Temperaturas Paulistanas/Planejamento/Anhanguera/Turma D

Fonte: Wikiversidade

REGIÃO: Anhanguera

TURMA: D

INTEGRANTES: Pedro Gavioli, Caio Pecego, Caio Alfieri, Luiza Ferraz e Rodrigo Selingardi.

INFORMAÇÕES

Subprefeitura: Perus

Zona Oeste

Densidade: 1978 habitantes/km2

IDH: 0,774

População: 53 266 habitantes

O distrito de Anhanguera teve sua formação nas antigas plantações de cana-de-açúcar. A chegada da Rodovia Anhanguera e as indústrias fizeram com que aumentasse exponencialmente a população da região, sendo o bairro que mais aumentou sua densidade demográfica na cidade nos anos 90.

Bairros do distrito:

VULNERABILIDADE SOCIAL

De acordo com o mapa de vulnerabilidade social, o distrito de Anhanguera está localizado no grupo 7, de 8 grupos possíveis, sendo o grupo 1 o mais desenvolvido e o grupo 8 o de maior vulnerabilidade social. O grupo 7 descreve o distrito como:

Alta privação – condições de precariedade socioeconômicas altas e presença de famílias adultas (Grupo 7): este grupo é formado por 16,2% dos setores censitários, com 18,0% da população. É caracterizado por chefes adultos, com baixa renda (60,4% ganham até 3 salários mínimos) e baixa escolaridade (apenas 31,5% dos chefes têm ensino fundamental completo). Apresenta ainda grande concentração de crianças de 0 a 4 anos e forte presença de adolescentes (11,2% da população do grupo têm entre 15 e 19 anos), além de 30% dos responsáveis serem do sexo feminino (25,4% com até 8 anos de escolaridade). No Mapa 3, nota-se que esse grupo está tipicamente presente nas áreas periféricas.

LOCAIS DE PESQUISA

- Terminal Perus: Já que iremos buscar problemas relacionados ao transporte, a escolha desse local é quase obrigação. Como acreditamos que a construção do terminal influenciará de alguma maneira o jeito com que as pessoas se transportaram no bairro, gostaríamos de saber as expectativas dos moradores dos arredores com a obra.

- Sub-Prefeitura de Perus. Gostaríamos de ter a versão oficial dos problemas e projetos de transporte do distrito. Por isso escolhemos a sub-prefeitura, a qual o distrito pertence.

- Terminal de SPTRANS Jardim Britânia.

PROBLEMAS

O distrito de Anhanguera situa-se no extremo da zona oeste de São Paulo. Possuidor de um IDH de 0,774, não está entre as regiões mais ricas e desenvolvidas da cidade. Desse modo, como ocorre nas demais extremidades da metrópole, a população de Anhanguera integra a grande massa que se dirige ao centro de São Paulo diariamente para trabalhar.

Anhanguera é um bairro carente em conexão ao centro. O distrito não faz parte da malha metroviária da cidade. Existe, porém, a estação Perus da CPTM, pertencente à linha Rubi. Além disso, o terminal de ônibus Perus, ainda em construção, está operando atualmente com 16% da capacidade e não possui previsão para finalização. Ainda, o terminal da SPTRANS localiza-se no Jardim Britânia, um dos maiores bairros da Anhanguera.

Em um distrito de 33,3 km2, que abriga 53.266 habitantes, o grupo projeta um cenário de dificuldade de locomoção para a parte central da cidade. Desse modo, iremos apurar essa situação na região, de modo a levantar as maiores queixas apontadas pelos habitantes, bem como suas expectativas relacionadas ao transporte público na região de Anhanguera.

DIVISÃO DE TAREFAS

Criação do questionário - Pedro, Rodrigo

Visitação aos locais - Caio, Luiza, Caio

Compilação e organização - Todos do grupo

Pauta para grande reportagem - Todos do grupo

Entrevistas - Todos do grupo

Bibliografia:

http://planejasampa.prefeitura.sp.gov.br/metas/projeto/939/

https://pt.wikipedia.org/wiki/Anhanguera_(distrito_de_S%C3%A3o_Paul

http://www.spbairros.com.br/tag/bairros-anhanguera/

http://www.policeneto.com.br/wp-content/uploads/2012/08/CMSP_Cadernos_ANHANGUERA-2_AFweb.pdf

http://www.fespsp.org.br/sic2012/papers/2010/IISIC_Crescimento_Populacional.pdf

QUESTIONÁRIO

Sexo

OPÇÕES QUANTIDADE
Masculino 9
Feminino 12

Idade dos entrevistados

OPÇÕES QUANTIDADE
- 15 2
15 - 18 3
19 - 24 5
25 - 35 4
36 - 50 2
51 + 5

Residente de Anhanguera?

OPÇÕES QUANTIDADE
Sim 19
Não 2

Qual região?

Rosinha: 7

Morro Doce: 7

Chácara Maria Trindade: 2

Jardim Jaraguá: 1

Paineira: 1

Jardim Canaã: 1

Km 22: 1

Qual ocupação?

OPÇÕES QUANTIDADE
Estudo 8
Trabalho 9
Desempregado 2
Outros 2

Qual o peso do salário na renda familiar?

OPÇÕES QUANTIDADE
Provedor 7
Complementar 6

Qual tipo de transporte público utiliza?

OPÇÕES QUANTIDADE
Ônibus 19
Ônibus + Trem + Metrô 1
Ônibus + Trem 1

Qual o tempo gasto no transporte público por dia?

OPÇÕES QUANTIDADE
até 30 min 4
31 min a 1h 6
1h01 a 1h30 5
1h31 a 2h 2
2h01 a 2h30 0
2h31 a 3h 4
3h ou mais 1

Qual o tipo de locomoção até o transporte público utilizado?

OPÇÕES QUANTIDADE
A pé 21
Transporte individual
Carona
Outro

Qual o tempo gasto de casa até o transporte público utilizado?

OPÇÕES QUANTIDADE
até 10 min 18
11 min a 20 min 3
21 min a 30min 0
31 min a 40 min 0
41 min ou mais 0

Você considera a distância de casa até o transporte:

OPÇÕES QUANTIDADE
Curta 19
Média 1
Longa 1

Classifique o transporte público utilizado nos quesitos abaixo:

ÔNIBUS

OPÇÕES Péssimo Ruim Regular Bom Ótimo
Conforto 7 0 8 5 1
Agilidade 6 2 7 5 1
Acessibilidade 3 6 5 5 2

TREM

OPÇÕES Péssimo Ruim Regular Bom Ótimo
Conforto 1 0 1 0 1
Agilidade 0 0 0 2 1
Acessibilidade 1 0 0 1 1

METRÔ

OPÇÕES Péssimo Ruim Regular Bom Ótimo
Conforto 0 1 0 2 1
Agilidade 0 0 1 2 1
Acessibilidade 0 1 0 2 1

Como você classifica o preço dos transportes públicos utilizados?

OPÇÕES QUANTIDADE
Barato 3
Caro 14
Justo 4

Qual horário que normalmente utiliza o transporte público? *considerando a viagem de ida e a de volta

OPÇÕES QUANTIDADE
-6h 3
6h a 7h 10
7h01 a 8h 2
8h01 a 9h 0
9h01 a 10h 1
16h a 17h 9
17h01 a 18h 5
18h01 a 19h 3
19h01 a 20h 1
Outro 5

Costuma ter atrasos ou faltas no trabalho por causa do transporte público?

OPÇÕES QUANTIDADE
Sim, com frequência 1
Sim, raramente 5
Não 15

Se sim, qual o motivo mais frequente?

OPÇÕES QUANTIDADE
Atraso 2
Greve 0
Falha técnica 0
Trânsito 4

Como você avalia a atuação do poder público em Anhanguera com relação aos seguintes aspectos:

Péssimo Ruim Regular Bom Ótimo
Transporte 4 5 7 5 0
Saúde 10 5 4 1 0
Educação 8 5 6 1 0
Segurança 6 4 2 8 0

Caso você tivesse um espaço de fala no horário nobre da TV, qual seria a sua maior reclamação em relação aos serviços públicos de Anhanguera?

“Melhorias na educação e na saúde, faltam hospitais, por vezes tenho que ir até Pirituba para levar meu filho”

“Melhorar as pessoas do bairro, são todos muito invejosos por aqui. Sou feliz, minha única reclamação são as pessoas”

“Melhorias na saúde. Temos poucos hospitais e os que estão aqui tem péssima qualidade”

“Quero um transporte público melhor, com mais conforto. Mas o principal é a saúde, quero melhores hospitais ou pelo menos algum que tenha remédio, porque aqui no postinho sempre falta”

“Melhoria na saúde. Os hospitais aqui são péssimos e nem equipamentos direito eles têm”

“Mais hospitais e mais linhas de ônibus. As vezes perco um e tenho que esperar muito pelo outro”

“Queria mais investimentos em cultura. Os jovens não têm muito o que fazer aqui, então ficam pela rua. Isso de uma forma ou de outra acaba levando eles para as drogas”

“Pediria mais acessibilidade à serviços e comércios, principalmente bancos”

“De tudo”

“Pavimentação das ruas”

“Segurança”

“Bancos, coisas públicas em geral e hospitais”

“Educação, segurança e frequência hospitalar”

“Segurança”

ANÁLISE DE DADOS

Após aplicarmos o questionário em 21 entrevistados, conseguimos coletar algumas informações, mesmo que em pequena escala, sobre o desempenho dos serviços públicos e privados no distrito de Anhanguera.

Antes de realizarmos a pesquisa de campo, tínhamos em mente focar nosso trabalho em problemas relacionados ao transporte na região. Dessa maneira, direcionamos nosso questionário para questões ligadas à locomoção urbana dos moradores do distrito.

Ao analisarmos os dados, do total de entrevistados, conseguimos observar a predominância feminina, com cerca de 57% dos participantes. Ainda traçando um perfil das pessoas que responderam ao questionário, predominaram participantes de 19 a 35 anos, correspondendo a 43% do total. Dissecando mais a idade, nota-se que a faixa etária de 19 a 24 anos foi a que mais se fez presente, com 23,8% da amostragem. Dos entrevistados, cerca de 90% moram em Anhanguera e dessas 19 pessoas, 70% se dividem entre os bairros de Rosinha e de Morro Doce.

Como focamos nossa pesquisa na mobilidade, foi relevante abordar questões que abrangessem esse tema. Dessa forma, observamos que 90,4% dos entrevistados utilizam somente ônibus como transporte público e o restante se dividem entre ônibus + trem e ônibus + trem + metrô. Os entrevistados também foram questionados sobre o tempo gasto dentro dos meios de locomoção citados acima. Notamos que a maioria não passa mais de 1h30 dentro deles, 68% do total.

Tomando o ônibus como o transporte nevrálgico da região, vale a pena destacar algumas avaliações quanto aos quesitos de conforto, agilidade e acessibilidade. Constatamos que, em relação ao conforto, a maioria classifica como Regular ou Péssimo, com 38,1% e 33,3% das avaliações, respectivamente. Assim como quanto à agilidade, em que Regular e Péssimo predominam com 33,3% e 28,5%. Já quando perguntados sobre acessibilidade, os moradores não encontraram um consenso, ficando entre Ruim, Regular e Bom, praticamente empatados. Considerando os serviços oferecidos, a maior parte dos perguntados acredita que o preço estipulado é Caro, totalizando 66,7%.

Por não termos certeza acerca dos reais problemas do distrito antes da pesquisa de campo, disponibilizamos um questionário ao final das perguntas para que a população entrevistada pudesse nos auxiliar na descoberta dos verdadeiros déficits públicos da região. Assim, registramos que a grande reclamação dos populares foi sobre a área da saúde pública. Dos perguntados, 71,5% consideraram Péssimo ou Ruim a atuação do poder público no quesito.

PAUTA

Como verificamos que o principal problema, pelo menos para a nossa amostra da população de Anhanguera, foi a questão da saúde pública, resolvemos mudar o foco das entrevistas para o tema. Apesar de haver muitas reclamações quanto ao transporte, notamos que esse problema é o mais alarmante na região.

Muitos dos entrevistados reclamaram veementemente da falta de hospitais e postos de saúde. Além disso, a falta de remédios e equipamentos para realização de exames e procedimentos cirúrgicos também foram alvos de críticas.

Para a sequência do nosso trabalho, primeiramente visitaremos os hospitais e postos da região. Com isso, buscaremos mais informações sobre quais são os principais problemas e dificuldades enfrentadas por aqueles que utilizam e trabalham nesses locais. Para tal objetivo, iremos entrevistar usuários, familiares, funcionários e autoridades públicas da região.

Nessa próxima visita, buscaremos investigar se a atual situação dos hospitais de Anhanguera é realmente um reflexo da falta de investimento do poder público na infraestrutura da área e se existem outros fatores que contribuem para isso. Portanto, é com essa finalidade que procuraremos entrevistar as autoridades públicas.

Como também houveram reclamações quanto à falta de remédios, nós buscaremos conversar com pessoas que já sofreram direta e indiretamente com isso. Tentaremos também descobrir quais são os motivos para a carência de tais produtos e o que poderia ser feito pela prefeitura para suprir essa necessidade.

Além do material escrito, também iremos coletar sonoras e imagens da região e das entrevistas, procurando dar mais proximidade do leitor à reportagem e mais transparência aos fatos. 

ÁUDIOS BRUTOS

https://drive.google.com/drive/folders/0ByWIqThMlGV0WlRJQVprMkdGNjA

MATÉRIA

Relatos de Anhanguera

Sons de automóveis quase o tempo todo como som ambiente. Carros, caminhões e motos revezam-se no barulho constante que faz parte da convivência das pessoas. Esperar o ruído do caminhão passar para dar prosseguimento à conversa é um hábito necessário para a compreensão dos diálogos sem que haja ruídos. A rodovia que leva ao interior de São Paulo e de Minas Gerais margeia o distrito e lhe dá forma. Quem passa sobre ela enxerga apenas mais um daqueles bairros que ficam à beira das estradas, crescendo precariamente. Só vê a fachada. Não vê nada.

Para conseguir adentrar e conhecer melhor o local, é preciso ter a certeza de que este é seu destino, pois a única forma de chegar ao bairro é após uma sequência de retornos feitos a partir da rodovia Anhanguera. A primeira impressão é de estar em outra cidade, bem menor do que a capital econômica do país, da qual o distrito faz parte. Uma praça, alguns bancos sob as sombras das árvores, casas com muros baixos e pessoas conversando no portão. Realmente, a sensação é de ter chegado a um daqueles pequenos municípios no interior de São Paulo - cujo centro compreende uma praça, uma igrejinha e uma sorveteria.

Em uma das visitas ao bairro nos deparamos com duas senhoras sentadas em um banco, no centro da praça localizada na rua de trás do terminal urbano de ônibus Jardim Britânia e também do AMA de mesmo nome. Elas tomavam seu banho de sol enquanto o casal de netos de uma delas brincava com uma bola. Resolvemos, então, conversar com essas duas senhoras que nos pareceram receptivas à distância. As idosas, que antes pareciam receptivas, fecham o semblante ao perceber que nos aproximamos, mas logo deixamos claro o nosso objetivo e elas voltam a sorrir.

Maria José, de 73 anos e moradora do bairro há 20, acompanhava a comadre no passeio que esta dava com os netos. Logo vejo que ela está mais disposta a falar e introduzo um assunto. Faço uma pergunta genérica acerca do bairro, que ela discorre perfeitamente levando os rumos da prosa. A disposta idosa, que não aparenta a idade que tem por sua jovialidade, fala então dos principais problemas de onde vive. Fala sobre a dificuldade de encontrar remédios no posto de saúde e também da falta de médicos no local, onde a demora para se fazer um exame já chegou há 10 meses com sua comadre, Ana Alves. Maria José diz que há problema em tudo e que “Não vai pra frente se ficar aqui, nem um mercadinho decente tem”. Às vezes ela tem que pedir ajuda aos vizinhos para ir ao médico, pois o transporte público demora muito no terminal. Quando questionada acerca do lazer das crianças, também houveram reclamações. “Os parques estão todos em péssimo estado, porque os vândalos quebram tudo.”

Reclamando sobre o sistema de saúde, Maria José também fala sobre um infarto sofrido por seu pai em Maceió, capital de Alagoas. Ela falou que o seu progenitor morreu e nasceu duas vezes e elogia "Gostei de lá, viu? Se fosse aqui, ele não teria resistido.” Ela também conta um pouco de sua história. Veio para São Paulo com os avós, que logo morreram, então, aos 10 anos de idade, seu pai a deixou com o tio. Ela teve vontade de retornar, mas não tinha autonomia para tomar as decisões. Esse assunto parece incomodá-la, então rapidamente retornou ao tema do início da conversa.

Dona Maria José lembra que morou um tempo no estado do Paraná e na cidade de Barueri, dizendo que preferia esta última, mas por ter casa própria em Anhanguera, acabou tendo de se contentar e ficar no distrito. “Moro aqui desde o tempo da prefeita Erundina. No início, era apenas mato, você podia até ver uns veadinhos correndo de lá pra cá. Então compramos um terreno e construímos nossa casinha.” Ela conta que teve seu filho mais velho com 15 anos e “praticamente cresceu com ele”.

A idosa se diz desacreditada na política, pois estes só prometem para ganhar votos e, depois de eleitos, esquecem da periferia. Além disso, ainda faz um adendo para nos preocuparmos com Deus, pois somente ele trará a salvação.

Entrevista com moradoras

Após falar somente sobre problemas, tentamos extrair da Dona Maria José algum ponto positivo, como quais são seus hobbies, mas novamente, ela leva a conversa para o lado negativo. “Eu gosto muito de cozinhar, fazer tricô, ver TV pra ficar sabendo das notícias, porque o mundo aí fora tá terrível, só desgraça.[...] Criar meus filhos também me dá bastante orgulho e ajudar na criação dos meus netos. Hoje em dia são todos criados na base da televisão, causando um desrespeito danado.”

Maria José dá por encerrada a entrevista, mas segue fazendo um desabafo que mostra o motivo dela sempre escolher os adjetivos pessimistas e enxergar o lado negativo das coisas. “A gente sofreu muito na vida, né. Se pudesse escolher morrer jovem, eu ia preferir, pra não ficar velha assim. Desde que eu era mais nova, tinha medo de ficar idosa. Quando a gente vai ficando mais velha, vai dando mais trabalho pra família, né. A velhice é chata.”, concluiu, fazendo cair o semblante enquanto falava, mas logo se recompondo.

Como visitamos o bairro com cinco integrantes, foi possível fazer duas entrevistas simultâneas com as comadres, assim, nenhuma influenciaria na resposta da outra, para que extraíssemos o máximo que podíamos de cada uma das moradoras do distrito de Anhanguera, sem o ponto de vista ser contaminado pela amiga.

Ana Alves, a senhora que estava responsável pelos netos e que os tinha levado para passear na praça enquanto proseava com a amiga, falou conosco e tratou principalmente do problema da saúde, que é o que mais a incomoda no bairro. Em meio a algumas broncas ao pequeno casal de irmãos que levara para passear e não paravam de chutar a bola para longe, convocando um de nossos integrantes para correr atrás do brinquedo e jogar com eles - dona Ana também falou bastante de seus netos.

“A mãe deles teve de perder um ano de trabalho para ficar em casa cuidando da pequena Nonô, porque fomos em todos os lugares e não achamos lugar para ela estudar”, constatou a senhora, que fica também responsável pelo lazer dos netos durante a passagem do dia.

Chegamos a falar com Nonô e Pedro, os netos de dona Ana, e a menina falou que gostaria de ir para a escola, mas tem que esperar eles ligarem dando a notícia de que abrira uma vaga para ela conseguir estudar e “fazer desenhos da Dora Aventureira.”  

A senhora conta que fez um cateterismo e que deveria ser acompanhada de perto pelo médico, mas no bairro não há profissionais que saibam tratar da doença. "Eu cheguei a esperar 10 meses por esse atendimento. Tenho arritmia cardíaca e a cada seis meses tenho que fazer um exame. Tentei passar por Anhanguera, fui encaminhada para Perus e também não tinha. No centro (de São Paulo) é mais fácil, tem bastante médico. Aqui não tem nem pronto-socorro”.

Ana conta que a espera na fila do AMA tem até briga, crianças, idosos e todo tipo de doente. Para piorar, não há um médico para atender essas pessoas.

Um ponto em comum no discurso das duas senhoras foi o aspecto da religião. Dona Ana Alves disse que a única salvação é a leitura da Bíblia, que os governantes são todos “os mesmos cães, só retiraram as coleiras”. A religiosidade parece confortar ambas, que acreditam na salvação divina - acabando por cair em um conformismo.

Deixamos a conversa com as duas senhoras nos elogiando, tanto pela nossa beleza física, quanto os nossos “ bons modos”. Elas parecem mais felizes e leves. Não devem ter ninguém que lhes dê tanto ouvido para que se abram, realmente se importando com as suas palavras. Por fim, pedimos para tirar uma foto das entrevistadas para ilustrar esta reportagem, pedido que foi negado devido a um medo de que suas críticas cheguem aos ouvidos de governantes, e que estes tentem algum mal contra elas. Explicamos que tal fato não ocorrerá, mas sem negócio. Tudo bem, ainda tínhamos outra parada no distrito.

O caminho é bem sinuoso, passa-se por ruas estreitas de um único automóvel. Em uma dessas vielas, impedimos a passagem de um pequeno veículo urbano de carga (VUC). Em alerta por conta do local ser periférico e sem a segurança devida, recuamos com o carro e já esperávamos por algum xingamento ou algo ofensivo. O motorista do pequeno caminhão, então, passa por nós e nos abre um sorriso acolhedor, como se nosso pequeno gesto fizesse o dia dele melhor - que diferença do centro de São Paulo, não é mesmo? Em um distrito com bairros de nomes tão singelos como Morro Doce e Parque Esperança, deveríamos esperar mais bondade das pessoas. O próximo fator que nos ajudou a fomentar a ideia de que os moradores locais cultivavam o amor ao próximo, foi a quantidade de cães que haviam tanto dentro, quanto fora das simples casas. Alguém que vive com o mínimo para si e ainda compartilha o pouco que tem com um indefeso animal, muito provavelmente não desfere insultos a outra pessoa pelo fato de um erro no trânsito.  

Quadra do CEU Anhanguera

Após um caminho repleto de ruas curvilíneas e trocas de direção constantes, chegamos ao nosso destino. Bem à margem da rodovia principal, com o som dos veículos mais alto pela proximidade da estrada, chegamos ao Centro Educacional Unificado de Anhanguera. Agora, perdeu-se o aspecto de cidade pacata interiorana e tornou-se uma paisagem que remete a uma favela como as outras do país - com a diferença de ter uma construção nova, que destoa das de seu redor.

A placa na rodovia indica as coordenadas exatas do local, “23 graus e 27 minutos. Rodovia Anhanguera. Aqui passa o Trópico de Capricórnio”. Entramos no CEU, que já possui um segurança posicionado em sua porta. Subimos duas rampas até chegar no saguão principal, que contém uma quadra constituída por tacos de madeira de dar inveja a qualquer apaixonado por esportes indoor e, no momento em que visitávamos, contava com uma aula de alongamento para adultos. Tiramos algumas fotos e então um segurança vem até nós e diz que devemos possuir uma autorização para fotografar. Apenas guardamos a câmera, mas continuamos nossa exploração. Há um espaço para apresentações artísticas ainda no saguão e algumas escadas que levam a salas que naquele momento não pudemos visitar. Ao sair deste saguão, vamos para um imenso pátio em que, à esquerda, há uma grande piscina inutilizada no dia por conta do mal tempo. À frente há a Secretaria do lugar, em que são resolvidas as questões burocráticas acerca das instalações e onde fomos pelejar a utilização da câmera, sem sucesso. À direita há um grande parquinho com brinquedos para crianças de todas as idades.

Eram 17:00, horário de saída dos pequenos que estudam na creche EMEI, localizada dentro do CEU. Muitos pais e mães se revezavam no portão para receber seus filhos ao final de um dia escolar.

Conseguimos nos juntar a alguns responsáveis que buscavam suas crianças, e realizar algumas perguntas sobre o que achavam do serviço oferecido. As respostas foram sempre positivas e otimistas quanto à função que a instalação oferece ao bairro. Para muitos, é a única opção de lazer e um meio de tirar os filhos da rua nos momentos em que ficariam ociosos. Mas, quando buscávamos outra pessoa para relatar suas experiências para nós, novamente um segurança se aproximou e nos disse que só poderíamos abordá-las do lado de fora do portão. Acatamos a advertência no momento, até sair da vista dos seguranças e tentamos novas abordagens, mas novamente vieram nos pedir que não fizéssemos entrevista na parte de dentro. Desta vez, realmente obedecemos.

Placa indicando o Trópico de Capricórnio

Já estávamos guardando os equipamentos em um local que servia de estacionamento, quando nos deparamos com uma mulher retirando um avental e quase entrando em seu carro para ir embora. Pedimos uns minutos para uma pequena entrevista e ela disse que estava com pressa. Insistimos, e ela cedeu. Ladjane é professora de artes no lugar, e nos ministrou algumas palavras, mesmo que com erros no português, de enorme valor.

A mulher de 55 anos dá oficinas de artesanato e artes para as crianças do CEU Anhanguera. Ela conta com empolgação, quase suplicando nossa atenção, sobre o trabalho que realiza com aqueles a quem chama de “filhos e netos.” Ladjane às vezes é interrompida pelo barulho dos ônibus que passam a pouquíssimos metros.

Ela fala muito de amor. Não do amor entre dois adultos visando casamento, mas do amor entre professora e alunos, mães e filhos, conhecedora e aprendiz. A mulher conta com entusiasmo e felicidade no olhar, o tratamento que recebe das crianças e da gratidão que sente ao ouvir alguns pedidos dos alunos para que não vá embora.

A professora é a representação mais fiel do distrito. Uma combinação de simplicidade e amor que gera a mais bela configuração de futuro que as crianças de Anhanguera poderiam sonhar.