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CRIME, TRABALHO E SEGREGAÇÃO URBANA[editar | editar código-fonte]

Taísa Maria Laviani[editar | editar código-fonte]

Vanessa Fernandes[1]Δ[editar | editar código-fonte]

A partir da leitura e debate do capítulo Enclaves Fortificados: erguendo muros e criando uma nova ordem privada em “Cidade de Muros: crime segregação e cidadania em São Paulo[2]” de Teresa Caldeira, do texto “Trabalhadores” e “bandidos” na mesma família de Gabriel Feltran e do artigo Cidade de Deus de Roberto Schwarz, realizada entre os integrantes do grupo, foram destacados tópicos a serem apresentados durante o seminário, com o intuito de suscitar uma reflexão apoiada nas obras citadas sobre o tema Crime, Trabalho e Segregação Urbana, bem como servir de roteiro para tal exposição. São eles:

flor bonita, né?
Gérbera

“O Novo Conceito de Moradia”: a reorganização simbólica do mundo[editar | editar código-fonte]

Um novo padrão de modernidade vem surgindo na segunda metade do século XX, a ascensão econômica e social e a expansão (física e geográfica) da cidade são grandes marcas do período (anos de 1970, 80 e 90), ao mesmo passo que a ampliação do mercado e das mercadorias e o incentivo do consumo, as maiores possibilidades de financiamentos e o boom da construção, num processo acelerado de desenvolvimento.

Os enclaves fortificados – nome que a autora, Teresa Caldeira, dá aos novos condomínios horizontais construídos em São Paulo “inspirados” na sofisticação estrutural dos condomínios americanos – surgem então enquanto representação extrema desse conjunto de reorganização da vida social, da forma de sociabilidade e do surgimento de uma nova classe. Os enclaves fortificados trazem cinco elementos básicos: segurança, isolamento, homogeneidade social, equipamentos e serviços. Na intenção de abarcar e promover um “estilo de vida total”, que seja oposto à cidade, mas ao mesmo tempo superior a ela, mesmo que construído dentro dela. E para atingir essa representação apostam suas fichas no status e na estética, visando criar a imagem do tipo mais desejável de residência e atualizar a noção de indivíduo moderno.

Nesse processo de valorização da segurança e instauração do medo e do risco, amadurecem, como fruto de um plano perversamente planejado, a ampliação e criação de serviços (logo, de um maior contingente de pessoas servindo a um menor contingente), a reafirmação de estereótipos e a segregação da sociedade urbana

Vida Privada e Privatização[editar | editar código-fonte]

Nessa seção buscamos uma via de integração da vida cotidiana à modernidade com a desintegração da vida privada dos enclaves fortificados, buscamos mais, um conflito, negado pelos que fogem da barbárie que produzem, do resgate à realidade que o bom cidadão nega.

Em geral o drama carrega o conflito de forças sociais (expressão das relações sociais que tem como ponto de partida e de chegada a vida cotidiana dos indivíduos, que na nossa sociedade capitalista encenam aparentemente isolados) em seus pontos mais agudos e extremos, é importante ressaltar o fato de que a necessidade trágica de agir é suprassumida histórica e socialmente em um dos lados em luta, naquele que se opõe ao progresso humano, nessa perspectiva as contradições, dos lados em luta, se elevam a um conflito trágico como um fato universal da vida.

O foco na vida privada, enquanto expressão da valorização da individualização e a privatização dos espaços públicos ocorrem ao mesmo passo, mas não no mesmo ritmo… os enclaves fortificados apresentam que quanto mais a necessidade de acessar elementos de prestígio da sociedade de consumo, para num outro momento regojizar o status de seletividade, menos as contradições do modo dual (modernidade sem progresso, um legítimo ornitorrinco) da sociedade moderna brasileira são tomadas como determinações constituintes da formação da vida cotidiana dos países da periferia capitalista; da passagem do milagre econômico dos governos dos anos 1970 às políticas neoliberais logo após a abertura política da ditadura militar, em fins de 1980.

São Paulo, a cidade, que outrora representou o avanço e pujança da burguesia paulista com suas avenidas e bairros centrais, seus mastros e prédios fálicos, os símbolos de distinção social (estar em cima da massa, a Babilônia), são assimilados e transformados, por sua elite social, num reflexo de uma certa decadência do modo de vida; uma selva de pedras rodeada de “selvagens” na espreita a espera de um boy, uma patricinha, para efetuar seu deleite de vadio, seu usufruto dos artefatos de prestígio da elite social da sociedade de consumo; o drama da burguesia paulistana (viver nem uma metrópole, mas uma metrópole do terceiro mundo).

Os conflitos devem ser entendidos como expressão da dinâmica da vida cotidiana, que impele o ser social, quanto mais sociabilizada é sua base, como ser individual, a dar respostas. Tomar essa ou aquela avenida, pela noite, torna-se mais que um perigo para a classe dominante da cidade de São Paulo, mas uma questão complexa a ser resolvida. As necessidades, de dar respostas, da vida cotidiana não são livres per-se, tão pouco existem numa nuvem que sobrevoa autônoma, no vácuo; as contingências da vida cotidiana produzem o contexto e, mais, a necessidade de resolver as encruzilhadas, sempre circunscritas pelo aqui e agora histórico-social determinados; caminhar pelas avenidas centrais, símbolo do desenvolvimento econômico dos cafeicultores do início do século e ter de cruzar os olhos, dividir a esquina, a padaria e, por que não, os belos parques da cidade com aqueles, que nos tempos áureos do café, não se integravam a moderna vida paulistana e/ou que em momento remoto foi negado de ser livre.

Mesmo que as encruzilhadas aparentemente forneçam um certo tom de abstratividade, que mistifica as ações do sujeito, é importante considerar que as contingências e a necessidade de dar respostas a elas impossibilite as tomadas de decisão tão pouco podemos desconsiderar que as tomadas de decisão, pela própria dinamicidade da vida cotidiana, tem uma limitação temporal e de conhecimentos suficientes para uma ação conscientemente pura em todos os graus. Como não se importunar com os jovens da classe trabalhadora que sem emprego, pois o milagre durou apenas para os mais abastados, invadem a cidade com seus rabiscos nos prédios, botas e jaquetas de couro num uníssono de revolta?

Mesmo que as ações dos sujeitos sejam orientadas para responder as contingências da vida mesma, o momento de apresentar as contas sobre as suas próprias ações, mesmo que acertar-se com os encadeamentos e consequências de suas ações precedentes se revele de modo lento e contraditório. Em especial nos grupos sociais a exigência de um acerto de contas ocorre em geral em tempos de crise. Como não se incomodar com o não-progresso da desigualdade social, reflexo da escravização de contingentes, que aos milhões, gestou a riqueza e que nos dias de hoje sofre apartada de seu fruto?

Em uma situação que é preciso agir, deve-se agarrar com firmeza determinado elo da cadeia, dentro de uma série infinita de possibilidades, porque só assim se pode ter nas mãos a cadeia e o modo de perceber um elo da cadeia encontra-se em relação interna com o problema da encruzilhada. A saída da classe dominante paulistana foi abrandar as contradições da vida na cidade e tomar os rumos das ilhas artificiais que margeiam a metrópole, os enclaves fortificados, para que em algum momento da vida fosse possível fugir do conflito direto dos olhares daqueles que desejam, ou supostamente desejam (se pobre pressuposto vil) seus elementos de prestígio e distinção, as mercadorias da sociedade de consumo.

Mesmo na vida puramente pessoal (privada) surgem colisões, embates dramáticos e imbróglios; não há nenhum sujeito no qual, e para o qual, outras forças vitais não sejam também decisivas, quanto mais numerosos e íntimos são os laços que ligam o sujeito à vida social, ao humano genérico, às diferentes correntes da vida, mais dramático será o conflito. Ao tomar o rumo dos enclaves esses sujeitos promovem um afastamento do conflito cotidiano, dos inconvenientes da vida pública e se refugiam em seus castelos, com suas regras e normalidades; a fuga do conflito torna a personagem do enclave pálida, sem tonalidade alguma, sem tempero, desgostosa da vida genérica e instigada a se refazer no seu ritual de obtenção de prestígio, a sua ida à Babel ou ao Morumbi Shopping.

Segurança à venda![editar | editar código-fonte]

A propagação da necessidade de segurança se alicerça na valorização da vida privada e no processo de privatização dos espaços, incentivando a criminalidade e a violência ao reforçar o medo do “outro”.

A Fala do Crime configura as narrativas que precedem aquelas práticas sociais que operam na chave inclusão/exclusão, em que para se realizar, o gozo da propriedade privada precisa excluir, e para que não haja conflitos maiores entre essa relação de inclusão e exclusão, a segurança cumpre papel essencial na manutenção desta ordem da cotidianidade.

Os enclaves fortificados buscam locais fora do centro destes conflitos sociais, erguem suas muralhas, contratam seus seguranças e assim se sentem protegidos do mundo, do outro, daquilo que lhes tira o sono e impede o gozo pleno de sua vida privatizada.

Nos anos 90, a segurança privada ultrapassou o número de policiais militares no EUA. Este dado prova a crescente na tecnologia do medo, que se sustentam na fala do crime e encontram um dos maiores mercados do mundo, o mercado bélico, de braços abertos para que se possa comprar a segurança dos bons cidadãos civilizados.

No Brasil, também se investe muito na tecnologia do medo e nos enclaves fortificados, que sempre apresentam um simulacro do que seria uma vida tranquila para se gozar dos “privilégios conquistados pelos sacrifícios”, como diz a moradora da Móoca entrevistado por Teresa Caldeira. Além deste investimento, a fala do crime adentra as casas diariamente através da mídia, que dissemina o medo, a estigmatização, e até mesmo o aspecto heroico em ser militar, como se pode ver nos programas de casos policiais, onde os PM aparecem conversando com a população através das câmeras, apresentando seu trabalho cuja ferramenta é a violência.

  1. lukács, Gyorgy. Ontologia do ser social
  2. CALDEIRA, Teresa -- Cidade de Muros: crime segregação e cidadania em São Paulo