Saltar para o conteúdo

Trabalho de Memória Plano Collor

Fonte: Wikiversidade

AS CONSEQUÊNCIAS E O IMPACTO DO PLANO COLLOR NA VIDA DO CASAL ELISABETH E CLÁUDIO

ANA P. DE MIRANDA; ANTONY G. Z. SILVA; GUSTAVO R. ALVES; MARINA GALVE; RENATA C. SOARES

Universidade Estadual Paulista, Faculdade de Filosofia e Ciências –Marília/SP - Ciências Sociais/Noturno – novembro de 2024

INTRODUÇÃO

O Plano Collor foi um marco na história recente do Brasil, deixando profundas consequências econômicas e sociais. Implementado pelo governo de Fernando Collor de Mello para combater a hiperinflação, o plano, conduzido pela ministra Zélia Cardoso de Mello, prometia modernizar a economia e estabilizar o país. No entanto, tornou-se uma das medidas mais controversas já adotadas, afetando diretamente famílias, empresas e a sociedade como um todo. Este trabalho revisita as memórias desse período marcante, destacando histórias como a de Elisabeth e Cláudio, que ilustram os impactos individuais e coletivos do confisco das poupanças. Além disso, reflete sobre como esse evento traumático contribuiu para a formação da memória coletiva brasileira, evidenciando as marcas deixadas na relação da população com o Estado e o sistema financeiro.

CONTEXTO HISTÓRICO

Em 15 de março de 1990, Fernando Collor de Mello assumiu a presidência do Brasil após vencer a eleição presidencial de 1989, que ficou marcada pela polarização política, especialmente entre ele e Luiz Inácio Lula da Silva. Collor conquistou a presidência após uma disputa acirrada e, com isso, trouxe consigo promessas de renovação política e soluções econômicas para o Brasil.

Collor propunha uma plataforma de modernização e reformas, prometendo enfrentar os problemas econômicos e acabar com a hiperinflação que assolava o país no final dos anos 1980 e início dos anos 1990. A inflação no Brasil chegou a níveis alarmantes, ultrapassando 80% ao mês, o que gerava um descontrole generalizado sobre os preços e uma perda constante do poder de compra da população.  Nessa ocasião, os supermercados remarcavam os valores dos produtos diariamente, e gerava a compra exagerada dos alimentos, para serem estocados a fim de se conseguir alguma economia por parte das famílias, ou por temeridade de haver escassez dos produtos. Esse contexto de hiperinflação afetava todos os setores da economia e dificultava a administração pública, além de provocar instabilidade social

Diante disso, a criação do Plano Collor no dia 16 de março de 1990, segundo dia após a posse do presidente Fernando Collor de Mello, foi uma resposta urgente à situação inflacionária, que havia resistido a vários planos econômicos anteriores, como o Plano Cruzado (1986), Plano Bresser (1987) e o Plano Verão (1989), que também falharam em conter a inflação de maneira efetiva.

O Plano Collor, apesar de ter sido polêmico por suas medidas drásticas que abalaram grande parte da sociedade, teve apoio de alguns setores como é observado por Andrada no artigo “Quem, afinal, apoiou o Plano Collor?”, no qual o autor explora esses apoios nos âmbitos políticos e sociais. Segundo Andrada, os principais apoiadores do Plano Collor incluíram:

·                Setores empresariais: Muitos empresários acreditavam que as reformas econômicas eram necessárias para conter a inflação e modernizar a economia. Esperava-se que as privatizações e a abertura ao capital estrangeiro criassem um ambiente mais competitivo e eficiente.

·                Setores da mídia: A mídia, de forma geral, apoiou o plano, em parte devido ao discurso do governo sobre a importância de reformas para estabilizar a economia e reduzir a intervenção estatal. A cobertura jornalística inicialmente enfatizou a necessidade de mudanças profundas.

·                Alguns grupos da classe média: Parte da classe média via com otimismo as promessas de combate à inflação e de uma economia mais liberal. No entanto, esse apoio foi enfraquecendo com o passar do tempo, especialmente após o confisco das poupanças.

·                Partidos políticos aliados e o Congresso: Houve apoio de alguns partidos políticos e de membros do Congresso, especialmente no início do governo Collor, quando havia esperança de que o plano traria estabilidade econômica.

No entanto, o apoio ao Plano Collor se diluiu rapidamente devido aos impactos negativos das medidas, das quais as principais foram:

·                Confisco da Poupança e de Aplicações Financeiras: A medida mais drástica foi o bloqueio de grande parte do dinheiro que a população tinha em contas poupança, contas correntes e outros investimentos. Quem tinha valores acima de 50 mil cruzados novos (equivalente a aproximadamente R$ 6 mil hoje) viu o governo reter esse montante, que só seria liberado em parcelas ao longo de 18 meses. Isso afetou milhões de brasileiros, que ficaram sem acesso ao próprio dinheiro e viram suas reservas financeiras serem congeladas.

·                Troca da Moeda: A moeda nacional foi trocada do Cruzado Novo para o Cruzeiro, em uma tentativa de romper com a desvalorização que acompanhava as moedas anteriores. Essa troca também envolvia uma série de novas políticas de emissão e controle da moeda.

·                Redução do Setor Público e Abertura Econômica: O governo implementou um programa de privatizações e enxugamento do setor público, incluindo a redução de gastos públicos e a abertura do mercado brasileiro para produtos estrangeiros. O objetivo era modernizar a economia e aumentar a competitividade, mas isso teve impactos diversos nos setores industriais e comerciais brasileiros.

·                Controle Rígido de Preços e Salários: O governo tentou congelar preços e salários, em uma tentativa de frear a inflação. No entanto, o congelamento durou pouco, pois os preços começaram a subir novamente, e a inflação logo voltou a subir.

MEMÓRIAS COLETIVAS E O IMPACTO DO PLANO COLLOR

As consequências do Plano Collor se estenderam por décadas, e muitas dessas memórias permanecem vivas na sociedade brasileira. Milhões de brasileiros perderam suas economias e enfrentaram enormes dificuldades para manter seus lares e negócios. No entanto, é importante refletir sobre como essas memórias foram construídas coletivamente. O impacto do plano, especialmente o confisco das poupanças, gerou um trauma econômico e psicológico que perdurou por muitos anos. Para muitos, esse período ainda é lembrado com dor e frustração, especialmente quando se percebe que, até hoje, herdeiros de pessoas que sofreram com o confisco ainda buscam o ressarcimento dos valores bloqueados.

A figura de Zélia Cardoso de Mello, à época ministra da Economia, também foi marcada pela polarização social. Em um contexto em que o plano afetou diretamente a população, Zélia foi vista por muitos como a "vilã" da história. Isso é algo que talvez tenha sido exacerbado pelo fato de ela ser mulher em um governo liderado por um homem. É possível que, se o ministro da Economia fosse um homem, a percepção pública sobre as medidas tivesse sido diferente. A ministra tornou-se alvo de críticas intensas, e a sociedade, em sua maioria, não conseguiu dissociar o impacto das medidas do governo da imagem de Zélia.

CONSEQUÊNCIAS E REAÇÕES

As consequências do Plano Collor foram severas, e muitas famílias perderam suas economias da vida toda, e pequenos empresários, que dependiam de seu capital para manter os negócios, enfrentaram grandes dificuldades. A confiança na economia foi abalada, e a recessão aumentou. Para além disso, o plano gerou uma forte reação popular e política contra o governo. A falta de recursos e as consequências do confisco geraram protestos e insatisfação entre a população. A crise de confiança no governo culminou na abertura de um processo de impeachment contra Collor em 1992, após denúncias de corrupção.

Tais consequências vivem na memória de muitos brasileiros que vivenciaram situações constrangedoras em suas vidas, que causaram abalos emocionais, psicológicos e sociais,, os quais residem em suas memórias e são impossíveis de serem esquecidas ou apagadas, como é o exemplo da história relatada por Nathiely, que nasceu em pleno auge do Plano Collor, filha do casal Elisabeth e Claúdio, que enfrentaram esse período histórico do Brasil. Para além disso, algumas matérias jornalísticas da mídia corporativa relatam que houveram inúmeros casos de infartos, falências e suicídios em decorrências da implementação do controverso Plano Econômico do Governo Collor, o famoso “Plano Collor”.

MEMÓRIAS DE ELISABETH E CLÁUDIO - A SAGA DE UM CASAL DURANTE O PLANO COLLOR

Elisabeth e Cláudio, um jovem casal da cidade de São José dos Campos/SP, que protagonizou uma das muitas histórias de luta e resistência durante o Plano Collor e, que, em busca de uma vida nova, viu seus planos interrompidos por essa medida econômica criada pelo Governo, enfrentando enormes dificuldades para construir seu lar e sustentar sua família.

Em 1990, cheios de sonhos e planos, Elisabeth e Cláudio decidiram se casar e recomeçar suas vidas em Vitória, Espírito Santo. Para isso, eles venderam um imóvel em São José dos Campos e, confiando na estabilidade financeira, colocaram todo o dinheiro da venda na poupança, que era um dos locais mais populares e seguros para se guardar dinheiro na época. Esse montante seria essencial para o novo começo: mobiliário, uma nova casa e a segurança para constituir uma família. No entanto, pouco depois da mudança, o casal foi surpreendido pela notícia do Plano Collor, que confiscou todas as economias aplicadas em poupança, deixando-os sem acesso ao dinheiro.

O confisco das economias foi um golpe duro para Elisabeth e Cláudio, que se viram em uma situação de extrema precariedade. Com o dinheiro da poupança congelado, o casal passou por dificuldades financeiras intensas. Cláudio, que havia conseguido um emprego como cobrador de ônibus, era o único provedor da casa, e seu salário mal cobria as despesas básicas. Eles foram obrigados a viver de forma muito modesta: possuíam apenas um colchão e um fogão de duas bocas para cozinhar, guardavam suas roupas em caixas de papelão e dependiam da geladeira de um vizinho para armazenar alimentos perecíveis. A expectativa de construir um lar confortável deu lugar a um cotidiano de improviso e necessidade.

Para agravar a situação, Elisabeth engravidou pouco tempo depois de se estabelecer em Vitória. Trabalhando em período de experiência, ela foi demitida assim que a gravidez foi descoberta. Sem o emprego, e com apenas o salário de Cláudio para sustentar a casa, o casal viu-se ainda mais pressionado financeiramente. Mesmo diante dessas dificuldades, eles encontraram forças para continuar adaptando-se à vida com o mínimo possível. Foi neste contexto de provação que nasceu a primeira filha, Nathiely, trazendo ao casal uma nova esperança, ainda que em meio a uma realidade dura e restritiva.

Em meados de 1991, Elisabeth, engravidou novamente, e a notícia de um novo filho aumentou a urgência mudanças na vida econômica e social. Com as dificuldades de sustento enfrentadas em Vitória e o congelamento dos recursos na poupança ainda afetando suas vidas, o casal decidiu buscar melhores oportunidades em Ribeirão Preto, São Paulo. Nesta nova etapa, foi possível começar a resgatar parte do dinheiro retido pelo governo, o que lhes trouxe um certo alívio e esperança.

Dessa feita, o casal Elisabeth e Cláudio se mudaram no início de 1992 para Ribeirão Preto, e puderam finalmente começar a reconstruir suas vidas com um pouco mais de estabilidade, com o desejo de oferecer melhores condições aos seus filhos e de, enfim, abandonar as dificuldades e as marcas deixadas pelo confisco do Plano Collor.

CONCLUSÃO:

O trabalho de memória é fundamental para qualquer sociedade, pois ele ajuda a preservar, entender e refletir sobre os acontecimentos do passado, seus significados e impactos para o presente e o futuro. No caso do Brasil, um trabalho de memória tem uma importância ainda mais significativa devido à complexidade da história do país, marcada por períodos de autoritarismo, desigualdade social, conflitos, transformações econômicas e culturais, além de avanços em direitos civis e políticas públicas.

O Brasil, como outros países, tem traumas históricos que ainda afetam a sociedade, e o caso do Plano Collor é de grande importância para os cidadãos brasileiros, pois ele contribui para a compreensão de um período crucial da história econômica e política do país, além de ajudar a evitar a repetição de erros do passado e promover uma reflexão crítica sobre as consequências das políticas públicas.

Ao estudar e preservar a memória desse período, os cidadãos podem entender melhor os desafios econômicos enfrentados pelo país e como a política econômica do governo tentou enfrentá-los. A grave hiperinflação que assolava a economia brasileira no final da década de 1980 foi um problema central, e o plano foi uma tentativa de interromper esse ciclo. Embora tenha alcançado, em parte, seus objetivos de controle da inflação e estabilização monetária, os custos sociais e econômicos foram elevados. A medida mais radical, o confisco das poupanças, gerou um trauma coletivo que afetou a relação da população com o sistema financeiro e com as políticas econômicas do governo.

O estudo do Plano Collor e suas consequências também serve como base para uma análise mais crítica sobre os rumos da política econômica do Brasil, não apenas no passado, mas também no presente. A sociedade brasileira, ao compreender as falhas e os sucessos do plano, pode influenciar melhor o debate público sobre políticas econômicas atuais, como a luta contra a inflação, a gestão fiscal, a austeridade e os desafios de desenvolvimento. Isso também ajuda a formar cidadãos mais informados e engajados no debate político e econômico.

Inclusive o jornal Estadão, traz em seu conteúdo sobre finanças e investidores, uma matéria do ano de 2023, sobre cidadãos brasileiros, herdeiros ou os próprios beneficiários que tiveram seu dinheiro confiscado pelo governo Collor, ainda possuem valores retidos nos cofres públicos até os dias atuais, e que o ressarcimento desses valores poderá ser pedido até junho de 2.025. De acordo com o jornal,

Como muitos processos judiciais para reaver o dinheiro tramitam há mais de 30 anos nos tribunais de todo País, inúmeros autores faleceram no decorrer do período. No entanto, os direitos (e o montante a receber) passam para os herdeiros e inventariantes, que podem ser desde cônjuge, filhos, pais e parentes colaterais de até 4º grau. (E INVESTIDOR, 2023)

Esse processo de reconhecimento e reflexão coletiva ajuda a fortalecer a coesão social e a promover um senso de pertencimento a uma história comum, o que é essencial para a consolidação da democracia e do desenvolvimento do país, principalmente pelo motivo de Fernando Collor de Mello ter sido um presidente marcante na  história da República do Brasil, pois além de seu controverso plano econômico, ele foi o primeiro presidente brasileiro a  sofrer um processo de  ser impeachment e ter sido cassado   em 1992, após uma série de acusações de corrupção envolvendo ele e membros de sua administração. Embora o impeachment seja um exercício legítimo das instituições democráticas, ele também expõe algumas fragilidades do sistema político, especialmente no que diz respeito à sua capacidade de lidar com crises políticas sem recorrer a medidas extremas que colocam em risco a democracia ao destituir um presidente eleito pelo voto popular.

Em resumo, o governo Collor, e particularmente seu Plano Econômico, representou um ponto importante na História do Brasil, e ficou marcado na memória de algumas pessoas. A história oral de Elisabeth e Cláudio ilustra a dura realidade enfrentada por muitos brasileiros no início da década de 1990, quando o plano afetou profundamente a vida de famílias ao confiscar suas economias de anos. No entanto, a história do casal também é um relato de resiliência e coragem, pois, apesar das dificuldades e privações, eles superaram os desafios e conseguiram reconstruir suas vidas em outra cidade. Essa história é um retrato da luta de muitos brasileiros que enfrentaram dificuldades econômicas em um período de crise, e que, com determinação, buscaram dias melhores para si e suas famílias. Contudo, nem todos conseguiram superar os obstáculos impostos pelo plano.

Diante disso, reitera-se a importância de conhecer e preservar as memórias da História do Brasil para evitar que novos Planos Collor aconteçam no presente e no futuro, causando as mesmas consequências e impactos do passado.

REFERÊNCIAS:

ANDRADA, A. F. S. Quem, afinal, apoiou o Plano Collor? Revista de Economia Política, v. 40, n. 2, p. 123-145, 2020. Disponível em: https://www.scielo.br/j/rep/a/BLZNY6wFPdWsqjmbHC7KTmn/#. Acesso em: 10 nov. 2024.

BBC News Brasil. Entre infartos, falências e suicídios: os 30 anos do confisco da poupança. UOL Economia, 17 mar. 2020. Disponível em: https://economia.uol.com.br/noticias/bbc/2020/03/17/entre-infartos-falencias-e-suicidios-os-30-anos-do-confisco-da-poupanca.htm. Acesso em: 10 nov. 2024.

Brasil Escola. Plano Collor. Brasil Escola. Disponível em: https://brasilescola.uol.com.br/historiab/plano-collor.htm. Acesso em: 10 nov. 2024.

CARVALHO, C. E. As origens e a gênese do Plano Collor. Nova Economia, v. 30, n. 2, p. 123-145, 2020. Disponível em: https://www.scielo.br/j/neco/a/ssvBSZh5JWNWtxbNFpWHKHR/. Acesso em: 10 nov. 2024.

E INVESTIDOR. Dinheiro confiscado na poupança pelo Plano Collor: entenda como recuperar. Estadão, 2024. Disponível em: https://einvestidor.estadao.com.br/educacao-financeira/dinheiro-confiscado-poupanca-plano-collor-como-recuperar/. Acesso em: 10 nov. 2024.

G1. Entre infartos, falências e suicídios: os 30 anos do confisco da poupança. G1 Economia, 17 mar. 2020. Disponível em: https://g1.globo.com/economia/noticia/2020/03/17/entre-infartos-falencias-e-suicidios-os-30-anos-do-confisco-da-poupanca.ghtml. Acesso em: 10 nov. 2024.

SUPERINTERESSANTE. Como era a vida no Brasil da hiperinflação. Superinteressante, 27 maio 2018. Disponível em: https://super.abril.com.br/mundo-estranho/como-era-a-vida-no-brasil-da-hiperinflacao. Acesso em: 10 nov. 2024.