Saltar para o conteúdo

Utilizador:Raimundo57br/Cipolla

Fonte: Wikiversidade

A evolução da teoria da crise de superprodução na obra econômica de Marx

FRANCISCO PAULO CIPOLLAA

Resumo Resumo2

Ao longo de toda a sua obra econômica, seja ela jornalística ou teórica, Marx consistentemente se utiliza do termo superprodução para referir-se à natureza das crises capitalistas. No entanto, o significado de superprodução muda ao longo de sua obra. À medida que a elaboração da crítica da economia política vai ganhando momentum, novas conotações aparecem relacionadas ao conceito de superprodução. O objetivo deste trabalho é apresentar a história dessa evolução.

O conceito de superprodução parte de uma noção inicialmente subconsumista à qual se acoplam os mercados mundiais como canais de absorção para o excesso de produção de meios de consumo relativo à capacidade de consumo dos trabalhadores. A noção de que os mercados mundiais se mostram continuamente limitados diante do contínuo aumento da produtividade permanece, ligeiramente modificada, através dos Grundrisse e das Teorias da mais-valia, apesar dos avanços teóricos que essas obras significaram. Somente com O capital, a teoria da crise de superprodução é concebida como resultado interior do capital, ainda que não como capital em geral, independente da concorrência e do crédito, mas ao contrário, resultante da análise integrada desses elementos como parte do processo de acumulação de capital.

A primeira manifestação mais explícita sobre o caráter de superprodução das crises capitalistas aparece no Manifesto do Partido Comunista, escrito entre 1847 e 1848 e publicado em Londres no final de fevereiro de 1848. Em A ideologia alemã, por ocasião de sua crítica ao vício dos economistas, do qual partilha Herr Grün, de utilizarem a identidade entre produção e consumo e a identidade entre demanda e oferta para negar a superprodução, Marx diz: "Com um ar de impor¬tância ele reprova Fourier por tentar perturbar essa unidade com a superprodução".

Adaptado à natureza de panfleto, as crises de superprodução são descritas no Manifesto como resultado do confronto das forças produtivas com as relações de produção que já se manifestavam como empecilhos ao curso do desenvolvimento daquelas forças produtivas. É nesse contexto que Marx diz que "há várias décadas a história da indústria e comércio não é mais do que a história da revolta das forças produtivas modernas contra as relações de propriedade que são as condições de existência da burguesia e de seu domínio". E acrescenta que "nessas crises estoura uma epidemia que em qualquer outra época pareceria um absurdo - a epidemia da superprodução".

O tema fundamental da superação dos limites impostos pela própria natureza do capital como causa da crise perfaz a agenda de pesquisa que se manifesta tanto nos Grundrisse como nas Teorias da mais-valia. Em O capital, a noção de superprodução ganha uma nova conotação: desaparece a restrição externa de mercados para surgir um movimento especulativo no auge do ciclo, resultado do aumento de preços oriundo da superprodução entendida como estiramento das condições de reprodução ocasionado pela extensão do crédito.

Ao longo dessa trajetória nota-se, portanto, uma modificação da noção de superprodução. O primeiro sentido de superprodução relaciona o subconsumo à necessidade de mercados externos ao capital. Essa concepção subsiste até a elaboração dos Grundrisse. Nessa obra a noção de superprodução se liberta do subconsumo como causa imanente para significar expansão da produção de meios de consumo além da capacidade de absorção do mercado. Nas Teorias da mais--valia, a visão dos Grundrisse ganha um grau maior de concretização na medida em que a superprodução é circunscrita inicialmente a alguns poucos ramos centrais e seus efeitos negativos irradiados ao conjunto da economia. Finalmente, em O capital o ritmo de expansão do capital, possibilitado pelo sistema de crédito, rompe o equilíbrio entre oferta e demanda levando à fase especulativa e ao seu posterior colapso. Ao longo de todas essas elaborações, há uma coerência quanto ao fato de que o limite do capital é ele mesmo, no sentido de que sua natureza impõe restrições à produção que são recorrentemente ignoradas e, por isso, produzem crises.

Crise como restrição externa do mercado

[editar | editar código-fonte]

Na metade do século XIX, a Inglaterra exportava treze jardas de tecido de algodão para cada oito consumidas internamente (Hobsbawm, 1977, p.51). A expansão dos mercados externos joga um papel importante para o escoamento da produção industrial inglesa. Num artigo de duas páginas intitulado "A condição da classe trabalhadora na Inglaterra", publicado na Rheinische Zeitung em 20 de dezembro de 1842, Engels diz que a situação de tranquilidade enquanto há em¬prego dará lugar à destituição e miséria assim que ocorrer uma crise. A produção para o mercado chinês deverá chegar, segundo ele, a um ponto de saturação e a situação de tranquilidade se tornará uma situação de miséria. Como veremos a seguir, a constituição e contínua expansão dos mercados externos é um ingrediente importante na concepção que tinham Marx e Engels sobre a natureza da crise capitalista na metade do século XIX.

O livro A condição da classe trabalhadora na Inglaterra, escrito por Engels em 1844 e publicado originalmente em alemão em 1845, é resultado de sua primeira estadia na Inglaterra entre novembro de 1842 e agosto de 1844. Nele, Engels argumenta que, apesar de conhecer quanto cada país necessita de produto, o capitalista não pode saber quanto existe em estoque e quanto ofertarão seus concorrentes. Cada capitalista procura tirar vantagem de situações favoráveis, fato que leva à saturação do mercado. No começo, diz ele, essas crises se limitavam a alguns ramos, mas à medida que a centralização de capitais foi se generalizando em todos os ramos essas crises parciais foram se tornando crises recorrentes:

Essas crises reaparecem a cada cinco anos após um breve período de prosperidade; o mercado doméstico, assim como os mercados externos, fica saturado de produtos ingleses, que não podem ser absorvidos senão muito lentamente; o movimento industrial estanca em quase todos os ramos... (CW4, p.382)

A mesma argumentação é utilizada nos discursos de Elberfeld proferidos por Engels naquela localidade da Alemanha. Em 8 de fevereiro de 1945, como parte de um programa de discussões públicas sobre o comunismo, no qual, segundo relata em carta a Marx, estavam presentes todas as classes exceto o proletariado, Engels apresenta três elementos que levam às crises: 1) O desconhecimento de quanto cada capitalista leva ao mercado; 2) A quantidade de agentes comerciais e especuladores entre os produtores e o mercado consumidor; e 3) O fato de produzir para o mundo sem saber exatamente para onde vai o produto. "Com o gigantesco poder produtivo da indústria britânica o abarrotamento dos mercados ocorre com frequência". O caráter não planejado da produção mercantil capitalista somado à concorrência desenfreada por lucros cada vez maiores são os fatores básicos que geram o excesso de produção. É o mesmo argumento já expresso anteriormente no seu Esboço de crítica da economia política de 1843, no qual dizia que a produção para o mercado não é uma produção consciente, baseada no conhecimento das necessidades de consumo, mas, ao contrário, baseada na concorrência entre capitais que se comportam independentemente uns dos outros (CW3, p.433-434).

É possível que as primeiras referências ao termo superprodução tenham sido apresentadas no contexto da crítica a Proudhon, no conhecido livro publicado em 1847, Miséria da filosofia. Proudhon acreditava que os males do capitalismo advinham do fato de que a relação entre capitalistas e trabalhadores comportava um intercâmbio desigual: o salário não era capaz de comprar todo o produto do seu trabalho. Se ao contrário a sociedade se organizasse com base no intercâmbio regulado pelo valor em trabalho das mercadorias não haveria jamais produção em excesso e crises, pois o produtor estaria de posse daquilo que produziu na exata proporção das necessidades que o induziram a produzir. Desse modo a produção sempre corresponderia ao consumo e a oferta sempre corresponderia à demanda. Marx critica essa proposição já tendo naquela data uma exata definição do valor da força de trabalho. O valor da força e trabalho é igual ao valor das mercadorias que a força de trabalho necessita para sobreviver e manter a espécie. Assim, o valor da mercadoria força de trabalho é precisamente a fonte de escravidão do trabalho e não o pressuposto de sua emancipação, como defende Proudhon. Ademais, nas condições modernas de produção a oferta sempre se adianta à demanda e a contínua sucessão de ciclos de expansão, crise e estagnação passa a ser o estado natural da economia capitalista (CW6, p.137).

Trabalho assalariado e capital é o resultado de palestras proferidas por Marx em 1847 para os trabalhadores do Clube de Trabalhadores Alemães de Bruxelas. Como explica Engels, na sua introdução ao livro, a publicação dessas palestras teve início em abril de 1849 na Neue Rheinische Zeitung. Em maio desse mesmo ano o jornal que a publicava foi fechado pelo governo em face das revoltas havidas em várias cidades da Alemanha. Com isso a continuidade das publicações não pôde se materializar (Marx, 1976, p.5).

Nesse livro, Marx argumenta que as vantagens obtidas pelos métodos de produção que permitem a um capital individual vender mais barato e em maiores quantidades são, mais cedo ou mais tarde, eliminadas pela concorrência, fato que impõe novamente a busca por novos métodos capazes de aumentar o mercado para o capitalista individual. A utilização de meios de produção cada vez mais desenvolvidos e numa escala crescente é amparada pelo recurso ao crédito e provoca crises cada vez "mais frequentes e mais violentas" (Marx, 1976, p.48), à medida que a produção aumenta e os mercados ainda não explorados são eliminados. A análise sugere a expansão do capital do centro para a periferia, incorporando regiões ainda não integradas e diminuindo desse modo os espaços para ulteriores expansões de modo que, relativamente à capacidade produtiva, os mercados externos vão se tornando cada vez mais restritos.

Assim, temos nesse primeiro período, que vai até a publicação do Manifesto, uma dupla determinação para as crises de superprodução: por um lado, a contradição entre forças produtivas e relações de produção a partir da qual a produção de meios de consumo supera sistematicamente a demanda "interna" ao capital e, por outro lado, a necessidade de mercados externos em contínua expansão. A crise advém do fato de que a produção cresce acima da capacidade de consumo, dadas as relações de produção baseadas no trabalho assalariado, de modo que os mercados externos se apresentam como condição de resolução da contradição, mas ao mesmo tempo repõem a contradição numa escala cada vez maior à medida que os mercados mundiais vão sendo progressivamente exauridos.

O fato de que a contradição entre forças produtivas e relações de produção requeira a expansão dos mercados mundiais faz que as crises se manifestem como crises mundiais. Esses mercados externos servem para absorção de alguns produtos específicos, razão pela qual a crise de superprodução geral se inicia em alguns ramos líderes e se irradia para a economia como um todo somente após ter afetado os ramos exportadores, fenômeno que será mais detalhadamente explorado nas Teorias da mais-valia.

Após a derrota do proletariado nas revoluções europeias de 1848 e 1849, Marx e Engels lançam o jornal Neue Rheinische Zeitung, Politisch-ökonomische Revue cujo objetivo principal era servir de veículo de organização e análise da experiência revolucionária de 1848. Foram publicados seis números nos quais apareceram, além de importantes obras como A luta de classes na França e as Guerras camponesas na Alemanha, as análises da evolução política e econômica tanto na Europa como na América do Norte. Esses relatórios aparecem na edição das Obras escolhidas da International Publishers como as Reviews.

Na terceira e última Review, referente aos meses de maio-outubro de 1850, publicada no número 5-6 da Neue Rheinische Zeitung, Politisch-ökonomische Revue, Marx e Engels argumentam que "como sempre a prosperidade rapidamente levou à especulação":

A especulação ocorre regularmente em períodos nos quais a superprodução já está em pleno vigor. Ela fornece os canais por meio dos quais a superprodução pode ser temporariamente absorvida, acelerando dessa forma o advento da crise e ampliando o seu impacto. A crise estoura primeiramente na esfera da especulação e somente depois atinge a esfera da produção. Daí porque não é a superprodução que parece ser a causa das crises para as visões superficiais. A subsequente desarticulação da produção parece não ser a necessária consequência da prévia exuberância, mas simplesmente a mera repercussão do colapso da especulação. (CW10, p.490)

É importante enfatizar a referência à fase especulativa como antecâmara da crise, concepção que será mantida em O capital, onde ela resultará da elasticidade que o crédito dá à acumulação de capital, fato que resulta na ruptura do balanço entre oferta e demanda e no consequente aumento dos preços, a base da fase especulativa.

A distância dos mercados era outro fator importante de causa das crises, pois tornava a anarquia própria da produção de mercadorias ainda mais explosiva. Essa visão persiste até mesmo em O capital, onde foi relativizada numa das poucas intervenções editoriais mais longas de Engels. De acordo com o próprio Engels, o capítulo sobre "O efeito da rotação sobre a taxa de lucro" foi deixado em branco por Marx. Engels encontrou apenas o título como referência de que Marx ten¬cionava escrever um material específico sobre o tema. Coube ao próprio Engels preencher essa lacuna. No Livro III de O capital, esse é o capítulo 4. Ali fica claro, uma vez mais, que a distância dos mercados era um dos elementos causadores das crises já que se continuava a produzir sem notícias a respeito do escoamento das mercadorias. Nesse capítulo, Engels apresenta as duas fontes de redução do tempo de rotação do capital: a diminuição do tempo de produção e a do tempo de circulação. A redução do tempo de produção, diz, se obtém, principalmente, por meio do desenvolvimento da produtividade do trabalho. A diminuição do tempo de circulação, por outro lado, se obtém com o desenvolvimento das comunicações. Mas em seguida, Engels apresenta exemplos que ilustram o desenvolvimento dos transportes, sejam eles terrestres ou marítimos, desenvolvimentos esses que não se referem propriamente ao tempo de circulação, mas ao de transporte para o mercado, tempo esse que faz parte do tempo de produção e não de circulação. Referindo-se aos desenvolvimentos nas comunicações, ele diz que com a abertura do Canal de Suez o "tempo de circulação" diminuiu de doze meses para doze semanas. E complementa: "Os dois grandes focos de crises entre 1825 e 1857, América e Índia, por meio desse revolucionamento dos meios de comunicação, ficaram 70% a 90% mais perto dos países europeus industrializados e, com isso, perderam grande parte de sua capacidade explosiva" (Marx, 1988, v.4, p.54).

Reflections (1851)

[editar | editar código-fonte]

O manuscrito Reflexões, por sua vez, constitui parte do esforço de Marx e Engels no sentido de desenvolver uma teoria econômica que permitisse a compreensão científica do capitalismo e de sua transição para o comunismo.

Nesse manuscrito, Marx desenvolve o seu argumento em termos das relações negociante-negociante e negociante-consumidor. Ele argumenta que a impossibi-lidade de superprodução defendida pelos economistas diz respeito somente ao co-mércio entre negociantes. No entanto, todas as crises demonstram que o comércio entre negociantes excede os limites determinados pelo comércio entre negociantes e consumidores. As crises começam na relação entre negociante e consumidor assim que a oferta ultrapassa a limitada capacidade de consumo dos trabalhadores. De fato, defende, três quartos do intercâmbio entre comerciantes e consumidores são representados pelo intercâmbio entre trabalhadores e comércio de varejo que, por sua vez, depende do intercâmbio entre trabalhadores e capitalistas industriais que, por sua vez, é determinado pelo intercâmbio entre negociantes e negociantes. Assim, como a maior parte do intercâmbio entre negociantes e consumidores é constituída pelo consumo dos trabalhadores, a diminuição da renda destes últimos leva a um desequilíbrio entre produção e consumo e, portanto, superprodução.

Logo a seguir, no entanto, Marx qualifica essa interpretação dizendo que apesar de correta ela é modificada pela crescente extravagância das classes proprietárias. Ou seja, existem outras fontes de demanda, além do consumo dos trabalhadores, que fazem que seja errado lançar aquela proposição sem o adido de condições adicionais, como se "o comércio do dono da plantation fosse determinado pelo consumo dos seus escravos" (CW10, p.585). Começam a surgir, pois, justapostas às visões subconsumistas, importantes qualificações referentes a possíveis fontes de demanda suplementares àquelas fornecidas pelos trabalhadores. Por um lado, o aumento do intercâmbio entre negociante e negociante cria um aumento entre negociante e consumidor na medida que estimula os salários, apesar de que Marx apresenta esse caso com a conotação negativa de uma demanda especulativa entre os primeiros. Por fim, encerra suas observações dizendo que a superprodução não pode ser atribuída somente à produção desproporcional, mas também à relação entre classe capitalista e classe dos trabalhadores. É difícil compreender o que seja a relação entre classe capitalista e trabalhadores que possa elucidar a origem da crise, senão precisamente a natureza desproporcional entre oferta e demanda gerada pela própria natureza da relação. Marx não fornece os elementos para a decifração desse ponto obscuro da argumentação.

O texto segue com uma discussão sobre a diferença entre dinheiro e capital nas crises, discussão essa que antecipa a exposição apresentada em O capital. Apesar de ainda não contar com a terminologia apropriada de capital-mercadoria, na crise, argumenta Marx, o problema não é de falta de capital, mas da impossibilidade de conversão do capital em dinheiro, ou seja, da conversão das mercadorias em dinheiro. E o dinheiro parece inexistente porque é absorvido "em inúmeras transações para as quais antes ele não era necessário". A dificuldade real, portanto, é a inconversibilidade das mercadorias em dinheiro. "É por essa razão que a emissão de notas bancárias durante as crises de 1793, 1825 e 1847 permitiram remediar a situação" e superar a crise monetária ainda que não pudessem superar a crise propriamente dita. O problema da conversibilidade do capital em dinheiro está contido na forma de valor das mercadorias e, portanto, Marx ridiculariza as tentativas "de se livrar das inconveniências do dinheiro por meio da introdução de grandes quantidades dele na circulação". De qualquer modo, predomina a visão de que a superprodução é o resultado do crescimento da oferta além da capacidade de consumo da sociedade nas condições de decréscimo do poder de compra da classe assalariada, a maior responsável pela demanda de consumo. Marx não é explícito acerca do que constitui esse decréscimo do poder de compra, mas provavelmente deve-se à observação do fenômeno, descrito no capítulo sobre a "Maquinaria e grande indústria", de absorção de mulheres e crianças à produção fabril, fato que provocou uma redução considerável dos salários.

New York Daily Tribune

[editar | editar código-fonte]

Como se sabe, a atividade jornalística de Marx representava seu ganha-pão e consumia uma enorme quantidade do tempo disponível para o seu trabalho de crítica da economia política. Isso porque, como ele mesmo diz, era preciso se informar sobre temas a respeito dos quais ele pouco sabia. Essa atividade ocupa praticamente toda a década de 1850. O balanço em favor da pesquisa teórica no campo estrito da economia política somente ocorre com a crise de 1857, há muito esperada por Marx, crise essa que lhe deu o estímulo para construir a sua teoria "antes do dilúvio".

Os artigos escritos para o New York Daily Tribune, apesar de não estarem no terreno da economia política propriamente dita, apresentam análises concretas sobre o andamento da economia mundial durante aquela década até desembocar na crise de 1857. O interesse nesses artigos reside no fato de revelarem a visão de Marx acerca das crises capitalistas de um ponto de vista prático. Escrevendo em 23 de setembro de 1853, artigo intitulado "The Western Powers and Turkey - Symptoms of Economic Crisis" [As potências ocidentais e a Turquia - Sintomas de crise econômica], Marx nota que a construção de um grande número de fábricas de grandes dimensões só não havia causado os sintomas de superprodução por causa das interrupções causadas por greves, falta de braços e atrasos na entrega de "enormes quantidades de maquinário". No artigo "The Turkish War" [A guerra turca], Marx se refere à redução da jornada imposta pelos fabricantes ingleses como forma de "antídoto à superprodução industrial sem paralelo na 'história dos preços".

Em artigo escrito em 13 de setembro de 1853, intitulado "Political Movements - Scarcity of Bread in Europe" [Movimentos políticos - escassez de pães na Europa], Marx enfatiza que a enorme acumulação de capital produtivo levaria a uma crise de superprodução. "Tenho repetidamente mencionado a tremenda expansão das fábricas velhas assim como a inédita construção de fábricas novas. Relatei sobre a construção de novas fábricas que constituem verdadeiras cidades industriais...".

Essas passagens deixam claro que o prelúdio da superprodução é a rápida acumulação de capital em relação à capacidade do mercado, em consonância com a noção que Marx elaboraria mais tarde de que o crescimento da produção requer uma unidade com o crescimento do mercado. No entanto, sendo essa unidade externa, ela só pode ser estabelecida pela crise como forma de reequacionar a dimensão da produção à dimensão do mercado. Marx tem em vista o mercado mundial como essa unidade e, portanto, ela não somente é externa como cai fora da análise do capital per se.

Como vemos, à noção básica de superprodução causada pelo subconsumo se adicionam as primeiras tentativas de considerar fontes de demanda suplementares, mas a construção teórica correspondente ainda não é levada a cabo. Igualmente importante é a introdução da fase especulativa como prelúdio da crise. Porém, também aqui, a ligação orgânica dessa fase com a etapa precedente, de aceleração da acumulação de capital, não é desenvolvida.

Do subconsumo à superacumulação

[editar | editar código-fonte]

Os Grundrisse

[editar | editar código-fonte]

Os Grundrisse foram escritos entre o outono londrino de 1857 e maio de 1858. Eles constituem a primeira tentativa sistemática de construção da obra econômica de Marx, sua crítica à economia política. Por isso, muitos marxistas se referem aos Grundrisse como a primeira versão de O capital. Nessa obra Marx se ocupa em desvendar a predisposição do capital à crise de superprodução. Essa predisposição à crise é o resultado da tensão entre os limites à expansão do capital e a indiferença do capital em relação a esses limites. Uma vez determinados os limites à expansão do valor impostos pela própria natureza do capital, está determinada a predisposição do capital à crise na medida em que o movimento de expansão do valor procura transpor todos os limites. Dessa forma a crise é concebida como parte da definição de capital e o capital como uma forma transitória de organização social. Esses limites se referem a limites à produção, ultrapassados os quais a valorização do capital por meio do seu processo complementar de circulação já não é possível. Assim se expressa Marx a respeito:

É suficiente demonstrar que o capital contém uma restrição particular à produção - restrição que contradiz sua tendência geral de ultrapassar toda barreira à pro¬dução - para termos descoberto o fundamento da superprodução, a contradição fundamental do capital desenvolvido; para termos descoberto de modo mais geral, o fato de que o capital não é, como acreditam os economistas, a forma absoluta do desenvolvimento das forças produtivas... (CW28, p.342)

Para desvendar a tendência à superprodução no capitalismo é, pois, necessário encontrar quais são as restrições à expansão da produção que a própria natureza do capital lhe impõe. A contradição fundamental da qual Marx deriva a tendência à superprodução é a inerente à busca de expansão ilimitada do valor por meio da produção de valores de uso cuja absorção é limitada pela capacidade de consumo. Como a demanda de valores de uso é limitada pela capacidade de consumo, a busca pela valorização sem limites se choca com o caráter limitado do consumo. Daí a ten¬dência a produzir mais valores de uso do que a proporção adequada à realização das mercadorias, isto é, sua transformação em dinheiro.

Assim, a possibilidade de crise inscrita na metamorfose da mercadoria ganha, com o capital, determinações próprias da metamorfose do capital. Enquanto na metamorfose da mercadoria a possibilidade de crise reside na interrupção da compra por parte daquele que já vendeu, na metamorfose do capital a possibilidade de crise reside na impossibilidade de venda por parte daquele que já produziu. A contradição entre valor e valor de uso no capital não resulta da possível disjunção entre compra e venda, mas sim da disjunção entre objetivo de valorização ilimitado perante o caráter necessariamente limitado da capacidade de consumo. Enquanto na metamorfose da mercadoria a possibilidade de crise tinha um conteúdo apenas formal, no capital a possibilidade de crise se baseia no fato de que a busca pela valorização ilimitada se choca com o caráter de valor de uso das mercadorias. Enquanto o aumento de valor é ilimitado, o valor de uso tem um limite na necessidade social que se tem do produto, necessidade esta balizada pelo poder de compra. Esse choque entre infinito e finito representa a separação da metamorfose do capital entre produção e circulação. A produção de valor se realiza como processo interno ao capital, enquanto a realização desse valor em dinheiro depende da absorção do produto pelo mercado. Esse choque que emana da contradição entre objetivo do capital que é a valorização e sua efetivação, que depende da socialização do valor de uso através da venda, ganha uma dimensão concreta nas relações de produção capitalistas nas quais o trabalho necessário se apresenta como o limite do valor de troca da força de trabalho e, portanto, como limite da capacidade de consumo. A contradição geral da mercadoria ganha no capital uma contradição que advém da natureza das relações de produção cujo fundamento é a exploração de trabalho excedente. Essa contradição é apresentada como o primeiro limite à produção inerente ao próprio capital.

O primeiro limite é, então, o trabalho necessário como limite à capacidade de compra dos trabalhadores. A determinação dos salários como equivalente monetário do tempo de trabalho necessário implica uma demanda de meios de consumo compatível com a mera subsistência (CW28, p.342). Mas o capitalismo obviamente não produz para a subsistência dos trabalhadores, mas sim para a sua autovalorização que se origina no tempo de trabalho excedente. É em relação a este último que a demanda dos trabalhadores se torna insuficiente.

Em ... P... , ou seja, no processo imediato de produção, a expansão do capital é limitada pela produtividade do trabalho, isto é, pela porção da jornada de trabalho que é absorvida pelo salário. O aumento da produtividade é, portanto, uma procura contínua por meios que reduzam o tempo de trabalho necessário, aquela parte da jornada na qual a força de trabalho trabalha para si e produz um valor equivalente ao salário que recebe. Essa busca contínua por meios de produção capazes de elevar a produtividade do trabalho leva a um aumento contínuo da massa de valores de uso despejada no mercado, ao mesmo tempo que restringe relativamente àquela massa de produtos a capacidade de consumo das massas. Assim, cresce continuamente a necessidade de fontes suplementares de demanda para realizar o valor do sobreproduto. O capital produz uma barreira à realização do valor do sobreproduto já que esta depende de uma demanda externa aos trabalhadores. "Se a demanda externa à demanda dos trabalhadores desaparece ou diminui, então, o colapso ocorre" (CW28, p.349). Isso significa que o excesso de oferta acima da capacidade de compra dos trabalhadores é constituído de meios de consumo, concepção que começa a ser superada com a crítica da teoria do valor de Proudhon sobre a qual este erigia sua concepção de crise.

Para Proudhon, os trabalhadores não podiam comprar todo o produto do seu trabalho porque, ao valor equivalente ao trabalho por eles adicionado, o capitalista acrescentava o seu lucro. Mas, diferentemente de Proudhon, a razão da diferença entre salário e valor do produto não está no lucro adicionado pelo capitalista sobre o valor gerado pelo trabalho, mas ao fato de que os trabalhadores criam mais valor do que ganham em salário. Suponhamos que o produto tenha um valor de 500. Se os salários equivalem a 100, os trabalhadores poderão comprar somente um quinto dele. Para Proudhon isso se deveria ao fato de que, ao valor de 100, os capitalistas acrescentariam uma margem de lucro de 400. Para Marx os trabalhadores não podem comprar todo o produto porque o valor de sua força de trabalho é apenas um quinto do valor total criado pelo seu trabalho. Mas isso não é tudo. Observado mais de perto, o excesso de valor sobre os salários contém uma parte que representa o valor dos meios de produção utilizados pelo trabalho. Assim que o valor do produto é dividido em todas as suas partes componentes e se explicita o valor do capital constante referente às matérias-primas e máquinas utilizadas, torna-se evidente que a reposição daqueles meios de produção consumidos requer que os capitais realizem compras uns dos outros, observação que leva Marx a formular a tendência à superprodução como algo distinto do subconsumo.

Primeiramente, Marx apresenta seu quadro de insumo-produto em condições de reprodução simples. A economia é composta por cinco capitais. O valor do produto de cada um deles é igual a 100. Os dois primeiros capitais, A e B, produzem matérias-primas; o capital C produz maquinário; o capital D produz meios de consumo para a classe capitalista e o capital E produz meios de consumo para os trabalhadores. A composição de valor do produto dos cinco capitais é idêntica:

Matérias-primas Maquinário Salários Mais-valia 40 20 20 20

Assim, os produtores de matérias-primas, capitais A e B, produzem, juntos, 200 de matérias-primas dos quais 80 são para eles próprios e 120 para os outros capitais; o produtor de máquinas produz 100 dos quais retém 20 e vende as outras 80; o produtor E de meios de consumo dos trabalhadores vende para os seus próprios trabalhadores 20 e o restante 80 para os outros trabalhadores; a mais-valia total de 100 (=5x20) é gasta em compras ao capitalista D, produtor de meios de consumo capitalistas. Como vemos, a análise de valor empreendida para criticar Proudhon torna claro que o produto deve existir nas proporções adequadas ao processo de reprodução, fato que implica a possibilidade de reprodução sem nenhuma deficiência de demanda: os capitalistas E compram dos capitalistas A, B, C e D; os capitalistas D compram dos capitalistas A, B e C; os capitalistas C compram dos capitalistas A, B e D; os capitalistas A e B compram dos capitalistas C e D e, finalmente, os trabalhadores de toda a economia compram dos capitalistas E.

A conclusão que emerge de sua análise é que "uma coisa é clara: a valorização ocorre por meio do intercâmbio entre capitalistas". Logo em seguida Marx parece ter superado o viés subconsumista ao afirmar que se D e E, os produtores de meios de consumo dos trabalhadores e dos capitalistas, respectivamente, tivessem produzido muito relativamente à "parte do capital destinada aos trabalhadores, ou muito relativamente à parte consumível pelos capitalistas [...] teríamos uma superprodução geral" não em virtude de os trabalhadores consumirem pouco ou por causa do pequeno consumo dos capitalistas, mas porque teriam sido produzidos meios de consumo em excesso: "não muito para o consumo mas muito para manter a correta proporção entre consumo e valorização; muito para a valorização". Ou seja, a razão da crise não é a capacidade limitada de consumo dos trabalhadores, mas a tendência do capital a produzir além da proporção adequada para permitir a venda de todo o produto. No entanto, permanece a concepção de que a crise ocorre no mercado de meios de consumo e que os meios de produção são apenas intermediários na produção de meios de consumo, um resquício da visão subconsumista. Apesar de ter mudado o lado da balança responsável pelo desequilíbrio - muita produção e não pouco consumo -, Marx ainda concebe a economia como sendo guiada pela produção de meios de consumo e a crise como resultado de a produção de meios de consumo ultrapassar a proporção adequada à realização de todo o produto.

Em M'-D' o capital encontra limites relativos ao tempo de circulação, tempo esse que requer a paralisação do capital numa forma incapaz de expandir o valor, a forma de capital mercadoria. O capital procura superar esse limite por meio da venda ao capital comercial e da retomada da produção antes mesmo de a mercadoria ter sido absorvida pelo consumidor final. A superação dos limites impostos em ...P... interage com os limites impostos pelo tempo de circulação, pois a elevação da produtividade requer o aumento dos mercados e, portanto, a necessidade de acelerar a absorção da massa aumentada da produção. O crédito, a venda em consignação ao comerciante, assim como o crédito ao consumo, ainda que esse último aspecto não tenha sido analisado por Marx, apresentam-se como formas de saltar a barreira da circulação.

Como vimos, a crítica da teoria do valor de Proudhon deu início às explorações acerca das inter-relações entre os vários ramos da economia e a formação de demanda entre estes: a demanda recíproca entre os capitais em crescimento, análise que pode ser vista, como observou Itoh, como as elaborações iniciais do que viriam a se constituir nos conhecidos esquemas de reprodução. Diante das evidências de sua própria elaboração teórica, Marx afirma de modo ainda genérico que a causa da crise não é o caráter restrito da demanda dos trabalhadores e dos capitalistas, mas sim que a produção é muito grande para os propósitos de valorização.

Finalmente, Marx se refere à queda da taxa de lucro como causa das crises, mas suas conclusões apresentam um caráter genérico não muito diferente da forma de argumentação do Manifesto: o aumento das forças produtivas se torna incompatível com a forma das relações de produção baseadas na apropriação privada dos lucros. Estes são restringidos pela evolução da própria produtividade do trabalho impulsionada pelo capital: o capital se apresenta como contradição entre forças produtivas e relações de produção na forma de crises. No entanto, o nexo causal entre diminuição da lucratividade e crise não é tratado de forma explícita.

Teorias da mais-valia

[editar | editar código-fonte]

Na passagem mais importante sobre as crises nas Teorias da mais-valia, Marx se opõe a Ricardo e a toda escola de pensamento econômico para a qual as crises gerais de superprodução eram impossíveis. Primeiramente, Marx desenvolve a teoria da possibilidade de crise com base na análise do que ele chama a metamorfose da mercadoria, o processo de transformação do produto de um trabalho no produto do trabalho do outro por meio da venda e da compra. Enquanto os clássicos viam nessa metamorfose apenas um escambo mediado pelo dinheiro, Marx argumenta que a transformação da mercadoria em dinheiro não requer sua transformação imediata em mercadoria, fato que explica a possibilidade de crise. Essa possibilidade de crise se dá sob duas formas: na da função do dinheiro como meio de circulação e na da função do dinheiro como meio de pagamento.

Sob a função de meio de circulação, a possibilidade de superprodução generalizada está implícita na metamorfose da mercadoria, já que a demanda pela mercadoria geral, o dinheiro, pode se tornar maior do que a demanda pelas mercadorias particulares quando o motivo de transformar mercadoria em dinheiro predomina sobre o motivo de transformar o dinheiro em mercadoria. Essa forma abstrata da crise se manifesta em toda crise de modo que a forma mais abstrata é ao mesmo tempo sua forma mais geral. No capitalismo desenvolvido, essa forma abstrata é a crise monetária. Enquanto fase de toda crise, ela não pode ser a explicação da crise, mas apenas uma forma de seu desdobramento. Sob a função do dinheiro como meio de pagamento, a possibilidade da crise adquire uma forma mais concreta na medida em que estabelece relações de dívida entre os produtores que só podem ser quitadas por meio de vendas, de modo que a venda se transforma na função econômica de obter meios de pagamento. Como a mesma quantidade de dinheiro salda "uma série de transações recíprocas" (CW32, p.144), a incapacidade de pagar se reproduz ao longo de toda a cadeia de transações nas quais o dinheiro figura como meio de pagamento.

A possibilidade de superprodução geral implícita na metamorfose da mercadoria se reproduz na metamorfose do capital também como resultado das duas funções do dinheiro: com base na função do dinheiro como meio de circulação, a separação entre venda e compra implica na possibilidade de que a interconexão entre os capitais seja interrompida; com base na função do dinheiro como meio de pagamento, a possibilidade de crise se duplica em duas dimensões: primeiro, na medida em que o dinheiro funciona como medida de valor e segundo, na medida em que o dinheiro funciona como realização do valor.

Na sua função de medida de valor, a mudança de valor, do momento em que a promessa de pagamento é selada até sua realização, pode haver uma mudança do valor das mercadorias. A diminuição do valor pode levar à impossibilidade de efetuar o pagamento contratado com base num valor mais elevado das mercadorias a serem vendidas.

Na sua função de realização do valor, mesmo mantendo-se constante o valor das mercadorias, o retardo na sua transformação em dinheiro faz que a obrigação contraída, por meio da compra a crédito, não possa ser cumprida.

Com a função do dinheiro como meio de pagamento, toda crise se transforma numa crise monetária na medida em que a impossibilidade de pagar se alastra ao longo da cadeia de débitos a serem quitados, causando uma procura aguda por dinheiro como meio de pagamento, a definição de crise monetária. É nesse ponto que Marx sugere que a relação entre a função do dinheiro como meio de pagamento e o desenvolvimento do crédito e do supercrédito requerem uma análise particular, aspecto que será empreendido em O capital.

Após a crítica teórica à impossibilidade de superprodução geral, Marx passa às condições concretas nas quais ela pode ocorrer. Argumenta que para que a superprodução seja geral basta que haja superprodução em alguns ramos mais importantes, fenômeno que se reduz à relação entre superprodução absoluta e superprodução relativa, sua segunda linha de argumentação: superprodução absoluta nos ramos líderes e superprodução relativa nos ramos dependentes.

A superprodução absoluta no ramo de tecelagem provoca uma queda na demanda de meios de produção de todos os ramos fornecedores, fato que provoca uma superprodução relativa nesses ramos. A diminuição da produção de meios de produção faz que salários e lucros se contraiam, causando uma redução na demanda de meios de consumo. Como resultado se produz uma superprodução relativa nos ramos que produzem meios de consumo para os trabalhadores e capitalistas. Assim, para que se tenha superprodução geral de mercadorias basta que a superprodução atinja alguns ramos mais importantes da economia. A superprodução geral é com-posta de uma superprodução absoluta do ramo líder e de várias superproduções relativas nos ramos afetados pela redução da demanda de meios de produção e da demanda de meios de consumo dos trabalhadores derivadas da contração do ramo líder. A superprodução não poderia ocorrer nos ramos puxados pelos ramos líderes, isto é, aqueles que provêm meios de produção para os ramos líderes já que sua oferta é regulada pelo andamento da reprodução dos ramos líderes.

A superprodução geral é possível, contrariando a ideia de que se todas as mercadorias fossem produzidas em abundância sempre haveria mercado para todas elas já que a produção seria para a troca. Ao contrário,

Se a superprodução ocorre não somente em tecidos de algodão, mas também em tecidos de linho, seda e lã, então, fica claro como a superprodução em alguns poucos ramos importantes causa uma superprodução relativa mais ou menos geral em todo o mercado.

A dificuldade consiste em explicar como ocorre a superprodução nos ramos principais da economia. A solução apresentada é bastante abstrata: uma vez que mercado e produção são dois fatores independentes, então, a mera necessidade de que o mercado cresça no mesmo ritmo da produção implica na possibilidade de que essa conexão falhe, interpretação que se baseia na noção de mercado como algo exterior à produção e não como demanda internamente gerada pela reprodução do capital social total.

De qualquer modo, o fenômeno de superprodução relativa é derivado não só da dependência do nível de consumo dos trabalhadores das indústrias líderes, mas da interdependência das indústrias que produzem elementos materiais para a produção dos produtos líderes, "os vários estágios do capital constante". A análise abstrai da função do dinheiro como meio de pagamento para se concentrar na inter-relação entre acumulação num ramo central e a influência que sua demanda de meios de produção tem na reprodução dos outros ramos.

A sua repetição de que as crises de superprodução decorrem da tendência a produzir além do crescimento do mercado, cuja capacidade de consumo é limitada pela própria natureza do capitalismo, implica que as crises de superprodução devem iniciar necessariamente nos setores que produzem os artigos de consumo mais importantes. Assim, a superprodução de meios de consumo como causa da crise continua predominante.

Mesmo nas Teorias da mais-valia, a visão de Marx sobre a crise ainda reúne os elementos de crescimento acima da capacidade de absorção do mercado direto e da necessidade de expansão dos mercados mundiais. Referindo-se a Ricardo, Marx diz:

ele negligencia o fato de que o nível de produção não é de forma alguma escolhido arbitrariamente, mas que quanto mais se desenvolve a produção capitalista, mais ela é forçada a produzir numa escala que não tem nada a ver com a demanda imediata, mas que depende de uma contínua expansão do mercado mundial.

Em seguida, ao criticar a concepção de Say de que os capitalistas produzem com o objetivo de trocar, ele diz que a demanda do trabalhador não é suficiente para comprar todo o produto. E continua:

A demanda dos capitalistas entre eles é igualmente insuficiente. A superprodução não causa uma queda prolongada nos lucros, mas é prolongadamente periódica... A superprodução emerge do fato de que a massa dos indivíduos jamais pode consumir além de uma quantidade média de produtos, que o seu consumo, portanto, não cresce proporcionalmente à produtividade do trabalho.

Reaparece aqui o mesmo argumento já desenvolvido nos Grundrisse: o caráter limitado do consumo e a decorrente necessidade de mercados mundiais que apenas recolocam o problema numa escala mundial. A elevação da produção requer o contínuo aumento do mercado mundial. Mas o mercado não mantém o mesmo passo do aumento da produção, do que resulta uma superprodução dos ramos líderes que são precisamente os engajados no comércio mundial. Por isso não se pode identificar essa forma de crise com uma teoria da desproporção entre ramos já que não se trata de demanda interna, mas de excesso de oferta em relação às condições de absorção dos mercados externos.

Nas Teorias da mais-valia, a superprodução é com relação à capacidade de absorção dos mercados mundiais. Esses mercados externos importam apenas alguns poucos itens. A saturação do mercado externo por esses produtos rebate no mercado interno como superprodução relativa. Mas isso não representa uma teoria da crise baseada no crescimento desproporcional dos vários ramos, como argumenta Itoh.

Como poderia manter-se tal visão após os estudos que resultaram nos esquemas de reprodução? Neles se demonstra que o sistema de reprodução cria internamente a demanda necessária ao escoamento da produção. Quando o capital é concebido como totalidade, e o seu mercado é interior a ele mesmo, a superprodução tem que ganhar uma nova conotação.

O desenvolvimento dos esquemas de reprodução e de sua base teórica, que é a análise da rotação do capital, mostra que, se os setores em que se divide a economia crescerem ao mesmo ritmo, então a demanda necessária para realizar todo o produto se forma no interior da própria reprodução ampliada. Mostra também que a base do sistema de crédito é o processo de formação de fundos monetários no interior da reprodução dos capitais e que o balanço entre oferta e demanda do produto social depende da ação mutuamente compensatória entre formadores de fundos monetários de acumulação e depreciação e investidores de fundos monetários previamente formados. O comportamento cíclico e as crises se explicariam pelo fato de que o rompimento daquele balanço durante a fase de prosperidade causa um aumento dos preços que põe em moto a fase especulativa. Agora, a fase especulativa, fase que antecede a crise, citada por Marx inúmeras vezes ao longo de sua obra, ganha com a teoria da reprodução e do sistema de crédito uma explicação orgânica para o seu aparecimento recorrente. Assim, a mesma teoria que permitiu superar o problema do subconsumismo recoloca o problema da superprodução como excesso de demanda e não de oferta.

Com os esquemas de reprodução, a noção de excesso de produção já não era mais sustentável porque os esquemas mostram precisamente a formação endógena de demanda adequada à absorção de toda a produção. A teoria da reprodução do capital volta-se contra o argumento que o próprio Marx utilizara contra Say: se a oferta de todas as mercadorias cresce no mesmo ritmo, então, a acumulação cria a demanda adequada para a compra de todas elas. A superprodução tem que ganhar um novo significado. Marx continua utilizando o termo superprodução, mas esta resulta agora de um processo de gestação que leva em conta o crédito e a especulação de forma explícita: a superacumulação. É o que se procura explicitar a seguir.

Os desenvolvimentos teóricos apresentados nos volumes II e III de O capital nos fornecem os elementos fundamentais para a compreensão da teoria de superprodução como teoria de superacumulação de capital produtivo por meio da intervenção do crédito.

Na análise da rotação do capital, Marx derivou a fundamentação do crédito bancário nas várias formas nas quais o capital dinheiro se desengaja do circuito do capital industrial para permanecer em estado de acúmulos monetários temporariamente ociosos. Esses acúmulos monetários resultam da reprodução do valor do capital fixo na forma dinheiro necessária para a sua reposição, valor este que deve permanecer na forma de capital portador de juros durante todo o seu período de reprodução; do fundo de acumulação que deve crescer à medida que cresce a escala do processo capitalista de produção e finalmente o fundo de capital circulante, aquela massa monetária que deve estar continuamente disponível para os sucessivos gastos de reposição dos elementos do capital circulante.

A análise da reprodução do capital social total ilustrada nos conhecidos esquemas de reprodução indicam, por outro lado, que a reprodução só pode proceder normalmente se à magnitude do capital dinheiro que se desengaja das funções ativas no interior do circuito do capital industrial corresponder à mobilização de acúmulos monetários de mesma magnitude. A razão disso reside no fato de que o capital dinheiro que abandona temporariamente as funções ativas do circuito corresponde a frações do valor do produto, sejam elas relativas à depreciação ou à mais-valia. Se todos os capitais efetuassem a mesma operação, obviamente, essas frações do produto não encontrariam demanda correspondente. Assim, às frações de dinheiro que se entesouram na forma de fundo de depreciação ou de fundo de acumulação devem corresponder frações de dinheiro que são mobilizadas da forma tesouro para a forma de capital dinheiro que inicia o circuito com a aquisição de capital produtivo. O produto total só pode se realizar plenamente se houver esse balanço entre formação de fundos ociosos e ativação de fundos previamente acumulados.

Ocorre, no entanto, que a fase de aceleração da acumulação rompe esse balanço uma vez que nessa fase aumenta a taxa de lucro enquanto a taxa de juros ainda permanece ao redor do seu nível médio. Disso resulta um aumento da taxa de lucro de empresário, que é precisamente a diferença entre taxa média de lucro e taxa de juro vigente. Isso estimula os capitais a anteciparem seus investimentos mesmo antes de terem acumulado fundos monetários suficientes. Assim, um número maior de capitais se concentra na fase de transformação de fundos monetários em capital produtivo, inclusive aqueles que, ainda não tendo volumes suficientes para acumulação, se lançam à expansão recorrendo ao crédito bancário. Os bancos, por sua vez, acomodam, até os limites de suas possibilidades, o aumento da demanda de crédito de capital, com o que não somente as empresas aumentam a relação dívida/capital, mas também os bancos elevam aos limites máximos o seu volume de ativos relativamente ao volume de depósitos. Assim, a unidade da reprodução agregada baseada que é no balanço entre capitalistas poupadores e investidores se quebra por causa do incentivo à antecipação dos investimentos. A concentração dos capitalistas na atividade de acumulação de capital produtivo faz que a demanda de meios de produção ultrapasse a oferta e cause um aumento de preços. Curiosamente, a superprodução em O capital não significa um excesso de oferta, mas um ritmo de reconversão do capital dinheiro latente em capital produtivo incompatível com o ritmo de produção de capital produtivo porque envolve a complementação de fundos monetários pelo crédito para antecipação da acumulação real. Mas o processo não para aí.

O aumento dos preços oriundo do desequilíbrio entre formação de capital produtivo e capital produtivo em oferta coloca em cena a demanda de crédito para fins especulativos. Daí a simultaneidade entre inflação, superprodução e superespeculação. É importante notar o fato de que inflação e superprodução ocorrem simultaneamente. O significado de superprodução agora é a extensão da produção além dos limites estabelecidos pelo balanço entre injeções e vazamentos monetários. A concentração de capitalistas na fase de acumulação real causa um aumento da demanda de capital produtivo além da oferta de capital produtivo e, portanto, inflação. Esse processo é ao mesmo tempo o processo de aumento do endividamento das empresas e da redução das reservas bancárias a um mínimo absoluto. À medida que a elevação da demanda de crédito força um aumento da taxa de juros, os empreendimentos que entram em estado de stress financeiro são levados a demandar crédito como meio de pagamento, fato que sinaliza aos bancos o aumento da situação de risco dos seus ativos e, em última análise, inicia uma retração da oferta de crédito com que o boom especulativo chega ao fim.

Com o fim do boom especulativo, o aumento dos preços sobre os quais se baseavam os investimentos especulativos não se realiza na magnitude compatível com o aumento da taxa de juros: o empréstimo especulativo de uma quantidade D de capital baseia sua expectativa de retorno em que os preços aumentem para D'. A diferença D' - D = AD deve ser suficiente para cobrir o juro bancário e ainda fornecer ao especulador uma margem de lucro. Se a taxa de juros apresenta o mesmo aumento que os preços, então todo o AD deverá ser pago na forma de juro. A atividade especulativa se torna inviável ampliando o espectro de empreendimentos em situação de iminente insolvência. O colapso de alguns empreendimentos especulativos põe fim à marcha ascendente dos preços e abre um período de liquidação de estoques especulativos. Os preços de mercado desabam, dando início a um processo deflacionário que leva à depressão generalizada.

Enquanto nas obras anteriores superprodução significava excesso de produção relativamente à capacidade de absorção do mercado externo, agora, depois do livro II, no qual se expõe a reprodução do capital agregado, já não é mais possível supor a restrição dos mercados externos para uma teoria da crise. Superprodução muda de conotação: produção além dos limites capitalistas significa agora produção além da unidade da reprodução do capital social total, unidade essa que é dependente do balanço entre capitais formadores de fundos de acumulação e capitais em processo de conversão de fundos monetários em acumulação real.

É interessante acrescentar aqui que o processo de produção capitalista é a unidade do processo de trabalho (a produção de valores de uso) e do processo de valorização (a produção de mais-valia). O processo de valorização é o fim e o processo de produção de valores de uso é o meio. Em condições normais, o processo de valorização é simultaneamente processo de produção de riqueza material, valores de uso. Mas a fase de excitação do ciclo rompe essa unidade porque nela emerge a especulação: a tentativa de efetuar o fim que é a valorização sem o meio que é a produção de valores de uso.

Ao longo de sua elaboração sobre as crises capitalistas, Marx repete a ideia de que a tendência do capital a superar os obstáculos próprios de sua natureza é a causa última das crises. Essa visão atravessa quatro desenvolvimentos principais: no primeiro, a causa da crise é a deficiência da demanda de meios de consumo resultante da contradição entre forças produtivas e relações de produção; nos Grundrisse, essa posição evolui para o excesso de oferta de meios de consumo em relação à capacidade de consumo dos trabalhadores e capitalistas; em seguida, o excesso de oferta é restringido para os ramos chaves da economia que continuam sendo os ramos produtores de meios de consumo, visão essa desenvolvida nas Teorias da mais-valia; finalmente, após a elaboração dos esquemas de reprodução e a análise do crédito, a crise advém do excesso de demanda de capital produtivo.

Antes dos esquemas de reprodução há uma tensão subjacente à análise de Marx: por um lado, o método "do abstrato ao concreto" impõe a derivação da tendência do capital à crise a partir da própria natureza do capital, das suas determinações internas enquanto relação social. Ao mesmo tempo, porém, os mercados externos se apresentam como centros de desafogo para a contradição fundamental do capital, a tendência a produzir além da capacidade de consumo dos trabalhadores e capitalistas. Ademais, a apresentação dos mercados externos como absorvedores de meios de consumo baseia-se numa etapa do capitalismo na qual a produção periférica ainda não servia de centro de absorção de meios de produção, fato que impôs limitações à forma de conceber a crise nas Teorias da mais-valia.

Ora, é claro que para Marx o desenvolvimento dos mercados mundiais e o caráter mundial das crises econômicas não poderiam deixar de ser de extremo interesse, tanto do ponto de vista da tendência do capital a incorporar todas as esferas da humanidade ao seu circuito, quanto da perspectiva de revolução mundial.

No Manifesto do Partido Comunista, o obstáculo ao desenvolvimento das forças produtivas são as relações de propriedade burguesas que incluem a compra e venda de força de trabalho como meio de expansão do capital. As forças produtivas do trabalho resultam numa produção em excesso em relação à capacidade de compra dos trabalhadores com o que as crises têm que ser resolvidas com a abertura de novos mercados e a exploração mais intensa dos mercados já existentes.

Essa primeira visão de crise resulta diretamente da concepção de história na qual as relações de produção que funcionam como acicate das forças produtivas ao mesmo tempo freiam o seu desenvolvimento, pois fazem crescer a produção além da capacidade do mercado imediato. Desse modo os mercados mundiais precisam ser expandidos constantemente. A contradição entre forças produtivas e relações de produção cria o mercado mundial e amplia à escala mundial aquela contradição. O desenvolvimento da produção por meio do encurtamento do trabalho necessário requer a ampliação contínua dos mercados. A crise é resultado de que o dinamismo das forças produtivas capitalistas não encontra um correspondente crescimento dos mercados. A exploração mais intensa dos mercados já existentes por meio do barateamento dos produtos alivia temporariamente a pressão por mercados, mas recria a mesma necessidade de ampliação perante o desenvolvimento cada vez maior da capacidade de produção.

A segunda fase busca a explicação da superprodução no próprio conceito de capital. Aqui Marx tem que prescindir da dicotomia entre crescimento da capacidade produtiva relativamente à expansão limitada dos mercados para concentrar-se na análise da natureza do capital para revelar a sua predisposição à crise. Esse esforço é empreendido nos Grundrisse, o primeiro esboço do que viria a ser O capital. A elaboração inicia com a enumeração dos limites à expansão da produção, o primeiro deles sendo exatamente o mesmo do Manifesto, mas agora apresentado nos termos da "capacidade de compra da força de trabalho sendo limitada pelo trabalho necessário". Essa forma de apresentar o problema é interessante, pois coloca imediatamente o produto do trabalho excedente como determinante da oferta além da capacidade de compra da força de trabalho, fato que requer uma demanda externa à demanda proveniente dos trabalhadores e, portanto, explicita a defasagem estrutural entre produção e demanda de meios de consumo. Obviamente, nem mesmo Marx acredita no problema colocado nesses termos e, por isso, ao desenvolver a crítica à teoria de preço de Proudhon na qual este fundamentava exatamente o mesmo tipo de conclusão, Marx começa a articular a teia das fontes de demanda implícitas no processo de reprodução ampliada do capital, ainda que não tenha a formulação acabada na forma que viriam a tomar os esquemas de reprodução no volume II de O capital. Ainda que comece a se insinuar um desenvolvimento teórico fundamental para a definitiva concepção de crise no capitalismo, a demanda de meios de consumo externa aos trabalhadores é apresentada com algo casual, enquanto a demanda de meios de produção é concebida como sendo regulada pela demanda de meios de consumo.

Nas Teorias da mais-valia Marx desenvolve a noção de superprodução absoluta num ramo líder como causa da superprodução relativa nos ramos dependentes. É preciso dizer que esse desenvolvimento tem aspectos interessantes, mas também sofre da limitação própria de uma disputa que limite o alcance dos resultados. Marx joga toda a força da sua argumentação na possibilidade de explicação da crise geral de superprodução. A relação superprodução absoluta/superprodução relativa oferece a facilidade do esquema de crise em cadeia, mas deixa suspensa no ar a causa da crise de superprodução absoluta. Assim, a superprodução absoluta num ramo industrial central e sua irradiação a outros ramos dependentes nos quais a superprodução se manifestaria como superprodução relativa decorrem da suposição de que a produção cresce mais rapidamente do que o crescimento dos mercados, noção que ainda sobrevive apesar das primeiras incursões nos esquemas de reprodução realizadas nos Grundrisse. A causa da crise apresentada nas Teorias da mais-valia não fornece uma explicação convincente de como se dá a superprodução nos ramos mais importantes. Ademais, a superprodução num ramo específico salta a fase metodológica da derivação da crise a partir da natureza do capital, uma vez que considera a superprodução como advinda de uma fração particular do capital e não do capital em geral. Ademais, a noção de superprodução generalizada apresentada nas Teorias da mais-valia pode ser sub-sumida nas noções anteriores, já que a superprodução absoluta também depende da capacidade de absorção dos mercados mundiais que não se expandem com a mesma celeridade da produção. Dessa forma, a superprodução absoluta é apenas a forma particular de superprodução em relação às condições de crescimento dos mercados externos, carecendo esta também de uma explicação.

A última fase corresponde ao desenvolvimento apresentado em O capital no qual a superprodução aparece imbricada com a análise do crédito e da especulação ao longo da flutuação cíclica da acumulação capitalista, elementos que já haviam sido acenados por Marx em seus artigos jornalísticos, mas ainda não integrados teoricamente com a análise do capital.

Os esquemas de reprodução em O capital atuam em dois fronts simultaneamente: por um lado dissolvem a noção de subconsumo, já que demonstram que a reprodução cria no seu próprio interior a demanda suficiente para a realização de toda a produção; por outro, lançam as bases para o entendimento da regulação do sistema de crédito a partir do capital dinheiro latente formado no interior da rotação do capital. Essa análise ganha um complemento com a teoria do juro e do lucro do empresário, formando um todo capaz de explicar o andamento cíclico do capital até a crise, entendida como meio de restabelecimento da unidade da reprodução.

A taxa de lucro do empresário é o acicate que incentiva os empresários a contrair dívida, já que os capitais mais alavancados adquirem maiores taxas de lucro do que os capitais menos alavancados; o balanço entre capitais em estado de formação de fundos monetários e capitais em estado de transformação de fundos em capital produtivo nos dá a medida do capital produtivo disponível para a reprodução ampliada: à medida que o espectro de capitais se concentra na fase de conversão do fundo de acumulação em capital produtivo, o balanço entre capital produtivo disponível e demanda de capital produtivo se desfaz. Esse desequilíbrio em favor das posições de acumulação produtiva leva ao aumento dos preços e à fase especulativa, a fase imediatamente anterior à crise, porque estira aos seus limites máximos as condições de reprodução, expondo os capitais especulativos a condições insustentáveis. Assim, a crise advém da recorrente tentativa do capital de ultrapassar seus próprios limites ao procurar acumular capital além do sobreproduto existente na forma de meios de produção.

Assim, podemos dizer que, tomado o arco de suas elaborações ao longo dos vinte anos até a publicação do primeiro volume de O capital, a teoria da crise evolui da concepção de excesso de produção de meios de consumo para excesso de demanda de meios de produção alavancados pelo crédito.

Referências bibliográficas

[editar | editar código-fonte]
  • CLARK, S. Marx S Theory of Crisis. London; New York: Palgrave MacMillan, 1994. ENGELS, F. The Condition of the Working Class in England. Stanford: Stanford Uni¬versity Press, 1958.
  • HOBSBAWM, E. J. A Era das Revoluções: 1789-1848. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977. ITOH, M. Value and Crisis. Essays onMarxian Economics in Japan. New York: Monthly Review Press, 1980.
  • LLANES, D. Teoría de las Crisis de Superproducción. La Habana: Editorial de Ciencias Humanas, 1986.
  • MARX, K. Theories of Surplus Value. Moscou: Progress Publishers, 1968, v.2.
  • A evolução da teoria da crise de superprodução na obra econômica de Marx • 89
  • MARX, K. Wage Labour and Capital: Value, Price and Profit. New York: International Publishers, 1976.
  • O capital: Crítica da Economia Política. São Paulo: Nova Cultural, 1988, v.4.
  • Grundrisse: Outlines of the Critique of Political Economy. New York; Londres:

Penguin, 1973.

  • MARX, K.; ENGELS, F. Collected Works. New York: International Publishers, 1975, v.3. (Esboço da crítica da economia política)
  • Collected Works. New York: International Publishers, 1975, v.4. (A condição da

classe trabalhadora na Inglaterra)

  • Collected Works. New York: International Publishers, 1976, v.5. (A ideologia alemã)
  • Collected Works. New York: International Publishers, 1976, v.6. (Miséria da

filosofia e Manifesto do Partido Comunista)

  • Collected Works. New York: International Publishers, 1978, v.10.
  • Collected Works. New York: International Publishers, 1979, v.12. (Artigos publi-

cados no New York Daily Tribune)

  • Collected Works. New York: International Publishers, 1986, v.28. (Grundrisse)
  • Collected Works. New York: International Publishers, 1989, v.32. (Teorias da

mais-valia)

  • Collected Works. New York: International Publishers, 1998, v.37. (O capital)
  • SHAIKH, A. An Introduction to the History of Crisis Theories. In: U.S. Capitalism in Crisis. New York: URPE - Union for Radical Political Economics, 1978, p.219-240.