Utilizador:Karenrst

Fonte: Wikiversidade

Introdução

A EACH (Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo), tem como princípio norteador promover uma forte interação com as comunidades da zona leste, o que apresenta um perfil diferenciado dentre as outras unidades da USP. É notável que a diversidade dentro e arredor do campus nos leva a sair da bolha e obter uma maior conscientização da importância de compreender a sociedade, multiculturalismos e direitos. Ampliando ainda mais os horizontes, demos uma pausa na rotina de São Paulo e no período dos dias 07 e 11 de junho de 2019, foi realizada uma vivência Aldeia Guarani Rio Silveiras (Bertioga-sp). Essa experiencia foi realizada pelo docente responsável o Professor Doutor Jorge Machado e colaboradores integrantes do projeto AUPI (aliança universitária e povos indígenas).


1.1 Observação Participante na prática

 A Aldeia Rio Silveira, é localizada na Mata Atlântica, KM 183 na rodovia Manoel Hipolyto Rego, faz divisa com os municípios de Bertioga e São Sebastião, no bairro de Boracéia (uma belíssima praia está a menos de um quilômetro de distância da aldeia). A Aldeia abriga, 120 famílias de índios da etnia tupi-guarani em 948,40 hectares e conta com uma escola especial para aproximadamente 350 crianças indígenas. Os nativos fazem artesanato, cultivam palmito Jussara e mantêm um viveiro de plantas ornamentais. Os índios têm como moradia pequenas casas construídas em pau-a-pique cobertas com palha e/ou casas construídas com madeira, além de áreas de uso coletivo. Todos os moradores se mostraram receptivos e atentos.
Ao longo dos dias conseguimos perceber como são as relações entre eles e também com as "visitas". Primeiramente, entre eles vemos a existência de respeito até pelo olhar,acreditamos que seja fruto de outra característica notável: a coletividade. Isso, estabelece um clima agradável que nos tiraram do papel de visitantes e nos tornaram pertencentes ao todo que era apresentado. Sobre as atividades obtivemos integração com o lugar e as pessoas tanto nativas quanto as da turma de diferentes cursos. Durante a viagem foram realizada diversas atividades para que nós, os não indígenas, pudéssemos compreender e aprender mais sobre a vida dos índios. No primeiro dia da viagem (07) fomos convidados a participar de um momento sagrado para os nativos dentro da casa de reza, onde eles só se comunicam pela própria língua, cantam, dançam e falam o que sentem ser necessário para dar força espiritual a todos, como ouvintes, foi um momento lindo e único de ser vivido, as crianças recepcionaram e interagiram conosco de modo que nos sentimos bastante acolhidos naquele espaço. Em seguida jantamos todos juntos ao redor da fogueira, algo notável é que não havia qualquer tipo de carne, proposta da viagem, visto que a carne teria de ser comprada no mercado e teria como origem o agronegócio que é um dos principais inimigos dos indígenas. 

No segundo dia (08) foram propostas duas brincadeiras geralmente feitas pelas crianças da aldeia, a primeira chamada “fuga das galinhas” que consistia em passar por uma determinada área sem ser pega pelo lobo, o que te transformava em um também, com esta brincadeira é passado o ensinamento de que é natural perder pessoas da sua família, pois as galinhas do jogo sempre acabavam sendo pegas. O outro jogo, “arranca mandioca”, trata-se de um jogo quem que dois grupos de pessoas ficam abraçadas em fila e as primeiras delas ficam abraçada a uma árvore, a meta de cada time é separar todas as “mandiocas”, integrantes da fila, ensinando as crianças que todos são importantes para fortalecer o grupo. Na tarde do sábado (08) fomos à praia, onde abrimos uma roda de conversa sobre o território e o entorno da aldeia, sendo conduzida pelos integrantes da AUPI, o que nos levou a perceber como a luta indígena é importante para a preservação da natureza e como existe muito mais sobre os indígenas do que é divulgado. Pela noite, novamente participamos da casa de reza, a onde aconteceu o que nos pareceu ser ouvido os guaranis chamando de “batizado” do cacique Mariano. O ritual foi inundado de uma energia espiritual, estávamos todos em circulo ao longo do local de mãos dadas, a maioria de olhos fechados, enquanto o pajé andava passando pela nossa frente liderando os urros ritualísticos nos quais os demais indígenas o acompanhavam, e ao fundo os sons dos instrumentos – um violão, uma gaita e chocalhos. Após isso, iniciou-se o momento de fala, muito mais marcante naquele sábado devido às diversas falas emocionantes de todos presentes ali, estava clara a boa relação construída entre a aldeia e nós.

No terceiro e último dia (09), às margens do Rio Silveira fizemos uma trilha guiada pelo pajé, que nos levou ao local da antiga aldeia, que ele pretende retomar. Levamos na trilha mudas de diversas plantas nativas e as plantamos no local, lá o pajé contou sobre a trajetória de sua família, especialmente de seu avô que também foi pajé, falando sobre antigos costumes que pretende retomar. Continuando o curso do rio, fomos até uma cachoeira, onde tivemos um momento descontraído e de conexão com a natureza. Ao voltarmos pudemos conversar com o cacique, que nos contou sobre os desafios enfrentados para manter o território e também as ameaças e propostas que eles recebem frequentemente. 

OBSERVAÇÕES DE VIVÊNCIA Apesar de serem apenas 3 dias de viagem, as diferenças sobre os costumes da aldeia e da vivência na cidade é algo altamente perceptível.         As refeições, o que era servido, a relação entre as crianças e os adultos, a relação entre os adultos em si, e principalmente entre as pessoas da aldeia e nós que estávamos lá para apenas vivenciar algo que para eles era apenas parte do dia a dia.          Primeiramente, é importante ressaltar o cardápio majoritariamente vegetariano, provido apenas da agricultura familiar, para que não houvesse financiamento dos latifundiários, que são as pessoas que querem reduzir a área de reserva indígena.          Também é importante ressaltar a receptividade das pessoas da aldeia conosco, éramos tratados muito bem, sem falta de respeito alguma. E pela imagem que passavam, estavam alegres em ter nós por lá. É necessário dar destaque às relações de poder, pois elas se diferem bastante das nossas relações, na aldeia existe um chefe espiritual, o pajé, e um chefe político, o cacique, a diferença entre eles é tamanha que enquanto o pajé é aquele que conduz os rituais na casa de reza e trata de situações internas, o cacique até mesmo concorreu a vereador na cidade de Bertioga. Outra relação  de poder também notável é a horizontalidade entre homens e mulheres na aldeia, onde ambos podem exercer os cargos que quiserem, sem que haja uma diferenciação e diminuição da mulher, como ocorre em nossa sociedade. Tratando-se das crianças, o que mais impressiona é o fato de elas serem livres e confiarem em todas as pessoas ao seu redor, o que pode ser visto quando foram receptivas e carinhosas com todo o grupo de visitantes. Algo que foge do que estamos acostumados é o fato de que não existe uma fase de adolescência e juventude, por volta dos 13 anos, a criança se torna um adulto, assumindo todas as responsabilidades da tribo que a ele cabe, como trabalhar na terra, ajudar nas tarefas domésticas e o que mais for necessário. Essa situação mostra como as crianças indígenas são mais bem preparadas para assumir suas responsabilidades e encarar o que for necessário do que as crianças em nossa sociedade, que demoram até a fase adulta para sair de sua zona de conforto. Foi incrível poder observar a importância das lutas dos indígenas para manter as reservas da mata atlântica, porque se eles deixassem nas mãos da iniciativa privada, toda aquela área preservada já teria sido desmatada, acabando com a biodiversidade local. Esta viagem não teve apenas o intuito turístico mas também o ideológico, para sermos capazes de entender a injustiça que os indígenas sofrem, muita gente sem nunca ter visitado uma aldeia profere comentários apenas pelo senso comum.


Conclusão

Das experiências que tivemos, pôde-se destacar a grande evolução pessoal que essa experiência nos proporcionou. A possibilidade do contato com outra cultura, colocando em prática o relativismo cultural, já que estávamos imersos na realidade indígena, aumentou ainda mais o respeito para com esse povo e sua luta. As demandas por direitos específicos ficam nitidamente explícitas quando nos inserimos na realidade deles, como um atendimento médico especializado e escolas que possibilitem o pleno exercício de sua cultura e sua preservação. Assim, podemos entender a necessidade da criação de políticas públicas voltadas a essa população. Além disso, devemos destacar a alimentação proporcionada nesse final de semana, sempre muito responsável do ponto de vista político e de saúde. Político, porque existiu um pensamento crítico na escolha dos alimentos, com o cuidado em não financiar parte da produção do agronegócio - que se coloca em oposição às reivindicações indígenas e, em muitas outras etnias pelo Brasil, é a causa dos seus problemas. Do ponto de vista de saúde, podemos destacar a necessidade em se manter uma alimentação equilibrada e saudável, ajudando a inserir alimentos não industrializados na aldeia, como forma de diversificar sua dieta e diminuir o consumo de alimentos que prejudicam seu organismo, além de ser melhor para todos. A visita à praia e a discussão sobre a especulação imobiliária (tanto na praia quanto junto ao cacique) foram fundamentais para entender os problemas políticos da Aldeia Guarani Rio Silveiras, visto que essa está em uma zona muito bem vista comercialmente pelas construtoras dos condomínios de luxo. Desse modo, é possível visualizar, na prática, as peculiaridades dos problemas que a aldeia enfrenta e sua resistência frente aos demais setores sociais. Frente a conjuntura política cada vez mais conservadora e de ataque aos direitos de minorias, ter uma experiência de vida como essa foi de grande importante. A possibilidade de aproximação entre os estudantes (nós) e os indígenas, contribuiu para uma pequena compreensão de suas demandas e da construção de senso de empatia para com essa população. A academia, ainda muito distante da sociedade, deve comprir seu papel social de conscientização e produção de conhecimento em prol dos seus contribuintes. Ainda como instituição pública, se colocar aberta às classes mais marginalizadas é um ato mais que necessário.

Assim, além da evolução pessoal, com a nossa saída da “zona de conforto”, pôde-se destacar a questão social, de abertura à sociedade com empatia e disposição a entender e ouvir as demandas indígenas. A conscientização social com o protagonismo indígena, sendo eles sempre colocados como principais, mostrando seus ideais e costumes à academia, é o que mais se destaca dessa experiência: é preciso desconstruir a “síndrome do colonizador” que coloca-os como objetos de estudo sem ao menos estar em contato com eles.