Vivência Aldeia Guarani Rio Silveiras (Daline Sales e Mariáh Procópio)

Fonte: Wikiversidade

INTRODUÇÃO[editar | editar código-fonte]

   No primeiro semestre de 2019 foi realizado uma viagem para a Aldeia Guarani Rio Silveiras, oferecida pela EACH-USP (Escola de Artes, Ciências e Humanidades - USP Leste), tendo como coordenador o Professor Dr. Livre Docente Jorge Machado, o qual ministra as aulas de SMD (Sociedade Multiculturalismo e Direitos - Cultura Digital).

           Nessa viagem nos foi dada a oportunidade compreender e aprofundar conhecimentos sobre os povos que ali residem, para, assim, apreender melhor sobre seus costumes, lutas territoriais e a maneira como eles vivem no dia a dia.

         Visitamos a Aldeia Guarani Rio Silveiras, situada em Boracéia, na divisa entre Bertioga e São Sebastião, municípios do Estado de São Paulo. A aldeia possui cerca de 948 hectares demarcados (FUNAI), mas há um pedido de expansão de suas terras. Vivem na aldeia cerca de 500 indígenas tanto Guaranis quanto Tupis-guaranis.

CONTEXTO[editar | editar código-fonte]

A experiência foi realizada nos dia 7, 8 e 9 de Junho.

Chegamos no local na sexta a tarde e  demos inicio a montagem das barracas e, assim que concluído, jantarmos e nos direcionamos à Casa de Reza. Essa, anteriormente, não era aberta aos Juruás (não indígenas), mas por decorrência da necessidade de mostrar a resistência indígena, foi aberta aos não indígenas para que esses pudessem conhecer a cultura guarani, fazendo com que os dois povos se integrassem e passassem a resistir juntos (Fala do Pajé).

Durante a reza, o líder conversou com os moradores da aldeia que estavam presentes e logo depois todos nós levantamos e acompanhamos enquanto eram entoadas músicas guaranis. Havia uma separação entre homens e mulheres de diversas maneiras: dentro do lugar, em que cada metade era reservada para um, assim como as partes das canções a qual eram divididas também por entonação de vozes e a dança, que era feita utilizando os pés e se diferenciavam de acordo com o ritmo da melodia. Em seguida, houve falas do Pajé, que contou como é a vida deles ali, suas relações e costumes. Os professores e alunos, também nos contavam como ocorreu essa aliança entre povos indígenas e a Universidade São Paulo, as implicações e como correu todo o projeto, que inicialmente era de extensão e com o tempo foi tomando maiores proporções.

Após sairmos da casa de reza, ainda encantadas com o aprendizado pedimos para duas crianças guaranis nos ensinar a dança que tinha sido feita dentro do lugar sagrado. As duas meninas muito animadas, começaram a explicar cantando como tinha que ser feito, e logo após elas começarem outros alunos também se empolgaram e juntaram-se ao grupo para dançar.

Ainda na mesma noite, alguns alunos se prontificaram para ajudar a fazer o tipá, comida típica dos guaranis, que é feita com farinha de trigo água e sal e frita no óleo. Também foi oferecido palmito fresco, que foi assado na fogueira que fizemos (alunos e professor). Quando já havia escurecido, alguns dos visitantes se juntaram em volta de fogueira, e num espírito de imensa paz e gratidão, foram cantadas diversas músicas, até que cada um foi se retirando para descansar em suas barracas.

Na manhã de sábado, acordamos por volta das oito horas, e havia a disposição um café da manhã completo, com tipá, frutas, café e outros acompanhamentos.

Em seguida do café, houve uma roda de apresentação entre os participantes do projeto e depois fomos para a Casa de Reza conversar com o genro do pajé, que contou mais sobre a dinâmica da aldeia e esclareceu algumas dúvidas sobre os costumes, a religião e as regras de lá.

Após a conversa, ficamos livre para escolhermos o que faríamos, pois no mesmo momento ocorria um evento, em que os líderes precisavam estar presentes. Assim, foram dadas duas opções: 1º brincar de ‘’Mamãe Galinha’’ e ‘’Mandioquinha’’, e a 2º participar de uma oficina de pães. Por votação foi escolhido as brincadeiras, que é comum entre as crianças guaranis.

Na primeira se escolhia um lobo, que tinha por objetivo pegar as galinhas que teriam que correr juntas de um lado para o outro até alcançar a área de ‘’salvação’’, cada galinha que era pega virava um lobo, assim, e conforme as corridas, a quantidade de lobos aumentava e ficava cada vez mais difícil para as galinhas se salvarem, a brincadeira terminava quando restava apenas uma última galinha, essa a qual seria a vencedora do jogo.

A segunda brincadeira ‘’mandioquinha’’, dividiam-se os participantes em dois grupos, que escolhiam uma pessoa para ser o ‘’colhedor’’ do grupo adversário, assim os demais formavam uma fila abraçando um ao outro e o primeiro da fila teria que ficar abraçado junto de uma árvore, assim todas as mandioquinhas ficavam grudadas. O colhedor, tinha por objetivo arrancar as mandioquinhas uma por uma e o grupo que conseguisse resistir por mais tempo seria o vencedor.

Muitos alunos e uma criança guarani participaram das brincadeiras, que foram extremamente divertidas e enriquecedoras como experiência pessoal, pois as duas possuem uma moral de resistência e ajuda coletiva, o que tornavam as galinhas e mandioquinhas mais fortes se trabalhassem juntas.

Posteriormente, foi servido o almoço vegetariano e avisado para darmos início a preparação visto que iríamos a praia. Por voltas das três da tarde o ônibus partiu da aldeia em direção ao mar, chegamos em menos de 20 minutos e logo reunimos nossos pertences em um lugar, assim cada um ficou a vontade para entrar na água ou permanecer na areia.

Ficamos na praia aproximadamente por duas horas, aos poucos fomos nos reunindo para voltarmos, o Professor Jorge Machado nos discorreu como se dava a demarcação territoriais do lugar em torno e explicou o porque a praia é vazia, em razão de que  as agências imobiliárias que tinham conseguido comprar uma parte das terras, mas não possuíam permissão para fazer grandes construções, dessa forma apenas tinham casas no entorno. Também foi citado a questão da preservação da Mata Atlântica, que apenas resistia ali por conta da demarcação de terra indígena e área de preservação.

Após voltarmos da praia, fomos direto para os banheiros nos lavar, pois seguidamente seríamos direcionamos para a Casa de Reza. No segundo dia de reza, nós participamos desde o início da dança e, ao final, o pajé falou com a comunidade indígena e posteriormente conosco, ressaltando a importância da nossa presença lá e falando que nos amava. Houve também comemorações de aniversários, com 3 tipos diferentes de bolo, inclusive um vegano. A aldeia contou tanto o parabéns guarani quanto o juruá.

Mais tarde, foi servido o jantar, com peixe frito e duas cobras d’água. Após a comida, um dos participantes do projeto deu uma oficina de pães, que seriam assados e comidos na manhã seguinte. Algumas pessoas do projeto ficaram na fogueira conversando e cantando mais um dia, aproveitando o frio e a companhia uma das outras. Aos poucos, cada um se retirou pela última vez nessa viagem para dormir e acordar cedo no outro dia.

O dia no domingo começou mais cedo para sovar o pão feito na noite anterior e assá-lo. O café da manhã foi nutritivo como o do de sábado. Após o café, nos preparamos para a trilha.

No caminho pela aldeia até chegar na mata, vimos a escola, que apenas possui alunos indígenas. Eles aprendem português lá, mas também a língua e a cultura guarani.

Cada um dos participantes do projeto levou consigo na trilha algo para ajudar na plantação de espécies nativas da Mata Atlântica. A trilha é curta, mas marcante por sua beleza e por ser mata original preservada, dificilmente encontrada, já que esse bioma se localiza no litoral brasileiro, onde se deu maior parte da invasão portuguesa.

Plantamos as árvores junto com alguns indígenas e com o pajé, que contou que o lugar da plantação era onde ficava a aldeia e que ele pretendia voltar para lá e construir a Casa de Reza nesse local. Ele rezou após contar sua história e indicou o local que cada árvore ficaria. O deslocamento das mudas e dos materiais foi cansativo, mas foi recompensado após vermos todas elas plantadas e a felicidade do pajé com a nossa contribuição.

Seguimos a trilha até uma cachoeira natural, onde ficamos por um tempo, dentro d’água ou fora, apreciando a natureza. Voltamos pela trilha e, ao final, houve uma conversa com o cacique, que reforçou o que o professor Jorge tinha falado na praia sobre especulação imobiliária e a importância da luta indígena para a sobrevivência da aldeia.

Ao voltarmos à aldeia, o almoço já estava pronto e nos preparamos para voltar para São Paulo, arrumando as malas e desarmando as barracas. Concluiu-se, assim, uma das experiências mais enriquecedoras (tanto do ponto de vista intelectual quanto pessoal) vivenciadas junto com os habitantes originais americanos.

TEMPO[editar | editar código-fonte]

A dinâmica do tempo sob a ótica dos indígenas difere da forma como nós da cidade vemos e vivemos.

O dia começa assim que o sol nasce e as coisas acontecem da maneira delas, no momento em que devem acontecer. Viver o presente é algo constante, assim não se pensa muito no depois. Um exemplo claro, foi quando nos disseram que não havia hora para comer, uma vez que comeríamos na hora que devêssemos comer.

Nós alunos aprendemos muito sobre essa forma de pensar o tempo, porque deixamos de lado as preocupações futuras e pendências que tínhamos que resolver após voltarmos para casa, o que nos proporcionou maior aproveitamento das coisas que nos eram oferecidas, assim nós fazíamos as coisas que tínhamos pra fazer, sem nos preocupar muito com o depois, já que só teríamos que pensar nele quando ele chegasse.

LIBERDADE[editar | editar código-fonte]

Outro ponto interessante a ser abordado é a liberdade e confiança presente na aldeia. As crianças, até mesmo as mais novas ficavam soltas no ambiente, sem a necessidade dos familiares por perto, assim os pais não se preocupavam com o que elas estavam fazendo ou com quem estavam, visto que há uma grande confiança entre os membros da aldeia, um cuida do outro não havendo necessidade de preocupação pois o ambiente proporciona segurança.

Não era negado esse sentimento nem aos novos desconhecidos que ali estavam. As crianças muito amorosas pediam colo, assim como brincaram e interagiram conosco sem nenhum receio.

Além disso, foi possível notar que as crianças podiam ser livres durante a reza, já que as mesmas falavam e se movimentavam dentro da Casa de Reza sem serem repreendidas.

CONSTRUÇÃO DA FAMÍLIA E TRABALHO[editar | editar código-fonte]

Na tradição guarani, as crianças passam a ser adultas com aproximadamente 12 anos (para as meninas,o marco é a primeira menstruação). Com essa idade, eles podem se relacionar livremente, segundo o genro do pajé.

As responsabilidades também vêm com a vida adulta e o casamento. A principal é construção da própria casa do chão. Essa moradia pode ser dentro da própria aldeia, na cidade (se o indígena decidir se casar com um não-indígenas) ou em outra aldeia. Pessoas de outros povos indígenas também podem escolher morar na Rio Silveiras, desde que respeitam as regras de lá.

As relações homoafetivas também são aceitas, mas há questões em relação a isso, pois em sua fala, o genro do pajé falou que a homossexualidade seria uma influência dos juruás.

Em relação ao trabalho, a comida plantada é comida por todos e todos precisam contribuir com a plantação. Existe a possibilidade de caça, mas não é muito realizada porque não é necessária atualmente. A realização do trabalho não é estritamente dividida por gênero, se um homem quiser cozinhar, ele tem a liberdade para fazer, como é o caso do genro do pajé, que contou que em sua casa é ele que cozinha.

CONCLUSÃO[editar | editar código-fonte]

Após tudo que foi vivido, fica claro que, diferentemente do que era pensado na colonização do Brasil, os indígenas têm muito a nos ensinar. Desde o cuidado com a natureza até a relação com a morte, eles trouxeram visões diferenciadas para cada um de nós, fazendo com que repensássemos nossos atos e papéis na sociedade.

A religiosidade aliada com o foco no presente faz com que eles ajam de maneira calma e falem baixo, deixando o clima agradável e fazendo com que nós, acostumados com o ritmo da cidade, adotássemos rapidamente o mesmo estilo de vida.

O contato foi maior com os homens e as crianças, já que as mulheres ficavam mais reclusas e não interagiram tanto. A diferença da língua era mais evidente com as crianças, que falavam mais o tupi-guarani e tiveram pouco tempo de português na escola, porém isso não impedia a comunicação nem a interação delas conosco. Não houve estranhamento entre nós e eles porque a aldeia já está acostumada a receber visitas de juruás.

Outro ponto que pode ser percebido foi a diferença física entre as etnias dentro da tribo. O pajé é tupi-guarani, enquanto as outras pessoas, em grande parte, são guaranis e ele era alto e resto da aldeia apresentava baixa estatura. Aspecto que ressalta o fato de que é impossível enquadrar todos os ameríndios em um grupo só.

Por fim, fica claro que, além de conhecer a história dos indígenas, a convivência direta com eles é essencial para que estereótipos e preconceitos não sejam perpetuados, além de eles passarem a ser agentes da própria história, contando seu ponto de vista e passando a serem tratados como iguais.