Introdução ao Jornalismo Científico/Mídias, Linguagens e Prática do Jornalismo Científico/Desinformação científica/script

Fonte: Wikiversidade

Por que desinformação?[editar | editar código-fonte]

A circulação de notícias falsas como instrumento de disputa de poder não é um fenômeno novo. No entanto, as plataformas por onde tais informações circulam, ao longo do tempo, sofreram grandes alterações. Hoje, com as redes sociais, o alcance em larga escala torna-se praticamente instantâneo e eleva os perigos dessa prática a um outro patamar.

O assunto ganhou uma outra dimensão, principalmente, depois das eleições de 2016 nos Estados Unidos, que levaram Donald Trump à presidência. Isso decorre do fato de o candidato estadunidense ter feito sua campanha principalmente por meio das redes sociais.

As fake news não são meros boatos. Pensadas para gerar polêmica, adquirem tamanha relevância, que podem, inclusive, impactar o funcionamento da esfera pública. De acordo com PSafe (2018), o 5º Relatório da Segurança Digital, relativo ao terceiro trimestre de 2018, a maior parte das fake news detectadas trazia conteúdos políticos. Na sequência, o maior número de fake news foi na área da saúde, em que aliás houve um aumento acima de 25% na detecção desse tipo de conteúdo do segundo para o terceiro trimestre.

O termo desinformação científica pode ser entendido além das fake news, incorporando também movimentos negacionistas, como o antivacina, e abordagens jornalísticas que comprometem a transmissão de informações científicas, tais como o sensacionalismo e a ambiguidade.

Os limites na cobertura do jornalismo científico[editar | editar código-fonte]

O compartilhamento massivo de fake news impõe ao jornalismo científico um maior cuidado com a apuração dos fatos noticiados. Porém, a maior exigência de rigor esbarra no desafio de confrontar a velocidade com que tais conteúdos são produzidos, principalmente, nas mídias digitais. O imediatismo da informação pode, assim, comprometer a qualidade da apuração e transmissão dos dados. Isso pode criar um desnível entre o trabalho dos cientistas, que buscam a riqueza de detalhes, e o trabalho dos jornalistas, que atua cada vez mais em ritmos produtivos acelerados.

Outro fator que agrava a distância entre cientistas e jornalistas e se opõe ao dialogismo esperado entre as duas partes é a romantização ou fé cega na ciência. Algumas práticas como atribuir credibilidade irrestrita às fontes consultadas e submeter as entrevistas à aprovação do entrevistado antes de serem publicadas aproximam a imagem do cientista à de um feiticeiro moderno. A legitimidade do discurso de autoridades científicas é, então, apropriada para promover uma verdade, como por exemplo: médicos que atestam a eficiência de tratamentos baseados na fé. Além disso, tem-se, em especial na área da saúde, a presença constante de empresas farmacêuticas e profissionais que, visando atingir interesses pecuniários, podem intervir na veracidade de determinado fato.

A romantização da narrativa também é um elemento utilizado pelas produções jornalísticas sensacionalistas. Somado a isso, a pouca divulgação da divergência entre os próprios cientistas e uma lógica ambígua no tratamento de certos assuntos corroboram para a criação de uma perspectiva controversa a respeito do jornalismo científico. Por fim, essa modalidade jornalística, por vezes, ainda opera em uma sistema de transmissão do conhecimento, simplificando a linguagem e limitando o processo científico à comunicação de seu resultado ou produto. Tal modelo, denominado de déficit, trata o público apenas como receptor. Afastar o público do debate científico é, em certa medida, afastá-lo da própria participação política. Generalizar a participação e amplificar vozes que confrontam a ciência, por sua vez, também não parece uma atitude promissora e pode contribuir para um desgaste ainda maior na democracia.

Oportunidades e riscos das mídias digitais[editar | editar código-fonte]

Ainda que a internet pudesse representar, nos seus primeiros anos de vida, uma grande possibilidade para democratizar o acesso à informação, hoje há o perigo de que ela facilite justamente o oposto: o fluxo da desinformação. A era digital permite que cada usuário crie conteúdos fiáveis, mas também permite a falsificação das informações de modo abrangente. Ao criar uma multiplicidade de pontos de vista, com pesos e autoridades relativamente similares, dificulta a distinção do verdadeiro e falso e torna os argumentos de ambos os lados igualmente convincentes.  

Em 2018, o site do Senado identificou que mais de 15 mil perfis compartilhavam fake news no Facebook e Whatsapp. Pesquisadores afirmam que as fake news predominam pela força do imaginário e, por isso, têm um caráter "virótico" maior do que a comunicação de fato. Outros defendem a ideia de que o tempo da rede ajuda o boato a atingir proporções maiores, mas também permite que ele seja desmentido mais rapidamente.

O jornalismo científico tem o desafio de se adaptar a essas plataformas e contribuir para o compartilhamento de informações apuradas e de alta qualidade. O jornalismo, como uma das partes da divulgação científica, deve cativar as pessoas, criar espaço ao debate e investir na comunicação direta com o público. A internet pode, assim, ajudar na quebra dos estereótipos que giram em torno da ciência.

O que muitas vezes acontece é uma falha na comunicação na internet, por exemplo com a reprodução de padrões do jornalismo impresso no jornalismo digital. Dessa forma, suspende-se a possibilidade de aproveitamento das interfaces gráficas da internet e da sua multimidialidade. Os infográficos surgem, nesse cenário, como uma alternativa para captar a atenção do leitor da “era digital”, que não tem acesso a apenas uma leitura por vez, mas a várias leituras mediatizadas tecnologicamente. O ambiente digital pode ser um meio de integração, socialização e trocas de experiência, informação e conhecimento.

Diagnóstico e combate da desinformação científica[editar | editar código-fonte]

Constatados os riscos do fluxo de desinformação, surge a necessidade de agências de “Fact Checking” para elevar a qualidade de informação nas mídias digitais. Para contornar conteúdos superficiais, a multimidialidade pode ser uma alternativa. Para que não se produza jornalismo fantasioso ou sensacionalista, é necessário que haja confiança entre cientistas e jornalistas. Para isso, a etapa de apuração é fundamental, pois no caso do jornalista demonstrar despreparo, provoca-se um ruído na comunicação que culmina no ciclo de desconfiança entre as partes.

Porém, todas essas medidas que se limitam à atuação específica do jornalista, especialmente no ambiente virtual, não são suficientes para combater o fenômeno da desinformação. Fortalecer as instituições de saúde, ensino e pesquisa, investindo em seus setores de comunicação, pode contribuir para que sejam reconhecidas como fonte de consulta para profissionais e a população.

O Ministério da Saúde, por exemplo, criou, em 2018, o programa “Saúde sem Fake News” que consiste na divulgação de um número de telefone para que os cidadãos, através do WhatsApp, confirmem a veracidade das notícias disseminadas. Além disso, investiu em parcerias com o Ministério da Educação para o desenvolvimento de projetos como o Programa Saúde na Escola. Tais campanhas não devem se restringir ao discurso imperativo do dever de vacinar ou da proteção, mas municiar a população de informações que respondam aos seus receios. Conjuntamente a esse processo, os centros de produção de conhecimento, em especial as universidades, devem preencher os novos espaços da opinião pública midiatizada e a comunicação face a face entre a população e os profissionais da saúde aproveitada para o esclarecimento de notícias falsas e informações distorcidas.


Crédito: O conteúdo desta aula foi baseado na pesquisa de Miréia Figueiredo, feita em 2020, como bolsista do CEPID NeuroMat.