Tratado Tretado no Trato - Fernanda Bomfim da Silva
Você terráqueo que está de passagem por este globo que denominaram como planeta Terra. Você que não estava aqui, até que estivesse. Você surgiu! Veio a ser, e agora está a passear no espaço tempo, carregando consigo artefatos colecionados, e a isso, chamaremos de memória.
Não é possível falar sobre memória sem citar o movimento, o fluxo constante. O mundo físico, a materialidade que assusta e encanta os mais adeptos das ciências humanas e outras áreas do conhecimento. Esta massa biológica extremamente complexa que está em constante interação. Entrechoques de corpos que conectam-se por meio da energia aplicada que gera uma determinada força que movimenta e resulta na trans-forma-a-ação.
Caro, ser que sabe que sabe. Isto mesmo, notem que disse "ser" e não homem. É necessário que se dê devida importância a compreensão deste corpo que move a mente e essa mente que movimenta o corpo. Pois a bem da arte e da ciência, devemos compreender os artefatos que colecionamos deste nosso experienciar.
E como já disse a bruxa do desenho pica-pau, em algum episódio aleatório de fácil localização em plataformas digitais, devido ao grande alcance desse conteúdo mais popularmente conhecido como "meme", digo:
- E lá vamos nós...
Quando você nasceu, você recebeu um nome. Foi então registrado em sua certidão de nascimento uma data, sua naturalidade, seu município, um sexo, sua cor, sua filiação etc.
Existe, então, um documento que registrou esse ser que pensa antes mesmo deste ter a consciência de seu pequenino corpo em um mundo. Pois bem, existiu pessoas antes de nós e antes dessas pessoas, muitas outras. Quem veio antes, definiu como está agora, quem está agora, define como será, e quem ainda virá, será afetado pelas nossas ações e afetará as ações de outros que também ainda estão por vir depois destes. Uma sucessão de acontecimentos que (trans)forma a forma formadora de formas.
O que o Registro Civil das Pessoas Naturais, tem a nos dizer? TANTA COISA!
Quando se inicia o curso de Ciências Sociais, ao menos eu sinto isso, queremos atingir a "Verdade Absoluta", para solucionarmos logo os problemas do mundo, já que ele nos trouxe tantos problemas. Buscamos universalizar e generalizar as experiências, transpondo nosso juízo de valor sobre o que observamos teórica e empiricamente. No entanto, nos esquecemos, que estamos alforriados a nossa certidão de nascimento, e não somente. Sobre o céu, há uma sistematização de nossos atos e de nossas histórias, a então famosa, burocracia. Como descreve nosso amigo Webber, visto nas aulas de Metodologia, as ações racionais são o meio que se baseia nos valores, para se atingir um fim. Portanto, em uma teoria social onde reina o modo de produção capitalista que tanto preocupava Marx - a universalização deste sistema de produção social - os valores serão gerenciados em torno da moeda. Nos esquecemos, então, que estamos pensando a partir de uma localização específica e deveras contextual: a nossa experiência.
Paremos para refletir, sobre o colonialismo. Antes quando este lugar chamava-se Pindorama, pelos povos nativos, o modo de vida que aqui existia, não era baseado no modo de produção capitalista. Não havia Estado, nem a política que conhecemos hoje, muito menos o empilhamento de metais preciosos que garantiam alguma especulação no mercado financeiro. Não havia alto nível de desmatamento, nem ofensas jogadas virtualmente no antigo Twitter.
Como meu vô já dizia:
- Quando eu cheguei aqui era tudo mato!
O nosso lugar no mundo, não é universal, nem o mais normal ou natural. Nos familiarizamos com o que experienciamos, sendo educados para identificar o que é bom, belo e justo. Mas essa educação é ampla, mas tem seu padrão. A instituição, a estrutura, a ordem o progresso: O Ideal.
Segue um texto realizado pelo ser que escreve este texto:
"Não dou a mínima pra você, ao mesmo tempo que dou...
O medíocre foi institucionalizado, normalizado, padronizado, aceitado, concretizado,
naturalizado!
Está bom, ou você quer a inserção de mais alguma flexão lingu ́kstíca?
Olho pro lado:
- Que que cê tá falano? Quem cê pensa que é?
Quem eu penso que sou?
Eu já nem sei, se é que um dia soube? Seria de dantesca ajuda se puder amparar-me. Tenho
dúvidas ao fazer minhas escolhas, me auxilie, por gentileza!
Assim poderei eu, me localizar-me na deslocalização.
Não dou a mínima pra você...
Com sua vida aparentemente confortável
Seu apagamento no brilho,
No holofote mirado para receber não uma janela, mas para uma ponte que possibilita a captura, do
ser que sou,
Não sendo
"Quem vê close, não vê corre!"
- Meu querido, Marx, você não pode escrever assim!
- Então mete aê:
"Se a aparência e a essência das coisas coincidissem, a ciência seria desnecessária"
Tu me viu quando oto mano te viu, e esse oto mano foi visto por oto, e oto viu oto-oto mano
Reconhecimento hegeliano reconhecimento do mano
Mano platônico, surreal, fantástico, feliz, perfeito, hermético, segregado no ideal
UNIDIMENSIONAL
Não caro, bigodudo - para os íntimos (Niet) - mesmo sentando-se muitos em sua mesa, oto mano vê
vários, mas resume a UM
Reto!
- Profundidade é pra matemático! Esse papo do pós-modernismo, é coisa de lunático!
Não existe isso de performático
Judith Butler diria que isso aí é uma performance,,,
Dudu (DUBOIS) a consciência bifurcada tá em tantos mano
Mas eu não dou a mínima pra você!
Que me captura com teu ângulo multifacetado tão unidimensional
Plural
Natural parece ser medíocre
Olha-se borrões, que parecem nítidos
Míopes
O peso das histórias, minhas e de muitos otomanos
Oto eu que me conta histórias que não são minhas, mas são
Transcritos no contorno, na forma que me desforma, capturado por retinas borradas,
encharcadas por lágrimas perdidas
Poderia eu me localizar-me na deslocalização do oto-mano-Eu!?
A gota no Mar
O contorno que reivindica estorno
- Poderia retornar a minha imensidão de direito? Este direito natural que ergueu tanto pré-conceito?
- Ora pois, é claro que não, tu é o mano platônico, surreal, fantástico e ideal? Está
institucionalizado, normalizado, no ar propagado e protocolado?
Pelos túneis auriculares tocado? E por fim, armazenado e novamente disseminado, compartilhado e pelos seres aceitado? Não! Você é X, e sempre será X, até que por nós seja absolvido, perdoado!
Émi Bembe, ou M.B. para os íntimos, somos trapos, trapos de trapos trepados nos trapos
surrados, aniquilados, mutilados
Transcrições nas peles e almas pretas de histórias tão iluminadas, tão respeitadas, idolatradas,
institucionalizadas por ecos proferidos por ôtos manos
Colonizados por crônicas, fiéis boatos espalhados
Gota no Mar, unidimensional cascalho
Voluntario ou não voluntário
Há apenas um único estado de macaco no galho
Unidimensional
Diz, aí M.B. um fantasma farrapo, paranormal
Mas paremos o normal é ser paranormal".
No ano anterior a este, a professora Edna, ministrou a aula de Introdução à Economia Política cujo primeiro livro que ela recomendou foi "Metodologia filosófica", ainda disponível em "turmas arquivadas", no Classroom. Este livro é um guia de como filosofar. Ele me fez pensar sobre o que ando pensando, pois ando pensando sobre o que penso pensar, pensando se em meu julgamento há algum juízo. E se o valor desse juízo é o bom senso. Mas o que é bom? Senão um juízo de valor? Meus valores me dizem o que é bom, belo e justo. Mas de onde brotou os meus valores?
Linguagem, você e eu nascemos em um país que chamaram de Brasil. Mas se chamava "Pindorama" para os povos nativos, que significa algo como "terra das palmeiras". Nascermos no mesmo país possibilita que compartilhemos a mesma língua: o português brasileiro. No entanto, essa mesma língua possui variações regionais, o que altera a estética de sua expressão e como ela será percebida.
Retornemos, então, ao Registro Civil. Este documento nos diz que somos cidadãos. O cidadão tem direitos e deveres para com a Constituição, ou seja, para com o Estado, no qual o modelo é uma republica representativa. Em teoria política, aprendemos sobre a ideia do contrato social e os pressupostos acerca do direito natural, este que é tão contraditório, uma vez que, como é descrito este ser possuidor de direito.
Este cidadão nasceu em uma determinada data que está sob a tutela do calendário gregoriano, também conhecido como cristão ou ocidental. Sabe-se que a Companhia de Jesus, impôs a sua religiosidade sob os ritos sagrados dos povos que no Brasil já viviam. É possível analisar sobre tal dado a demarcação do tempo, no qual, aquele povo provavelmente percebia a mudança temporal sob outra ótica, mas como a norma não é esta, pouco se pensa sobre o que não é natural, e quando ocorre, há um estranhamento, um choque de realidades que parecem distantes.
Seguindo, podemos notar a relação matrimonial na área da filiação. O pai é um sujeito do sexo masculino, e a mãe do sexo feminino. Sendo no ambiente familiar a primeira interação da criança com seu meio. Existe uma influência da forma que se constituem os afetos. Não obstante, estruturalmente, uma boa família é formada, por uma mãe do sexo feminino, um pai, do sexo masculino e os filhos. O filho será ou feminino, ou masculino e essa relação se constrói através da divisão dos papéis socias, na qual, Judith Butler chamará de performatividade de gênero. Porém, essa relação não é tão simples. Na aula de História do Brasil II, foi discutido o texto "O Feminismo brasileiro desde os anos 1970: revisitando uma trajetória", de Cynthia A. Sarti. Discute-se no artigo o surgimento dos debates sobre gênero. Levantando questões acerca dos privilégios dos homens para com as mulheres e o excesso de poder da figura masculina sobre a feminina. A abertura para debates de gênero possibilitou o crescimento de produção científica questionadora da performatividade feminina atrelada ao sexo, ou seja, a genitália.
Portanto, você caro ser que sabe que sabe, é instruído desde a infância a performar uma identidade baseando no seu sexo, naturalizando na relação conjugal heterossexual. Se o que fundamenta a heterossexualidade é a biologia; o cruzamento entre fêmea e macho com o intuito de procriação e perpetuação da espécie. Esta, por sua vez, não define universalmente a relação de sexo e gênero, mas expressa uma das formas de se se relacionar. Nos debates acerca do feminismo plural, compreende-se que existem múltiplas formas de se expressar a feminilidade, não devendo estar cerceado à genitália, assim como deve ocorrer as performances - Judith Butler: Problemas de gênero - fixadas a esse recorte tão específico.
Não obstante, salta-se para raça. Esta que é a maior questão relacionada a estruturação social. Sabe-se que ocorreu a escravidão no Brasil. No entanto, possuímos uma herança cultural racista e misógina há muito. Quando se pensa em ciência, pensa-se em homens brancos. Imaginário iluminista, do resgate à Grécia, o famoso "berço da filosofia". Quando se pensa na produção das leis, pensa-se em homens brancos. Quando se pensa em alguém bem sucedido, advinha, pensa-se em homens brancos. A ciência quanto método para averiguar a realidade tem suas peculiaridades. Foi essa mesma ciência, esta tão amiga da verdade, que defendeu os princípios eugenistas. Legitimou o homem branco como ser superior. Enquanto, a população negra que foi capturada de seu território para servir de mão de obra escrava teve sua liberdade negada com o trabalho forçado que o modo de produção capitalista tanto glorifica. Esta população negra que resistiu, que construiu lugares para os refugiados da opressão violenta dos senhores brancos.
A interseccionalidade das opressões é uma ótima ferramenta conceitual de expressão de analise da pluralidade social. O homem branco fica no topo da cadeia social, mas não é qualquer homem, é aquele que tem mais acumulação de metais nobres. Em seguida a mulher branca, mas não é qualquer mulher, o peso, a fisionomia, o tamanho de suas formas, tudo importa. Existe uma figura normativa de beleza que nos é vendida constantemente, por meio da mídia e propaganda. As representatividades femininas e masculinas se apresentam de cores especificas e com formas especificas, mas tudo incluso ao corpo ideal e a performance ideal. Aquele ou aquela que desviam deste padrão normativo, tornam-se sujeitos negados do reconhecimento, tornam-se seres não desejáveis. Sendo o povo negro os que mais sentem essa reflexão. Não apenas de sua condição afetiva, mas social. Constantemente marginalizados pela mídia burguesa que insiste em apresentar a consequência e não a causa de ser escanteado socialmente, indo parar em ambientes periféricos e favelados. Que minam constantemente a oportunidade dos sujeitos que desde o início dessa história, foi recusado. Com a religião, a ciência e quem mais pudesse legitimar a superioridade do ser branco diante de outros povos.
Por fim, um simples documento carrega uma infinidade de histórias, uma infinidade de reflexões, e uma infinidade de dúvidas. A certidão de nascimento expõe implicitamente, a macro cultura da sociedade da época - mesmo que em vários casos seja variável - fundamentada em uma teoria social que possui o Estado como regulador da ordem, que serve para garantir o direito natural da moeda, esta que garante a ontologia do ser nos tempos do modo de produção capitalista.
Onde a democracia racial não poderia ser mais do que mitologia. O cidadão é o produto do Estado. O Estado é quem gerencia os interesses dos fundadores do colonialismo. Este que saqueou esse território para empilhar ouro na Europa, e "civilizou" o "selvagem", o "primitivo" em um homem capaz de discernir agora o que é belo, justo e bom.