3

Consegui minha casa própria - 24

Onde morou?[editar | editar código-fonte]

Nordeste - 8

Lapa - 2

Cajamar - 3

Vila Leopoldina - 3

Pirituba - 6

Não quis responder - 5

Onde você busca lazer?[editar | editar código-fonte]

Perus - 10

Anhanguera - 5

Lapa - 12

Se você mora em Anhanguera, todas as infraestruturas básicas funcionam?[editar | editar código-fonte]

Sim - 20

Não - 7

Quantas pessoas moram na sua casa?[editar | editar código-fonte]

Apenas eu - 1

De 2-3 pessoas - 6

De 4-6 pessoas - 14

De 6-8 pessoas - 1

O que você acha da Rodovia Anhanguera?[editar | editar código-fonte]

Excelente. Estou perto de tudo - 7

Ótima. Não tem trânsito - 10

Não muda em nada - 7

Não respondeu - 3

Onde vai caso precise de atendimento médico?[editar | editar código-fonte]

Lapa - 5

Perus - 19

Pirituba - 3

Que melhoria gostaria de ver no bairro (era possível responder mais de uma alternativa)?[editar | editar código-fonte]

Um banco - 22

Melhoraria a segurança - 12

Pessoas mais próximas - 3

Mais escolas - 1

Um Shopping Center para lazer - 1

Mais linhas de ônibus (hoje, tem como destino apenas o centro e a lapa) - 5

Se pudesse, se mudaria do bairro?[editar | editar código-fonte]

Sim - 13

Não - 9

A quem você recorre para solucionar problemas/questões públicas (falta de luz na rua/na casa, coleta de lixo, etc..)?[editar | editar código-fonte]

Subprefeitura de Perus - 14

Associação dos Moradores - 4

Não sei para quem reportar - 8

Para o vizinho - 1

O que acha da segurança do bairro?[editar | editar código-fonte]

Ela não existe - 13

A polícia só aparece quando o problema termina - 11

Raramente vê policiamento nas ruas - 3

Análise do questionário[editar | editar código-fonte]

É interessante ressaltar que diferente do que pensávamos, o bairro não nasceu propriamente da construção da rodovia, mas sim do projeto, desenvolvido pelo MTST e a Associação de Moradores, de compra de grandes terrenos divididos em loteamentos e repassados para a população a preços acessíveis. Tanto que os moradores não chama os bairros pelo nome, mas pelo número da área. A maior parte da população foi para Anhanguera em busca da casa própria (86%).

Antes de começarmos a análise, devemos ter em mente que um total de 27 pessoas responderam ao questionário, não necessariamente as mesmas questões, que variavam de acordo com o prosseguimento de aplicação das perguntas. As porcentagens nesta análise usadas, correspondem aos dados da tabela dos questionários.

Do total de entrevistados, cerca de 81% moram em Anhanguera e os demais vão até o Distrito para trabalhar ou no seu momento de lazer, caso dos frequentadores do CEU Anhanguera, por exemplo. Os entrevistados que moram no distrito são dos bairros Morro Doce, Gato Preto, Jaraguá e Parque Anhanguera; este primeiro, o mais antigo bairro de Anhanguera, abriga 50% dos entrevistados; o segundo, divido no meio pelo limite de municípios Cajamar-São Paulo, cerca de 14%; Jaraguá, o terceiro da nossa lista e o ponto mais alto de cidade de São Paulo concentra 27% dos entrevistados; e por último, o bairro que contempla o homônimo parque, possui 9%.

Ainda no quesito da residência no distrito, nota-se que uma grande parcela das pessoas que se mudaram para lá, vêm de um lugar comum: o nordeste do país. Cerca de 36% dos entrevistados que não nasceram em Anhanguera vieram do nordeste, e chegaram no distrito mais noroeste de São Paulo com um sonho comum: conseguir a casa própria. Salvo 3 entrevistados que vieram à Anhanguera para acompanhar o cônjuge, os demais procuravam deixar para trás a condição que viviam antes, muitas vezes de aluguel abusivo, morar de favor, etc e encontraram uma oportunidade em conjunto do MTST* - que auxilia a Associação de Moradores - a chance de melhorar de vida e poder comprar a casa própria.

Quanto à ocupação dos entrevistados, os que não trabalhavam, que representa apenas 36% das pessoas com quem conversamos, são estudantes que frequentam escolas e universidades fora do bairro, aposentados e donas de casa (vale ressaltar que quando perguntadas, não consideraram a condição de dona de casa um “trabalho”). Alguns dos trabalhadores têm dois empregos, sendo um para a semana e outro de meio período aos fins de semana, como no caso do feirante José Antônio, de 66 anos, que de sábado e e domingo monta sua barraquinha na feira do Morro Doce e durante a semana é funcionário da escola do bairro.

Quando foram perguntados sobre os problemas identificados por eles, moradores do distrito, cuja maioria não gosta de morar lá (81%), alguns temas apareceram mais do que outros como a confusão e barulho nas ruas, principalmente à noite (mencionado por 36% dos entrevistados); a falta de agências bancárias no distrito (81%); e as más condições do transporte público (45%). Em contrapartida, nota-se que as soluções para os problemas apontados vêm no mesmo tom: mais da metade dos entrevistados pedem por melhorias na segurança do bairro; 100% pede por uma agência bancária (aqui percebe-se uma contradição na resposta dos entrevistados: 81% reclama da falta de um banco, mas 100% pede por um.); e 23% dos moradores concordam que as opções de linhas de ônibus são limitadas (centro e lapa).

Pauta[editar | editar código-fonte]

Dado a incrível coincidência de entrarmos, num domingo, em uma Associação dos Trabalhadores Sem Terra de São Paulo (ATST) vestida para uma festa infantil, onde estava, arrumando as mesas de plástico branco, a ex-diretora do grupo. Cássia, uma das personagens da matéria, conversou com o grupo sobre o relacionamento dela com a Anhanguera. Outra figura importante para este texto é Beto - atual presidente da Associação, entrevistado pela equipe. A reportagem consiste na produção de conexões entre a construção de Anhanguera e os loteamentos da ATST.

Para essa reportagem serão feitas duas entrevistas de profundidade, Cássia e Roberto, além do questionário aplicado em campo e a apuração feita durante as pesquisas com os moradores. Cássia conta como aconteceram os loteamentos no período em que foi diretora da Associação (primeira parte da década de 90) e em qual medida uma pessoa que saiu do Alto da Lapa (ela), comprou sua primeira casa própria no distrito e vive lá até hoje.

Outro ponto crucial para a produção da reportagem é a entrevista com Roberto, hoje presidente da Associação. O foco da conversa está acerca dos novos loteamentos pela visão de um morador e presidente. Conta como eles sucedem, o processo em que são feitos e o impacto deles na formação do distrito de Anhanguera. Além dessas propostas, saber das dificuldades enfrentadas pela ATST.

Estas duas entrevistas chaves serão feitas para ter maior abordagem e profundidade quanto aos loteamentos da região. Os moradores mostram uma causa que levou-os à Anhanguera em comum: a busca pela casa própria. Os movimentos confluem para um mesmo objetivo que foi idealizado diante da criação da Associação por Cleusa Ramos e Marcos Zerbini.

Há muitas questões sobre Anhanguera, todavia, sua história precisa ser contada do começo. Em primeira instância, o que chama atenção é sua distância do centro da cidade e, consequentemente, seu acesso às outras regiões de São Paulo. A Rodovia Anhanguera é a grande via, na qual as margens carregam os bairros de Anhanguera. No entanto, os esses não foram construídos por causa concepção da rodovia e nem pela proximidade à ela. Nesse tempo (concepção da rodovia), além dos trabalhadores (que construíram a rodovia)que se assentavam ao redor, havia grandes chácaras na região e enormes lotes de terra que não eram habitados.

O movimento social, que surgiu dentro da necessidade humana por moradia na região, foi constante e inovador. A população desfavorecida das regiões próximas ao distrito passaram a ter uma saída para sua condição de viver de aluguel ou de favor. Anhanguera tomou forma a partir da união dos trabalhadores sem casas próprias, para ajudar seus semelhantes, não à toa, quem tem uma, não participa do movimento.

As informações coletadas nos questionários ajudaram a chegar ao Bairro Morro Docee de lá à uma realidade que não é vivida pela maioria dos bairros de São Paulo. Anhanguera tem uma peculiaridade e deu certo. O distrito se encontra com mais de 20 loteamentos realizados e visa ainda a verticalização das terras que restam. A Associação conta com engenheiros, eletricistas, arquitetos, técnicos, mestres de obras, advogados, todos trabalhando para que os loteamentos funcionem a aconteçam. Além desses profissionais, o grupo é associado à faculdades,cursos de línguas e planos médicos.

Por isso, para que haja maior conhecimento e reconhecimento do distrito, adotaremos como foco da reportagem a Associação dos Trabalhadores Sem Terra de São Paulo e o desenvolvimento do loteamento, assim como de Anhanguera. Trazendo algumas histórias, contando um recorte da realidade local, tecendo a maneira que Anhanguera passou a se delinear e ser como é hoje.

Material Bruto[editar | editar código-fonte]

Áudio:

Entrevista Presidente da Associação de Moradores do Morre Doce: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Entrevista_Beto.ogg

Entrevista Cássia, moradora do bairro e ex integrante da Associação de Moradores: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Entrevista_com_C%C3%A1ssia_.ogg

Matéria[editar | editar código-fonte]

Construindo a dignidade humana[editar | editar código-fonte]

O fenômeno dos loteamentos no distrito de Anhanguera que oferece melhores condições de vida à população


Época de chuvas em país tropical. Cenário perfeito que culminaria num desbarrancar de terras. O único problema é que a terra levou consigo as casas de seis famílias, “aquelas tragédias que você vê todo dia na televisão”, disse Cássia enquanto arrumava o guardanapo rosa na mesa plástica branca para festas de crianças. A ex-diretora da Associação dos Trabalhadores Sem Terra de São Paulo (ATST), uma mulher alta com uma simpatia que irradia de seus olhos escuros, estava arrumando a festa de aniversário de oito anos da sobrinha quando nos recebeu para uma conversa sobre ela e seu bairro.

Cássia conta como a Associação, junto com a pastoral de moradia da Igreja Católica compraram um terreno e construíram um novo lar para essas seis famílias, “se deu certo pra seis, dá certo pra mais” pensaram na época. E realmente deu certo para mais. Hoje conta-se um pouco mais de 20 mil famílias com o sonho da casa própria realizado: sem aluguéis, favores, ou trocas, e sim uma residência para chamar de sua. E o presidente da Associação completa: “Nós estamos na vigésima sexta área já. São 20 áreas já compradas, 18 com a infraestrutura e construindo, enquanto as outras estão abrindo o loteamento, tem a parte dos apartamentos também, então são 26 áreas compradas já. E tem até faculdade que o pessoal participa também.” Com mais de 40 anos de bairro, Roberto (conhecido como Beto), menciona com orgulho os números. Cássia também fala sobre os apartamentos. Depois de quase acabarem as terras para se comprar, a saída foi crescer para cima, “nós não temos mais tanta terra assim. Os grandes espaços de terra que tínhamos na região, já compramos tudo. Ou a gente corre para outras áreas, ou a gente está verticalizando. Nós estamos construindo 808... 804 apartamentos.” A Associação comprou a terra, transferiu-a para a Companhia de Desenvolvimento Habitacional Urbano (CDHU), que assumiu as obras, mas a planta é da Associação. Um desenho bem diferente das “caixinhas de fósforos” do CDHU, segundo ela. Apartamentos com varanda, entrada social e tudo.

Ele lembra que no começo era só mato. O passado é contado pela distância que um vizinho tinha do outro, “Estou aqui desde quando só tinha mato. Tinha uma casa, ela era a 30 km daqui, dava nem para ouvir nada quase. Só ia para Anhanguera, pegar ônibus lá. Então, estou aqui desde muito tempo já. ” Antes dos loteamentos da Associação, a cintura da estrada Anhanguera tinha apenas algumas chácaras, uma à quilômetros de distância da outra. Terrenos privados, muitas vezes desocupados esperando para que não só o tempo agisse sobre suas terras.

O que os advogados da Associação fizeram e até hoje fazem é identificar tais terrenos ociosos, que estejam nos padrões e tenham a permissão para serem loteados, verificar se a documentação está em dia, se podem receber toda a estrutura de moradias populares e checar se têm alguma pendência na prefeitura. Se estiver tudo certo, o terreno é mostrado aos novos moradores, uma vez aprovado por eles, a Associação toma frente às negociações e intermedeia as transações com o dono da área. Depois da mediação na compra, eles auxiliam as construções das moradias oferecendo um arquiteto e um engenheiro para planejar a casa e um mestre de obras para guiar a construção. O dinheiro é todo dos novos moradores, a Associação só tem o papel de moderar o processo de aquisição da área e levantamento das casas.

Apesar da ATST levar o nome de Trabalhadores Sem Terra de São Paulo, o movimento deles não tem em nada a ver com o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Beto deixa claro, “O MST visa invadir terras, se apropriar de áreas para plantação, para o cultivo e tal. Mas a Associação não. A Associação dos Trabalhadores Sem Terra de SP visa comprar uma área toda, que o zoneamento permite, que permita a construção de casas”.

Porém tal trabalho de auxiliar todo o processo de realização de um sonho tem seus custos. Cássia já teve que responder na frente do Sr. de toga por formação de quadrilha, enriquecimento ilícito, crime ambiental e loteamento clandestino. Não bastassem os processos, o juiz ainda queria prender dois de uma vez, Cássia e seu bebê na barriga. “A gente incomoda muita gente. Ambientalistas da região, os grandes industriais, os grandes empresários que começaram a perder áreas para nós. ‘Quem é esse povo que se mete a comprar terra e paga?’” Mas logo seu tom de voz enche de orgulho e os olhos até brilham ao pensar que “esse povo que tira as pessoas da favela, do cortiço, do aluguel. Não é um trabalho imoral, imoral é deixar as pessoas pagando aluguel caro, deixar as pessoas nos cortiços, nas favelas, morando de favor, sendo humilhadas.” No final, parece que valeu a pena enfrentar o juíz por um trabalho sério como esse.

Essa Associação que oferece bases para famílias se edificarem, começou com Marcos Zebini, um advogado filho do direito São Franciscano, idealizador, romântico, “um cara que queria mudar o mundo. E acabou mudando, porque não dá pra mudar o mundo, mas dá para cada um fazer um pouquinho.” E Cássia continua, “quem éramos nós há 25 anos? Não éramos ninguém, uns loucos que queriam ajudar os outros a ter sua casa!” Beto conta que entrou para o movimento com o mesmo intuito que todos: casa própria, pois na época morava de aluguel, “Eu como morador do bairro há muitos anos, acabei participando, porque eu conhecia já e também queria meu terreno, minha casa. Quando aconteceu o primeiro loteamento aqui, eu participei das reuniões, para conhecer como é que era... Apesar da gente morar há muito tempo já, a gente participava como se fosse a primeira vez, pra gente conhecer como que era, como que fazia pra liberar, como comprava a área, tudo certinho. Não entrei já com um terreno e já construí, não. Tanto que quando eu construí minha casa, pagava aluguel na época.”

E como os moradores entram nesse programa? A exigência máxima é que não tenham casa própria, “mas que não tem como a gente conferir. E se chegar aos nosso ouvidos, como chegou várias vezes, ‘ah, fulaninho ali, ele tem casa própria, tem casa de aluguel, tá querendo comprar terreno na Associação pra construir!’ Aí a gente chama a pessoa, pega a comissão, tem uma diretoria, a gente já coloca o B.O. na assembléia, e ela que decide se a pessoa vai ficar, ou não, e obviamente essa pessoa é convidada a se retirar da nossa Associação”, conta Cássia. Além de não poder ter casa própria, o que seria desrespeitoso, pois enquanto uns sofrem para juntar dinheiro para ter seu casa lar e se safar dos aluguéis abusivos, outros querem construir casas, para justamente aplicar esses aluguéis abusivos. A outra exigência que a Associação pede que os moradores frequentem as reuniões, isso serve também para o programa de bolsas das faculdades parceiras, “É o mesmo sistema da compra de área, o pessoal vem na reunião e tem um desconto de 30%, até 60% na bolsa de estudos. A única exigência que a Associação faz é que a pessoa vá na reunião, que participe pra não perder o desconto.” diz Beto.

Enquanto ele se integra na realidade do bairro desde sempre, Cássia veio de outras bandas para se inserir na dinâmica da comunidade. Morava no Alto da Lapa com o marido quando o casamento chegou ao fim, “eu era casada, tinha tudo, uma ótima vida. De repente o casamento acabou e eu fiquei sem eira nem beira. Aí aquelas coisas que você fica separando, aquelas migalhas, eu falei: ‘não quero nada’. Mas eu tinha que comprar um terreno e refazer a minha vida e eu conheci o movimento.” Já com outro tom do que ao referido ao fim de seu casamento, Cássia brilha os olhos e fala de sua nova paixão, “O movimento me rendeu. Eu me apaixonei. Fiquei encantada pela causa, porque a causa é muito bonita.Você ajudar uma pessoa a ter sua casa, isso é muito nobre. E hoje eu tenho dois filhos, não pago aluguel, porque se você paga o aluguel, ele te anula, te aniquila.”

E realmente, a causa de possibilitar que as pessoas tenham suas casas é nobre, pois na casa se encontra a estrutura de uma família, de uma vida, “depois que você tem sua casa, você quer outras coisas. Então a gente quer que essas pessoas vivam com dignidade. A gente quer que essas pessoas tenham condições de fazer uma faculdade. Não é uma USP, não é uma Cásper que é referência, mas é aquilo que muitos têm o sonho de ter, ter o filho estudando, sabe? Nós temos parcerias com escolas de inglês, com convênio médico, enfim… Não basta ter só sua casa, a casa é ponto de partida para você conseguir outras coisas. É a base, quem não tem casa… pô, não tem coisa melhor do que você chegar, abrir a porta da sua casa e falar ‘isso aqui é meu’”.

O dia em que Cássia se afastou do movimento foi o dia que seu filho nasceu, uma nova paixão. Mas não só pelo menino que ela se afastou, “minha mãe ficou doente. Minha mãe teve câncer, tive que cuidar dela. Mas assim como me encantei com o movimento, me encantei com a maternidade. E meu filho é uma graça…”, nessa hora, sua voz se estende e tranquiliza comprovando o que foi dito, “... depois de alguns anos peguei meu sobrinho para criar, fiquei com o Lucas e o Daniel.” De repente um ‘mas’ corta a divagação sobre os meninos, como se uma tesoura cortasse as lembranças deles e colocasse outra na frente para ser recordada… “e eu to aí… mas você sabe que quando eu to assim: perto do povo, do movimento sem terras (ATST), dos diretores… então é aquela magia, aquela coisa (sua fala sobe degraus de uma escada nostálgica e ganham intensidade)! Teve uma festa junina, há poucos dias, que deveria ter umas 10 mil pessoas! Eu nem consegui andar direito, todo mundo ‘oi, Cássia! Oi, Cássia’, e beija um, abraça outro e vai revivendo tudo aquilo, sabe?” os olhos falam mais alto do que as palavras da ex-diretora da Associação, como se pudessem ver numa tela tudo daquele tempo. Cássia só mudaria uma coisa, “eu uniria de novo as pessoas. Porque começou tudo lá mais de 20 anos atrás na Igreja. Hoje tem pessoas que construíram suas belas casas, fecharam suas portas e em muitos momentos nem lembram que a Associação existe. Então se a coisa é cada um fazer um pouquinho por um mundo melhor, existem pessoas que poderiam fazer um pouco melhor. Então se eu pudesse voltar no tempo e ter todo aquele povo reunido com a gente. Tem pessoas que vestiram a camisa e é só falar que vai ter reunião que isso aqui lota, mas são sempre os mesmos. Tem gente que nasceu aqui e nem sabe da nossa história, que é uma história bonita. Essa é a única coisa que eu faria. Fazer um forró aqui, não se reunir só em assembléia. Queria que cada morador fosse um agente duplicador desse trabalho, só que não é assim… Nem todo mundo tem perna e boa vontade”.

Já tínhamos acabado nossas perguntas quando ela disse: “mais alguma coisa? Porque eu tenho que fazer docinhos!” Não precisávamos de mais nada. Então deixamos que Cássia, uma mulher que lutou e pretende voltar a lutar por uma causa nobre, que diz respeito à estruturas e edificar vida, a conquista da casa própria, voltasse para os preparativos, pois aquele prometia ser um sábado agitado em Anhanguera.

Apresentação de Slides e vídeo da entrevista[editar | editar código-fonte]

Como tivemos problemas para postar o vídeo na plataforma do Wikiversidades, segue o link com o vídeo no YouTube: https://www.youtube.com/watch?v=ZoeN0NreOFU&feature=youtu.be

Também estamos passando por problemas para fazer o upload dos slides.